Éder Jofre campeão mundial de boxe depois de ir ao chão


Pugilista brasileiro conquistou título dos pesos pena em luta contra o cubano Jose Legra em Brasília em 1973. Veja a cobertura do Jornal da Tarde

Por Edmundo Leite
Atualização:

Uma luta épica do brasileiro Éder Jofre valendo o título mundial de boxe mereceu uma cobertura especial do Jornal da Tarde em junho de 1973. Além da luta na capital Brasília, o jornal acompanhou o pai e mentor do pugilista, Kid Jofre, que estava internado com 46 quilos num hospital em São Paulo.

Leia o texto principal e veja outras páginas da Edição de Esportes - suplemento especial que circulavas às segundas-feiras - sobre a luta que garantiu o último título mundial do boxeador brasileiro.

Página da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
continua após a publicidade

Jornal da Tarde - 7 de maio de 1973

Quando ficou confirmada a luta de Éder pelo título, Kid Jofre levantou-se da cama do hispital, pesando apenas 46 quilos, e passou a acompanhá-lo em todos os momentos. Era um motivo bastante forte para Éder ganhar o título mundial dos penas de qualquer maniera.

O CAMPEÃO

continua após a publicidade

Quando legra soltou o braço e mandou Éder ao chão, no fim do terceiro assalto, todos que estavam dentro do ginásio sentiram o impacto do murro. Quando o gongo anunciou o início do quarto assalto e Éder partiu para cima de Legra, com toda sua raiva, todos sentiram que a vitória estava garantida.

Kid Jofre pôs a mão na cabeça (“Que é isso, Éder?”), esquecendo a previsão que havia feito antes da luta (“Eder deixará o ringue como campeão, mas machucado”). Seu filho estava atordoado entre as cordas, após o cruzado de Legra na testa (“Só sentia o ringue crescendo e as cordas passando por baixo de minhas pernas, fiquei completamente grogue”). Um direto do cubano já havia tirado sangue do nariz do brasileiro, neste assalto, e Éder estava tonto, como todas as pessoas do ginásio.

O gongo soou, e o juiz Jay Edson só tirou um ponto do brasileiro neste round, sem abrir contagem (“Ele só caiu ajoelhado após o gongo, por isso não tirei dois pontos”). No outro canto do ringue, o empresário José Lobato reclamava (“Bateram o gongo antes dos três minutos”). Eder foi para seu canto, era o momento mais crítico de sua carreira, estava quase nocauteado (“Senti raiva, não queria que todos pensassem que Legra me venceria facilmente”). E Eder foi para o quarto round, com raiva (“Queria bater nele, e bati, bati muito”).

continua após a publicidade

Legra, que poderia aproveitar sua vantagem, recebeu uma ordem errada de seus segundos (“Faço o que mandam, disseram para segurar Eder que ele cansaria, no final, e eu venceria por nocaute’.’). No quarto assalto, Kid Jofre virou de costas. O velho não queria ver o que acontecia (”Eder estava parado, preso, não soltava os braços. Mandei ele ir para cima, mostrar aos juizes que tinha a iniciativa do combate”).

AS DORES DA VITÓRIA

No nono assalto, Eder percebeu que as coisas iam bem. Sentiu Legra frouxo (“Agarrou-se em mim para não cair”), e no canto Kid Jofre já considerava a luta ganha (“Quando Eder entrou para o décimo, sabia que não perde-ria mais, mandei que tomasse cuidado com um golpe im-previsto”). Mas o campeão dos penas queria um nocaute (“Estava com fôlego ótimo, mas sentia os braços presos, consequência de oito meses sem lutar”).

continua após a publicidade

No 14° round, Legra empurrou Eder para acertar suas costelas, e no último o brasileiro sentiu a vitória (“Consegui acertá-lo bem”). E quando tudo terminou, a angústia de esperar a decisão dos jurados acabou com Katznelson invadindo o ringue acompanhado de dezenas de pessoas, e Eder percebeu que havia vencido (“Quando veio aquela gente toda, senti que era o campeão”).

