Chacal, o criminoso mais procurado do mundo... numa página premiada de 1976


Leia perfil do terrorista publicado no Jornal da Tarde e a história de como chegamos à página em nosso arquivo

Por Edmundo Leite
Atualização:

No meio da década de 70 um personagem misterioso ganhou destaque na imprensa do mundo inteiro. Parecia saído das telas de cinema, mas era real. Seu nome era Illich Ramirez Sanchez, mas ficou conhecido como Carlos, o Chacal. No comecinho de 1976 o Jornal da Tarde decidiu publicar um perfil detalhado do terrorista.

“Vários nomes, várias identidades, idade e naturalidade controvertidas, incontáveis ligações com personalidades do mundo diplomático oficial e com os executores mais sanguinários de ações clandestinas, sejam elas, roubos, seqüestros, atentados ou homicídios.

Jovem (26 anos, pela versão mais coerente), inteligente (estuda Economia), elegante (é filho de família rica e freqüenta altas rodas da França e Inglaterra), bem falante (dizem que conhece bem quatro línguas, no mínimo) e romântico (de temperamento latino, é famoso por suas ligações com mulheres jovens e bonitas em várias partes do mundo), Carlos se dá muito bem no papel de criminoso culto, calculista e charmoso.” [Leia a íntegra mais abaixo]

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Com o título “O criminoso mais procurado do mundo”, o perfil ocupou uma página inteira na edição de 12 de janeiro daquele ano com uma grande ilustração em que um rastro de sangue escorrendo em meio às colunas de texto parecia ser a gravata de Chacal, cujo rosto aparecia em primeiro plano.

O caminho para uma página: contatos fotográficos

A página com o perfil de Chacal é uma amostra de como era o Jornal da Tarde. Mas, ao contrário de outras páginas republicadas aqui neste blog, não chegamos a ela procurando o assunto específico ou folheando aleatoriamente nossa coleção encadernada, ainda não digitalizada. O caminho para essa página começou no manuseio aleatório de outra das coleções em papel arquivadas no Acervo Estadão: a de contatos fotográficos.

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Quando nos deparamos com a imagem de três profissionais do Jornal da Tarde em 1977 com a palavra “premiados” ao lado de seus nomes no verso de uma folha de um contato fotográfico, a surpresa foi identificar entre eles um antigo ex-colega de redação e amigo, o jornalista Sérgio Vaz. Ao ver as imagens que enviamos a ele, creditadas no contato ao fotógrafo “Wilson”, além de se emocionar por se ver há quase cinquenta anos, Sérgio Vaz contou o motivo da palavra “premiados” - uma página sobre Carlos, o Chacal, o terrorista - e quase que imediatamente mandou um relato detalhado de como a página foi feita.

Assim, mesmo antes de termos a página em mãos, ficamos sabendo que seus autores foram Sérgio Vaz [concepção e edição], Claudio Morato [ilustração], João Castanho [diagramação] e Valdir Swetsch [texto]. Uma rara oportunidade de saber a autoria de uma página publicada sem créditos, já que o Jornal da Tarde tinha como prática naquela época assinar apenas alguns dos textos.

Com essas informações, fomos a outra de nossas coleções em papel - o incrível e infalível índice criado por Armando Augusto Bordallo, chefe do Arquivo do Estadão por mais de quatro décadas - para rapidamente localizar a data da publicação e a página aqui reproduzida.

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Jornal da Tarde - 12 de janeiro de 1976

Página do Jornal da Tarde sobre o terrorista Carlos, o Chacal no Jornal da Tarde de 12 de janeiro de 1976. Foto: Acervo Estadão

Um trabalho em equipe

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Depoimento do Jornalista Sérgio Vaz

“Meu, que viajandão no tempo... Eu era sub da Geral. Nos fins de semana, alternava a edição com o editor - que variou de Sandro Vaia para Anélio Barreto para Ari Schneider, e eu sempre sub... Bem, aí, num plantão de fim de semana, aconteceu alguma grande história com Carlos, o Chacal, o terrorista. E decidiu-se que daríamos a última página do jornal de segunda, que era algo especial, tiragem maior (o Estado não circulava às segundas), com a história.

O Cláudio Morato estava na arte. Eu propus a ele que fizesse um grande desenho do Carlos, o Chacal – em um formato solto, avançando sobre parte das colunas. O Castanho estava na diagramação, e fez a página depois que o Morato fez a arte, fazendo certinho o cálculo do tamanho do texto. Que foi escrito por Valdir Swetsch, a partir dos telegramas internacionais e material do arquivo.

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Ou seja: foi um autêntico trabalho de equipe. Eu tive a idéia de propor que ele fizesse um desenho em formato solto, o Castanho fez a diagramação em cima do desenho, o Valdir fez o texto, eu fiz o título, o olho, a canetada final. Me lembro depois que a página foi premiada, sei lá que raio de prêmio foi aquele...

Desculpe ter me estendido, Ed, mas, diabo, a história veio todinha na minha cabeça!”

O ilustrador Claudio Morato, o diagramador João Castanho e o jornalista Sérgio Vaz na redação do Jornal da Tarde em 1 de dezembro de 1977. Foto: Wilson/Estadão
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O criminoso mais procurado do mundo

Ele se chama Illich Ramirez Sanchez. Mas podemos chamá-lo de Carlos Ramirez, ou Glen Everhand, ou Hector Ippodikon. Ou de Carlos, simplesmente. Ou ainda, como prefere a imprensa chegada aos aspectos novelísticos de seus personagens, de “Chacal” - o homem que dribla os aparatos policiais de vários países com a mesma facilidade e segurança com que maneja uma arma, sem hesitação e sem falhas, quando se vê acuado.

Vários nomes, várias identidades, idade e naturalidade controvertidas, incontáveis ligações com personalidades do mundo diplomático oficial e com os executores mais sanguinários de ações clandestinas, sejam elas, roubos, seqüestros, atentados ou homicídios.

Jovem (26 anos, pela versão mais coerente), inteligente (estuda Economia), elegante (é filho de família rica e freqüenta altas rodas da França e Inglaterra), bem falante (dizem que conhece bem quatro línguas, no mínimo) e romântico (de temperamento latino, é famoso por suas ligações com mulheres jovens e bonitas em várias partes do mundo), Carlos se dá muito bem no papel de criminoso culto, calculista e charmoso.

E teve tudo para se tornar um daqueles mitológicos anti-heróis do mundo moderno — que provocam a ira das autoridades mas exercem um estranho fascínio sobre a maioria das pessoas - quando passou a ser caçado ferozmente pelas polícias de vários países europeus, em junho do ano passado.

Foi na noite do dia 27. Carlos estava no apartamento de uma de suas amigas, na rua Touiller, em Paris, quando foi surpreendido por um delator, que vinha acompanhado de três agentes da contra-espionagem francesa. A reação de Carlos foi imediata: correu para o banheiro e de lá saiu dando tiros, à queima-roupa, contra os quatro homens. Conseguiu matar o delator e dois policiais. E desapareceu no meio da noite parisiense.

A partir daí, a polícia francesa começou a juntar informações sobre Carlos e descobriu que estivera em vias de prender um homem muito importante na rede internacional do terrorismo, um homem que mantinha ligações com os principais grupos terroristas do mundo ocidental. E, enquanto ia montando sua história cheia de contradições e prendendo algumas das pessoas que lhe davam cobertura (diplomatas cubanos e muitas mulheres, principalmente), a polícia perdeu completamente a pista do perigoso Carlos. E ele se-tornou internacionalmente conhecido como o criminoso mais procurado do mundo inteiro.

Ao mesmo tempo, de todas as partes do mundo começaram a surgir informações sobre a passagem ou presença de Carlos, que assim se tornava uma espécie de criminoso onipresente. Em Londres, dois comerciantes o reconhecem entre os frequentadores de um bar. O dono do bar chegou a dizer que Carlos estava muito abatido e aparentava cansaço, o que era compreensível devido às circunstâncias em que estava envolvido.

Mas ele também foi visto na Bélgica, reabastecendo seu carro num posto de gasolina. também na Alemanha, onde uma mulher o descobriu calmamente sentado num banco de trem. E, fechando o círculo das informações desencontradas, uma de suas amigas de Londres contou à Scotland Yard que tinha recebido um telefonema de um amigo de Carlos, que a informava da morte do terrorista em acidente de automóvel, na França.

Assim, enquanto a polícia se desgastava na tarefa de selecionar dados objetivos incontestáveis em meio à torrente de informações que recebia, Carlos ia se transformando numa espécie de mito, de anti-herói, como um solitário e romântico rebelde disposto a colaborar com todas as causas de oposição. Como disse a revista francesa “L’Express”, em sua edição de 5 de janeiro de 1976, indignada pela falta de iniciativa das autoridades francesas diante do assunto, “por muito pouco, alguns não transformaram um assassino no homem do ano de 1975″.

Mas, a 21 de dezembro do ano passado, seis meses após o incidente da rua Touiller — quando os serviços secretos e de contra-espionagem europeus já tinham descoberto alguns arsenais montados por Carlos e seus companheiros, mas ainda não tinham conseguido uma só boa pista a respeito do paradeiro do próprio “Chacal” —, um comando , terrorista fortemente armado irrompeu na sala de conferências da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), em Viena, e seqüestrou onze ministros do petróleo — a maioria representando países árabes.

As primeiras informações diziam que o líder do grupo era um terrorista jovem, moreno, “com cara de judeu”, de boné, cabelos compridos, barba rala, “meio ao estilo de Che Guevara”. Até ai, nada de excepcional. Mas logo vieram novidades: esse mesmo homem era alto, tinha um trejeito inconfundível nos lábios e tinha aquele nariz aquilino que se curva quando fala ou ri. Só podia ser Carlos.

E era. Arrogante, pretensioso, com toques de megalomania e espírito aventureiro, Carlos estava não só executando uma ação terrorista de grande repercussão política, mas também mostrando às autoridades policiais e à opinião pública do mundo inteiro que é um homem muito seguro de sua impunidade.

Tanto que revelou sua identidade ao primeiro diplomata que se propôs a fazer a mediação entre o comando terrorista e as autoridades austríacas — Riad Azzawi, encarregado dos negócios iraquianos em Viena. E também ao ministro argelino Belaid Abdesselam, que sai com Riad do prédio três vezes, para ativar as negociações. Das quatro línguas que usa para se dirigir aos reféns, é visivelmente o espanhol que domina com mais facilidade. E logo o ministro venezuelano Valentim Hernandez Acosta tem certeza que está diante de um compatriota. Sim, só podia ser Carlos.

E é quando um DC-9 austríaco decola de Viena, levando a bordo os terroristas e seus reféns, que Carlos começa a dar as provas mais concretas de sua identidade. Ao ministro Valentim Hernandez Acosta, por exemplo, ele conta com detalhes como liquidou os dois agentes de contra-espionagem francesa em Paris. Isso ele contou, de acordo com Acosta, “não para se gabar, mas porque o episódio faz parte de sua luta pela revolução palestina”.

