Elis Regina e Roberto Carlos: a paz entre a MPB e a Jovem Guarda em 1966


Os dois astros da música brasileira apareceram juntos e sorridentes no Jornal da Tarde

Por Edmundo Leite
Atualização:

Muito antes de virar tema de debate por causa de um comercial póstumo, Elis Regina já tinha colecionado uma porção de polêmicas em vida. Uma delas foi uma suposta rivalidade, desmetinda por ela, com a ala roqueira da música brasileira, na época chamada de iê-iê-iê, e consagrada como Jovem Guarda, capitaneada por Roberto Carlos. Ambos contratados da TV Record, e com programas na emissora. Elis, com o Fino da Bossa, e Roberto, com o Jovem Guarda.

Elis Regina e Roberto Carlos na capa do Jornal da Tarde de 26 de março de 1966 Foto: Acervo Estadão

Naqueles anos 60, o Jornal da Tarde foi um dos veículos que fizeram grande cobertura dos movimentos musicais. Na capa de 26 de março de 1966, o que não faltava era boa história. Tinha notícia policial, com o roubo da Taça Jules Rimet em Londres (encontrada sete dias depois), tecnologia e computadores, política, religião e até um stip-tease.

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Mas o destaque era mesmo a chamada com uma charmosa foto de Elis Regina e Roberto Carlos lado a lado de braços cruzados, meio que se desafiando de brincadeira. O título “O beijo é paz entre ié-ié e bossa” e a legenda convidavam os leitores a lerem o Caderno de TV: “Elis Regina e Roberto Carlos, reis da bossa nova e do iê-iê, fazem as pazes com um doce beijo da paz.

No Caderno de TV, os dois astros aparecem conversando entre sorrisos, em meio a três textos sobre o encontro. Um deles, “Elis e Roberto vão juntos para o inferno”, brincava com o principal sucesso do cantor e dizia que os dois iriam aparecer juntos cantando “Quero que vá tudo pro inferno”.

Saiba como foi o encontro nas páginas abaixo e leia a íntegra da transcrição dos textos publicados na época:

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Jornal da Tarde - 26 de março de 1966

Elis Regina e Roberto Carlos no Jornal da Tarde em 1966. Foto: Acervo Estadão
Elis Regina e Roberto Carlos no Jornal da Tarde em 1966. Foto: Acervo Estadão
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Elis e Roberto vão juntos para o inferno

Na briga entre o ié-ié-ié e a bossa nova, uma guerra feita em casa, entre as quatro paredes do teatro da rua da Consolação, já surgiu a declaração de paz e a promessa de um final feliz: Elis Regina e Roberto Carlos vão aparecer juntos cantando quero que vá tudo para o inferno.

O acôrdo nasceu num camarim, sem muito protocolo. Roberto Carlos estava sem camisa e com uma touca de meia na cabeça, se preparando para o programa Quadra de Sete, sexta-feira à noite, quando Elis chegou, depois de falar com a secretária, Edi, e o irmão, Carlinhos, do brasa.

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A primeira frase foi de Roberto: “Puxa Elis pensei que você tinha dado uma mancada comigo”. Depois um disse que gostava muito do outro e houve até beijos para os fotógrafos. Mas Elis ainda não é uma cantora tranqüila. Queria ir ao Jovem Guarda amanhã, “mesmo que seja para tomar vaia das fãs de Roberto”. Paulinho Machado de Carvalho, diretor do canal 7, achou melhor esperar até a semana que vem, para Roberto ter tempo de desmentir a briga.

Briga de verdade, Elis diz que tem uma: “Mas é contra o meu pessoal, a turma do samba. Ninguém está fazendo mais nada. A conquista de um público e bons contratos fizeram todo mundo pensar que já é hora de descansar. É preciso uma segunda revolução, para a bossa voltar a dizer alguma coisa”.

O resto Elis desmente: não deu entrevista contra Roberto Carlos e sua turma. “Respeito o Roberto. Quando se diz que alguma coisa é uma brasa, todo mundo sabe que aquilo é bom. Isso foi ele quem criou. Domingo passado, durante o Jovem Guarda, estava no segundo andar do teatro, jogando chapéus Calhambeque para os fãs dele que não puderam entrar”.

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Até o encontro da paz no camarim, Suis não descansou. Hebe Camargo faz em casa um programa para a Rádio Excelsior, Elis foi até lá. Fêz o primeiro desmentido. Depois, com Hebe e Walter Silva, chegou ao canal 7, conversou com Paulinho de Carvalho, o empresário Marcos Lázaro e o produtor Manoel Carlos, responsável pelo Fino.

Chorou duas vêzes, no carro quando ia para casa de Hebe e logo que começou a falar com Paulinho, Marcos e Manoel. Entre os dois choros, denunciou unia campanha contra ela: “Já disseram que sou inimiga do Simonal e agora estão tentando jogá-lo contra Jair Rodrigues. Querem é me jogar contra o público do Fino e o do Jovem Guarda”.

DUAS JOVENS GUARDA, MORA

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Na porta do Teatro Record, de calça Calhambeque, sorvete e caderninho para autógrafos na mão, duas meninas julgam a guerrinha de mentira entre Elis e Roberto Carlos. Regina Célia e Sônia Regina, estudantes, 13 anos, com jeito de 11, acham tudo uma brasa, mas também gostam de samba.