Então, desvencilhou-se do empresário e correu para beijar Cidinha, um beijo demorado, e logo Eder gritava “Devo tudo a vocês, devo...” Um senhor deseperado, com uma camisa do São Paulo assinada por todos os jogadores, brigava com os policiais para invadir o ringue (“Preciso vestir Eder com esta camisa”). E Vítor Mauri, diretor do São Paulo, conseguiu. O campeão usava esta camisa quando conversou com o presidente da república, logo depois.

Nos camarins, o técnico Santa Rosa pedia licença e tirava as sapatilhas de Eder (“Vamos prá lá, gente, este homem é macho, lutou 15 assaltos”). Valdemar Santana passava a mão nas manchas do ombro esquerdo de Eder (“Isso vai desaparecer com a massagem”), e o filho Marcel escondia o rosto para não chorar na frente de toda gente que rodeava o pai, um homem que sangrava pelo nariz e pelo supercilio esquerdo, enquanto esperava para tomar banho. A. água do chuveiro molhava um homem machucado, o Campeão dos Penas (“Puxa, como doi, o braço está podre”). O braço esquerdo doia, a costela também (“Acho que está fraturada, mas fui melhor do que Legra, procurei a luta em todos os assaltos”).

continua após a publicidade

E o campeão deixou o ginásio para a festa do Hotel Brasília com as sandálias do sparring Joel Gomes. Seus sapatos haviam sumido, estavam na bolsa de Luís Faustino, por engano. No saguão do Hotel, teve de posar para as fotos ao lado de vários políticos e homens de negócios, todos com cara de campeões mundiais. Menos Kid Jofre, que chorava encostado na porta do elevador, sem perder a ironia ao receber cumprimentos de todos (“Mas hoje não é meu aniversário”).

Na manhã seguinte, ele já se levantou como um campeão. Parnassus esperava embaixo, com uma proposta para outra luta (“Entre o vencedor de Bobby Chaccon e Ruben Olivares”). Mas Kid não quer seu filho lutando fora do Brasil. A proposta de Parnassus é para Los Angeles. Por isso, o empresário também não escapou do bom humor dó técnico (“Ficamos só na conversa fiada”). E Eder? Pela primeira vez, mergulhava nas águas da piscina do hotel, brincando com os filhos.

A VITÓRIA DO PAI

continua após a publicidade

Na noite anterior havia tomado sua primeira cerveja após muito tempo, e José Legra parecia um quase desconhecido que há muitos anos não encontrava. Éder:

— E difícil analisar a luta, porque eu’ estava em cima do ringue. Não dava para saber quem era o melhor. Só acho que a diferença de 10 pontos a meu favor foi muito grande. Eu daria sete.

Sete pontos, que custaram muita coisa:

— Tudo que fiz foi para meu pai. Ele estava morrendo numa cama de hospital, e levantou pesando apenas 46 quilos, quando soube da minha decisão de lutar. Depois, esteve todos dias comigo, me acompanhou até nos footings. Kid precisava muito desta vitória.

Uma vitória de auto-afirmação, importante para Éder:

— Desde que voltei, tinha muita gente dizendo que eu era velho, não tinha condições para ser campeão outra vez. Que tal parar e deixar o título para os garotos? Estou triste com quem não acreditou em mim. Fiz grandes esforços para vencer meus problemas, sacrificando comidas e outras coisas que gosto de fazer.

Eder ainda não tem planos para próximas lutas — a de sábado ainda está marcada em seu corpo:

— Legra foi um grande adversário. Minha costela e o braço estão doloridos, mas ele não poderia me vencer: eu tinha uma força dentro de mim que não me deixava perder. Talvez fosse meu pai, minha família, o público ou os amigos não sei.