Pouco depois, no mesmo vôo, as demonstrações são mais espalhafatosas e arrogantes. Antes da primeira escala em Argel, usando uma caneta de tinta azul e caprichando na caligrafia miúda e longa, Carlos dá um autógrafo ao delegado da Nigéria, Remi Marinho: “Vôo Viena-Argel, 22.XII.75. Carlos”. Além disso, faz do ministro venezuelano o portador de uma carta dirigida a sua mãe, Elba Sanchez, em Caracas.

Quando o avião pousou pela segunda vez em Argel, depois de uma peregrinação pelos céus do Oriente Médio, e os terroristas libertaram seus reféns e se entregaram às autoridades policiais, Carlos foi saudado por simpatizantes da causa palestina com as honras devidas a um “herói da revolução árabe”. E, em pouco tempo, ele passava de prisioneiro para asilado político. E desaparecia completamente, como desapareceu em Paris logo após o incidente da rua Touiller.

Isso irritou profundamente os franceses. Afinal, perguntou o “L’Express”, por que o governo não tomou nenhuma atitude jurídica no momento em que ficou comprovado que o chefe do comando que invadiu era efetivamente Carlos? Por que não pedir sua extradição para a França, e aí submetê-lo a processo, se toda a polícia francesa estava justamente fazendo um tremendo esforço para localizá-lo — e agora ele estava aí, visível, “tratando de igual para igual com ministros”?

E o “L’Express” lembra também que, antes de ganhar notoriedade internacional, Carlos “era apenas um simples executante a pagamento, uma espécie de mercenário do terrorismo internacional, um agente disponível no mercado mundial dos atentados”. Simples executante a pagamento”, como diz a revista, ou “revolucionário fiel à luta pela libertação da Palestina”, como disse o ministro venezuelano Acosta, a verdade é que poucos terroristas têm em sua folha de serviços tanta ação, tantas identidades, tanto prestígio, tantas ligações importantes e tantas missões cumpridas.

Nascido a 2 de outubro de 1949, filho de um rico advogado que simpatizava com o Partido Comunista venezuelano,Illich (que ganhou este nome em homenagem a Viadimir lllich Lênin) fez um primeiro estágio, aos 17 anos, nos campos de treinamentos de jovens em Cuba. Em 1968, já era fichado por participar de violentas manifestações em Caracas. Seu pai o manda para Moscou, onde ele se torna estudante da Universidade Patrice Lumumba.

Em 1970, Carlos é preso pela milícia soviética depois de um saque na embaixada do Líbano, e é expulso do país por maus costumes e atividades provocadoras. Passa por Berlim e por Beirute — itinerário habitual dos agentes infiltrados nas redes palestinas — e em fevereiro de 1972 encontra-se com a mãe em Londres, que o inscreve na London School of Economics e o apresenta alta sociedade inglesa.Entre coquetéis e outras atividades sociais, acaba aderindo à guerrilha urbana dos terroristas Irlandeses filiados ao IRA.E torna-se o responsável pela ligação desse grupo com as frentes palestinas de Georges Habache (da Frente Popular de Libertação da Palestina).

No fim de julho de 1973, Carlos vai a Paris substituir o argelino Mohamed Budia, ferido por uma bomba, à frente de uma rede em operação na Europa Ocidental. Então começa a ampliar suas ligações com todos os tipos de movimentos extremistas em atividade na Europa. Ao mesmo tempo, empenha-se em conquistas femininas, com o objetivo de garantir esconderijos, substitutos, caixas postais, e repouso para os combatentes dos comandos terroristas.

Nesse mesmo ano, Carlos entra em contato com uma rede turco-palestina Organizada pela viúva do assassino do cônsul de Israel em Istambul e estabelece sua base logística para a Europa e a África numa casa de Val-de-Marne. No fim do ano, volta a Londres. No dia 30 de dezembro, um homem mascarado força a entrada do apartamento do Lord Joseph Sieff, presidente das lojas Marks and Spencer, e o fere gravemente na cabeça com uma bala de nove milímetros.

O atentado é reivindicado pela FLPI. (A arma) utilizada nesse crime foi encontrada na sacola confiada por Carlos, em julho de 1974, a uma criada basca de um bar londrino, Otaola Baranca, junto com um fichário de 500 personalidades européias pró-israelenses, onde o nome do conde Sieff está em primeiro lugar. Otaola, de 22 anos, tinha em seu apartamento explosivos, granadas, munições, armas de fogo e documentos falsos.)

Logo após o atentado, Carlos coloca Otaola em contato com uma amiga colombiana, Maria de Romero (38 anos, advogada), que lhe consegue dinheiro e um passaporte italiano falso que lhe garante a fuga.

Em Beirute, no fim de maio de 1974, Carlos põe-se a serviço de um dissidente da FPLP, Michel Mukarbal, responsável pelo apoio logístico de uma Organização que prepara atentados e seqüestros na Europa Ocidental. Volta a Paris em junho, sob o nome falso de Andres Martinez-Torres. Na noite de 3 para 4 de agosto, o “comando Budia” faz explodir três carros parados diante da sede de três periódicos de Paris: os jornais L’Aurore e Minute e a revista judaica L’Arche. (As plantas dos três imóveis constam dos arquivos de Carlos.)

A 26 de julho desse mesmo ano, um dos chefes do Exército Vermelho Japonês, Yukata Furaya, é preso no aeroporto de Orly (Paris) com um conjunto de passaportes e dólares falsos. No fim de agosto Carlos e seu companheiro Mukarbal vão a Haia, na Holanda. E em 3 de setembro a Zurique (Suiça), onde entregam quatro mil francos a três terroristas japoneses. No dia 12, Carlos os reencontra em Amsterdã (Holanda), volta a Paris no dia seguinte, deixando um cúmplice chileno em Amsterdã com instruções para acompanhar o ataque dos japones contra a embaixada da França.

Com granadas de fragmentação US-M 26, que um grupo de terroristas alemães da organização Baadermeinhof roubou do arsenal militar norte-americano de Missau, em 1971, os japoneses e o chileno invadem a embaixada francesa e fazem 11 reféns. Pela liberdade dos reféns, os terroristas exigem a de Furaya. E voam com ele para Damasco.

Todos os detalhes sobre essas andanças estão registrados no livro onde o terrorista Mukarbal mantém minucioso controle de contabilidade. O livro é encontrado, junto com 28 granadas do lote roubado em Missau, no esconderijo parisiense de Carlos.

Uma granada do mesmo lote é atirada, a 15 de setembro de 1974, sobre a multidão em frente a uma farmácia de Saint-Germain, em Paris: a explosão causa duas mortes e ferimentos em 34 pessoas, das quais 18 mulheres e quatro crianças. Pouco depois, a venezuelana Maria Tereza Lara leva Carlos à casa de sua colega Nancy Sanchez, na rua Touiller, onde se reúnem estudantes sul-americanos. No fim de dezembro, Nancy apresenta Carlos a uma de suas ex-colegas de Sociologia. Angela Armstrong (29 anos inglesa, secretária no College de France).

A 8 de janeiro de 1975, um alemão aluga um carro em nome de Klaus Muller, em Paris.E o mesmo carro leva ao aeroporto de Orly cinco dias mais tarde, dois terroristas que destróem um DC-9 iugoslavo e fogem. No domingo seguinte, o comando repete a façanha do terraço de Orly, com uma bazuca: deixa 20 feridos e consegue 10 reféns, que garantem a fuga para Bagdá. (Mais tarde, a polícia descobriu que Carlos foi o responsável por essas ações).

Interpelado pela polícia, mas posto em liberdade, a 7 de junho, no aeroporto de Beirute, Mukarbal volta a Paris no dia 13, levando fundos e instruções para Carlos. O serviço de contra-espionagem, alertado, segue o terrorista e o fotografa em todos os seus contatos — entre eles Carlos, que mora em um estúdio da avenida Claude-Vellefaux. No dia 21, Mukarbal toma um avião para Londres, mas não o deixam desembarcar. É preso pela polícia francesa dois dias depois, e passa a colaborar: confessa os preparativos de um atentado contra Asher Ben Natan], então embaixador de Israel na França.

Com risco de ser descoberto pela polícia, a partir da prisão de Mukarbal, Carlos pede ajuda à venezuelana Maria Tereza, que esconde suas armas e arquivos na casa de Amparo Silva Masmela, uma colombiana de 28 anos. No dia 27, ao meio-dia, Carlos telefona à criada de Londres, Olaola, cumprimentando-a pelo seu aniversário e dizendo que chega à Inglaterra no dia seguinte.

À tarde, Nancy Sanchez organiza uma festa para se despedir dos amigos — ela vai viajar, nessa mesma noite, para Caracas. Carlos vai à festa. As 20h45, quando restam apenas ele e mais três convidados, Mukarbal e os três agentes policiais se apresentam, sem armas e calmos, à porta do apartamento. Carlos finge concordar em acompanhá-los, vai até o banheiro e volta dando tiros.

No dia seguinte, Angela Armostrong o encontra por acaso no aeroporto dos Invalides. Carlos revela: “Um porco árabe me traiu. E eu mato aqueles que me traem. Vou fugir para o Oriente Médio”.

A partir díi, começam suas andanças misteriosas pelo mundo, quando é frequentemente visto em dois ou três lugares ao mesmo tempo. De acordo com a polícia francesa, é certo que ele conseguiu chegar à Inglaterra e manteve contato com um misterioso chileno chamado Garcia Gonzalves. Depois disso, foi para o Oriente Médio e, em setembro, foi confirmada sua presença em Beirute.

De acordo com os serviços secretos israelenses, Carlos participou, no fim de novembro ou início de dezembro do ano passado, de uma reunião em Bagdá, com o chefe do ramo militar da FPLP, Wadih Haddad, e dois representantes dos serviços secretos líbio e argelino. Aí teria sido decidida a operação espetacular na sede da OPEP, em Viena, símbolo — segundo os extremistas — do predomínio dos estados árabes moderados sobre os extremistas.

Dai, Carlos vai a Trípoli (na Líbia), para concluir — ainda de acordo com versões do serviço secreto de Israel — a organização do comando que deve ser recuperado prudentemente pela Argélia ou pela Líbia, sem comprometer a responsabilidade dos dois países. Recruta alguns homens em Nuremberg e,a 19 de dezembro, o comando terrorista está completo em Viena.

Dois dias depois, os ministros do petróleo recebem estranhas visitas em sua reunião de alto nivel. A frente do grupo está aquele moreno jovem e alto, com um cacoete na boca e um nariz inconfundível; aquele aventureiro arrogante e frio, que não vacila em apertar o dedo de um gatilho quando alguém tenta impedir seus passos; aquele terrorista que é, ainda, o homem mais procurado pelas polícias de toda a Europa: Illich Ramirez Sanchez, o Carlos, o “Chacal”.


Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

No meio da década de 70 um personagem misterioso ganhou destaque na imprensa do mundo inteiro. Parecia saído das telas de cinema, mas era real. Seu nome era Illich Ramirez Sanchez, mas ficou conhecido como Carlos, o Chacal. No comecinho de 1976 o Jornal da Tarde decidiu publicar um perfil detalhado do terrorista.

“Vários nomes, várias identidades, idade e naturalidade controvertidas, incontáveis ligações com personalidades do mundo diplomático oficial e com os executores mais sanguinários de ações clandestinas, sejam elas, roubos, seqüestros, atentados ou homicídios.

Jovem (26 anos, pela versão mais coerente), inteligente (estuda Economia), elegante (é filho de família rica e freqüenta altas rodas da França e Inglaterra), bem falante (dizem que conhece bem quatro línguas, no mínimo) e romântico (de temperamento latino, é famoso por suas ligações com mulheres jovens e bonitas em várias partes do mundo), Carlos se dá muito bem no papel de criminoso culto, calculista e charmoso.” [Leia a íntegra mais abaixo]

Com o título “O criminoso mais procurado do mundo”, o perfil ocupou uma página inteira na edição de 12 de janeiro daquele ano com uma grande ilustração em que um rastro de sangue escorrendo em meio às colunas de texto parecia ser a gravata de Chacal, cujo rosto aparecia em primeiro plano.

O caminho para uma página: contatos fotográficos

A página com o perfil de Chacal é uma amostra de como era o Jornal da Tarde. Mas, ao contrário de outras páginas republicadas aqui neste blog, não chegamos a ela procurando o assunto específico ou folheando aleatoriamente nossa coleção encadernada, ainda não digitalizada. O caminho para essa página começou no manuseio aleatório de outra das coleções em papel arquivadas no Acervo Estadão: a de contatos fotográficos.

Quando nos deparamos com a imagem de três profissionais do Jornal da Tarde em 1977 com a palavra “premiados” ao lado de seus nomes no verso de uma folha de um contato fotográfico, a surpresa foi identificar entre eles um antigo ex-colega de redação e amigo, o jornalista Sérgio Vaz. Ao ver as imagens que enviamos a ele, creditadas no contato ao fotógrafo “Wilson”, além de se emocionar por se ver há quase cinquenta anos, Sérgio Vaz contou o motivo da palavra “premiados” - uma página sobre Carlos, o Chacal, o terrorista - e quase que imediatamente mandou um relato detalhado de como a página foi feita.

Assim, mesmo antes de termos a página em mãos, ficamos sabendo que seus autores foram Sérgio Vaz [concepção e edição], Claudio Morato [ilustração], João Castanho [diagramação] e Valdir Swetsch [texto]. Uma rara oportunidade de saber a autoria de uma página publicada sem créditos, já que o Jornal da Tarde tinha como prática naquela época assinar apenas alguns dos textos.

Com essas informações, fomos a outra de nossas coleções em papel - o incrível e infalível índice criado por Armando Augusto Bordallo, chefe do Arquivo do Estadão por mais de quatro décadas - para rapidamente localizar a data da publicação e a página aqui reproduzida.

Jornal da Tarde - 12 de janeiro de 1976

Página do Jornal da Tarde sobre o terrorista Carlos, o Chacal no Jornal da Tarde de 12 de janeiro de 1976. Foto: Acervo Estadão

Um trabalho em equipe

Depoimento do Jornalista Sérgio Vaz

“Meu, que viajandão no tempo... Eu era sub da Geral. Nos fins de semana, alternava a edição com o editor - que variou de Sandro Vaia para Anélio Barreto para Ari Schneider, e eu sempre sub... Bem, aí, num plantão de fim de semana, aconteceu alguma grande história com Carlos, o Chacal, o terrorista. E decidiu-se que daríamos a última página do jornal de segunda, que era algo especial, tiragem maior (o Estado não circulava às segundas), com a história.

O Cláudio Morato estava na arte. Eu propus a ele que fizesse um grande desenho do Carlos, o Chacal – em um formato solto, avançando sobre parte das colunas. O Castanho estava na diagramação, e fez a página depois que o Morato fez a arte, fazendo certinho o cálculo do tamanho do texto. Que foi escrito por Valdir Swetsch, a partir dos telegramas internacionais e material do arquivo.

Ou seja: foi um autêntico trabalho de equipe. Eu tive a idéia de propor que ele fizesse um desenho em formato solto, o Castanho fez a diagramação em cima do desenho, o Valdir fez o texto, eu fiz o título, o olho, a canetada final. Me lembro depois que a página foi premiada, sei lá que raio de prêmio foi aquele...

Desculpe ter me estendido, Ed, mas, diabo, a história veio todinha na minha cabeça!”

O ilustrador Claudio Morato, o diagramador João Castanho e o jornalista Sérgio Vaz na redação do Jornal da Tarde em 1 de dezembro de 1977. Foto: Wilson/Estadão

O criminoso mais procurado do mundo

Ele se chama Illich Ramirez Sanchez. Mas podemos chamá-lo de Carlos Ramirez, ou Glen Everhand, ou Hector Ippodikon. Ou de Carlos, simplesmente. Ou ainda, como prefere a imprensa chegada aos aspectos novelísticos de seus personagens, de “Chacal” - o homem que dribla os aparatos policiais de vários países com a mesma facilidade e segurança com que maneja uma arma, sem hesitação e sem falhas, quando se vê acuado.

Vários nomes, várias identidades, idade e naturalidade controvertidas, incontáveis ligações com personalidades do mundo diplomático oficial e com os executores mais sanguinários de ações clandestinas, sejam elas, roubos, seqüestros, atentados ou homicídios.

Jovem (26 anos, pela versão mais coerente), inteligente (estuda Economia), elegante (é filho de família rica e freqüenta altas rodas da França e Inglaterra), bem falante (dizem que conhece bem quatro línguas, no mínimo) e romântico (de temperamento latino, é famoso por suas ligações com mulheres jovens e bonitas em várias partes do mundo), Carlos se dá muito bem no papel de criminoso culto, calculista e charmoso.

E teve tudo para se tornar um daqueles mitológicos anti-heróis do mundo moderno — que provocam a ira das autoridades mas exercem um estranho fascínio sobre a maioria das pessoas - quando passou a ser caçado ferozmente pelas polícias de vários países europeus, em junho do ano passado.

Foi na noite do dia 27. Carlos estava no apartamento de uma de suas amigas, na rua Touiller, em Paris, quando foi surpreendido por um delator, que vinha acompanhado de três agentes da contra-espionagem francesa. A reação de Carlos foi imediata: correu para o banheiro e de lá saiu dando tiros, à queima-roupa, contra os quatro homens. Conseguiu matar o delator e dois policiais. E desapareceu no meio da noite parisiense.

A partir daí, a polícia francesa começou a juntar informações sobre Carlos e descobriu que estivera em vias de prender um homem muito importante na rede internacional do terrorismo, um homem que mantinha ligações com os principais grupos terroristas do mundo ocidental. E, enquanto ia montando sua história cheia de contradições e prendendo algumas das pessoas que lhe davam cobertura (diplomatas cubanos e muitas mulheres, principalmente), a polícia perdeu completamente a pista do perigoso Carlos. E ele se-tornou internacionalmente conhecido como o criminoso mais procurado do mundo inteiro.

Ao mesmo tempo, de todas as partes do mundo começaram a surgir informações sobre a passagem ou presença de Carlos, que assim se tornava uma espécie de criminoso onipresente. Em Londres, dois comerciantes o reconhecem entre os frequentadores de um bar. O dono do bar chegou a dizer que Carlos estava muito abatido e aparentava cansaço, o que era compreensível devido às circunstâncias em que estava envolvido.

Mas ele também foi visto na Bélgica, reabastecendo seu carro num posto de gasolina. também na Alemanha, onde uma mulher o descobriu calmamente sentado num banco de trem. E, fechando o círculo das informações desencontradas, uma de suas amigas de Londres contou à Scotland Yard que tinha recebido um telefonema de um amigo de Carlos, que a informava da morte do terrorista em acidente de automóvel, na França.

Assim, enquanto a polícia se desgastava na tarefa de selecionar dados objetivos incontestáveis em meio à torrente de informações que recebia, Carlos ia se transformando numa espécie de mito, de anti-herói, como um solitário e romântico rebelde disposto a colaborar com todas as causas de oposição. Como disse a revista francesa “L’Express”, em sua edição de 5 de janeiro de 1976, indignada pela falta de iniciativa das autoridades francesas diante do assunto, “por muito pouco, alguns não transformaram um assassino no homem do ano de 1975″.

Mas, a 21 de dezembro do ano passado, seis meses após o incidente da rua Touiller — quando os serviços secretos e de contra-espionagem europeus já tinham descoberto alguns arsenais montados por Carlos e seus companheiros, mas ainda não tinham conseguido uma só boa pista a respeito do paradeiro do próprio “Chacal” —, um comando , terrorista fortemente armado irrompeu na sala de conferências da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), em Viena, e seqüestrou onze ministros do petróleo — a maioria representando países árabes.

As primeiras informações diziam que o líder do grupo era um terrorista jovem, moreno, “com cara de judeu”, de boné, cabelos compridos, barba rala, “meio ao estilo de Che Guevara”. Até ai, nada de excepcional. Mas logo vieram novidades: esse mesmo homem era alto, tinha um trejeito inconfundível nos lábios e tinha aquele nariz aquilino que se curva quando fala ou ri. Só podia ser Carlos.

E era. Arrogante, pretensioso, com toques de megalomania e espírito aventureiro, Carlos estava não só executando uma ação terrorista de grande repercussão política, mas também mostrando às autoridades policiais e à opinião pública do mundo inteiro que é um homem muito seguro de sua impunidade.

Tanto que revelou sua identidade ao primeiro diplomata que se propôs a fazer a mediação entre o comando terrorista e as autoridades austríacas — Riad Azzawi, encarregado dos negócios iraquianos em Viena. E também ao ministro argelino Belaid Abdesselam, que sai com Riad do prédio três vezes, para ativar as negociações. Das quatro línguas que usa para se dirigir aos reféns, é visivelmente o espanhol que domina com mais facilidade. E logo o ministro venezuelano Valentim Hernandez Acosta tem certeza que está diante de um compatriota. Sim, só podia ser Carlos.

E é quando um DC-9 austríaco decola de Viena, levando a bordo os terroristas e seus reféns, que Carlos começa a dar as provas mais concretas de sua identidade. Ao ministro Valentim Hernandez Acosta, por exemplo, ele conta com detalhes como liquidou os dois agentes de contra-espionagem francesa em Paris. Isso ele contou, de acordo com Acosta, “não para se gabar, mas porque o episódio faz parte de sua luta pela revolução palestina”.

