Grande Otelo e a consciência da negritude. Leia entrevista de 1978


Ator falou com o Jornal da Tarde quando foi indicado para receber o título de cidadão paulistano

Por Acervo Estadão
Atualização:
Grande Otelo durante entrevista no Rio de Janeiro em 6 de junho de 1978.  Foto: Sucursal Rio/Estadão

“Estou disposto a colocar este meu cadáver negro em cima da mesa e deixar que o dissequem.” Essa foi uma das frases que o ator Grande Otelo [1915-1993] falou ao repórter Nello Pedra Gandara durante uma entrevista a publicada na edição de sábado do Jornal da Tarde de 10 de junho de 1978.

Indicado para receber o título de cidadão paulistano no dia 28 de setembro daquele ano, mesma data da promulgação da Lei do Ventre Livre, Grande Otelo falou de como pode ter inspirado Mario de Andrade em Macunaíma quando o escritor o assistiu em um espetáculo teatral, que Walt Disney queria sua voz para o personagem Zé Carioca, e da questão racial, presente em toda a entrevista.

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“Nós, negros brasileiros, não queremos contestar o sistema, mas apenas participar dele. Somos brasileiros e não temos ódio no coração. Um dia, quem sabe, conseguida a integração, talvez possamos até contestar.” [Leia a íntegra]

Jornal da Tarde - 10 de junho de 1978

Grande Otelo em entrevista ao Jornal da tarde de 10 de junho de 1978. Foto: Acervo Estadão
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Grande Otelo, uma vida em negrito

Entrevista a Nello Pedra Gandara

Não dá para duvidar que, se realmente pudesse, ele sairia por aí convidando, um a um, todos os negros do Brasil para, no dia 28 de setembro próximo, data em que se comemora a promulgação da Lei do Ventre Livre, participar, na Câmara Municipal de São Paulo, da solenidade em que lhe farão a entrega de um título de Cidadão Paulistano.

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Sempre com uma cadernetinha nas mãos, ele passa muitas horas de seu dia trancado no seu minúsculo apartamento da rua Barata Ribeiro, em Copacabana, no Rio, anotando nomes que lhe vêm a cabeça bastante pintada de fios brancos. Uma, duas, várias cadernetas já se tornam insuficientes para conter tantos amigos, tantos conhecidos que, se enfileirados, multiplicam várias vezes seus 1m 50 de altura.

Mas, com paciência, Grande Otelo continua anotando, anotando. Quer que todos os negros — ”e porque não também os brancos!?” — que muitas vezes fez rir (e algumas até chorar) através de sua participação em mais de uma centena de filmes, peças de teatro, picadeiro, rádio e televisão, estejam presentes no dia em que ele, o mineiro Sebastião Bernardes de Souza Prata e também paulistano e honorário, usará de uma tribuna para dizer muito do que, por causa da pele negra, sentiu na sua carne de presumíveis 63 anos de existência.

Além do mais, quer que o título de cidadania, surgido a partir da idéia do vereador Paulo Rui de Oliveira (do MDB, negro como ele e integrante de um movimento que prega “a integração do negro na sociedade brasileira”) seja uma homenagem dividida com todos os negros do Brasil, “inclusive com aqueles que, como Pelé, nada fazem ou representam para a raça”.

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— E porque só agora, sexagenário, você se preocupa com o problema racial do negro?

— De certa forma a preocupação sempre existiu. Mas achava que eu não tinha condições pessoais, emocionais para me integrar a um movimento em prol da minha raça. Com o tempo, porém, criou-se em torno de mim uma situação que não é nada confortável: os negros estão me cobrando atitudes.

E isso me dá uma responsabilidade tremenda. Resolvi assumi-la quando achei que havia condições, pois elas apareceram só depois de muito sofrimento e amadurecimento. Hoje eu já sei que vou encontrar respaldo, dentro e fora da raça, para qualquer atitude. E é chegada a hora. Por ser, ou apesar de ser o Grande Otelo, serei ouvido, terei cobertura da imprensa.

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— Outros negros famosos também não teriam?

— Poucos teriam. Ainda recentemente, o Zózimo Bulbul fez a semana comemorativa do 13 de Maio, no Museu de Arte Moderna, e nem os negros ficaram sabendo. Como sou popularmente famoso — entro na casa do meu irmão favelado, meu irmão bicheiro, meu irmão marginal e rio e choro com eles — acho que tenho mais condições. Inclusive a de buscar o peso negro onde quer que ele se encontre.

Quero unir os negros do Brasil, inclusive os que estão por fora, como o Pelé. Quero que o Edson Arantes do Nascimento se sinta negro e se integre com seu povo nessa luta. Não vou discutir aqui o problema Pelé. Esse é um assunto para ser discutido e resolvido em família. Ele é o exemplo clássico do preto brasileiro, como Cassius Clay é o exemplo típico do negro americano. De minha parte, estou disposto a colocar este meu cadáver negro em cima da mesa e deixar que o dissequem.

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— Aonde você, ou o movimento, pretende chegar?

— Paramos naquele primeiro e longínquo 13 de maio, que foi válido apenas para assinalar a libertação Alguns negros acham que se tivéssemos sido melhor assessorados a situação seria outra. Acontece que as cabeças que poderiam ter dado esse assessoramento não pensaram — ou não agiram — em nos dar a rota. Por índole, tais cabeças já sabiam como progredir. Foi assim com Cruz e Souza, Machado de Assis, José do Patrocínio, Rebouças e, ainda dentro do cativeiro, João Cândido e Henrique Dias. Sem rota determinada, as cabeças menos privilegiadas não souberam como progredir.

É isso que pretendemos fazer agora. Buscar e indicar caminhos para a integração. Se, por exemplo, uma das soluções for o dinheiro, vamos, então, em busca do dinheiro. Como? Fazendo com que os negros unam o que têm, formem empresas, organizem um capital negro. Não foi isso que o Nixon fez ao abrir o mercado para o negro americano? Ele facilitou as coisas para os negros americanos.

De minha parte, acho que inicialmente devemos incentivar, estimular, sacudir aqueles negros que já subiram na vida e estão em postos chaves, só que, por medo, ou pelo muito que sofreram para chegar a esse ponto, resolveram se esconder ou lavar as mãos. Em última análise, foi assim que agiram os japoneses, os alemães e todos os demais estrangeiros que vieram para cá.

— Você está colocando o negro brasileiro como um estrangeiro recém-chegado. Hoje, as condições são outras do que a dos tempos da imigração.