E o campeão ficou na piscina, brincando com Andrea, desapercebido no meio dos outros hóspedes. Pouco depois, seus braços levantavam e jogavam Andrea para cima da água. Os braços do terceiro homem na história do boxe que conseguiu conquistar títulos mundiais de duas categorias. Antes dele, só duas lendas: Archie Moore e Ray Robinson.

Página da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
Página da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
Capa do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
Capa da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão

Veja também: Acervo Estadão

Uma luta épica do brasileiro Éder Jofre valendo o título mundial de boxe mereceu uma cobertura especial do Jornal da Tarde em junho de 1973. Além da luta na capital Brasília, o jornal acompanhou o pai e mentor do pugilista, Kid Jofre, que estava internado com 46 quilos num hospital em São Paulo.

Leia o texto principal e veja outras páginas da Edição de Esportes - suplemento especial que circulavas às segundas-feiras - sobre a luta que garantiu o último título mundial do boxeador brasileiro.

Página da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde - 7 de maio de 1973

Quando ficou confirmada a luta de Éder pelo título, Kid Jofre levantou-se da cama do hispital, pesando apenas 46 quilos, e passou a acompanhá-lo em todos os momentos. Era um motivo bastante forte para Éder ganhar o título mundial dos penas de qualquer maniera.

O CAMPEÃO

Quando legra soltou o braço e mandou Éder ao chão, no fim do terceiro assalto, todos que estavam dentro do ginásio sentiram o impacto do murro. Quando o gongo anunciou o início do quarto assalto e Éder partiu para cima de Legra, com toda sua raiva, todos sentiram que a vitória estava garantida.

Kid Jofre pôs a mão na cabeça (“Que é isso, Éder?”), esquecendo a previsão que havia feito antes da luta (“Eder deixará o ringue como campeão, mas machucado”). Seu filho estava atordoado entre as cordas, após o cruzado de Legra na testa (“Só sentia o ringue crescendo e as cordas passando por baixo de minhas pernas, fiquei completamente grogue”). Um direto do cubano já havia tirado sangue do nariz do brasileiro, neste assalto, e Éder estava tonto, como todas as pessoas do ginásio.

O gongo soou, e o juiz Jay Edson só tirou um ponto do brasileiro neste round, sem abrir contagem (“Ele só caiu ajoelhado após o gongo, por isso não tirei dois pontos”). No outro canto do ringue, o empresário José Lobato reclamava (“Bateram o gongo antes dos três minutos”). Eder foi para seu canto, era o momento mais crítico de sua carreira, estava quase nocauteado (“Senti raiva, não queria que todos pensassem que Legra me venceria facilmente”). E Eder foi para o quarto round, com raiva (“Queria bater nele, e bati, bati muito”).

Legra, que poderia aproveitar sua vantagem, recebeu uma ordem errada de seus segundos (“Faço o que mandam, disseram para segurar Eder que ele cansaria, no final, e eu venceria por nocaute’.’). No quarto assalto, Kid Jofre virou de costas. O velho não queria ver o que acontecia (”Eder estava parado, preso, não soltava os braços. Mandei ele ir para cima, mostrar aos juizes que tinha a iniciativa do combate”).

AS DORES DA VITÓRIA

No nono assalto, Eder percebeu que as coisas iam bem. Sentiu Legra frouxo (“Agarrou-se em mim para não cair”), e no canto Kid Jofre já considerava a luta ganha (“Quando Eder entrou para o décimo, sabia que não perde-ria mais, mandei que tomasse cuidado com um golpe im-previsto”). Mas o campeão dos penas queria um nocaute (“Estava com fôlego ótimo, mas sentia os braços presos, consequência de oito meses sem lutar”).

No 14° round, Legra empurrou Eder para acertar suas costelas, e no último o brasileiro sentiu a vitória (“Consegui acertá-lo bem”). E quando tudo terminou, a angústia de esperar a decisão dos jurados acabou com Katznelson invadindo o ringue acompanhado de dezenas de pessoas, e Eder percebeu que havia vencido (“Quando veio aquela gente toda, senti que era o campeão”).