Vão falando sem deixar de prestar atenção em quem entra ou sai. Caubi Peixoto, que tinha ensaio, passou, deu um beijo na testa de cada e ganhou o comentário: “Êle é muito bom. Por que será que falam tanto dêle? Depois vem Jair Rodrigues, tira uma casquinha no sorvete das meninas e dá seu autógrafo.

E aí chega a vez de Elis Regina passar. As meninas pediram autógrafos e disseram: “Sabe, não fique triste não que nós da jovem guarda também gostamos de você. Se fôr cantar com o Roberto Carlos ninguém vai lhe vaiar”.

Regina Célia diz que a briga entre o pessoal da Bossa e a turma do lé-Ié-Ié é sem sentido e só pode ter dois interèsses: ou os artistas estão mentindo ou os jornais procuram assunto.

“Quando vejo televisão ou escuto um disco, quero sentir alguma coisa: alegria, tristeza, qualquer coisa diferente. Quando Roberto Carlos canta, eu choro. Não sei porquê, mas choro. Com Elis fico pensando em guerra e em amor. Com o Jair Rodrigues fico alegre e tenho vontade de dançar. De quem não gosto é da Nara Leão, pois ela não me faz sentir nada”.

Sônia Regina é muito amiga de Célia. Uma estuda no Colégio Saldanha Marinho e a outra no Ginásio Plínio Barreto. Ela também usa calça Calhambeque, gosta de sorvete e na hora de dar sua opinião sôbre a briga diz que gosta mesmo é do Roberto Carlos.

Na confusão tôda de briguinha entre artistas, Sônia só não entende mesmo é por que o Jorge Ben deu uma declaração contra a bossa nova, misturando política com música, se êle já foi da turminha.

“Fica parecendo traição, não é?

Sônia quer dizer a Roberto Carlos o seguinte:

Se fôr verdade o que estão dizendo, que você está doente e vai morrer, vou entrar para um convento”.

O FINO CAIU E PERDEU BOSSA

André Maria

Fôsse tudo planificado e talvez afio desse tão certinho. Veja-se: Elis Regin, de volta ao Brasil, encontra sua bossa maltratada na aritmética do IBOPE e deita falação violenta; Jorge Ben, meio fora de órbita nos últimos tempos, dá uma de “Independenria ou Morte” e apeia feio, misturando pblitica e música. Confunde, Inclusive, o silêncio das paradas de sucesso com gêlo dos companheiros.

Coroando tudo, aparece o comunicado de guerra, filtrado pela Record. com o grito de luta da turma da Bossa Nova contra a gente do lé-Ié-Ié, enquanto Elis e Simonal montam em cena uma paródia de Roberto Carlos e Erasmo. Tudo certinho, tudo tão perfeito na criação que até Pode ser autêntico.

Razões, inclusive, não faltam. De um lado, os ié-ié-ié da casa, o Sete, acossados pelo Go-go do Nove; de outro, a turma do “Fino” acossado pelos dois. As turrasas em família viriam a calhar, para a guerra maior da audiência. Por que não montá-las? Ruim mesmo, porém, a coisa parece estar para a turma da Bossa. Afinal, algo deve existir, quando o “Fino” engrossa.

E há mesmo. Ao fim de 10 meses de programa, em ano de Copa do Mundo, começa-se a descobrir que nem só de Pelé e Garrincha vivem as seleções. E o “Fino”, que por mal dos pecados até do nome lhe sumiu a bossa, viveu, até agora, da extraordinária comunicabilidade de Elis e de Jair Rodrigues. O trabalho de produção limitou-se à descoberta de uma fórmula, válida por algum tempo - e mais não quis fazer.

A coisa caiu na mesmice e abriu campo para o outros que vieram depois. Desapareceram os fatores estranhos à criação do espetáculo propriamente dito, e que o ajudavam a manter-se. Com isso, ganharam corpo as deficiências.

Há um anos atrás, o “Fino” era, na TV, a projeçãod e uma situação global que, no teatro, por exemplo, expressava-se em termos de espetáculos de engajamento. “Arena Conta Zumbi”, “Liberdade, Liberdade”, e “Opinião” eram exemplo. Hoje, “Arena Conta Zumbi” vive as duas horas de agonia e o resto, se já não morreu, já não explode com o impacto anterior. O ezvaziamento desse teatro engajado, em termos de massa, roubou apoio ao programa e deixou-o com um é no ar.

O outro rodopiou também na medida em que os grandes sucessos musicais não se repetiram. “Arrastão”, o último carro-chefe do programa, já é velho de muitos meses. “Menino das Laranjas, “Zumbi” e “Carcará” ainda não tiveram canções que as substituíssem. Tampouco as substituiu o trabalho de produção. Manoel Carlos, chamado a outras criações, descuidou-se e permitiu que o espetáculo repetisse a mesma fórmula indefinitivamente.

A exuberante mobilidade de Elis e Jair continuou amarrada a um cenário estreito e pobre. Ninguém criou coisa alguma. Baden Powell é elevado a executar Bach, no mesmo contexto cênico em que Elis e Jair explodem “Carcará” e Nara Leão escorrega o “Mario Moita”. Nada que marque a produção especificamente de TV. Tinha que murchar - e murchou.

Motivos, portanto, não faltam a Elis para deseperar-se quando sente escorregar-lhe entre os dedos o fruto de duro trabalho e, inegavelmente, muito talento. A sua guerra é justa; errado porém, o inimigo que escolheu.

Para usar experessão em moda, parece menos uma luta de fronteiras, que uma guerrinha revolucionária, a sustentar em seu próprio campo. Lence-se à ela com todo seu talento de incansável guerrilheira da Bossa-Nova e as coisas mudarão.