— Talvez esteja aí o x do nosso problema. Antes de ser negros, somos todos brasileiros e poucos de nós têm a consciência de que é uma raça, de que é negro. O japonês se sente japonês e tem ministro japonês. O alemão idem e tem até alemão na presidência do Banco do Brasil. E tem até italiano na presidência do Clube Tietê de São Paulo proibindo negros de lá permanecerem. Somos brasileiros, somos negros e por isso uma casta diferente de brasileiros.

Lembra aquelas castas da Índia. Ou não? Se fôssemos simplesmente estrangeiros, teríamos capital de fora ou know-how para nos ajudar. Sem estrutura econômica não podemos fazer nada. Se formos fazer alguma coisa seremos, logo logo, considerados racistas.

Todo mundo vê, no rádio ou na televisão, programas de portugueses, de japoneses, de húngaros... Mas vê algum programa que fale do negro? Da cultura negra? Estou sabendo que brevemente vão levar ao ar um conjunto de danças africano. E sabe por quê? Porque o Pais está balançando na sua aliança euro-brasileira e de jeito nenhum quer se indispor com a África. É tudo uma questão de negócios!

— Quer dizer que o movimento do qual vote faz parte vai contestar o sistema?

— Há uma vontade africana de se processar a diáspora negra. Mas isso acabaria fazendo com que nos tornássemos uma raça maldita. Nós, negros brasileiros, não queremos contestar o sistema, mas apenas participar dele. Somos brasileiros e não temos ódio no coração. Um dia, quem sabe, conseguida a integração, talvez possamos até contestar. Mas contestar como o branco contesta. A Jane Fonda, branca, contesta. Se bem que os negros americanos não contestam o sistema. Contestavam — e alguns ainda contestam — a situação em que viviam dentro do sistema.

— Acha que o problema racial americano é parecido com o brasileiro?

— Há poucas semelhanças e muitas diferenças. Isso porque o brasileiro é, como já dizia Coelho Neto, oriundo de três raças: o negro, o índio e o português. E são três raças tristes. Aí começa a grande diferença. Quando estive em Londres eu tentei tirar uma fotografia ao lado de uma negra inglesa. Ela não quis nem papo comigo. Se ela soubesse que eu era brasileiro e não africano querendo se introduzir lá — ela teria topado. Isso porque o negro londrino não quer saber de mais negro por lá, pois já está participando do sistema e participando sem chocar. Aqui é diferente. Dia desses, me disse um amigo, que só acredita em branco brasileiro depois de ver a fotografia dos quatro avós.

— Você falou de Londres, mas não de Nova Iorque ou Washington.

— É porque nunca estive nos Estados Unidos, embora já tenha estudado o problema do negro de lá. Tive duas oportunidades para ir. A primeira foi a convite do Walt Disney que queria botar a minha voz no papagaio Zé Carioca. Fiquei com medo de não fazer carreira lá e perder a que estava começando a fazer aqui. A segunda foi em 1940, a convite de Carmen Miranda. Ela insistiu. E o convite era tentador.

Só não fui por causa do Joaquim Rolla, o todo-poderoso dono do Cassino da Urca e que me manteve, durante sete anos, preso a um contrato que me obrigava, onde quer que eu fosse me apresentar, a enviar 50% de tudo que ganhasse a ele. Foi um jogo terrível. Costumo dizer que, nos tempos dos cassinos, os artistas já eram livres, mas continuam trabalhando no Cassino da Urca. As coisas hoje continuam mais ou menos assim. O Cassino da Urca virou rede de televisão.

— Na verdade, quando ó que você se deu conta dos efeitos nefastos dos preconceitos?

— Levei muito “negro fedido” pela cara durante a vida. Mas quem me xingava, no dia seguinte jogava futebol comigo. Feliz ou infelizmente, meu caso é sui-generis. Tive mãe-branca, quando no meu tempo o que se usava era ter mãe-preta. Não tenho muito certeza se Maria Abadia de Souza e Francisco Bernardes Prata são os nomes que cruzando me trouxeram à luz.

Nós eramos agregados à família dos Prata, lá em Uberabinha, hoje Uberlândia. Minha mãe era cozinheira famosa por trabalhar sempre com uma cachacinha ao lado do fogão. Mas eu nasci, e ela sem leite, fui mamar na patroa que também tinha tido criança. De cara, quebrei a tradição.

Mais tarde, já aqui em São Paulo, dado de papel passado para uma família que fazia teatro pelo Brasil, fui parar no Juizado de Menores e de lá, após algumas fugas, adotado pela família do dr. Antonio de Queiroz, político influente e que, na verdade, se tornou a minha família. D. Eugenia de Queiroz tinha ido ao Abrigo de Menores para buscar uma menina para ajudar na cozinha. O administrador lhe sugeriu que levasse o negrinho fujão que sabia declamar, dançar, fazer graças. Tive, com os Queiroz, tudo do bom e do melhor. Só que, entre outras manias, tinha a de fugir de casa.

— Quais eram as outras manias?

Uma delas era gostar do que estava em moda. Na moda do iô-iô eu só queria saber de iô-iô. Na moda do pastel vendido e fritado nas ruas, coisas que os japoneses inventaram, eu só queria pastel e - principalmente - o martelo de vinho. Como tudo que é moda custa dinheiro, eu não titubiei em ir vendendo, cada dia um pouco, os volumes da vastíssima biblioteca do meu padrinho. Quando bebia uma Clóvis Bevilacqua fui descoberto. Meu padrinho foi sebo por sebo, readquiriu todos os volumes e ainda ameaçou os donos dos sebos de processo.

Nessa época, porém, eu já estava vidrado em cachaça com groselha. Mais na cachaça... Quando ele me me encontrou bebendo e embebedado na rua, entre uma e outra fuca que eu empreendia para observar o pessoal de circo ou teatro, ameaçou-me de mandar de volta ao Juizado. Ou então que eu me virasse e arranjasse um tutor de teatro. Eu já estava com 17 anos e sonhava com o Rio de Janeiro. E, engraçado, mesmo sem ter consciência do problema racial, já havia integrado uma companhia de negros. E esse é justamente um dos meus planos atuais.

— Sempre se tem notícia do surgimento de companhias teatrais de negros, mas poucas conseguem alguma projeção.