Então, desvencilhou-se do empresário e correu para beijar Cidinha, um beijo demorado, e logo Eder gritava “Devo tudo a vocês, devo...” Um senhor deseperado, com uma camisa do São Paulo assinada por todos os jogadores, brigava com os policiais para invadir o ringue (“Preciso vestir Eder com esta camisa”). E Vítor Mauri, diretor do São Paulo, conseguiu. O campeão usava esta camisa quando conversou com o presidente da república, logo depois.

Nos camarins, o técnico Santa Rosa pedia licença e tirava as sapatilhas de Eder (“Vamos prá lá, gente, este homem é macho, lutou 15 assaltos”). Valdemar Santana passava a mão nas manchas do ombro esquerdo de Eder (“Isso vai desaparecer com a massagem”), e o filho Marcel escondia o rosto para não chorar na frente de toda gente que rodeava o pai, um homem que sangrava pelo nariz e pelo supercilio esquerdo, enquanto esperava para tomar banho. A. água do chuveiro molhava um homem machucado, o Campeão dos Penas (“Puxa, como doi, o braço está podre”). O braço esquerdo doia, a costela também (“Acho que está fraturada, mas fui melhor do que Legra, procurei a luta em todos os assaltos”).

E o campeão deixou o ginásio para a festa do Hotel Brasília com as sandálias do sparring Joel Gomes. Seus sapatos haviam sumido, estavam na bolsa de Luís Faustino, por engano. No saguão do Hotel, teve de posar para as fotos ao lado de vários políticos e homens de negócios, todos com cara de campeões mundiais. Menos Kid Jofre, que chorava encostado na porta do elevador, sem perder a ironia ao receber cumprimentos de todos (“Mas hoje não é meu aniversário”).

Na manhã seguinte, ele já se levantou como um campeão. Parnassus esperava embaixo, com uma proposta para outra luta (“Entre o vencedor de Bobby Chaccon e Ruben Olivares”). Mas Kid não quer seu filho lutando fora do Brasil. A proposta de Parnassus é para Los Angeles. Por isso, o empresário também não escapou do bom humor dó técnico (“Ficamos só na conversa fiada”). E Eder? Pela primeira vez, mergulhava nas águas da piscina do hotel, brincando com os filhos.

A VITÓRIA DO PAI

Na noite anterior havia tomado sua primeira cerveja após muito tempo, e José Legra parecia um quase desconhecido que há muitos anos não encontrava. Éder:

— E difícil analisar a luta, porque eu’ estava em cima do ringue. Não dava para saber quem era o melhor. Só acho que a diferença de 10 pontos a meu favor foi muito grande. Eu daria sete.

Sete pontos, que custaram muita coisa:

— Tudo que fiz foi para meu pai. Ele estava morrendo numa cama de hospital, e levantou pesando apenas 46 quilos, quando soube da minha decisão de lutar. Depois, esteve todos dias comigo, me acompanhou até nos footings. Kid precisava muito desta vitória.

Uma vitória de auto-afirmação, importante para Éder:

— Desde que voltei, tinha muita gente dizendo que eu era velho, não tinha condições para ser campeão outra vez. Que tal parar e deixar o título para os garotos? Estou triste com quem não acreditou em mim. Fiz grandes esforços para vencer meus problemas, sacrificando comidas e outras coisas que gosto de fazer.

Eder ainda não tem planos para próximas lutas — a de sábado ainda está marcada em seu corpo:

— Legra foi um grande adversário. Minha costela e o braço estão doloridos, mas ele não poderia me vencer: eu tinha uma força dentro de mim que não me deixava perder. Talvez fosse meu pai, minha família, o público ou os amigos não sei.

E o campeão ficou na piscina, brincando com Andrea, desapercebido no meio dos outros hóspedes. Pouco depois, seus braços levantavam e jogavam Andrea para cima da água. Os braços do terceiro homem na história do boxe que conseguiu conquistar títulos mundiais de duas categorias. Antes dele, só duas lendas: Archie Moore e Ray Robinson.