Pouco depois, no mesmo vôo, as demonstrações são mais espalhafatosas e arrogantes. Antes da primeira escala em Argel, usando uma caneta de tinta azul e caprichando na caligrafia miúda e longa, Carlos dá um autógrafo ao delegado da Nigéria, Remi Marinho: “Vôo Viena-Argel, 22.XII.75. Carlos”. Além disso, faz do ministro venezuelano o portador de uma carta dirigida a sua mãe, Elba Sanchez, em Caracas.

Quando o avião pousou pela segunda vez em Argel, depois de uma peregrinação pelos céus do Oriente Médio, e os terroristas libertaram seus reféns e se entregaram às autoridades policiais, Carlos foi saudado por simpatizantes da causa palestina com as honras devidas a um “herói da revolução árabe”. E, em pouco tempo, ele passava de prisioneiro para asilado político. E desaparecia completamente, como desapareceu em Paris logo após o incidente da rua Touiller.

Isso irritou profundamente os franceses. Afinal, perguntou o “L’Express”, por que o governo não tomou nenhuma atitude jurídica no momento em que ficou comprovado que o chefe do comando que invadiu era efetivamente Carlos? Por que não pedir sua extradição para a França, e aí submetê-lo a processo, se toda a polícia francesa estava justamente fazendo um tremendo esforço para localizá-lo — e agora ele estava aí, visível, “tratando de igual para igual com ministros”?

E o “L’Express” lembra também que, antes de ganhar notoriedade internacional, Carlos “era apenas um simples executante a pagamento, uma espécie de mercenário do terrorismo internacional, um agente disponível no mercado mundial dos atentados”. Simples executante a pagamento”, como diz a revista, ou “revolucionário fiel à luta pela libertação da Palestina”, como disse o ministro venezuelano Acosta, a verdade é que poucos terroristas têm em sua folha de serviços tanta ação, tantas identidades, tanto prestígio, tantas ligações importantes e tantas missões cumpridas.

Nascido a 2 de outubro de 1949, filho de um rico advogado que simpatizava com o Partido Comunista venezuelano,Illich (que ganhou este nome em homenagem a Viadimir lllich Lênin) fez um primeiro estágio, aos 17 anos, nos campos de treinamentos de jovens em Cuba. Em 1968, já era fichado por participar de violentas manifestações em Caracas. Seu pai o manda para Moscou, onde ele se torna estudante da Universidade Patrice Lumumba.

Em 1970, Carlos é preso pela milícia soviética depois de um saque na embaixada do Líbano, e é expulso do país por maus costumes e atividades provocadoras. Passa por Berlim e por Beirute — itinerário habitual dos agentes infiltrados nas redes palestinas — e em fevereiro de 1972 encontra-se com a mãe em Londres, que o inscreve na London School of Economics e o apresenta alta sociedade inglesa.Entre coquetéis e outras atividades sociais, acaba aderindo à guerrilha urbana dos terroristas Irlandeses filiados ao IRA.E torna-se o responsável pela ligação desse grupo com as frentes palestinas de Georges Habache (da Frente Popular de Libertação da Palestina).

No fim de julho de 1973, Carlos vai a Paris substituir o argelino Mohamed Budia, ferido por uma bomba, à frente de uma rede em operação na Europa Ocidental. Então começa a ampliar suas ligações com todos os tipos de movimentos extremistas em atividade na Europa. Ao mesmo tempo, empenha-se em conquistas femininas, com o objetivo de garantir esconderijos, substitutos, caixas postais, e repouso para os combatentes dos comandos terroristas.

Nesse mesmo ano, Carlos entra em contato com uma rede turco-palestina Organizada pela viúva do assassino do cônsul de Israel em Istambul e estabelece sua base logística para a Europa e a África numa casa de Val-de-Marne. No fim do ano, volta a Londres. No dia 30 de dezembro, um homem mascarado força a entrada do apartamento do Lord Joseph Sieff, presidente das lojas Marks and Spencer, e o fere gravemente na cabeça com uma bala de nove milímetros.

O atentado é reivindicado pela FLPI. (A arma) utilizada nesse crime foi encontrada na sacola confiada por Carlos, em julho de 1974, a uma criada basca de um bar londrino, Otaola Baranca, junto com um fichário de 500 personalidades européias pró-israelenses, onde o nome do conde Sieff está em primeiro lugar. Otaola, de 22 anos, tinha em seu apartamento explosivos, granadas, munições, armas de fogo e documentos falsos.)

Logo após o atentado, Carlos coloca Otaola em contato com uma amiga colombiana, Maria de Romero (38 anos, advogada), que lhe consegue dinheiro e um passaporte italiano falso que lhe garante a fuga.

Em Beirute, no fim de maio de 1974, Carlos põe-se a serviço de um dissidente da FPLP, Michel Mukarbal, responsável pelo apoio logístico de uma Organização que prepara atentados e seqüestros na Europa Ocidental. Volta a Paris em junho, sob o nome falso de Andres Martinez-Torres. Na noite de 3 para 4 de agosto, o “comando Budia” faz explodir três carros parados diante da sede de três periódicos de Paris: os jornais L’Aurore e Minute e a revista judaica L’Arche. (As plantas dos três imóveis constam dos arquivos de Carlos.)

A 26 de julho desse mesmo ano, um dos chefes do Exército Vermelho Japonês, Yukata Furaya, é preso no aeroporto de Orly (Paris) com um conjunto de passaportes e dólares falsos. No fim de agosto Carlos e seu companheiro Mukarbal vão a Haia, na Holanda. E em 3 de setembro a Zurique (Suiça), onde entregam quatro mil francos a três terroristas japoneses. No dia 12, Carlos os reencontra em Amsterdã (Holanda), volta a Paris no dia seguinte, deixando um cúmplice chileno em Amsterdã com instruções para acompanhar o ataque dos japones contra a embaixada da França.

Com granadas de fragmentação US-M 26, que um grupo de terroristas alemães da organização Baadermeinhof roubou do arsenal militar norte-americano de Missau, em 1971, os japoneses e o chileno invadem a embaixada francesa e fazem 11 reféns. Pela liberdade dos reféns, os terroristas exigem a de Furaya. E voam com ele para Damasco.

Todos os detalhes sobre essas andanças estão registrados no livro onde o terrorista Mukarbal mantém minucioso controle de contabilidade. O livro é encontrado, junto com 28 granadas do lote roubado em Missau, no esconderijo parisiense de Carlos.

Uma granada do mesmo lote é atirada, a 15 de setembro de 1974, sobre a multidão em frente a uma farmácia de Saint-Germain, em Paris: a explosão causa duas mortes e ferimentos em 34 pessoas, das quais 18 mulheres e quatro crianças. Pouco depois, a venezuelana Maria Tereza Lara leva Carlos à casa de sua colega Nancy Sanchez, na rua Touiller, onde se reúnem estudantes sul-americanos. No fim de dezembro, Nancy apresenta Carlos a uma de suas ex-colegas de Sociologia. Angela Armstrong (29 anos inglesa, secretária no College de France).

A 8 de janeiro de 1975, um alemão aluga um carro em nome de Klaus Muller, em Paris.E o mesmo carro leva ao aeroporto de Orly cinco dias mais tarde, dois terroristas que destróem um DC-9 iugoslavo e fogem. No domingo seguinte, o comando repete a façanha do terraço de Orly, com uma bazuca: deixa 20 feridos e consegue 10 reféns, que garantem a fuga para Bagdá. (Mais tarde, a polícia descobriu que Carlos foi o responsável por essas ações).

Interpelado pela polícia, mas posto em liberdade, a 7 de junho, no aeroporto de Beirute, Mukarbal volta a Paris no dia 13, levando fundos e instruções para Carlos. O serviço de contra-espionagem, alertado, segue o terrorista e o fotografa em todos os seus contatos — entre eles Carlos, que mora em um estúdio da avenida Claude-Vellefaux. No dia 21, Mukarbal toma um avião para Londres, mas não o deixam desembarcar. É preso pela polícia francesa dois dias depois, e passa a colaborar: confessa os preparativos de um atentado contra Asher Ben Natan], então embaixador de Israel na França.

Com risco de ser descoberto pela polícia, a partir da prisão de Mukarbal, Carlos pede ajuda à venezuelana Maria Tereza, que esconde suas armas e arquivos na casa de Amparo Silva Masmela, uma colombiana de 28 anos. No dia 27, ao meio-dia, Carlos telefona à criada de Londres, Olaola, cumprimentando-a pelo seu aniversário e dizendo que chega à Inglaterra no dia seguinte.

À tarde, Nancy Sanchez organiza uma festa para se despedir dos amigos — ela vai viajar, nessa mesma noite, para Caracas. Carlos vai à festa. As 20h45, quando restam apenas ele e mais três convidados, Mukarbal e os três agentes policiais se apresentam, sem armas e calmos, à porta do apartamento. Carlos finge concordar em acompanhá-los, vai até o banheiro e volta dando tiros.

No dia seguinte, Angela Armostrong o encontra por acaso no aeroporto dos Invalides. Carlos revela: “Um porco árabe me traiu. E eu mato aqueles que me traem. Vou fugir para o Oriente Médio”.

A partir díi, começam suas andanças misteriosas pelo mundo, quando é frequentemente visto em dois ou três lugares ao mesmo tempo. De acordo com a polícia francesa, é certo que ele conseguiu chegar à Inglaterra e manteve contato com um misterioso chileno chamado Garcia Gonzalves. Depois disso, foi para o Oriente Médio e, em setembro, foi confirmada sua presença em Beirute.

De acordo com os serviços secretos israelenses, Carlos participou, no fim de novembro ou início de dezembro do ano passado, de uma reunião em Bagdá, com o chefe do ramo militar da FPLP, Wadih Haddad, e dois representantes dos serviços secretos líbio e argelino. Aí teria sido decidida a operação espetacular na sede da OPEP, em Viena, símbolo — segundo os extremistas — do predomínio dos estados árabes moderados sobre os extremistas.

Dai, Carlos vai a Trípoli (na Líbia), para concluir — ainda de acordo com versões do serviço secreto de Israel — a organização do comando que deve ser recuperado prudentemente pela Argélia ou pela Líbia, sem comprometer a responsabilidade dos dois países. Recruta alguns homens em Nuremberg e,a 19 de dezembro, o comando terrorista está completo em Viena.

Dois dias depois, os ministros do petróleo recebem estranhas visitas em sua reunião de alto nivel. A frente do grupo está aquele moreno jovem e alto, com um cacoete na boca e um nariz inconfundível; aquele aventureiro arrogante e frio, que não vacila em apertar o dedo de um gatilho quando alguém tenta impedir seus passos; aquele terrorista que é, ainda, o homem mais procurado pelas polícias de toda a Europa: Illich Ramirez Sanchez, o Carlos, o “Chacal”.


Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

No meio da década de 70 um personagem misterioso ganhou destaque na imprensa do mundo inteiro. Parecia saído das telas de cinema, mas era real. Seu nome era Illich Ramirez Sanchez, mas ficou conhecido como Carlos, o Chacal. No comecinho de 1976 o Jornal da Tarde decidiu publicar um perfil detalhado do terrorista.

“Vários nomes, várias identidades, idade e naturalidade controvertidas, incontáveis ligações com personalidades do mundo diplomático oficial e com os executores mais sanguinários de ações clandestinas, sejam elas, roubos, seqüestros, atentados ou homicídios.

Jovem (26 anos, pela versão mais coerente), inteligente (estuda Economia), elegante (é filho de família rica e freqüenta altas rodas da França e Inglaterra), bem falante (dizem que conhece bem quatro línguas, no mínimo) e romântico (de temperamento latino, é famoso por suas ligações com mulheres jovens e bonitas em várias partes do mundo), Carlos se dá muito bem no papel de criminoso culto, calculista e charmoso.” [Leia a íntegra mais abaixo]

Com o título “O criminoso mais procurado do mundo”, o perfil ocupou uma página inteira na edição de 12 de janeiro daquele ano com uma grande ilustração em que um rastro de sangue escorrendo em meio às colunas de texto parecia ser a gravata de Chacal, cujo rosto aparecia em primeiro plano.

O caminho para uma página: contatos fotográficos

A página com o perfil de Chacal é uma amostra de como era o Jornal da Tarde. Mas, ao contrário de outras páginas republicadas aqui neste blog, não chegamos a ela procurando o assunto específico ou folheando aleatoriamente nossa coleção encadernada, ainda não digitalizada. O caminho para essa página começou no manuseio aleatório de outra das coleções em papel arquivadas no Acervo Estadão: a de contatos fotográficos.

Quando nos deparamos com a imagem de três profissionais do Jornal da Tarde em 1977 com a palavra “premiados” ao lado de seus nomes no verso de uma folha de um contato fotográfico, a surpresa foi identificar entre eles um antigo ex-colega de redação e amigo, o jornalista Sérgio Vaz. Ao ver as imagens que enviamos a ele, creditadas no contato ao fotógrafo “Wilson”, além de se emocionar por se ver há quase cinquenta anos, Sérgio Vaz contou o motivo da palavra “premiados” - uma página sobre Carlos, o Chacal, o terrorista - e quase que imediatamente mandou um relato detalhado de como a página foi feita.

Assim, mesmo antes de termos a página em mãos, ficamos sabendo que seus autores foram Sérgio Vaz [concepção e edição], Claudio Morato [ilustração], João Castanho [diagramação] e Valdir Swetsch [texto]. Uma rara oportunidade de saber a autoria de uma página publicada sem créditos, já que o Jornal da Tarde tinha como prática naquela época assinar apenas alguns dos textos.

Com essas informações, fomos a outra de nossas coleções em papel - o incrível e infalível índice criado por Armando Augusto Bordallo, chefe do Arquivo do Estadão por mais de quatro décadas - para rapidamente localizar a data da publicação e a página aqui reproduzida.

Jornal da Tarde - 12 de janeiro de 1976

Página do Jornal da Tarde sobre o terrorista Carlos, o Chacal no Jornal da Tarde de 12 de janeiro de 1976. Foto: Acervo Estadão

Um trabalho em equipe

Depoimento do Jornalista Sérgio Vaz

“Meu, que viajandão no tempo... Eu era sub da Geral. Nos fins de semana, alternava a edição com o editor - que variou de Sandro Vaia para Anélio Barreto para Ari Schneider, e eu sempre sub... Bem, aí, num plantão de fim de semana, aconteceu alguma grande história com Carlos, o Chacal, o terrorista. E decidiu-se que daríamos a última página do jornal de segunda, que era algo especial, tiragem maior (o Estado não circulava às segundas), com a história.

O Cláudio Morato estava na arte. Eu propus a ele que fizesse um grande desenho do Carlos, o Chacal – em um formato solto, avançando sobre parte das colunas. O Castanho estava na diagramação, e fez a página depois que o Morato fez a arte, fazendo certinho o cálculo do tamanho do texto. Que foi escrito por Valdir Swetsch, a partir dos telegramas internacionais e material do arquivo.

Ou seja: foi um autêntico trabalho de equipe. Eu tive a idéia de propor que ele fizesse um desenho em formato solto, o Castanho fez a diagramação em cima do desenho, o Valdir fez o texto, eu fiz o título, o olho, a canetada final. Me lembro depois que a página foi premiada, sei lá que raio de prêmio foi aquele...

Desculpe ter me estendido, Ed, mas, diabo, a história veio todinha na minha cabeça!”

O ilustrador Claudio Morato, o diagramador João Castanho e o jornalista Sérgio Vaz na redação do Jornal da Tarde em 1 de dezembro de 1977. Foto: Wilson/Estadão

O criminoso mais procurado do mundo

Ele se chama Illich Ramirez Sanchez. Mas podemos chamá-lo de Carlos Ramirez, ou Glen Everhand, ou Hector Ippodikon. Ou de Carlos, simplesmente. Ou ainda, como prefere a imprensa chegada aos aspectos novelísticos de seus personagens, de “Chacal” - o homem que dribla os aparatos policiais de vários países com a mesma facilidade e segurança com que maneja uma arma, sem hesitação e sem falhas, quando se vê acuado.

Vários nomes, várias identidades, idade e naturalidade controvertidas, incontáveis ligações com personalidades do mundo diplomático oficial e com os executores mais sanguinários de ações clandestinas, sejam elas, roubos, seqüestros, atentados ou homicídios.

Jovem (26 anos, pela versão mais coerente), inteligente (estuda Economia), elegante (é filho de família rica e freqüenta altas rodas da França e Inglaterra), bem falante (dizem que conhece bem quatro línguas, no mínimo) e romântico (de temperamento latino, é famoso por suas ligações com mulheres jovens e bonitas em várias partes do mundo), Carlos se dá muito bem no papel de criminoso culto, calculista e charmoso.

E teve tudo para se tornar um daqueles mitológicos anti-heróis do mundo moderno — que provocam a ira das autoridades mas exercem um estranho fascínio sobre a maioria das pessoas - quando passou a ser caçado ferozmente pelas polícias de vários países europeus, em junho do ano passado.

Foi na noite do dia 27. Carlos estava no apartamento de uma de suas amigas, na rua Touiller, em Paris, quando foi surpreendido por um delator, que vinha acompanhado de três agentes da contra-espionagem francesa. A reação de Carlos foi imediata: correu para o banheiro e de lá saiu dando tiros, à queima-roupa, contra os quatro homens. Conseguiu matar o delator e dois policiais. E desapareceu no meio da noite parisiense.

A partir daí, a polícia francesa começou a juntar informações sobre Carlos e descobriu que estivera em vias de prender um homem muito importante na rede internacional do terrorismo, um homem que mantinha ligações com os principais grupos terroristas do mundo ocidental. E, enquanto ia montando sua história cheia de contradições e prendendo algumas das pessoas que lhe davam cobertura (diplomatas cubanos e muitas mulheres, principalmente), a polícia perdeu completamente a pista do perigoso Carlos. E ele se-tornou internacionalmente conhecido como o criminoso mais procurado do mundo inteiro.

Ao mesmo tempo, de todas as partes do mundo começaram a surgir informações sobre a passagem ou presença de Carlos, que assim se tornava uma espécie de criminoso onipresente. Em Londres, dois comerciantes o reconhecem entre os frequentadores de um bar. O dono do bar chegou a dizer que Carlos estava muito abatido e aparentava cansaço, o que era compreensível devido às circunstâncias em que estava envolvido.

Mas ele também foi visto na Bélgica, reabastecendo seu carro num posto de gasolina. também na Alemanha, onde uma mulher o descobriu calmamente sentado num banco de trem. E, fechando o círculo das informações desencontradas, uma de suas amigas de Londres contou à Scotland Yard que tinha recebido um telefonema de um amigo de Carlos, que a informava da morte do terrorista em acidente de automóvel, na França.

Assim, enquanto a polícia se desgastava na tarefa de selecionar dados objetivos incontestáveis em meio à torrente de informações que recebia, Carlos ia se transformando numa espécie de mito, de anti-herói, como um solitário e romântico rebelde disposto a colaborar com todas as causas de oposição. Como disse a revista francesa “L’Express”, em sua edição de 5 de janeiro de 1976, indignada pela falta de iniciativa das autoridades francesas diante do assunto, “por muito pouco, alguns não transformaram um assassino no homem do ano de 1975″.

Mas, a 21 de dezembro do ano passado, seis meses após o incidente da rua Touiller — quando os serviços secretos e de contra-espionagem europeus já tinham descoberto alguns arsenais montados por Carlos e seus companheiros, mas ainda não tinham conseguido uma só boa pista a respeito do paradeiro do próprio “Chacal” —, um comando , terrorista fortemente armado irrompeu na sala de conferências da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), em Viena, e seqüestrou onze ministros do petróleo — a maioria representando países árabes.

As primeiras informações diziam que o líder do grupo era um terrorista jovem, moreno, “com cara de judeu”, de boné, cabelos compridos, barba rala, “meio ao estilo de Che Guevara”. Até ai, nada de excepcional. Mas logo vieram novidades: esse mesmo homem era alto, tinha um trejeito inconfundível nos lábios e tinha aquele nariz aquilino que se curva quando fala ou ri. Só podia ser Carlos.

E era. Arrogante, pretensioso, com toques de megalomania e espírito aventureiro, Carlos estava não só executando uma ação terrorista de grande repercussão política, mas também mostrando às autoridades policiais e à opinião pública do mundo inteiro que é um homem muito seguro de sua impunidade.

Tanto que revelou sua identidade ao primeiro diplomata que se propôs a fazer a mediação entre o comando terrorista e as autoridades austríacas — Riad Azzawi, encarregado dos negócios iraquianos em Viena. E também ao ministro argelino Belaid Abdesselam, que sai com Riad do prédio três vezes, para ativar as negociações. Das quatro línguas que usa para se dirigir aos reféns, é visivelmente o espanhol que domina com mais facilidade. E logo o ministro venezuelano Valentim Hernandez Acosta tem certeza que está diante de um compatriota. Sim, só podia ser Carlos.

E é quando um DC-9 austríaco decola de Viena, levando a bordo os terroristas e seus reféns, que Carlos começa a dar as provas mais concretas de sua identidade. Ao ministro Valentim Hernandez Acosta, por exemplo, ele conta com detalhes como liquidou os dois agentes de contra-espionagem francesa em Paris. Isso ele contou, de acordo com Acosta, “não para se gabar, mas porque o episódio faz parte de sua luta pela revolução palestina”.