>> Leia mais sobre Elis Regina

>> Leia mais sobre Roberto Carlos

Muito antes de virar tema de debate por causa de um comercial póstumo, Elis Regina já tinha colecionado uma porção de polêmicas em vida. Uma delas foi uma suposta rivalidade, desmetinda por ela, com a ala roqueira da música brasileira, na época chamada de iê-iê-iê, e consagrada como Jovem Guarda, capitaneada por Roberto Carlos. Ambos contratados da TV Record, e com programas na emissora. Elis, com o Fino da Bossa, e Roberto, com o Jovem Guarda.

Elis Regina e Roberto Carlos na capa do Jornal da Tarde de 26 de março de 1966 Foto: Acervo Estadão

Naqueles anos 60, o Jornal da Tarde foi um dos veículos que fizeram grande cobertura dos movimentos musicais. Na capa de 26 de março de 1966, o que não faltava era boa história. Tinha notícia policial, com o roubo da Taça Jules Rimet em Londres (encontrada sete dias depois), tecnologia e computadores, política, religião e até um stip-tease.

Mas o destaque era mesmo a chamada com uma charmosa foto de Elis Regina e Roberto Carlos lado a lado de braços cruzados, meio que se desafiando de brincadeira. O título “O beijo é paz entre ié-ié e bossa” e a legenda convidavam os leitores a lerem o Caderno de TV: “Elis Regina e Roberto Carlos, reis da bossa nova e do iê-iê, fazem as pazes com um doce beijo da paz.

No Caderno de TV, os dois astros aparecem conversando entre sorrisos, em meio a três textos sobre o encontro. Um deles, “Elis e Roberto vão juntos para o inferno”, brincava com o principal sucesso do cantor e dizia que os dois iriam aparecer juntos cantando “Quero que vá tudo pro inferno”.

Saiba como foi o encontro nas páginas abaixo e leia a íntegra da transcrição dos textos publicados na época:

Jornal da Tarde - 26 de março de 1966

Elis Regina e Roberto Carlos no Jornal da Tarde em 1966. Foto: Acervo Estadão
Elis Regina e Roberto Carlos no Jornal da Tarde em 1966. Foto: Acervo Estadão

Elis e Roberto vão juntos para o inferno

Na briga entre o ié-ié-ié e a bossa nova, uma guerra feita em casa, entre as quatro paredes do teatro da rua da Consolação, já surgiu a declaração de paz e a promessa de um final feliz: Elis Regina e Roberto Carlos vão aparecer juntos cantando quero que vá tudo para o inferno.

O acôrdo nasceu num camarim, sem muito protocolo. Roberto Carlos estava sem camisa e com uma touca de meia na cabeça, se preparando para o programa Quadra de Sete, sexta-feira à noite, quando Elis chegou, depois de falar com a secretária, Edi, e o irmão, Carlinhos, do brasa.

A primeira frase foi de Roberto: “Puxa Elis pensei que você tinha dado uma mancada comigo”. Depois um disse que gostava muito do outro e houve até beijos para os fotógrafos. Mas Elis ainda não é uma cantora tranqüila. Queria ir ao Jovem Guarda amanhã, “mesmo que seja para tomar vaia das fãs de Roberto”. Paulinho Machado de Carvalho, diretor do canal 7, achou melhor esperar até a semana que vem, para Roberto ter tempo de desmentir a briga.

Briga de verdade, Elis diz que tem uma: “Mas é contra o meu pessoal, a turma do samba. Ninguém está fazendo mais nada. A conquista de um público e bons contratos fizeram todo mundo pensar que já é hora de descansar. É preciso uma segunda revolução, para a bossa voltar a dizer alguma coisa”.

O resto Elis desmente: não deu entrevista contra Roberto Carlos e sua turma. “Respeito o Roberto. Quando se diz que alguma coisa é uma brasa, todo mundo sabe que aquilo é bom. Isso foi ele quem criou. Domingo passado, durante o Jovem Guarda, estava no segundo andar do teatro, jogando chapéus Calhambeque para os fãs dele que não puderam entrar”.

Até o encontro da paz no camarim, Suis não descansou. Hebe Camargo faz em casa um programa para a Rádio Excelsior, Elis foi até lá. Fêz o primeiro desmentido. Depois, com Hebe e Walter Silva, chegou ao canal 7, conversou com Paulinho de Carvalho, o empresário Marcos Lázaro e o produtor Manoel Carlos, responsável pelo Fino.

Chorou duas vêzes, no carro quando ia para casa de Hebe e logo que começou a falar com Paulinho, Marcos e Manoel. Entre os dois choros, denunciou unia campanha contra ela: “Já disseram que sou inimiga do Simonal e agora estão tentando jogá-lo contra Jair Rodrigues. Querem é me jogar contra o público do Fino e o do Jovem Guarda”.

DUAS JOVENS GUARDA, MORA

Na porta do Teatro Record, de calça Calhambeque, sorvete e caderninho para autógrafos na mão, duas meninas julgam a guerrinha de mentira entre Elis e Roberto Carlos. Regina Célia e Sônia Regina, estudantes, 13 anos, com jeito de 11, acham tudo uma brasa, mas também gostam de samba.