Página da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
Página da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
Capa do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
Capa da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão

Veja também: Acervo Estadão

Uma luta épica do brasileiro Éder Jofre valendo o título mundial de boxe mereceu uma cobertura especial do Jornal da Tarde em junho de 1973. Além da luta na capital Brasília, o jornal acompanhou o pai e mentor do pugilista, Kid Jofre, que estava internado com 46 quilos num hospital em São Paulo.

Leia o texto principal e veja outras páginas da Edição de Esportes - suplemento especial que circulavas às segundas-feiras - sobre a luta que garantiu o último título mundial do boxeador brasileiro.

Página da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde - 7 de maio de 1973

Quando ficou confirmada a luta de Éder pelo título, Kid Jofre levantou-se da cama do hispital, pesando apenas 46 quilos, e passou a acompanhá-lo em todos os momentos. Era um motivo bastante forte para Éder ganhar o título mundial dos penas de qualquer maniera.

O CAMPEÃO

Quando legra soltou o braço e mandou Éder ao chão, no fim do terceiro assalto, todos que estavam dentro do ginásio sentiram o impacto do murro. Quando o gongo anunciou o início do quarto assalto e Éder partiu para cima de Legra, com toda sua raiva, todos sentiram que a vitória estava garantida.

Kid Jofre pôs a mão na cabeça (“Que é isso, Éder?”), esquecendo a previsão que havia feito antes da luta (“Eder deixará o ringue como campeão, mas machucado”). Seu filho estava atordoado entre as cordas, após o cruzado de Legra na testa (“Só sentia o ringue crescendo e as cordas passando por baixo de minhas pernas, fiquei completamente grogue”). Um direto do cubano já havia tirado sangue do nariz do brasileiro, neste assalto, e Éder estava tonto, como todas as pessoas do ginásio.

O gongo soou, e o juiz Jay Edson só tirou um ponto do brasileiro neste round, sem abrir contagem (“Ele só caiu ajoelhado após o gongo, por isso não tirei dois pontos”). No outro canto do ringue, o empresário José Lobato reclamava (“Bateram o gongo antes dos três minutos”). Eder foi para seu canto, era o momento mais crítico de sua carreira, estava quase nocauteado (“Senti raiva, não queria que todos pensassem que Legra me venceria facilmente”). E Eder foi para o quarto round, com raiva (“Queria bater nele, e bati, bati muito”).

Legra, que poderia aproveitar sua vantagem, recebeu uma ordem errada de seus segundos (“Faço o que mandam, disseram para segurar Eder que ele cansaria, no final, e eu venceria por nocaute’.’). No quarto assalto, Kid Jofre virou de costas. O velho não queria ver o que acontecia (”Eder estava parado, preso, não soltava os braços. Mandei ele ir para cima, mostrar aos juizes que tinha a iniciativa do combate”).

AS DORES DA VITÓRIA

No nono assalto, Eder percebeu que as coisas iam bem. Sentiu Legra frouxo (“Agarrou-se em mim para não cair”), e no canto Kid Jofre já considerava a luta ganha (“Quando Eder entrou para o décimo, sabia que não perde-ria mais, mandei que tomasse cuidado com um golpe im-previsto”). Mas o campeão dos penas queria um nocaute (“Estava com fôlego ótimo, mas sentia os braços presos, consequência de oito meses sem lutar”).

No 14° round, Legra empurrou Eder para acertar suas costelas, e no último o brasileiro sentiu a vitória (“Consegui acertá-lo bem”). E quando tudo terminou, a angústia de esperar a decisão dos jurados acabou com Katznelson invadindo o ringue acompanhado de dezenas de pessoas, e Eder percebeu que havia vencido (“Quando veio aquela gente toda, senti que era o campeão”).