Pouco depois, no mesmo vôo, as demonstrações são mais espalhafatosas e arrogantes. Antes da primeira escala em Argel, usando uma caneta de tinta azul e caprichando na caligrafia miúda e longa, Carlos dá um autógrafo ao delegado da Nigéria, Remi Marinho: “Vôo Viena-Argel, 22.XII.75. Carlos”. Além disso, faz do ministro venezuelano o portador de uma carta dirigida a sua mãe, Elba Sanchez, em Caracas.

Quando o avião pousou pela segunda vez em Argel, depois de uma peregrinação pelos céus do Oriente Médio, e os terroristas libertaram seus reféns e se entregaram às autoridades policiais, Carlos foi saudado por simpatizantes da causa palestina com as honras devidas a um “herói da revolução árabe”. E, em pouco tempo, ele passava de prisioneiro para asilado político. E desaparecia completamente, como desapareceu em Paris logo após o incidente da rua Touiller.

Isso irritou profundamente os franceses. Afinal, perguntou o “L’Express”, por que o governo não tomou nenhuma atitude jurídica no momento em que ficou comprovado que o chefe do comando que invadiu era efetivamente Carlos? Por que não pedir sua extradição para a França, e aí submetê-lo a processo, se toda a polícia francesa estava justamente fazendo um tremendo esforço para localizá-lo — e agora ele estava aí, visível, “tratando de igual para igual com ministros”?

E o “L’Express” lembra também que, antes de ganhar notoriedade internacional, Carlos “era apenas um simples executante a pagamento, uma espécie de mercenário do terrorismo internacional, um agente disponível no mercado mundial dos atentados”. Simples executante a pagamento”, como diz a revista, ou “revolucionário fiel à luta pela libertação da Palestina”, como disse o ministro venezuelano Acosta, a verdade é que poucos terroristas têm em sua folha de serviços tanta ação, tantas identidades, tanto prestígio, tantas ligações importantes e tantas missões cumpridas.

Nascido a 2 de outubro de 1949, filho de um rico advogado que simpatizava com o Partido Comunista venezuelano,Illich (que ganhou este nome em homenagem a Viadimir lllich Lênin) fez um primeiro estágio, aos 17 anos, nos campos de treinamentos de jovens em Cuba. Em 1968, já era fichado por participar de violentas manifestações em Caracas. Seu pai o manda para Moscou, onde ele se torna estudante da Universidade Patrice Lumumba.

Em 1970, Carlos é preso pela milícia soviética depois de um saque na embaixada do Líbano, e é expulso do país por maus costumes e atividades provocadoras. Passa por Berlim e por Beirute — itinerário habitual dos agentes infiltrados nas redes palestinas — e em fevereiro de 1972 encontra-se com a mãe em Londres, que o inscreve na London School of Economics e o apresenta alta sociedade inglesa.Entre coquetéis e outras atividades sociais, acaba aderindo à guerrilha urbana dos terroristas Irlandeses filiados ao IRA.E torna-se o responsável pela ligação desse grupo com as frentes palestinas de Georges Habache (da Frente Popular de Libertação da Palestina).

No fim de julho de 1973, Carlos vai a Paris substituir o argelino Mohamed Budia, ferido por uma bomba, à frente de uma rede em operação na Europa Ocidental. Então começa a ampliar suas ligações com todos os tipos de movimentos extremistas em atividade na Europa. Ao mesmo tempo, empenha-se em conquistas femininas, com o objetivo de garantir esconderijos, substitutos, caixas postais, e repouso para os combatentes dos comandos terroristas.

Nesse mesmo ano, Carlos entra em contato com uma rede turco-palestina Organizada pela viúva do assassino do cônsul de Israel em Istambul e estabelece sua base logística para a Europa e a África numa casa de Val-de-Marne. No fim do ano, volta a Londres. No dia 30 de dezembro, um homem mascarado força a entrada do apartamento do Lord Joseph Sieff, presidente das lojas Marks and Spencer, e o fere gravemente na cabeça com uma bala de nove milímetros.

O atentado é reivindicado pela FLPI. (A arma) utilizada nesse crime foi encontrada na sacola confiada por Carlos, em julho de 1974, a uma criada basca de um bar londrino, Otaola Baranca, junto com um fichário de 500 personalidades européias pró-israelenses, onde o nome do conde Sieff está em primeiro lugar. Otaola, de 22 anos, tinha em seu apartamento explosivos, granadas, munições, armas de fogo e documentos falsos.)

Logo após o atentado, Carlos coloca Otaola em contato com uma amiga colombiana, Maria de Romero (38 anos, advogada), que lhe consegue dinheiro e um passaporte italiano falso que lhe garante a fuga.

Em Beirute, no fim de maio de 1974, Carlos põe-se a serviço de um dissidente da FPLP, Michel Mukarbal, responsável pelo apoio logístico de uma Organização que prepara atentados e seqüestros na Europa Ocidental. Volta a Paris em junho, sob o nome falso de Andres Martinez-Torres. Na noite de 3 para 4 de agosto, o “comando Budia” faz explodir três carros parados diante da sede de três periódicos de Paris: os jornais L’Aurore e Minute e a revista judaica L’Arche. (As plantas dos três imóveis constam dos arquivos de Carlos.)

A 26 de julho desse mesmo ano, um dos chefes do Exército Vermelho Japonês, Yukata Furaya, é preso no aeroporto de Orly (Paris) com um conjunto de passaportes e dólares falsos. No fim de agosto Carlos e seu companheiro Mukarbal vão a Haia, na Holanda. E em 3 de setembro a Zurique (Suiça), onde entregam quatro mil francos a três terroristas japoneses. No dia 12, Carlos os reencontra em Amsterdã (Holanda), volta a Paris no dia seguinte, deixando um cúmplice chileno em Amsterdã com instruções para acompanhar o ataque dos japones contra a embaixada da França.

Com granadas de fragmentação US-M 26, que um grupo de terroristas alemães da organização Baadermeinhof roubou do arsenal militar norte-americano de Missau, em 1971, os japoneses e o chileno invadem a embaixada francesa e fazem 11 reféns. Pela liberdade dos reféns, os terroristas exigem a de Furaya. E voam com ele para Damasco.

Todos os detalhes sobre essas andanças estão registrados no livro onde o terrorista Mukarbal mantém minucioso controle de contabilidade. O livro é encontrado, junto com 28 granadas do lote roubado em Missau, no esconderijo parisiense de Carlos.

Uma granada do mesmo lote é atirada, a 15 de setembro de 1974, sobre a multidão em frente a uma farmácia de Saint-Germain, em Paris: a explosão causa duas mortes e ferimentos em 34 pessoas, das quais 18 mulheres e quatro crianças. Pouco depois, a venezuelana Maria Tereza Lara leva Carlos à casa de sua colega Nancy Sanchez, na rua Touiller, onde se reúnem estudantes sul-americanos. No fim de dezembro, Nancy apresenta Carlos a uma de suas ex-colegas de Sociologia. Angela Armstrong (29 anos inglesa, secretária no College de France).

A 8 de janeiro de 1975, um alemão aluga um carro em nome de Klaus Muller, em Paris.E o mesmo carro leva ao aeroporto de Orly cinco dias mais tarde, dois terroristas que destróem um DC-9 iugoslavo e fogem. No domingo seguinte, o comando repete a façanha do terraço de Orly, com uma bazuca: deixa 20 feridos e consegue 10 reféns, que garantem a fuga para Bagdá. (Mais tarde, a polícia descobriu que Carlos foi o responsável por essas ações).

Interpelado pela polícia, mas posto em liberdade, a 7 de junho, no aeroporto de Beirute, Mukarbal volta a Paris no dia 13, levando fundos e instruções para Carlos. O serviço de contra-espionagem, alertado, segue o terrorista e o fotografa em todos os seus contatos — entre eles Carlos, que mora em um estúdio da avenida Claude-Vellefaux. No dia 21, Mukarbal toma um avião para Londres, mas não o deixam desembarcar. É preso pela polícia francesa dois dias depois, e passa a colaborar: confessa os preparativos de um atentado contra Asher Ben Natan], então embaixador de Israel na França.

Com risco de ser descoberto pela polícia, a partir da prisão de Mukarbal, Carlos pede ajuda à venezuelana Maria Tereza, que esconde suas armas e arquivos na casa de Amparo Silva Masmela, uma colombiana de 28 anos. No dia 27, ao meio-dia, Carlos telefona à criada de Londres, Olaola, cumprimentando-a pelo seu aniversário e dizendo que chega à Inglaterra no dia seguinte.

À tarde, Nancy Sanchez organiza uma festa para se despedir dos amigos — ela vai viajar, nessa mesma noite, para Caracas. Carlos vai à festa. As 20h45, quando restam apenas ele e mais três convidados, Mukarbal e os três agentes policiais se apresentam, sem armas e calmos, à porta do apartamento. Carlos finge concordar em acompanhá-los, vai até o banheiro e volta dando tiros.

No dia seguinte, Angela Armostrong o encontra por acaso no aeroporto dos Invalides. Carlos revela: “Um porco árabe me traiu. E eu mato aqueles que me traem. Vou fugir para o Oriente Médio”.

A partir díi, começam suas andanças misteriosas pelo mundo, quando é frequentemente visto em dois ou três lugares ao mesmo tempo. De acordo com a polícia francesa, é certo que ele conseguiu chegar à Inglaterra e manteve contato com um misterioso chileno chamado Garcia Gonzalves. Depois disso, foi para o Oriente Médio e, em setembro, foi confirmada sua presença em Beirute.

De acordo com os serviços secretos israelenses, Carlos participou, no fim de novembro ou início de dezembro do ano passado, de uma reunião em Bagdá, com o chefe do ramo militar da FPLP, Wadih Haddad, e dois representantes dos serviços secretos líbio e argelino. Aí teria sido decidida a operação espetacular na sede da OPEP, em Viena, símbolo — segundo os extremistas — do predomínio dos estados árabes moderados sobre os extremistas.

Dai, Carlos vai a Trípoli (na Líbia), para concluir — ainda de acordo com versões do serviço secreto de Israel — a organização do comando que deve ser recuperado prudentemente pela Argélia ou pela Líbia, sem comprometer a responsabilidade dos dois países. Recruta alguns homens em Nuremberg e,a 19 de dezembro, o comando terrorista está completo em Viena.

Dois dias depois, os ministros do petróleo recebem estranhas visitas em sua reunião de alto nivel. A frente do grupo está aquele moreno jovem e alto, com um cacoete na boca e um nariz inconfundível; aquele aventureiro arrogante e frio, que não vacila em apertar o dedo de um gatilho quando alguém tenta impedir seus passos; aquele terrorista que é, ainda, o homem mais procurado pelas polícias de toda a Europa: Illich Ramirez Sanchez, o Carlos, o “Chacal”.


Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

No meio da década de 70 um personagem misterioso ganhou destaque na imprensa do mundo inteiro. Parecia saído das telas de cinema, mas era real. Seu nome era Illich Ramirez Sanchez, mas ficou conhecido como Carlos, o Chacal. No comecinho de 1976 o Jornal da Tarde decidiu publicar um perfil detalhado do terrorista.

“Vários nomes, várias identidades, idade e naturalidade controvertidas, incontáveis ligações com personalidades do mundo diplomático oficial e com os executores mais sanguinários de ações clandestinas, sejam elas, roubos, seqüestros, atentados ou homicídios.

Jovem (26 anos, pela versão mais coerente), inteligente (estuda Economia), elegante (é filho de família rica e freqüenta altas rodas da França e Inglaterra), bem falante (dizem que conhece bem quatro línguas, no mínimo) e romântico (de temperamento latino, é famoso por suas ligações com mulheres jovens e bonitas em várias partes do mundo), Carlos se dá muito bem no papel de criminoso culto, calculista e charmoso.” [Leia a íntegra mais abaixo]

Com o título “O criminoso mais procurado do mundo”, o perfil ocupou uma página inteira na edição de 12 de janeiro daquele ano com uma grande ilustração em que um rastro de sangue escorrendo em meio às colunas de texto parecia ser a gravata de Chacal, cujo rosto aparecia em primeiro plano.

O caminho para uma página: contatos fotográficos

A página com o perfil de Chacal é uma amostra de como era o Jornal da Tarde. Mas, ao contrário de outras páginas republicadas aqui neste blog, não chegamos a ela procurando o assunto específico ou folheando aleatoriamente nossa coleção encadernada, ainda não digitalizada. O caminho para essa página começou no manuseio aleatório de outra das coleções em papel arquivadas no Acervo Estadão: a de contatos fotográficos.

Quando nos deparamos com a imagem de três profissionais do Jornal da Tarde em 1977 com a palavra “premiados” ao lado de seus nomes no verso de uma folha de um contato fotográfico, a surpresa foi identificar entre eles um antigo ex-colega de redação e amigo, o jornalista Sérgio Vaz. Ao ver as imagens que enviamos a ele, creditadas no contato ao fotógrafo “Wilson”, além de se emocionar por se ver há quase cinquenta anos, Sérgio Vaz contou o motivo da palavra “premiados” - uma página sobre Carlos, o Chacal, o terrorista - e quase que imediatamente mandou um relato detalhado de como a página foi feita.

Assim, mesmo antes de termos a página em mãos, ficamos sabendo que seus autores foram Sérgio Vaz [concepção e edição], Claudio Morato [ilustração], João Castanho [diagramação] e Valdir Swetsch [texto]. Uma rara oportunidade de saber a autoria de uma página publicada sem créditos, já que o Jornal da Tarde tinha como prática naquela época assinar apenas alguns dos textos.

Com essas informações, fomos a outra de nossas coleções em papel - o incrível e infalível índice criado por Armando Augusto Bordallo, chefe do Arquivo do Estadão por mais de quatro décadas - para rapidamente localizar a data da publicação e a página aqui reproduzida.

Jornal da Tarde - 12 de janeiro de 1976

Página do Jornal da Tarde sobre o terrorista Carlos, o Chacal no Jornal da Tarde de 12 de janeiro de 1976. Foto: Acervo Estadão

Um trabalho em equipe

Depoimento do Jornalista Sérgio Vaz

“Meu, que viajandão no tempo... Eu era sub da Geral. Nos fins de semana, alternava a edição com o editor - que variou de Sandro Vaia para Anélio Barreto para Ari Schneider, e eu sempre sub... Bem, aí, num plantão de fim de semana, aconteceu alguma grande história com Carlos, o Chacal, o terrorista. E decidiu-se que daríamos a última página do jornal de segunda, que era algo especial, tiragem maior (o Estado não circulava às segundas), com a história.

O Cláudio Morato estava na arte. Eu propus a ele que fizesse um grande desenho do Carlos, o Chacal – em um formato solto, avançando sobre parte das colunas. O Castanho estava na diagramação, e fez a página depois que o Morato fez a arte, fazendo certinho o cálculo do tamanho do texto. Que foi escrito por Valdir Swetsch, a partir dos telegramas internacionais e material do arquivo.

Ou seja: foi um autêntico trabalho de equipe. Eu tive a idéia de propor que ele fizesse um desenho em formato solto, o Castanho fez a diagramação em cima do desenho, o Valdir fez o texto, eu fiz o título, o olho, a canetada final. Me lembro depois que a página foi premiada, sei lá que raio de prêmio foi aquele...

Desculpe ter me estendido, Ed, mas, diabo, a história veio todinha na minha cabeça!”

O ilustrador Claudio Morato, o diagramador João Castanho e o jornalista Sérgio Vaz na redação do Jornal da Tarde em 1 de dezembro de 1977. Foto: Wilson/Estadão

O criminoso mais procurado do mundo

Ele se chama Illich Ramirez Sanchez. Mas podemos chamá-lo de Carlos Ramirez, ou Glen Everhand, ou Hector Ippodikon. Ou de Carlos, simplesmente. Ou ainda, como prefere a imprensa chegada aos aspectos novelísticos de seus personagens, de “Chacal” - o homem que dribla os aparatos policiais de vários países com a mesma facilidade e segurança com que maneja uma arma, sem hesitação e sem falhas, quando se vê acuado.

Vários nomes, várias identidades, idade e naturalidade controvertidas, incontáveis ligações com personalidades do mundo diplomático oficial e com os executores mais sanguinários de ações clandestinas, sejam elas, roubos, seqüestros, atentados ou homicídios.

Jovem (26 anos, pela versão mais coerente), inteligente (estuda Economia), elegante (é filho de família rica e freqüenta altas rodas da França e Inglaterra), bem falante (dizem que conhece bem quatro línguas, no mínimo) e romântico (de temperamento latino, é famoso por suas ligações com mulheres jovens e bonitas em várias partes do mundo), Carlos se dá muito bem no papel de criminoso culto, calculista e charmoso.

E teve tudo para se tornar um daqueles mitológicos anti-heróis do mundo moderno — que provocam a ira das autoridades mas exercem um estranho fascínio sobre a maioria das pessoas - quando passou a ser caçado ferozmente pelas polícias de vários países europeus, em junho do ano passado.

Foi na noite do dia 27. Carlos estava no apartamento de uma de suas amigas, na rua Touiller, em Paris, quando foi surpreendido por um delator, que vinha acompanhado de três agentes da contra-espionagem francesa. A reação de Carlos foi imediata: correu para o banheiro e de lá saiu dando tiros, à queima-roupa, contra os quatro homens. Conseguiu matar o delator e dois policiais. E desapareceu no meio da noite parisiense.

A partir daí, a polícia francesa começou a juntar informações sobre Carlos e descobriu que estivera em vias de prender um homem muito importante na rede internacional do terrorismo, um homem que mantinha ligações com os principais grupos terroristas do mundo ocidental. E, enquanto ia montando sua história cheia de contradições e prendendo algumas das pessoas que lhe davam cobertura (diplomatas cubanos e muitas mulheres, principalmente), a polícia perdeu completamente a pista do perigoso Carlos. E ele se-tornou internacionalmente conhecido como o criminoso mais procurado do mundo inteiro.

Ao mesmo tempo, de todas as partes do mundo começaram a surgir informações sobre a passagem ou presença de Carlos, que assim se tornava uma espécie de criminoso onipresente. Em Londres, dois comerciantes o reconhecem entre os frequentadores de um bar. O dono do bar chegou a dizer que Carlos estava muito abatido e aparentava cansaço, o que era compreensível devido às circunstâncias em que estava envolvido.

Mas ele também foi visto na Bélgica, reabastecendo seu carro num posto de gasolina. também na Alemanha, onde uma mulher o descobriu calmamente sentado num banco de trem. E, fechando o círculo das informações desencontradas, uma de suas amigas de Londres contou à Scotland Yard que tinha recebido um telefonema de um amigo de Carlos, que a informava da morte do terrorista em acidente de automóvel, na França.

Assim, enquanto a polícia se desgastava na tarefa de selecionar dados objetivos incontestáveis em meio à torrente de informações que recebia, Carlos ia se transformando numa espécie de mito, de anti-herói, como um solitário e romântico rebelde disposto a colaborar com todas as causas de oposição. Como disse a revista francesa “L’Express”, em sua edição de 5 de janeiro de 1976, indignada pela falta de iniciativa das autoridades francesas diante do assunto, “por muito pouco, alguns não transformaram um assassino no homem do ano de 1975″.

Mas, a 21 de dezembro do ano passado, seis meses após o incidente da rua Touiller — quando os serviços secretos e de contra-espionagem europeus já tinham descoberto alguns arsenais montados por Carlos e seus companheiros, mas ainda não tinham conseguido uma só boa pista a respeito do paradeiro do próprio “Chacal” —, um comando , terrorista fortemente armado irrompeu na sala de conferências da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), em Viena, e seqüestrou onze ministros do petróleo — a maioria representando países árabes.

As primeiras informações diziam que o líder do grupo era um terrorista jovem, moreno, “com cara de judeu”, de boné, cabelos compridos, barba rala, “meio ao estilo de Che Guevara”. Até ai, nada de excepcional. Mas logo vieram novidades: esse mesmo homem era alto, tinha um trejeito inconfundível nos lábios e tinha aquele nariz aquilino que se curva quando fala ou ri. Só podia ser Carlos.

E era. Arrogante, pretensioso, com toques de megalomania e espírito aventureiro, Carlos estava não só executando uma ação terrorista de grande repercussão política, mas também mostrando às autoridades policiais e à opinião pública do mundo inteiro que é um homem muito seguro de sua impunidade.

Tanto que revelou sua identidade ao primeiro diplomata que se propôs a fazer a mediação entre o comando terrorista e as autoridades austríacas — Riad Azzawi, encarregado dos negócios iraquianos em Viena. E também ao ministro argelino Belaid Abdesselam, que sai com Riad do prédio três vezes, para ativar as negociações. Das quatro línguas que usa para se dirigir aos reféns, é visivelmente o espanhol que domina com mais facilidade. E logo o ministro venezuelano Valentim Hernandez Acosta tem certeza que está diante de um compatriota. Sim, só podia ser Carlos.

E é quando um DC-9 austríaco decola de Viena, levando a bordo os terroristas e seus reféns, que Carlos começa a dar as provas mais concretas de sua identidade. Ao ministro Valentim Hernandez Acosta, por exemplo, ele conta com detalhes como liquidou os dois agentes de contra-espionagem francesa em Paris. Isso ele contou, de acordo com Acosta, “não para se gabar, mas porque o episódio faz parte de sua luta pela revolução palestina”.