Vão falando sem deixar de prestar atenção em quem entra ou sai. Caubi Peixoto, que tinha ensaio, passou, deu um beijo na testa de cada e ganhou o comentário: “Êle é muito bom. Por que será que falam tanto dêle? Depois vem Jair Rodrigues, tira uma casquinha no sorvete das meninas e dá seu autógrafo.

E aí chega a vez de Elis Regina passar. As meninas pediram autógrafos e disseram: “Sabe, não fique triste não que nós da jovem guarda também gostamos de você. Se fôr cantar com o Roberto Carlos ninguém vai lhe vaiar”.

Regina Célia diz que a briga entre o pessoal da Bossa e a turma do lé-Ié-Ié é sem sentido e só pode ter dois interèsses: ou os artistas estão mentindo ou os jornais procuram assunto.

“Quando vejo televisão ou escuto um disco, quero sentir alguma coisa: alegria, tristeza, qualquer coisa diferente. Quando Roberto Carlos canta, eu choro. Não sei porquê, mas choro. Com Elis fico pensando em guerra e em amor. Com o Jair Rodrigues fico alegre e tenho vontade de dançar. De quem não gosto é da Nara Leão, pois ela não me faz sentir nada”.

Sônia Regina é muito amiga de Célia. Uma estuda no Colégio Saldanha Marinho e a outra no Ginásio Plínio Barreto. Ela também usa calça Calhambeque, gosta de sorvete e na hora de dar sua opinião sôbre a briga diz que gosta mesmo é do Roberto Carlos.

Na confusão tôda de briguinha entre artistas, Sônia só não entende mesmo é por que o Jorge Ben deu uma declaração contra a bossa nova, misturando política com música, se êle já foi da turminha.

“Fica parecendo traição, não é?

Sônia quer dizer a Roberto Carlos o seguinte:

Se fôr verdade o que estão dizendo, que você está doente e vai morrer, vou entrar para um convento”.

O FINO CAIU E PERDEU BOSSA

André Maria

Fôsse tudo planificado e talvez afio desse tão certinho. Veja-se: Elis Regin, de volta ao Brasil, encontra sua bossa maltratada na aritmética do IBOPE e deita falação violenta; Jorge Ben, meio fora de órbita nos últimos tempos, dá uma de “Independenria ou Morte” e apeia feio, misturando pblitica e música. Confunde, Inclusive, o silêncio das paradas de sucesso com gêlo dos companheiros.

Coroando tudo, aparece o comunicado de guerra, filtrado pela Record. com o grito de luta da turma da Bossa Nova contra a gente do lé-Ié-Ié, enquanto Elis e Simonal montam em cena uma paródia de Roberto Carlos e Erasmo. Tudo certinho, tudo tão perfeito na criação que até Pode ser autêntico.

Razões, inclusive, não faltam. De um lado, os ié-ié-ié da casa, o Sete, acossados pelo Go-go do Nove; de outro, a turma do “Fino” acossado pelos dois. As turrasas em família viriam a calhar, para a guerra maior da audiência. Por que não montá-las? Ruim mesmo, porém, a coisa parece estar para a turma da Bossa. Afinal, algo deve existir, quando o “Fino” engrossa.

E há mesmo. Ao fim de 10 meses de programa, em ano de Copa do Mundo, começa-se a descobrir que nem só de Pelé e Garrincha vivem as seleções. E o “Fino”, que por mal dos pecados até do nome lhe sumiu a bossa, viveu, até agora, da extraordinária comunicabilidade de Elis e de Jair Rodrigues. O trabalho de produção limitou-se à descoberta de uma fórmula, válida por algum tempo - e mais não quis fazer.

A coisa caiu na mesmice e abriu campo para o outros que vieram depois. Desapareceram os fatores estranhos à criação do espetáculo propriamente dito, e que o ajudavam a manter-se. Com isso, ganharam corpo as deficiências.

Há um anos atrás, o “Fino” era, na TV, a projeçãod e uma situação global que, no teatro, por exemplo, expressava-se em termos de espetáculos de engajamento. “Arena Conta Zumbi”, “Liberdade, Liberdade”, e “Opinião” eram exemplo. Hoje, “Arena Conta Zumbi” vive as duas horas de agonia e o resto, se já não morreu, já não explode com o impacto anterior. O ezvaziamento desse teatro engajado, em termos de massa, roubou apoio ao programa e deixou-o com um é no ar.

O outro rodopiou também na medida em que os grandes sucessos musicais não se repetiram. “Arrastão”, o último carro-chefe do programa, já é velho de muitos meses. “Menino das Laranjas, “Zumbi” e “Carcará” ainda não tiveram canções que as substituíssem. Tampouco as substituiu o trabalho de produção. Manoel Carlos, chamado a outras criações, descuidou-se e permitiu que o espetáculo repetisse a mesma fórmula indefinitivamente.

A exuberante mobilidade de Elis e Jair continuou amarrada a um cenário estreito e pobre. Ninguém criou coisa alguma. Baden Powell é elevado a executar Bach, no mesmo contexto cênico em que Elis e Jair explodem “Carcará” e Nara Leão escorrega o “Mario Moita”. Nada que marque a produção especificamente de TV. Tinha que murchar - e murchou.

Motivos, portanto, não faltam a Elis para deseperar-se quando sente escorregar-lhe entre os dedos o fruto de duro trabalho e, inegavelmente, muito talento. A sua guerra é justa; errado porém, o inimigo que escolheu.

Para usar experessão em moda, parece menos uma luta de fronteiras, que uma guerrinha revolucionária, a sustentar em seu próprio campo. Lence-se à ela com todo seu talento de incansável guerrilheira da Bossa-Nova e as coisas mudarão.