Então, desvencilhou-se do empresário e correu para beijar Cidinha, um beijo demorado, e logo Eder gritava “Devo tudo a vocês, devo...” Um senhor deseperado, com uma camisa do São Paulo assinada por todos os jogadores, brigava com os policiais para invadir o ringue (“Preciso vestir Eder com esta camisa”). E Vítor Mauri, diretor do São Paulo, conseguiu. O campeão usava esta camisa quando conversou com o presidente da república, logo depois.

Nos camarins, o técnico Santa Rosa pedia licença e tirava as sapatilhas de Eder (“Vamos prá lá, gente, este homem é macho, lutou 15 assaltos”). Valdemar Santana passava a mão nas manchas do ombro esquerdo de Eder (“Isso vai desaparecer com a massagem”), e o filho Marcel escondia o rosto para não chorar na frente de toda gente que rodeava o pai, um homem que sangrava pelo nariz e pelo supercilio esquerdo, enquanto esperava para tomar banho. A. água do chuveiro molhava um homem machucado, o Campeão dos Penas (“Puxa, como doi, o braço está podre”). O braço esquerdo doia, a costela também (“Acho que está fraturada, mas fui melhor do que Legra, procurei a luta em todos os assaltos”).

E o campeão deixou o ginásio para a festa do Hotel Brasília com as sandálias do sparring Joel Gomes. Seus sapatos haviam sumido, estavam na bolsa de Luís Faustino, por engano. No saguão do Hotel, teve de posar para as fotos ao lado de vários políticos e homens de negócios, todos com cara de campeões mundiais. Menos Kid Jofre, que chorava encostado na porta do elevador, sem perder a ironia ao receber cumprimentos de todos (“Mas hoje não é meu aniversário”).

Na manhã seguinte, ele já se levantou como um campeão. Parnassus esperava embaixo, com uma proposta para outra luta (“Entre o vencedor de Bobby Chaccon e Ruben Olivares”). Mas Kid não quer seu filho lutando fora do Brasil. A proposta de Parnassus é para Los Angeles. Por isso, o empresário também não escapou do bom humor dó técnico (“Ficamos só na conversa fiada”). E Eder? Pela primeira vez, mergulhava nas águas da piscina do hotel, brincando com os filhos.

A VITÓRIA DO PAI

Na noite anterior havia tomado sua primeira cerveja após muito tempo, e José Legra parecia um quase desconhecido que há muitos anos não encontrava. Éder:

— E difícil analisar a luta, porque eu’ estava em cima do ringue. Não dava para saber quem era o melhor. Só acho que a diferença de 10 pontos a meu favor foi muito grande. Eu daria sete.

Sete pontos, que custaram muita coisa:

— Tudo que fiz foi para meu pai. Ele estava morrendo numa cama de hospital, e levantou pesando apenas 46 quilos, quando soube da minha decisão de lutar. Depois, esteve todos dias comigo, me acompanhou até nos footings. Kid precisava muito desta vitória.

Uma vitória de auto-afirmação, importante para Éder:

— Desde que voltei, tinha muita gente dizendo que eu era velho, não tinha condições para ser campeão outra vez. Que tal parar e deixar o título para os garotos? Estou triste com quem não acreditou em mim. Fiz grandes esforços para vencer meus problemas, sacrificando comidas e outras coisas que gosto de fazer.

Eder ainda não tem planos para próximas lutas — a de sábado ainda está marcada em seu corpo:

— Legra foi um grande adversário. Minha costela e o braço estão doloridos, mas ele não poderia me vencer: eu tinha uma força dentro de mim que não me deixava perder. Talvez fosse meu pai, minha família, o público ou os amigos não sei.

E o campeão ficou na piscina, brincando com Andrea, desapercebido no meio dos outros hóspedes. Pouco depois, seus braços levantavam e jogavam Andrea para cima da água. Os braços do terceiro homem na história do boxe que conseguiu conquistar títulos mundiais de duas categorias. Antes dele, só duas lendas: Archie Moore e Ray Robinson.