— Se a idéia deu certo em 1926 por que não daria certo agora? Na Companhia Negra de Revistas, do Oduvaldo Vianna, pai, da qual participei, todos os atores eram negros. Na de Vianna, tínhamos um grande maestro negro — o Pixinguinha. Nos apresentamos pelo Brasil inteiro. Numa dessas apresentações fomos assistidos pelo Mário de Andrade que estava coletando informações sobre cultura negra.

Não posso afirmar com segurança, mas tenho quase certeza que ele botou muito reparo no negrinho que dançava, e cantava em vários idiomas. Acho que, de certa forma, o influenciou na criação de Macunaíma que, aliás, foi um papel que fiz no cinema e me deu um grande prestígio.

A segunda companhia Negra em que trabalhei foi bem mais tarde, em 1939, e pertencia a um negro chamado De Chocolat. Em francês porque ele tinha vivido na França, mas gostava mesmo era de cachaça. Montamos uma peça chamada “Algemas Quebradas”, que deu muito dinheiro. Só que ele gastou tudinho pagando champanha para brancas, sonhando em entrar nas altas rodas. Isso, aliás, se vê até hoje: com dinheiro e sucesso o negro tende a esquecer a raça...

— E para se afirmar procuram brancas.

— Nesse campo precisamos tomar um pouco de cuidado porque em amor não deve entrar preconceitos. Mas quero falar de uma outra companhia de negros, a do Abdias do Nascimento com o seu teatro Experimental do Negro. Lá pelos anos de 1944 ou 45, Abdias começou o seu movimento do qual, infelizmente, não tomei parte ativa — estava preso por contrato à Urca — mas que nunca deixei de prestigiar como podia: ou pagando um sanduichinho para o elenco ou acompanhando o grupo nas suas andanças para conseguir prestígio com as elites estrangeiras.

— Quando surgiu o nome Grande Otelo e a irrefreável tentação pelas loiras?

— Não foi por causa do Otelo negro do Shakeaspeare. Na minha estréia no Rio, em 1935, na peça Goal, levada no teatro João Caetano, o nome foi inventado por Jardel Jercolis, um homem a quem eu devo minha carreira e que foi um pai para mim. Acontece que, na época, estavam passando uma fita chamada The Great Gabbo. Era a história de um ventríloquo que tinha um boneco chamado o Grande Gabbo. O boneco usava casaca e cantava em inglês. E foi daí que o Jardel teve a idéia. Só que ninguém reparou em mim.

Só vim a ser percebido na última peça da temporada, da qual participavam Oscarito, Pablo Palitos e Pepito Romeu, três grandes cômicos. No sketch de Oscarito tinham que entrar quatro meninas. Como só arranjaram três — não havia grana para pagar a quarta — me jogaram no palco. O público me aplaudiu delirantemente e eu me esbaldei. Mas Jardel chamou minha atenção: fui repreendido em tabela por ter roubado a cena do Oscarito que, homem educado, não teve nenhuma reação contra mim. Agi errado e merecia punição. E aprendi uma coisa que não existe mais hoje em dia, mas que eu faço questão de manter: respeito à hierarquia.

Quanto às loiras em minha vida, devo dizer que não me casei com nenhuma. Meu relacionamento com elas não foi simples questão de compensação ditada pelo contraste. A minha, digamos, “afirmação”, deu-se ao contrário. Resolvi me casar com mulheres da minha raça porque achei que esse deveria ser meu caminho natural. Infelizmente, aconteceu a tragédia.

— O que levou a sua primeira mulher ao suicídio?

— Até hoje ninguém sabe exatamente a razão. Dizem que ela se matou a tiros e também ao nosso filho por ter vergonha.. Dizem que foi por causa dos meus ciúmes..., (soluços) E dizem... Eu gostava de beber E uma coisa puxava a outra. A minha, primeira mulher era inteligente, mas não tinha cultura. Era incapaz de manter um diálogo, pois sempre fora doméstica.

A segunda, também da minha raça, era a mesma coisa. Apesar de, como eu ter sido adotada por uma família rica, não teve oportunidade de receber educação. Era apenas cria da casa enquanto que eu, com os Queiroz, estudei no Colégio Modelo Caetano de Campos e no Liceu Coração de Jesus dos padres salesianos, onde pude cursar até o terceiro ano ginasial.

O padrinho queria que eu fosse advogado. Mas eu era fujão. Acabei me desquitando da segunda mulher logo que o mais novo dos nossos quatro filhos completou 18 anos. Deixei tudo o que tinha para ela. Agora, quase sexagenário, comecei vida nova com Josephine, também de minha raça e ligada ao teatro, onde a conheci. É formada em Biologia. Mas o mais importante é que nos compreendemos e por isso, nos amamos.

Mesmo assim as três loiras que tive em minha vida foram coisas do destino. A primeira era húngara, a segunda francesa e a última apenas uma comerciante que queria resolver seus problemas econômicos comigo. A francesa gostou realmente de mim. Apiedou-se com a tragédia da minha primeira mulher e, até recentemente, me escrevia cartas carinhosas. De amiga para amigo.

— Quantas vezes você teve sua entrada barrada pelo fato de ser negro?

— Barrado eu só fui uma vez, no Copa. Nem me incomodei. Mas estrilei quando, há uns cinco anos, barraram um dos meus filhos. Quando era bem novo e estava me apresentando em Pelotas, no Rio Grande do Sul, com a companhia de Jardel Jercolis, fui proibido de comer no restaurante. Comi muito bem, pois não tinha consciência de nada e me bastava comer. Outra vez fui preso na praça Tiradentes e um investigador invocou comigo porque pensou que eu fosse homossexual. Preto, pobre e bicha — disse ele. Só os dois primeiros, respondi.

Quero assinalar que, na minha profissão, onde só vence quem é realmente bom, tive de lutar mil vezes mais do que um branco. O negro, para conseguir qualquer lugar no palco desta vida, tem que agir assim. O mais importante, acho, é viver em negrito. E atento. Precisei mais de meio século para conseguir uma tribuna, enquanto há quem consiga apenas por indicação. Imagine como vou usá-la...

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

Grande Otelo durante entrevista no Rio de Janeiro em 6 de junho de 1978.  Foto: Sucursal Rio/Estadão

“Estou disposto a colocar este meu cadáver negro em cima da mesa e deixar que o dissequem.” Essa foi uma das frases que o ator Grande Otelo [1915-1993] falou ao repórter Nello Pedra Gandara durante uma entrevista a publicada na edição de sábado do Jornal da Tarde de 10 de junho de 1978.