>> Leia mais sobre Elis Regina

>> Leia mais sobre Roberto Carlos

Muito antes de virar tema de debate por causa de um comercial póstumo, Elis Regina já tinha colecionado uma porção de polêmicas em vida. Uma delas foi uma suposta rivalidade, desmetinda por ela, com a ala roqueira da música brasileira, na época chamada de iê-iê-iê, e consagrada como Jovem Guarda, capitaneada por Roberto Carlos. Ambos contratados da TV Record, e com programas na emissora. Elis, com o Fino da Bossa, e Roberto, com o Jovem Guarda.

Elis Regina e Roberto Carlos na capa do Jornal da Tarde de 26 de março de 1966 Foto: Acervo Estadão

Naqueles anos 60, o Jornal da Tarde foi um dos veículos que fizeram grande cobertura dos movimentos musicais. Na capa de 26 de março de 1966, o que não faltava era boa história. Tinha notícia policial, com o roubo da Taça Jules Rimet em Londres (encontrada sete dias depois), tecnologia e computadores, política, religião e até um stip-tease.

Mas o destaque era mesmo a chamada com uma charmosa foto de Elis Regina e Roberto Carlos lado a lado de braços cruzados, meio que se desafiando de brincadeira. O título “O beijo é paz entre ié-ié e bossa” e a legenda convidavam os leitores a lerem o Caderno de TV: “Elis Regina e Roberto Carlos, reis da bossa nova e do iê-iê, fazem as pazes com um doce beijo da paz.

No Caderno de TV, os dois astros aparecem conversando entre sorrisos, em meio a três textos sobre o encontro. Um deles, “Elis e Roberto vão juntos para o inferno”, brincava com o principal sucesso do cantor e dizia que os dois iriam aparecer juntos cantando “Quero que vá tudo pro inferno”.

Saiba como foi o encontro nas páginas abaixo e leia a íntegra da transcrição dos textos publicados na época:

Jornal da Tarde - 26 de março de 1966

Elis Regina e Roberto Carlos no Jornal da Tarde em 1966. Foto: Acervo Estadão
Elis Regina e Roberto Carlos no Jornal da Tarde em 1966. Foto: Acervo Estadão

Elis e Roberto vão juntos para o inferno

Na briga entre o ié-ié-ié e a bossa nova, uma guerra feita em casa, entre as quatro paredes do teatro da rua da Consolação, já surgiu a declaração de paz e a promessa de um final feliz: Elis Regina e Roberto Carlos vão aparecer juntos cantando quero que vá tudo para o inferno.

O acôrdo nasceu num camarim, sem muito protocolo. Roberto Carlos estava sem camisa e com uma touca de meia na cabeça, se preparando para o programa Quadra de Sete, sexta-feira à noite, quando Elis chegou, depois de falar com a secretária, Edi, e o irmão, Carlinhos, do brasa.

A primeira frase foi de Roberto: “Puxa Elis pensei que você tinha dado uma mancada comigo”. Depois um disse que gostava muito do outro e houve até beijos para os fotógrafos. Mas Elis ainda não é uma cantora tranqüila. Queria ir ao Jovem Guarda amanhã, “mesmo que seja para tomar vaia das fãs de Roberto”. Paulinho Machado de Carvalho, diretor do canal 7, achou melhor esperar até a semana que vem, para Roberto ter tempo de desmentir a briga.

Briga de verdade, Elis diz que tem uma: “Mas é contra o meu pessoal, a turma do samba. Ninguém está fazendo mais nada. A conquista de um público e bons contratos fizeram todo mundo pensar que já é hora de descansar. É preciso uma segunda revolução, para a bossa voltar a dizer alguma coisa”.

O resto Elis desmente: não deu entrevista contra Roberto Carlos e sua turma. “Respeito o Roberto. Quando se diz que alguma coisa é uma brasa, todo mundo sabe que aquilo é bom. Isso foi ele quem criou. Domingo passado, durante o Jovem Guarda, estava no segundo andar do teatro, jogando chapéus Calhambeque para os fãs dele que não puderam entrar”.

Até o encontro da paz no camarim, Suis não descansou. Hebe Camargo faz em casa um programa para a Rádio Excelsior, Elis foi até lá. Fêz o primeiro desmentido. Depois, com Hebe e Walter Silva, chegou ao canal 7, conversou com Paulinho de Carvalho, o empresário Marcos Lázaro e o produtor Manoel Carlos, responsável pelo Fino.

Chorou duas vêzes, no carro quando ia para casa de Hebe e logo que começou a falar com Paulinho, Marcos e Manoel. Entre os dois choros, denunciou unia campanha contra ela: “Já disseram que sou inimiga do Simonal e agora estão tentando jogá-lo contra Jair Rodrigues. Querem é me jogar contra o público do Fino e o do Jovem Guarda”.

DUAS JOVENS GUARDA, MORA

Na porta do Teatro Record, de calça Calhambeque, sorvete e caderninho para autógrafos na mão, duas meninas julgam a guerrinha de mentira entre Elis e Roberto Carlos. Regina Célia e Sônia Regina, estudantes, 13 anos, com jeito de 11, acham tudo uma brasa, mas também gostam de samba.

Vão falando sem deixar de prestar atenção em quem entra ou sai. Caubi Peixoto, que tinha ensaio, passou, deu um beijo na testa de cada e ganhou o comentário: “Êle é muito bom. Por que será que falam tanto dêle? Depois vem Jair Rodrigues, tira uma casquinha no sorvete das meninas e dá seu autógrafo.