Página da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
Página da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
Capa do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
Capa da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão

Veja também: Acervo Estadão

Uma luta épica do brasileiro Éder Jofre valendo o título mundial de boxe mereceu uma cobertura especial do Jornal da Tarde em junho de 1973. Além da luta na capital Brasília, o jornal acompanhou o pai e mentor do pugilista, Kid Jofre, que estava internado com 46 quilos num hospital em São Paulo.

Leia o texto principal e veja outras páginas da Edição de Esportes - suplemento especial que circulavas às segundas-feiras - sobre a luta que garantiu o último título mundial do boxeador brasileiro.

Página da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde - 7 de maio de 1973

Quando ficou confirmada a luta de Éder pelo título, Kid Jofre levantou-se da cama do hispital, pesando apenas 46 quilos, e passou a acompanhá-lo em todos os momentos. Era um motivo bastante forte para Éder ganhar o título mundial dos penas de qualquer maniera.

O CAMPEÃO

Quando legra soltou o braço e mandou Éder ao chão, no fim do terceiro assalto, todos que estavam dentro do ginásio sentiram o impacto do murro. Quando o gongo anunciou o início do quarto assalto e Éder partiu para cima de Legra, com toda sua raiva, todos sentiram que a vitória estava garantida.

Kid Jofre pôs a mão na cabeça (“Que é isso, Éder?”), esquecendo a previsão que havia feito antes da luta (“Eder deixará o ringue como campeão, mas machucado”). Seu filho estava atordoado entre as cordas, após o cruzado de Legra na testa (“Só sentia o ringue crescendo e as cordas passando por baixo de minhas pernas, fiquei completamente grogue”). Um direto do cubano já havia tirado sangue do nariz do brasileiro, neste assalto, e Éder estava tonto, como todas as pessoas do ginásio.

O gongo soou, e o juiz Jay Edson só tirou um ponto do brasileiro neste round, sem abrir contagem (“Ele só caiu ajoelhado após o gongo, por isso não tirei dois pontos”). No outro canto do ringue, o empresário José Lobato reclamava (“Bateram o gongo antes dos três minutos”). Eder foi para seu canto, era o momento mais crítico de sua carreira, estava quase nocauteado (“Senti raiva, não queria que todos pensassem que Legra me venceria facilmente”). E Eder foi para o quarto round, com raiva (“Queria bater nele, e bati, bati muito”).

Legra, que poderia aproveitar sua vantagem, recebeu uma ordem errada de seus segundos (“Faço o que mandam, disseram para segurar Eder que ele cansaria, no final, e eu venceria por nocaute’.’). No quarto assalto, Kid Jofre virou de costas. O velho não queria ver o que acontecia (”Eder estava parado, preso, não soltava os braços. Mandei ele ir para cima, mostrar aos juizes que tinha a iniciativa do combate”).

AS DORES DA VITÓRIA

No nono assalto, Eder percebeu que as coisas iam bem. Sentiu Legra frouxo (“Agarrou-se em mim para não cair”), e no canto Kid Jofre já considerava a luta ganha (“Quando Eder entrou para o décimo, sabia que não perde-ria mais, mandei que tomasse cuidado com um golpe im-previsto”). Mas o campeão dos penas queria um nocaute (“Estava com fôlego ótimo, mas sentia os braços presos, consequência de oito meses sem lutar”).

No 14° round, Legra empurrou Eder para acertar suas costelas, e no último o brasileiro sentiu a vitória (“Consegui acertá-lo bem”). E quando tudo terminou, a angústia de esperar a decisão dos jurados acabou com Katznelson invadindo o ringue acompanhado de dezenas de pessoas, e Eder percebeu que havia vencido (“Quando veio aquela gente toda, senti que era o campeão”).

Então, desvencilhou-se do empresário e correu para beijar Cidinha, um beijo demorado, e logo Eder gritava “Devo tudo a vocês, devo...” Um senhor deseperado, com uma camisa do São Paulo assinada por todos os jogadores, brigava com os policiais para invadir o ringue (“Preciso vestir Eder com esta camisa”). E Vítor Mauri, diretor do São Paulo, conseguiu. O campeão usava esta camisa quando conversou com o presidente da república, logo depois.