Indicado para receber o título de cidadão paulistano no dia 28 de setembro daquele ano, mesma data da promulgação da Lei do Ventre Livre, Grande Otelo falou de como pode ter inspirado Mario de Andrade em Macunaíma quando o escritor o assistiu em um espetáculo teatral, que Walt Disney queria sua voz para o personagem Zé Carioca, e da questão racial, presente em toda a entrevista.

“Nós, negros brasileiros, não queremos contestar o sistema, mas apenas participar dele. Somos brasileiros e não temos ódio no coração. Um dia, quem sabe, conseguida a integração, talvez possamos até contestar.” [Leia a íntegra]

Jornal da Tarde - 10 de junho de 1978

Grande Otelo em entrevista ao Jornal da tarde de 10 de junho de 1978. Foto: Acervo Estadão

Grande Otelo, uma vida em negrito

Entrevista a Nello Pedra Gandara

Não dá para duvidar que, se realmente pudesse, ele sairia por aí convidando, um a um, todos os negros do Brasil para, no dia 28 de setembro próximo, data em que se comemora a promulgação da Lei do Ventre Livre, participar, na Câmara Municipal de São Paulo, da solenidade em que lhe farão a entrega de um título de Cidadão Paulistano.

Sempre com uma cadernetinha nas mãos, ele passa muitas horas de seu dia trancado no seu minúsculo apartamento da rua Barata Ribeiro, em Copacabana, no Rio, anotando nomes que lhe vêm a cabeça bastante pintada de fios brancos. Uma, duas, várias cadernetas já se tornam insuficientes para conter tantos amigos, tantos conhecidos que, se enfileirados, multiplicam várias vezes seus 1m 50 de altura.

Mas, com paciência, Grande Otelo continua anotando, anotando. Quer que todos os negros — ”e porque não também os brancos!?” — que muitas vezes fez rir (e algumas até chorar) através de sua participação em mais de uma centena de filmes, peças de teatro, picadeiro, rádio e televisão, estejam presentes no dia em que ele, o mineiro Sebastião Bernardes de Souza Prata e também paulistano e honorário, usará de uma tribuna para dizer muito do que, por causa da pele negra, sentiu na sua carne de presumíveis 63 anos de existência.

Além do mais, quer que o título de cidadania, surgido a partir da idéia do vereador Paulo Rui de Oliveira (do MDB, negro como ele e integrante de um movimento que prega “a integração do negro na sociedade brasileira”) seja uma homenagem dividida com todos os negros do Brasil, “inclusive com aqueles que, como Pelé, nada fazem ou representam para a raça”.

— E porque só agora, sexagenário, você se preocupa com o problema racial do negro?

— De certa forma a preocupação sempre existiu. Mas achava que eu não tinha condições pessoais, emocionais para me integrar a um movimento em prol da minha raça. Com o tempo, porém, criou-se em torno de mim uma situação que não é nada confortável: os negros estão me cobrando atitudes.

E isso me dá uma responsabilidade tremenda. Resolvi assumi-la quando achei que havia condições, pois elas apareceram só depois de muito sofrimento e amadurecimento. Hoje eu já sei que vou encontrar respaldo, dentro e fora da raça, para qualquer atitude. E é chegada a hora. Por ser, ou apesar de ser o Grande Otelo, serei ouvido, terei cobertura da imprensa.

— Outros negros famosos também não teriam?

— Poucos teriam. Ainda recentemente, o Zózimo Bulbul fez a semana comemorativa do 13 de Maio, no Museu de Arte Moderna, e nem os negros ficaram sabendo. Como sou popularmente famoso — entro na casa do meu irmão favelado, meu irmão bicheiro, meu irmão marginal e rio e choro com eles — acho que tenho mais condições. Inclusive a de buscar o peso negro onde quer que ele se encontre.

Quero unir os negros do Brasil, inclusive os que estão por fora, como o Pelé. Quero que o Edson Arantes do Nascimento se sinta negro e se integre com seu povo nessa luta. Não vou discutir aqui o problema Pelé. Esse é um assunto para ser discutido e resolvido em família. Ele é o exemplo clássico do preto brasileiro, como Cassius Clay é o exemplo típico do negro americano. De minha parte, estou disposto a colocar este meu cadáver negro em cima da mesa e deixar que o dissequem.

— Aonde você, ou o movimento, pretende chegar?

— Paramos naquele primeiro e longínquo 13 de maio, que foi válido apenas para assinalar a libertação Alguns negros acham que se tivéssemos sido melhor assessorados a situação seria outra. Acontece que as cabeças que poderiam ter dado esse assessoramento não pensaram — ou não agiram — em nos dar a rota. Por índole, tais cabeças já sabiam como progredir. Foi assim com Cruz e Souza, Machado de Assis, José do Patrocínio, Rebouças e, ainda dentro do cativeiro, João Cândido e Henrique Dias. Sem rota determinada, as cabeças menos privilegiadas não souberam como progredir.

É isso que pretendemos fazer agora. Buscar e indicar caminhos para a integração. Se, por exemplo, uma das soluções for o dinheiro, vamos, então, em busca do dinheiro. Como? Fazendo com que os negros unam o que têm, formem empresas, organizem um capital negro. Não foi isso que o Nixon fez ao abrir o mercado para o negro americano? Ele facilitou as coisas para os negros americanos.

De minha parte, acho que inicialmente devemos incentivar, estimular, sacudir aqueles negros que já subiram na vida e estão em postos chaves, só que, por medo, ou pelo muito que sofreram para chegar a esse ponto, resolveram se esconder ou lavar as mãos. Em última análise, foi assim que agiram os japoneses, os alemães e todos os demais estrangeiros que vieram para cá.

— Você está colocando o negro brasileiro como um estrangeiro recém-chegado. Hoje, as condições são outras do que a dos tempos da imigração.

— Talvez esteja aí o x do nosso problema. Antes de ser negros, somos todos brasileiros e poucos de nós têm a consciência de que é uma raça, de que é negro. O japonês se sente japonês e tem ministro japonês. O alemão idem e tem até alemão na presidência do Banco do Brasil. E tem até italiano na presidência do Clube Tietê de São Paulo proibindo negros de lá permanecerem. Somos brasileiros, somos negros e por isso uma casta diferente de brasileiros.

Lembra aquelas castas da Índia. Ou não? Se fôssemos simplesmente estrangeiros, teríamos capital de fora ou know-how para nos ajudar. Sem estrutura econômica não podemos fazer nada. Se formos fazer alguma coisa seremos, logo logo, considerados racistas.