E aí chega a vez de Elis Regina passar. As meninas pediram autógrafos e disseram: “Sabe, não fique triste não que nós da jovem guarda também gostamos de você. Se fôr cantar com o Roberto Carlos ninguém vai lhe vaiar”.

Regina Célia diz que a briga entre o pessoal da Bossa e a turma do lé-Ié-Ié é sem sentido e só pode ter dois interèsses: ou os artistas estão mentindo ou os jornais procuram assunto.

“Quando vejo televisão ou escuto um disco, quero sentir alguma coisa: alegria, tristeza, qualquer coisa diferente. Quando Roberto Carlos canta, eu choro. Não sei porquê, mas choro. Com Elis fico pensando em guerra e em amor. Com o Jair Rodrigues fico alegre e tenho vontade de dançar. De quem não gosto é da Nara Leão, pois ela não me faz sentir nada”.

Sônia Regina é muito amiga de Célia. Uma estuda no Colégio Saldanha Marinho e a outra no Ginásio Plínio Barreto. Ela também usa calça Calhambeque, gosta de sorvete e na hora de dar sua opinião sôbre a briga diz que gosta mesmo é do Roberto Carlos.

Na confusão tôda de briguinha entre artistas, Sônia só não entende mesmo é por que o Jorge Ben deu uma declaração contra a bossa nova, misturando política com música, se êle já foi da turminha.

“Fica parecendo traição, não é?

Sônia quer dizer a Roberto Carlos o seguinte:

Se fôr verdade o que estão dizendo, que você está doente e vai morrer, vou entrar para um convento”.

O FINO CAIU E PERDEU BOSSA

André Maria

Fôsse tudo planificado e talvez afio desse tão certinho. Veja-se: Elis Regin, de volta ao Brasil, encontra sua bossa maltratada na aritmética do IBOPE e deita falação violenta; Jorge Ben, meio fora de órbita nos últimos tempos, dá uma de “Independenria ou Morte” e apeia feio, misturando pblitica e música. Confunde, Inclusive, o silêncio das paradas de sucesso com gêlo dos companheiros.

Coroando tudo, aparece o comunicado de guerra, filtrado pela Record. com o grito de luta da turma da Bossa Nova contra a gente do lé-Ié-Ié, enquanto Elis e Simonal montam em cena uma paródia de Roberto Carlos e Erasmo. Tudo certinho, tudo tão perfeito na criação que até Pode ser autêntico.

Razões, inclusive, não faltam. De um lado, os ié-ié-ié da casa, o Sete, acossados pelo Go-go do Nove; de outro, a turma do “Fino” acossado pelos dois. As turrasas em família viriam a calhar, para a guerra maior da audiência. Por que não montá-las? Ruim mesmo, porém, a coisa parece estar para a turma da Bossa. Afinal, algo deve existir, quando o “Fino” engrossa.

E há mesmo. Ao fim de 10 meses de programa, em ano de Copa do Mundo, começa-se a descobrir que nem só de Pelé e Garrincha vivem as seleções. E o “Fino”, que por mal dos pecados até do nome lhe sumiu a bossa, viveu, até agora, da extraordinária comunicabilidade de Elis e de Jair Rodrigues. O trabalho de produção limitou-se à descoberta de uma fórmula, válida por algum tempo - e mais não quis fazer.

A coisa caiu na mesmice e abriu campo para o outros que vieram depois. Desapareceram os fatores estranhos à criação do espetáculo propriamente dito, e que o ajudavam a manter-se. Com isso, ganharam corpo as deficiências.

Há um anos atrás, o “Fino” era, na TV, a projeçãod e uma situação global que, no teatro, por exemplo, expressava-se em termos de espetáculos de engajamento. “Arena Conta Zumbi”, “Liberdade, Liberdade”, e “Opinião” eram exemplo. Hoje, “Arena Conta Zumbi” vive as duas horas de agonia e o resto, se já não morreu, já não explode com o impacto anterior. O ezvaziamento desse teatro engajado, em termos de massa, roubou apoio ao programa e deixou-o com um é no ar.

O outro rodopiou também na medida em que os grandes sucessos musicais não se repetiram. “Arrastão”, o último carro-chefe do programa, já é velho de muitos meses. “Menino das Laranjas, “Zumbi” e “Carcará” ainda não tiveram canções que as substituíssem. Tampouco as substituiu o trabalho de produção. Manoel Carlos, chamado a outras criações, descuidou-se e permitiu que o espetáculo repetisse a mesma fórmula indefinitivamente.

A exuberante mobilidade de Elis e Jair continuou amarrada a um cenário estreito e pobre. Ninguém criou coisa alguma. Baden Powell é elevado a executar Bach, no mesmo contexto cênico em que Elis e Jair explodem “Carcará” e Nara Leão escorrega o “Mario Moita”. Nada que marque a produção especificamente de TV. Tinha que murchar - e murchou.

Motivos, portanto, não faltam a Elis para deseperar-se quando sente escorregar-lhe entre os dedos o fruto de duro trabalho e, inegavelmente, muito talento. A sua guerra é justa; errado porém, o inimigo que escolheu.

Para usar experessão em moda, parece menos uma luta de fronteiras, que uma guerrinha revolucionária, a sustentar em seu próprio campo. Lence-se à ela com todo seu talento de incansável guerrilheira da Bossa-Nova e as coisas mudarão.