Pouco depois, no mesmo vôo, as demonstrações são mais espalhafatosas e arrogantes. Antes da primeira escala em Argel, usando uma caneta de tinta azul e caprichando na caligrafia miúda e longa, Carlos dá um autógrafo ao delegado da Nigéria, Remi Marinho: “Vôo Viena-Argel, 22.XII.75. Carlos”. Além disso, faz do ministro venezuelano o portador de uma carta dirigida a sua mãe, Elba Sanchez, em Caracas.

Quando o avião pousou pela segunda vez em Argel, depois de uma peregrinação pelos céus do Oriente Médio, e os terroristas libertaram seus reféns e se entregaram às autoridades policiais, Carlos foi saudado por simpatizantes da causa palestina com as honras devidas a um “herói da revolução árabe”. E, em pouco tempo, ele passava de prisioneiro para asilado político. E desaparecia completamente, como desapareceu em Paris logo após o incidente da rua Touiller.

Isso irritou profundamente os franceses. Afinal, perguntou o “L’Express”, por que o governo não tomou nenhuma atitude jurídica no momento em que ficou comprovado que o chefe do comando que invadiu era efetivamente Carlos? Por que não pedir sua extradição para a França, e aí submetê-lo a processo, se toda a polícia francesa estava justamente fazendo um tremendo esforço para localizá-lo — e agora ele estava aí, visível, “tratando de igual para igual com ministros”?

E o “L’Express” lembra também que, antes de ganhar notoriedade internacional, Carlos “era apenas um simples executante a pagamento, uma espécie de mercenário do terrorismo internacional, um agente disponível no mercado mundial dos atentados”. Simples executante a pagamento”, como diz a revista, ou “revolucionário fiel à luta pela libertação da Palestina”, como disse o ministro venezuelano Acosta, a verdade é que poucos terroristas têm em sua folha de serviços tanta ação, tantas identidades, tanto prestígio, tantas ligações importantes e tantas missões cumpridas.

Nascido a 2 de outubro de 1949, filho de um rico advogado que simpatizava com o Partido Comunista venezuelano,Illich (que ganhou este nome em homenagem a Viadimir lllich Lênin) fez um primeiro estágio, aos 17 anos, nos campos de treinamentos de jovens em Cuba. Em 1968, já era fichado por participar de violentas manifestações em Caracas. Seu pai o manda para Moscou, onde ele se torna estudante da Universidade Patrice Lumumba.

Em 1970, Carlos é preso pela milícia soviética depois de um saque na embaixada do Líbano, e é expulso do país por maus costumes e atividades provocadoras. Passa por Berlim e por Beirute — itinerário habitual dos agentes infiltrados nas redes palestinas — e em fevereiro de 1972 encontra-se com a mãe em Londres, que o inscreve na London School of Economics e o apresenta alta sociedade inglesa.Entre coquetéis e outras atividades sociais, acaba aderindo à guerrilha urbana dos terroristas Irlandeses filiados ao IRA.E torna-se o responsável pela ligação desse grupo com as frentes palestinas de Georges Habache (da Frente Popular de Libertação da Palestina).

No fim de julho de 1973, Carlos vai a Paris substituir o argelino Mohamed Budia, ferido por uma bomba, à frente de uma rede em operação na Europa Ocidental. Então começa a ampliar suas ligações com todos os tipos de movimentos extremistas em atividade na Europa. Ao mesmo tempo, empenha-se em conquistas femininas, com o objetivo de garantir esconderijos, substitutos, caixas postais, e repouso para os combatentes dos comandos terroristas.

Nesse mesmo ano, Carlos entra em contato com uma rede turco-palestina Organizada pela viúva do assassino do cônsul de Israel em Istambul e estabelece sua base logística para a Europa e a África numa casa de Val-de-Marne. No fim do ano, volta a Londres. No dia 30 de dezembro, um homem mascarado força a entrada do apartamento do Lord Joseph Sieff, presidente das lojas Marks and Spencer, e o fere gravemente na cabeça com uma bala de nove milímetros.

O atentado é reivindicado pela FLPI. (A arma) utilizada nesse crime foi encontrada na sacola confiada por Carlos, em julho de 1974, a uma criada basca de um bar londrino, Otaola Baranca, junto com um fichário de 500 personalidades européias pró-israelenses, onde o nome do conde Sieff está em primeiro lugar. Otaola, de 22 anos, tinha em seu apartamento explosivos, granadas, munições, armas de fogo e documentos falsos.)

Logo após o atentado, Carlos coloca Otaola em contato com uma amiga colombiana, Maria de Romero (38 anos, advogada), que lhe consegue dinheiro e um passaporte italiano falso que lhe garante a fuga.

Em Beirute, no fim de maio de 1974, Carlos põe-se a serviço de um dissidente da FPLP, Michel Mukarbal, responsável pelo apoio logístico de uma Organização que prepara atentados e seqüestros na Europa Ocidental. Volta a Paris em junho, sob o nome falso de Andres Martinez-Torres. Na noite de 3 para 4 de agosto, o “comando Budia” faz explodir três carros parados diante da sede de três periódicos de Paris: os jornais L’Aurore e Minute e a revista judaica L’Arche. (As plantas dos três imóveis constam dos arquivos de Carlos.)

A 26 de julho desse mesmo ano, um dos chefes do Exército Vermelho Japonês, Yukata Furaya, é preso no aeroporto de Orly (Paris) com um conjunto de passaportes e dólares falsos. No fim de agosto Carlos e seu companheiro Mukarbal vão a Haia, na Holanda. E em 3 de setembro a Zurique (Suiça), onde entregam quatro mil francos a três terroristas japoneses. No dia 12, Carlos os reencontra em Amsterdã (Holanda), volta a Paris no dia seguinte, deixando um cúmplice chileno em Amsterdã com instruções para acompanhar o ataque dos japones contra a embaixada da França.

Com granadas de fragmentação US-M 26, que um grupo de terroristas alemães da organização Baadermeinhof roubou do arsenal militar norte-americano de Missau, em 1971, os japoneses e o chileno invadem a embaixada francesa e fazem 11 reféns. Pela liberdade dos reféns, os terroristas exigem a de Furaya. E voam com ele para Damasco.

Todos os detalhes sobre essas andanças estão registrados no livro onde o terrorista Mukarbal mantém minucioso controle de contabilidade. O livro é encontrado, junto com 28 granadas do lote roubado em Missau, no esconderijo parisiense de Carlos.

Uma granada do mesmo lote é atirada, a 15 de setembro de 1974, sobre a multidão em frente a uma farmácia de Saint-Germain, em Paris: a explosão causa duas mortes e ferimentos em 34 pessoas, das quais 18 mulheres e quatro crianças. Pouco depois, a venezuelana Maria Tereza Lara leva Carlos à casa de sua colega Nancy Sanchez, na rua Touiller, onde se reúnem estudantes sul-americanos. No fim de dezembro, Nancy apresenta Carlos a uma de suas ex-colegas de Sociologia. Angela Armstrong (29 anos inglesa, secretária no College de France).

A 8 de janeiro de 1975, um alemão aluga um carro em nome de Klaus Muller, em Paris.E o mesmo carro leva ao aeroporto de Orly cinco dias mais tarde, dois terroristas que destróem um DC-9 iugoslavo e fogem. No domingo seguinte, o comando repete a façanha do terraço de Orly, com uma bazuca: deixa 20 feridos e consegue 10 reféns, que garantem a fuga para Bagdá. (Mais tarde, a polícia descobriu que Carlos foi o responsável por essas ações).

Interpelado pela polícia, mas posto em liberdade, a 7 de junho, no aeroporto de Beirute, Mukarbal volta a Paris no dia 13, levando fundos e instruções para Carlos. O serviço de contra-espionagem, alertado, segue o terrorista e o fotografa em todos os seus contatos — entre eles Carlos, que mora em um estúdio da avenida Claude-Vellefaux. No dia 21, Mukarbal toma um avião para Londres, mas não o deixam desembarcar. É preso pela polícia francesa dois dias depois, e passa a colaborar: confessa os preparativos de um atentado contra Asher Ben Natan], então embaixador de Israel na França.

Com risco de ser descoberto pela polícia, a partir da prisão de Mukarbal, Carlos pede ajuda à venezuelana Maria Tereza, que esconde suas armas e arquivos na casa de Amparo Silva Masmela, uma colombiana de 28 anos. No dia 27, ao meio-dia, Carlos telefona à criada de Londres, Olaola, cumprimentando-a pelo seu aniversário e dizendo que chega à Inglaterra no dia seguinte.

À tarde, Nancy Sanchez organiza uma festa para se despedir dos amigos — ela vai viajar, nessa mesma noite, para Caracas. Carlos vai à festa. As 20h45, quando restam apenas ele e mais três convidados, Mukarbal e os três agentes policiais se apresentam, sem armas e calmos, à porta do apartamento. Carlos finge concordar em acompanhá-los, vai até o banheiro e volta dando tiros.

No dia seguinte, Angela Armostrong o encontra por acaso no aeroporto dos Invalides. Carlos revela: “Um porco árabe me traiu. E eu mato aqueles que me traem. Vou fugir para o Oriente Médio”.

A partir díi, começam suas andanças misteriosas pelo mundo, quando é frequentemente visto em dois ou três lugares ao mesmo tempo. De acordo com a polícia francesa, é certo que ele conseguiu chegar à Inglaterra e manteve contato com um misterioso chileno chamado Garcia Gonzalves. Depois disso, foi para o Oriente Médio e, em setembro, foi confirmada sua presença em Beirute.

De acordo com os serviços secretos israelenses, Carlos participou, no fim de novembro ou início de dezembro do ano passado, de uma reunião em Bagdá, com o chefe do ramo militar da FPLP, Wadih Haddad, e dois representantes dos serviços secretos líbio e argelino. Aí teria sido decidida a operação espetacular na sede da OPEP, em Viena, símbolo — segundo os extremistas — do predomínio dos estados árabes moderados sobre os extremistas.

Dai, Carlos vai a Trípoli (na Líbia), para concluir — ainda de acordo com versões do serviço secreto de Israel — a organização do comando que deve ser recuperado prudentemente pela Argélia ou pela Líbia, sem comprometer a responsabilidade dos dois países. Recruta alguns homens em Nuremberg e,a 19 de dezembro, o comando terrorista está completo em Viena.

Dois dias depois, os ministros do petróleo recebem estranhas visitas em sua reunião de alto nivel. A frente do grupo está aquele moreno jovem e alto, com um cacoete na boca e um nariz inconfundível; aquele aventureiro arrogante e frio, que não vacila em apertar o dedo de um gatilho quando alguém tenta impedir seus passos; aquele terrorista que é, ainda, o homem mais procurado pelas polícias de toda a Europa: Illich Ramirez Sanchez, o Carlos, o “Chacal”.


Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

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