Todo mundo vê, no rádio ou na televisão, programas de portugueses, de japoneses, de húngaros... Mas vê algum programa que fale do negro? Da cultura negra? Estou sabendo que brevemente vão levar ao ar um conjunto de danças africano. E sabe por quê? Porque o Pais está balançando na sua aliança euro-brasileira e de jeito nenhum quer se indispor com a África. É tudo uma questão de negócios!

— Quer dizer que o movimento do qual vote faz parte vai contestar o sistema?

— Há uma vontade africana de se processar a diáspora negra. Mas isso acabaria fazendo com que nos tornássemos uma raça maldita. Nós, negros brasileiros, não queremos contestar o sistema, mas apenas participar dele. Somos brasileiros e não temos ódio no coração. Um dia, quem sabe, conseguida a integração, talvez possamos até contestar. Mas contestar como o branco contesta. A Jane Fonda, branca, contesta. Se bem que os negros americanos não contestam o sistema. Contestavam — e alguns ainda contestam — a situação em que viviam dentro do sistema.

— Acha que o problema racial americano é parecido com o brasileiro?

— Há poucas semelhanças e muitas diferenças. Isso porque o brasileiro é, como já dizia Coelho Neto, oriundo de três raças: o negro, o índio e o português. E são três raças tristes. Aí começa a grande diferença. Quando estive em Londres eu tentei tirar uma fotografia ao lado de uma negra inglesa. Ela não quis nem papo comigo. Se ela soubesse que eu era brasileiro e não africano querendo se introduzir lá — ela teria topado. Isso porque o negro londrino não quer saber de mais negro por lá, pois já está participando do sistema e participando sem chocar. Aqui é diferente. Dia desses, me disse um amigo, que só acredita em branco brasileiro depois de ver a fotografia dos quatro avós.

— Você falou de Londres, mas não de Nova Iorque ou Washington.

— É porque nunca estive nos Estados Unidos, embora já tenha estudado o problema do negro de lá. Tive duas oportunidades para ir. A primeira foi a convite do Walt Disney que queria botar a minha voz no papagaio Zé Carioca. Fiquei com medo de não fazer carreira lá e perder a que estava começando a fazer aqui. A segunda foi em 1940, a convite de Carmen Miranda. Ela insistiu. E o convite era tentador.

Só não fui por causa do Joaquim Rolla, o todo-poderoso dono do Cassino da Urca e que me manteve, durante sete anos, preso a um contrato que me obrigava, onde quer que eu fosse me apresentar, a enviar 50% de tudo que ganhasse a ele. Foi um jogo terrível. Costumo dizer que, nos tempos dos cassinos, os artistas já eram livres, mas continuam trabalhando no Cassino da Urca. As coisas hoje continuam mais ou menos assim. O Cassino da Urca virou rede de televisão.

— Na verdade, quando ó que você se deu conta dos efeitos nefastos dos preconceitos?

— Levei muito “negro fedido” pela cara durante a vida. Mas quem me xingava, no dia seguinte jogava futebol comigo. Feliz ou infelizmente, meu caso é sui-generis. Tive mãe-branca, quando no meu tempo o que se usava era ter mãe-preta. Não tenho muito certeza se Maria Abadia de Souza e Francisco Bernardes Prata são os nomes que cruzando me trouxeram à luz.

Nós eramos agregados à família dos Prata, lá em Uberabinha, hoje Uberlândia. Minha mãe era cozinheira famosa por trabalhar sempre com uma cachacinha ao lado do fogão. Mas eu nasci, e ela sem leite, fui mamar na patroa que também tinha tido criança. De cara, quebrei a tradição.

Mais tarde, já aqui em São Paulo, dado de papel passado para uma família que fazia teatro pelo Brasil, fui parar no Juizado de Menores e de lá, após algumas fugas, adotado pela família do dr. Antonio de Queiroz, político influente e que, na verdade, se tornou a minha família. D. Eugenia de Queiroz tinha ido ao Abrigo de Menores para buscar uma menina para ajudar na cozinha. O administrador lhe sugeriu que levasse o negrinho fujão que sabia declamar, dançar, fazer graças. Tive, com os Queiroz, tudo do bom e do melhor. Só que, entre outras manias, tinha a de fugir de casa.

— Quais eram as outras manias?

Uma delas era gostar do que estava em moda. Na moda do iô-iô eu só queria saber de iô-iô. Na moda do pastel vendido e fritado nas ruas, coisas que os japoneses inventaram, eu só queria pastel e - principalmente - o martelo de vinho. Como tudo que é moda custa dinheiro, eu não titubiei em ir vendendo, cada dia um pouco, os volumes da vastíssima biblioteca do meu padrinho. Quando bebia uma Clóvis Bevilacqua fui descoberto. Meu padrinho foi sebo por sebo, readquiriu todos os volumes e ainda ameaçou os donos dos sebos de processo.

Nessa época, porém, eu já estava vidrado em cachaça com groselha. Mais na cachaça... Quando ele me me encontrou bebendo e embebedado na rua, entre uma e outra fuca que eu empreendia para observar o pessoal de circo ou teatro, ameaçou-me de mandar de volta ao Juizado. Ou então que eu me virasse e arranjasse um tutor de teatro. Eu já estava com 17 anos e sonhava com o Rio de Janeiro. E, engraçado, mesmo sem ter consciência do problema racial, já havia integrado uma companhia de negros. E esse é justamente um dos meus planos atuais.

— Sempre se tem notícia do surgimento de companhias teatrais de negros, mas poucas conseguem alguma projeção.

— Se a idéia deu certo em 1926 por que não daria certo agora? Na Companhia Negra de Revistas, do Oduvaldo Vianna, pai, da qual participei, todos os atores eram negros. Na de Vianna, tínhamos um grande maestro negro — o Pixinguinha. Nos apresentamos pelo Brasil inteiro. Numa dessas apresentações fomos assistidos pelo Mário de Andrade que estava coletando informações sobre cultura negra.

Não posso afirmar com segurança, mas tenho quase certeza que ele botou muito reparo no negrinho que dançava, e cantava em vários idiomas. Acho que, de certa forma, o influenciou na criação de Macunaíma que, aliás, foi um papel que fiz no cinema e me deu um grande prestígio.