>> Leia mais sobre Elis Regina

>> Leia mais sobre Roberto Carlos

Muito antes de virar tema de debate por causa de um comercial póstumo, Elis Regina já tinha colecionado uma porção de polêmicas em vida. Uma delas foi uma suposta rivalidade, desmetinda por ela, com a ala roqueira da música brasileira, na época chamada de iê-iê-iê, e consagrada como Jovem Guarda, capitaneada por Roberto Carlos. Ambos contratados da TV Record, e com programas na emissora. Elis, com o Fino da Bossa, e Roberto, com o Jovem Guarda.

Elis Regina e Roberto Carlos na capa do Jornal da Tarde de 26 de março de 1966 Foto: Acervo Estadão

Naqueles anos 60, o Jornal da Tarde foi um dos veículos que fizeram grande cobertura dos movimentos musicais. Na capa de 26 de março de 1966, o que não faltava era boa história. Tinha notícia policial, com o roubo da Taça Jules Rimet em Londres (encontrada sete dias depois), tecnologia e computadores, política, religião e até um stip-tease.

Mas o destaque era mesmo a chamada com uma charmosa foto de Elis Regina e Roberto Carlos lado a lado de braços cruzados, meio que se desafiando de brincadeira. O título “O beijo é paz entre ié-ié e bossa” e a legenda convidavam os leitores a lerem o Caderno de TV: “Elis Regina e Roberto Carlos, reis da bossa nova e do iê-iê, fazem as pazes com um doce beijo da paz.

No Caderno de TV, os dois astros aparecem conversando entre sorrisos, em meio a três textos sobre o encontro. Um deles, “Elis e Roberto vão juntos para o inferno”, brincava com o principal sucesso do cantor e dizia que os dois iriam aparecer juntos cantando “Quero que vá tudo pro inferno”.

Saiba como foi o encontro nas páginas abaixo e leia a íntegra da transcrição dos textos publicados na época:

Jornal da Tarde - 26 de março de 1966

Elis Regina e Roberto Carlos no Jornal da Tarde em 1966. Foto: Acervo Estadão
Elis Regina e Roberto Carlos no Jornal da Tarde em 1966. Foto: Acervo Estadão

Elis e Roberto vão juntos para o inferno

Na briga entre o ié-ié-ié e a bossa nova, uma guerra feita em casa, entre as quatro paredes do teatro da rua da Consolação, já surgiu a declaração de paz e a promessa de um final feliz: Elis Regina e Roberto Carlos vão aparecer juntos cantando quero que vá tudo para o inferno.

O acôrdo nasceu num camarim, sem muito protocolo. Roberto Carlos estava sem camisa e com uma touca de meia na cabeça, se preparando para o programa Quadra de Sete, sexta-feira à noite, quando Elis chegou, depois de falar com a secretária, Edi, e o irmão, Carlinhos, do brasa.

A primeira frase foi de Roberto: “Puxa Elis pensei que você tinha dado uma mancada comigo”. Depois um disse que gostava muito do outro e houve até beijos para os fotógrafos. Mas Elis ainda não é uma cantora tranqüila. Queria ir ao Jovem Guarda amanhã, “mesmo que seja para tomar vaia das fãs de Roberto”. Paulinho Machado de Carvalho, diretor do canal 7, achou melhor esperar até a semana que vem, para Roberto ter tempo de desmentir a briga.

Briga de verdade, Elis diz que tem uma: “Mas é contra o meu pessoal, a turma do samba. Ninguém está fazendo mais nada. A conquista de um público e bons contratos fizeram todo mundo pensar que já é hora de descansar. É preciso uma segunda revolução, para a bossa voltar a dizer alguma coisa”.

O resto Elis desmente: não deu entrevista contra Roberto Carlos e sua turma. “Respeito o Roberto. Quando se diz que alguma coisa é uma brasa, todo mundo sabe que aquilo é bom. Isso foi ele quem criou. Domingo passado, durante o Jovem Guarda, estava no segundo andar do teatro, jogando chapéus Calhambeque para os fãs dele que não puderam entrar”.

Até o encontro da paz no camarim, Suis não descansou. Hebe Camargo faz em casa um programa para a Rádio Excelsior, Elis foi até lá. Fêz o primeiro desmentido. Depois, com Hebe e Walter Silva, chegou ao canal 7, conversou com Paulinho de Carvalho, o empresário Marcos Lázaro e o produtor Manoel Carlos, responsável pelo Fino.

Chorou duas vêzes, no carro quando ia para casa de Hebe e logo que começou a falar com Paulinho, Marcos e Manoel. Entre os dois choros, denunciou unia campanha contra ela: “Já disseram que sou inimiga do Simonal e agora estão tentando jogá-lo contra Jair Rodrigues. Querem é me jogar contra o público do Fino e o do Jovem Guarda”.

DUAS JOVENS GUARDA, MORA

Na porta do Teatro Record, de calça Calhambeque, sorvete e caderninho para autógrafos na mão, duas meninas julgam a guerrinha de mentira entre Elis e Roberto Carlos. Regina Célia e Sônia Regina, estudantes, 13 anos, com jeito de 11, acham tudo uma brasa, mas também gostam de samba.

Vão falando sem deixar de prestar atenção em quem entra ou sai. Caubi Peixoto, que tinha ensaio, passou, deu um beijo na testa de cada e ganhou o comentário: “Êle é muito bom. Por que será que falam tanto dêle? Depois vem Jair Rodrigues, tira uma casquinha no sorvete das meninas e dá seu autógrafo.

