Futebol, política, música, cultura e urbanismo. Jornal, revista, televisão. Desenhos e bonecos manipuláveis. Posteres, quadros e painéis. Mapas e maquetes. Não havia tema, suporte, tamanho e formato em que Gepp [2/5/1954 - 17/3/2022], sempre chamado de cartunista mas um artista bem mais versátil, não tenha feito suas ilustrações se transformarem em obras memoráveis.
A maior parte delas sempre criadas com a alma gêmea artística e profissional Maia, ou José Roberto Maia de Olivas Ferreira, da dupla Gepp e Maia. Parte delas publicadas e consagradas no Jornal da Tarde, como os célebres desenhos detalhados de gols do futebol e a memorável capa do Maluf Pinóquio.
Gepp e Maia - A simbiose dos dois artistas era tanta que muitos pensavam se tratar de uma pessoa só, o "Gepp Maia", ignorando o ezinho que se separava os dois nomes das assinatura dos desenhos.
Depois de se conhecerem no Mackenzie e começarem a trabalhar juntos na Gazeta Esportiva, os dois jovens desenhistas chegaram ao Jornal da Tarde em 1976 para ilustrar os diagramas de gols dos principais jogos da rodada, uma inovação numa época em que, apesar da televisão, muitos torcedores ainda não tinham oportunidade de ver, rever e entender os detalhes do momento definidor das partidas de futebol.
Maluf Pinóquio - Não demorou para que o trabalho da dupla começasse a ser requisitado por todas e editorias e a aparecer em todas as seções e na capa do jornal.
Da sala da arte onde trabalhavam em meio a outros grandes talentos reunidos num diminuto espaço junto à redação, Gepp e Maia passaram a desenhar desde detalhados mapas e maquetes da Guerra das Malvinas a caricaturas de artistas, jogadores e políticos.
Em 1982, uma encomenda especial para a capa entraria para a história: uma sequência de desenhos publicadas em dias diferentes com o nariz do governador Paulo Maluf crescendo como o do personagem Pinóquio a cada mentira noticiada sobre a gestão malufista.
Dois anos depois, os desenhos de Gepp e Maia passariam a estampar o Jornal da Sucessão, uma seção que acompanharia os detalhes da primeira eleição direta para presidente após duas décadas anos de jejum por causa da ditadura militar.
Os trabalhos publicados de julho de 1984 a março de 1985 foram considerados pela dupla uma de suas grandes conquistas profissionais, pois o Jornal da Tarde tinha como característica não veicular a charge política, nem mesmo caricaturas, usando apenas um desenho de caráter mais ilustrativo. No dia programado para a posse de Tancredo Neves, 15 de março, o resultado do trabalho foi lançado no livro "Acabou-se O Que Era Doce", com uma centena de charges do período.
Cumplicidade e pacto - Na época do lançamento do livro, os artistas explicavam como era a cumplicidade entre os dois e como eram feitos os trabalhos a quatro mãos. Ao próprio Jornal da Tarde contaram que havia muita flexibilidade no processo criativo e que os dois procuravam discutir entre si e entre os editores as questões políticas mais candentes. Depois trocavam idéias e esboços até chegarem a um desenho inicial, uma pré-charge. Só então passavam para a fase final, às vezes feita por um deles, às vezes pelos dois.
"Nossos traços estão sofrendo alterações, individualmente. Mas, muitas vezes, eu faço um desenho usando detalhes já explorados desenvolvidos pelo Maia, e vice-versa", disse Gepp, que era formado em Desenho Industrial. Enquanto o parceiro, formado em Arquitetura, brincava: "Enquanto meus filhos não me chamarem de Gepp, tudo bem".
Para o City News, eles declaram que o entendimento perfeito dos dois, vinha desde quando, recém-contratados pelo JT, resolveram adotar uma linha de atuação: "Mesmo o desenho mais simples - previa o pacto deve ser feito como se fosse o último das nossas vidas." Mas, claro, nem sempre era fácil. "Já tivemos grandes paus ideológicos", confessou Gepp. "A grande função da dupla é chegar à ideia final em cada trabalho."