A segunda companhia Negra em que trabalhei foi bem mais tarde, em 1939, e pertencia a um negro chamado De Chocolat. Em francês porque ele tinha vivido na França, mas gostava mesmo era de cachaça. Montamos uma peça chamada “Algemas Quebradas”, que deu muito dinheiro. Só que ele gastou tudinho pagando champanha para brancas, sonhando em entrar nas altas rodas. Isso, aliás, se vê até hoje: com dinheiro e sucesso o negro tende a esquecer a raça...

— E para se afirmar procuram brancas.

— Nesse campo precisamos tomar um pouco de cuidado porque em amor não deve entrar preconceitos. Mas quero falar de uma outra companhia de negros, a do Abdias do Nascimento com o seu teatro Experimental do Negro. Lá pelos anos de 1944 ou 45, Abdias começou o seu movimento do qual, infelizmente, não tomei parte ativa — estava preso por contrato à Urca — mas que nunca deixei de prestigiar como podia: ou pagando um sanduichinho para o elenco ou acompanhando o grupo nas suas andanças para conseguir prestígio com as elites estrangeiras.

— Quando surgiu o nome Grande Otelo e a irrefreável tentação pelas loiras?

— Não foi por causa do Otelo negro do Shakeaspeare. Na minha estréia no Rio, em 1935, na peça Goal, levada no teatro João Caetano, o nome foi inventado por Jardel Jercolis, um homem a quem eu devo minha carreira e que foi um pai para mim. Acontece que, na época, estavam passando uma fita chamada The Great Gabbo. Era a história de um ventríloquo que tinha um boneco chamado o Grande Gabbo. O boneco usava casaca e cantava em inglês. E foi daí que o Jardel teve a idéia. Só que ninguém reparou em mim.

Só vim a ser percebido na última peça da temporada, da qual participavam Oscarito, Pablo Palitos e Pepito Romeu, três grandes cômicos. No sketch de Oscarito tinham que entrar quatro meninas. Como só arranjaram três — não havia grana para pagar a quarta — me jogaram no palco. O público me aplaudiu delirantemente e eu me esbaldei. Mas Jardel chamou minha atenção: fui repreendido em tabela por ter roubado a cena do Oscarito que, homem educado, não teve nenhuma reação contra mim. Agi errado e merecia punição. E aprendi uma coisa que não existe mais hoje em dia, mas que eu faço questão de manter: respeito à hierarquia.

Quanto às loiras em minha vida, devo dizer que não me casei com nenhuma. Meu relacionamento com elas não foi simples questão de compensação ditada pelo contraste. A minha, digamos, “afirmação”, deu-se ao contrário. Resolvi me casar com mulheres da minha raça porque achei que esse deveria ser meu caminho natural. Infelizmente, aconteceu a tragédia.

— O que levou a sua primeira mulher ao suicídio?

— Até hoje ninguém sabe exatamente a razão. Dizem que ela se matou a tiros e também ao nosso filho por ter vergonha.. Dizem que foi por causa dos meus ciúmes..., (soluços) E dizem... Eu gostava de beber E uma coisa puxava a outra. A minha, primeira mulher era inteligente, mas não tinha cultura. Era incapaz de manter um diálogo, pois sempre fora doméstica.

A segunda, também da minha raça, era a mesma coisa. Apesar de, como eu ter sido adotada por uma família rica, não teve oportunidade de receber educação. Era apenas cria da casa enquanto que eu, com os Queiroz, estudei no Colégio Modelo Caetano de Campos e no Liceu Coração de Jesus dos padres salesianos, onde pude cursar até o terceiro ano ginasial.

O padrinho queria que eu fosse advogado. Mas eu era fujão. Acabei me desquitando da segunda mulher logo que o mais novo dos nossos quatro filhos completou 18 anos. Deixei tudo o que tinha para ela. Agora, quase sexagenário, comecei vida nova com Josephine, também de minha raça e ligada ao teatro, onde a conheci. É formada em Biologia. Mas o mais importante é que nos compreendemos e por isso, nos amamos.

Mesmo assim as três loiras que tive em minha vida foram coisas do destino. A primeira era húngara, a segunda francesa e a última apenas uma comerciante que queria resolver seus problemas econômicos comigo. A francesa gostou realmente de mim. Apiedou-se com a tragédia da minha primeira mulher e, até recentemente, me escrevia cartas carinhosas. De amiga para amigo.

— Quantas vezes você teve sua entrada barrada pelo fato de ser negro?

— Barrado eu só fui uma vez, no Copa. Nem me incomodei. Mas estrilei quando, há uns cinco anos, barraram um dos meus filhos. Quando era bem novo e estava me apresentando em Pelotas, no Rio Grande do Sul, com a companhia de Jardel Jercolis, fui proibido de comer no restaurante. Comi muito bem, pois não tinha consciência de nada e me bastava comer. Outra vez fui preso na praça Tiradentes e um investigador invocou comigo porque pensou que eu fosse homossexual. Preto, pobre e bicha — disse ele. Só os dois primeiros, respondi.

Quero assinalar que, na minha profissão, onde só vence quem é realmente bom, tive de lutar mil vezes mais do que um branco. O negro, para conseguir qualquer lugar no palco desta vida, tem que agir assim. O mais importante, acho, é viver em negrito. E atento. Precisei mais de meio século para conseguir uma tribuna, enquanto há quem consiga apenas por indicação. Imagine como vou usá-la...

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

Grande Otelo durante entrevista no Rio de Janeiro em 6 de junho de 1978.  Foto: Sucursal Rio/Estadão

“Estou disposto a colocar este meu cadáver negro em cima da mesa e deixar que o dissequem.” Essa foi uma das frases que o ator Grande Otelo [1915-1993] falou ao repórter Nello Pedra Gandara durante uma entrevista a publicada na edição de sábado do Jornal da Tarde de 10 de junho de 1978.

Indicado para receber o título de cidadão paulistano no dia 28 de setembro daquele ano, mesma data da promulgação da Lei do Ventre Livre, Grande Otelo falou de como pode ter inspirado Mario de Andrade em Macunaíma quando o escritor o assistiu em um espetáculo teatral, que Walt Disney queria sua voz para o personagem Zé Carioca, e da questão racial, presente em toda a entrevista.