Nos camarins, o técnico Santa Rosa pedia licença e tirava as sapatilhas de Eder (“Vamos prá lá, gente, este homem é macho, lutou 15 assaltos”). Valdemar Santana passava a mão nas manchas do ombro esquerdo de Eder (“Isso vai desaparecer com a massagem”), e o filho Marcel escondia o rosto para não chorar na frente de toda gente que rodeava o pai, um homem que sangrava pelo nariz e pelo supercilio esquerdo, enquanto esperava para tomar banho. A. água do chuveiro molhava um homem machucado, o Campeão dos Penas (“Puxa, como doi, o braço está podre”). O braço esquerdo doia, a costela também (“Acho que está fraturada, mas fui melhor do que Legra, procurei a luta em todos os assaltos”).

E o campeão deixou o ginásio para a festa do Hotel Brasília com as sandálias do sparring Joel Gomes. Seus sapatos haviam sumido, estavam na bolsa de Luís Faustino, por engano. No saguão do Hotel, teve de posar para as fotos ao lado de vários políticos e homens de negócios, todos com cara de campeões mundiais. Menos Kid Jofre, que chorava encostado na porta do elevador, sem perder a ironia ao receber cumprimentos de todos (“Mas hoje não é meu aniversário”).

Na manhã seguinte, ele já se levantou como um campeão. Parnassus esperava embaixo, com uma proposta para outra luta (“Entre o vencedor de Bobby Chaccon e Ruben Olivares”). Mas Kid não quer seu filho lutando fora do Brasil. A proposta de Parnassus é para Los Angeles. Por isso, o empresário também não escapou do bom humor dó técnico (“Ficamos só na conversa fiada”). E Eder? Pela primeira vez, mergulhava nas águas da piscina do hotel, brincando com os filhos.

A VITÓRIA DO PAI

Na noite anterior havia tomado sua primeira cerveja após muito tempo, e José Legra parecia um quase desconhecido que há muitos anos não encontrava. Éder:

— E difícil analisar a luta, porque eu’ estava em cima do ringue. Não dava para saber quem era o melhor. Só acho que a diferença de 10 pontos a meu favor foi muito grande. Eu daria sete.

Sete pontos, que custaram muita coisa:

— Tudo que fiz foi para meu pai. Ele estava morrendo numa cama de hospital, e levantou pesando apenas 46 quilos, quando soube da minha decisão de lutar. Depois, esteve todos dias comigo, me acompanhou até nos footings. Kid precisava muito desta vitória.

Uma vitória de auto-afirmação, importante para Éder:

— Desde que voltei, tinha muita gente dizendo que eu era velho, não tinha condições para ser campeão outra vez. Que tal parar e deixar o título para os garotos? Estou triste com quem não acreditou em mim. Fiz grandes esforços para vencer meus problemas, sacrificando comidas e outras coisas que gosto de fazer.

Eder ainda não tem planos para próximas lutas — a de sábado ainda está marcada em seu corpo:

— Legra foi um grande adversário. Minha costela e o braço estão doloridos, mas ele não poderia me vencer: eu tinha uma força dentro de mim que não me deixava perder. Talvez fosse meu pai, minha família, o público ou os amigos não sei.

E o campeão ficou na piscina, brincando com Andrea, desapercebido no meio dos outros hóspedes. Pouco depois, seus braços levantavam e jogavam Andrea para cima da água. Os braços do terceiro homem na história do boxe que conseguiu conquistar títulos mundiais de duas categorias. Antes dele, só duas lendas: Archie Moore e Ray Robinson.

Página da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
Página da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
Capa do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão
Capa da Edição de Esportes do Jornal da Tarde de 7 de maio de 1973 sobre o título de campeão mundial de boxe peso pena de Éder Jofre. Foto: Acervo Estadão

Veja também: Acervo Estadão

Tudo Sobre

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.