E aí chega a vez de Elis Regina passar. As meninas pediram autógrafos e disseram: “Sabe, não fique triste não que nós da jovem guarda também gostamos de você. Se fôr cantar com o Roberto Carlos ninguém vai lhe vaiar”.

Regina Célia diz que a briga entre o pessoal da Bossa e a turma do lé-Ié-Ié é sem sentido e só pode ter dois interèsses: ou os artistas estão mentindo ou os jornais procuram assunto.

“Quando vejo televisão ou escuto um disco, quero sentir alguma coisa: alegria, tristeza, qualquer coisa diferente. Quando Roberto Carlos canta, eu choro. Não sei porquê, mas choro. Com Elis fico pensando em guerra e em amor. Com o Jair Rodrigues fico alegre e tenho vontade de dançar. De quem não gosto é da Nara Leão, pois ela não me faz sentir nada”.

Sônia Regina é muito amiga de Célia. Uma estuda no Colégio Saldanha Marinho e a outra no Ginásio Plínio Barreto. Ela também usa calça Calhambeque, gosta de sorvete e na hora de dar sua opinião sôbre a briga diz que gosta mesmo é do Roberto Carlos.

Na confusão tôda de briguinha entre artistas, Sônia só não entende mesmo é por que o Jorge Ben deu uma declaração contra a bossa nova, misturando política com música, se êle já foi da turminha.

“Fica parecendo traição, não é?

Sônia quer dizer a Roberto Carlos o seguinte:

Se fôr verdade o que estão dizendo, que você está doente e vai morrer, vou entrar para um convento”.

O FINO CAIU E PERDEU BOSSA

André Maria

Fôsse tudo planificado e talvez afio desse tão certinho. Veja-se: Elis Regin, de volta ao Brasil, encontra sua bossa maltratada na aritmética do IBOPE e deita falação violenta; Jorge Ben, meio fora de órbita nos últimos tempos, dá uma de “Independenria ou Morte” e apeia feio, misturando pblitica e música. Confunde, Inclusive, o silêncio das paradas de sucesso com gêlo dos companheiros.

Coroando tudo, aparece o comunicado de guerra, filtrado pela Record. com o grito de luta da turma da Bossa Nova contra a gente do lé-Ié-Ié, enquanto Elis e Simonal montam em cena uma paródia de Roberto Carlos e Erasmo. Tudo certinho, tudo tão perfeito na criação que até Pode ser autêntico.

Razões, inclusive, não faltam. De um lado, os ié-ié-ié da casa, o Sete, acossados pelo Go-go do Nove; de outro, a turma do “Fino” acossado pelos dois. As turrasas em família viriam a calhar, para a guerra maior da audiência. Por que não montá-las? Ruim mesmo, porém, a coisa parece estar para a turma da Bossa. Afinal, algo deve existir, quando o “Fino” engrossa.

E há mesmo. Ao fim de 10 meses de programa, em ano de Copa do Mundo, começa-se a descobrir que nem só de Pelé e Garrincha vivem as seleções. E o “Fino”, que por mal dos pecados até do nome lhe sumiu a bossa, viveu, até agora, da extraordinária comunicabilidade de Elis e de Jair Rodrigues. O trabalho de produção limitou-se à descoberta de uma fórmula, válida por algum tempo - e mais não quis fazer.

A coisa caiu na mesmice e abriu campo para o outros que vieram depois. Desapareceram os fatores estranhos à criação do espetáculo propriamente dito, e que o ajudavam a manter-se. Com isso, ganharam corpo as deficiências.

Há um anos atrás, o “Fino” era, na TV, a projeçãod e uma situação global que, no teatro, por exemplo, expressava-se em termos de espetáculos de engajamento. “Arena Conta Zumbi”, “Liberdade, Liberdade”, e “Opinião” eram exemplo. Hoje, “Arena Conta Zumbi” vive as duas horas de agonia e o resto, se já não morreu, já não explode com o impacto anterior. O ezvaziamento desse teatro engajado, em termos de massa, roubou apoio ao programa e deixou-o com um é no ar.

O outro rodopiou também na medida em que os grandes sucessos musicais não se repetiram. “Arrastão”, o último carro-chefe do programa, já é velho de muitos meses. “Menino das Laranjas, “Zumbi” e “Carcará” ainda não tiveram canções que as substituíssem. Tampouco as substituiu o trabalho de produção. Manoel Carlos, chamado a outras criações, descuidou-se e permitiu que o espetáculo repetisse a mesma fórmula indefinitivamente.

A exuberante mobilidade de Elis e Jair continuou amarrada a um cenário estreito e pobre. Ninguém criou coisa alguma. Baden Powell é elevado a executar Bach, no mesmo contexto cênico em que Elis e Jair explodem “Carcará” e Nara Leão escorrega o “Mario Moita”. Nada que marque a produção especificamente de TV. Tinha que murchar - e murchou.

Motivos, portanto, não faltam a Elis para deseperar-se quando sente escorregar-lhe entre os dedos o fruto de duro trabalho e, inegavelmente, muito talento. A sua guerra é justa; errado porém, o inimigo que escolheu.

Para usar experessão em moda, parece menos uma luta de fronteiras, que uma guerrinha revolucionária, a sustentar em seu próprio campo. Lence-se à ela com todo seu talento de incansável guerrilheira da Bossa-Nova e as coisas mudarão.

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