“Nós, negros brasileiros, não queremos contestar o sistema, mas apenas participar dele. Somos brasileiros e não temos ódio no coração. Um dia, quem sabe, conseguida a integração, talvez possamos até contestar.” [Leia a íntegra]

Jornal da Tarde - 10 de junho de 1978

Grande Otelo em entrevista ao Jornal da tarde de 10 de junho de 1978. Foto: Acervo Estadão

Grande Otelo, uma vida em negrito

Entrevista a Nello Pedra Gandara

Não dá para duvidar que, se realmente pudesse, ele sairia por aí convidando, um a um, todos os negros do Brasil para, no dia 28 de setembro próximo, data em que se comemora a promulgação da Lei do Ventre Livre, participar, na Câmara Municipal de São Paulo, da solenidade em que lhe farão a entrega de um título de Cidadão Paulistano.

Sempre com uma cadernetinha nas mãos, ele passa muitas horas de seu dia trancado no seu minúsculo apartamento da rua Barata Ribeiro, em Copacabana, no Rio, anotando nomes que lhe vêm a cabeça bastante pintada de fios brancos. Uma, duas, várias cadernetas já se tornam insuficientes para conter tantos amigos, tantos conhecidos que, se enfileirados, multiplicam várias vezes seus 1m 50 de altura.

Mas, com paciência, Grande Otelo continua anotando, anotando. Quer que todos os negros — ”e porque não também os brancos!?” — que muitas vezes fez rir (e algumas até chorar) através de sua participação em mais de uma centena de filmes, peças de teatro, picadeiro, rádio e televisão, estejam presentes no dia em que ele, o mineiro Sebastião Bernardes de Souza Prata e também paulistano e honorário, usará de uma tribuna para dizer muito do que, por causa da pele negra, sentiu na sua carne de presumíveis 63 anos de existência.

Além do mais, quer que o título de cidadania, surgido a partir da idéia do vereador Paulo Rui de Oliveira (do MDB, negro como ele e integrante de um movimento que prega “a integração do negro na sociedade brasileira”) seja uma homenagem dividida com todos os negros do Brasil, “inclusive com aqueles que, como Pelé, nada fazem ou representam para a raça”.

— E porque só agora, sexagenário, você se preocupa com o problema racial do negro?

— De certa forma a preocupação sempre existiu. Mas achava que eu não tinha condições pessoais, emocionais para me integrar a um movimento em prol da minha raça. Com o tempo, porém, criou-se em torno de mim uma situação que não é nada confortável: os negros estão me cobrando atitudes.

E isso me dá uma responsabilidade tremenda. Resolvi assumi-la quando achei que havia condições, pois elas apareceram só depois de muito sofrimento e amadurecimento. Hoje eu já sei que vou encontrar respaldo, dentro e fora da raça, para qualquer atitude. E é chegada a hora. Por ser, ou apesar de ser o Grande Otelo, serei ouvido, terei cobertura da imprensa.

— Outros negros famosos também não teriam?

— Poucos teriam. Ainda recentemente, o Zózimo Bulbul fez a semana comemorativa do 13 de Maio, no Museu de Arte Moderna, e nem os negros ficaram sabendo. Como sou popularmente famoso — entro na casa do meu irmão favelado, meu irmão bicheiro, meu irmão marginal e rio e choro com eles — acho que tenho mais condições. Inclusive a de buscar o peso negro onde quer que ele se encontre.

Quero unir os negros do Brasil, inclusive os que estão por fora, como o Pelé. Quero que o Edson Arantes do Nascimento se sinta negro e se integre com seu povo nessa luta. Não vou discutir aqui o problema Pelé. Esse é um assunto para ser discutido e resolvido em família. Ele é o exemplo clássico do preto brasileiro, como Cassius Clay é o exemplo típico do negro americano. De minha parte, estou disposto a colocar este meu cadáver negro em cima da mesa e deixar que o dissequem.

— Aonde você, ou o movimento, pretende chegar?

— Paramos naquele primeiro e longínquo 13 de maio, que foi válido apenas para assinalar a libertação Alguns negros acham que se tivéssemos sido melhor assessorados a situação seria outra. Acontece que as cabeças que poderiam ter dado esse assessoramento não pensaram — ou não agiram — em nos dar a rota. Por índole, tais cabeças já sabiam como progredir. Foi assim com Cruz e Souza, Machado de Assis, José do Patrocínio, Rebouças e, ainda dentro do cativeiro, João Cândido e Henrique Dias. Sem rota determinada, as cabeças menos privilegiadas não souberam como progredir.

É isso que pretendemos fazer agora. Buscar e indicar caminhos para a integração. Se, por exemplo, uma das soluções for o dinheiro, vamos, então, em busca do dinheiro. Como? Fazendo com que os negros unam o que têm, formem empresas, organizem um capital negro. Não foi isso que o Nixon fez ao abrir o mercado para o negro americano? Ele facilitou as coisas para os negros americanos.

De minha parte, acho que inicialmente devemos incentivar, estimular, sacudir aqueles negros que já subiram na vida e estão em postos chaves, só que, por medo, ou pelo muito que sofreram para chegar a esse ponto, resolveram se esconder ou lavar as mãos. Em última análise, foi assim que agiram os japoneses, os alemães e todos os demais estrangeiros que vieram para cá.

— Você está colocando o negro brasileiro como um estrangeiro recém-chegado. Hoje, as condições são outras do que a dos tempos da imigração.

— Talvez esteja aí o x do nosso problema. Antes de ser negros, somos todos brasileiros e poucos de nós têm a consciência de que é uma raça, de que é negro. O japonês se sente japonês e tem ministro japonês. O alemão idem e tem até alemão na presidência do Banco do Brasil. E tem até italiano na presidência do Clube Tietê de São Paulo proibindo negros de lá permanecerem. Somos brasileiros, somos negros e por isso uma casta diferente de brasileiros.

Lembra aquelas castas da Índia. Ou não? Se fôssemos simplesmente estrangeiros, teríamos capital de fora ou know-how para nos ajudar. Sem estrutura econômica não podemos fazer nada. Se formos fazer alguma coisa seremos, logo logo, considerados racistas.

Todo mundo vê, no rádio ou na televisão, programas de portugueses, de japoneses, de húngaros... Mas vê algum programa que fale do negro? Da cultura negra? Estou sabendo que brevemente vão levar ao ar um conjunto de danças africano. E sabe por quê? Porque o Pais está balançando na sua aliança euro-brasileira e de jeito nenhum quer se indispor com a África. É tudo uma questão de negócios!

— Quer dizer que o movimento do qual vote faz parte vai contestar o sistema?