Sucesso e televisão - Com o sucesso, as páginas do Jornal da Tarde começaram a ficar pequenas para o talento da dupla, que na imprensa também colaboraram em diversas publicações como as revistas Afinal, Democracia Corintiana, Placar, Ícaro, Veja, Playboy, Quatro Rodas e Status, e os jornais O Estado de S. Paulo e O Globo. Ao sair do Jornal da Tarde criaram a agência Gepp e Maia para atender o número cada vez mais crescente de solicitações com seus trabalhos cada vez mais disputados por empresas, publicidade e eventos.
Em 1987, as charges de Gepp e Maia passaram a ser conhecidas por milhões de espectadores quando mandaram uma proposta de programa usando maquetes para o diretor de TV Augusto Cesar Vanucci. O veterano profissional não se interessou, mas como a fita que mandaram havia sido usada antes para gravar um teste dos bonecos de políticos Vanucci se encantou e convidou Gepp & Maia para fazer o programa "Agildo no País das Maravilhas" em parceria com o comediante Agildo Ribeiro, na TV Bandeirantes.
Gepp e Maia se mudariam com Agildo para a TV Manchete, onde o programa passaria a se chamar Cabaré do Barata. A tecnologia desenvolvida por Gepp e Maia para as máscaras fizeram com que passassem a ser chamados para criar bonecos dos mais variados, como as fantasias de Tartarugas Ninjas que subiram a rampa do Palácio do Planalto em 1991, produtos licenciados e séries de TV.
Mapas caricatos - Paralelos a esses trabalhos, uma nova frente criativa começou a encantar a dupla. A concepção de mapas e maquetes caricaturadas. De cidades, bairros, países e até de continentes, como a que fizeram para o Memorial da América Latina. A paixão começou em 1986, quando fizeram uma grande maquete da cidade para a exposição dos 20 anos do Jornal da Tarde no Masp. O diretor do museu, Pietro Maria Bardi, gostou tanto que resolveu encomendar outra maquete para ficar exposta e presentear a cidade. O conceito criado pelos artistas era de uma maquete caricaturada, não uma reprodução reprodução em miniatura perfeita, mas um levantamento de características, marcos e sentimentos dos locais levantados através de minuciosa pesquisa.
Em 1987, Gepp, carioca de nascimento, contou à revista Isto É como mudou a sua visão de São Paulo desde que chegou à cidade: "Vim do Rio com 18 anos e no começo foi estranho. Era duro levantar às 7 da manhã numa cidade fria. As pessoas eram distantes, típicas de uma cidade industrial. Mas São Paulo me deu oportunidade para desenhar. Me deu inspiração. É uma cidade onde acontece de tudo. E eu gosto de colocar tudo isso no papel, os lugares que ela tem, as histórias das pessoas".
Com a ótima recepção do público às maquetes, vieram os mapas. O primeiro poster no estilo caricato que fizeram da cidade de São Paulo venceu mais de 50 mil exemplares e não é difícil se deparar com eles por aí em comércios e residências, assim como outro com uma constelação de artistas da música brasileira. Prefeituras, órgãos e empresas de várias cidades do Brasil e do mundo passaram a convidá-los para as retratarem com a suas visões artísticas.
Xodó e sonho - Apesar de ter viajado e feito mapas de cidades do mundo inteiro, Gepp considerava um de seus xodós o que fez do bairro da Freguesia do Ó, em São Paulo. Nenhum outro, segundo Gepp, tinha o nível de detalhamento desse do bairro da zona norte da cidade, onde passou dois meses visitando e fez mais de duas mil fotografias: "Conheci um mundo novo, verdadeiras cidades encostadas em São Paulo", disse ao repórter Décio Trujillo do Jornal da Tarde em 1994, confessando ter vivido seus vinte anos de São Paulo até aquele momento "sempre do lado de cá do rio". "Acredito que o mapa vai ajudar a aproximar as pessoas do lugar onde moram".
Na mesma reportagem, o cartunista revela um sonho: "Um dia vou fazer não apenas um mapa, mas uma maquete da cidade inteira."
Veja uma seleção de trabalhos de Gepp, assinados individualmente ou em dupla como Gepp e Maia.