— Há uma vontade africana de se processar a diáspora negra. Mas isso acabaria fazendo com que nos tornássemos uma raça maldita. Nós, negros brasileiros, não queremos contestar o sistema, mas apenas participar dele. Somos brasileiros e não temos ódio no coração. Um dia, quem sabe, conseguida a integração, talvez possamos até contestar. Mas contestar como o branco contesta. A Jane Fonda, branca, contesta. Se bem que os negros americanos não contestam o sistema. Contestavam — e alguns ainda contestam — a situação em que viviam dentro do sistema.

— Acha que o problema racial americano é parecido com o brasileiro?

— Há poucas semelhanças e muitas diferenças. Isso porque o brasileiro é, como já dizia Coelho Neto, oriundo de três raças: o negro, o índio e o português. E são três raças tristes. Aí começa a grande diferença. Quando estive em Londres eu tentei tirar uma fotografia ao lado de uma negra inglesa. Ela não quis nem papo comigo. Se ela soubesse que eu era brasileiro e não africano querendo se introduzir lá — ela teria topado. Isso porque o negro londrino não quer saber de mais negro por lá, pois já está participando do sistema e participando sem chocar. Aqui é diferente. Dia desses, me disse um amigo, que só acredita em branco brasileiro depois de ver a fotografia dos quatro avós.

— Você falou de Londres, mas não de Nova Iorque ou Washington.

— É porque nunca estive nos Estados Unidos, embora já tenha estudado o problema do negro de lá. Tive duas oportunidades para ir. A primeira foi a convite do Walt Disney que queria botar a minha voz no papagaio Zé Carioca. Fiquei com medo de não fazer carreira lá e perder a que estava começando a fazer aqui. A segunda foi em 1940, a convite de Carmen Miranda. Ela insistiu. E o convite era tentador.

Só não fui por causa do Joaquim Rolla, o todo-poderoso dono do Cassino da Urca e que me manteve, durante sete anos, preso a um contrato que me obrigava, onde quer que eu fosse me apresentar, a enviar 50% de tudo que ganhasse a ele. Foi um jogo terrível. Costumo dizer que, nos tempos dos cassinos, os artistas já eram livres, mas continuam trabalhando no Cassino da Urca. As coisas hoje continuam mais ou menos assim. O Cassino da Urca virou rede de televisão.

— Na verdade, quando ó que você se deu conta dos efeitos nefastos dos preconceitos?

— Levei muito “negro fedido” pela cara durante a vida. Mas quem me xingava, no dia seguinte jogava futebol comigo. Feliz ou infelizmente, meu caso é sui-generis. Tive mãe-branca, quando no meu tempo o que se usava era ter mãe-preta. Não tenho muito certeza se Maria Abadia de Souza e Francisco Bernardes Prata são os nomes que cruzando me trouxeram à luz.

Nós eramos agregados à família dos Prata, lá em Uberabinha, hoje Uberlândia. Minha mãe era cozinheira famosa por trabalhar sempre com uma cachacinha ao lado do fogão. Mas eu nasci, e ela sem leite, fui mamar na patroa que também tinha tido criança. De cara, quebrei a tradição.

Mais tarde, já aqui em São Paulo, dado de papel passado para uma família que fazia teatro pelo Brasil, fui parar no Juizado de Menores e de lá, após algumas fugas, adotado pela família do dr. Antonio de Queiroz, político influente e que, na verdade, se tornou a minha família. D. Eugenia de Queiroz tinha ido ao Abrigo de Menores para buscar uma menina para ajudar na cozinha. O administrador lhe sugeriu que levasse o negrinho fujão que sabia declamar, dançar, fazer graças. Tive, com os Queiroz, tudo do bom e do melhor. Só que, entre outras manias, tinha a de fugir de casa.

— Quais eram as outras manias?

Uma delas era gostar do que estava em moda. Na moda do iô-iô eu só queria saber de iô-iô. Na moda do pastel vendido e fritado nas ruas, coisas que os japoneses inventaram, eu só queria pastel e - principalmente - o martelo de vinho. Como tudo que é moda custa dinheiro, eu não titubiei em ir vendendo, cada dia um pouco, os volumes da vastíssima biblioteca do meu padrinho. Quando bebia uma Clóvis Bevilacqua fui descoberto. Meu padrinho foi sebo por sebo, readquiriu todos os volumes e ainda ameaçou os donos dos sebos de processo.

Nessa época, porém, eu já estava vidrado em cachaça com groselha. Mais na cachaça... Quando ele me me encontrou bebendo e embebedado na rua, entre uma e outra fuca que eu empreendia para observar o pessoal de circo ou teatro, ameaçou-me de mandar de volta ao Juizado. Ou então que eu me virasse e arranjasse um tutor de teatro. Eu já estava com 17 anos e sonhava com o Rio de Janeiro. E, engraçado, mesmo sem ter consciência do problema racial, já havia integrado uma companhia de negros. E esse é justamente um dos meus planos atuais.

— Sempre se tem notícia do surgimento de companhias teatrais de negros, mas poucas conseguem alguma projeção.

— Se a idéia deu certo em 1926 por que não daria certo agora? Na Companhia Negra de Revistas, do Oduvaldo Vianna, pai, da qual participei, todos os atores eram negros. Na de Vianna, tínhamos um grande maestro negro — o Pixinguinha. Nos apresentamos pelo Brasil inteiro. Numa dessas apresentações fomos assistidos pelo Mário de Andrade que estava coletando informações sobre cultura negra.

Não posso afirmar com segurança, mas tenho quase certeza que ele botou muito reparo no negrinho que dançava, e cantava em vários idiomas. Acho que, de certa forma, o influenciou na criação de Macunaíma que, aliás, foi um papel que fiz no cinema e me deu um grande prestígio.

A segunda companhia Negra em que trabalhei foi bem mais tarde, em 1939, e pertencia a um negro chamado De Chocolat. Em francês porque ele tinha vivido na França, mas gostava mesmo era de cachaça. Montamos uma peça chamada “Algemas Quebradas”, que deu muito dinheiro. Só que ele gastou tudinho pagando champanha para brancas, sonhando em entrar nas altas rodas. Isso, aliás, se vê até hoje: com dinheiro e sucesso o negro tende a esquecer a raça...

— E para se afirmar procuram brancas.

— Nesse campo precisamos tomar um pouco de cuidado porque em amor não deve entrar preconceitos. Mas quero falar de uma outra companhia de negros, a do Abdias do Nascimento com o seu teatro Experimental do Negro. Lá pelos anos de 1944 ou 45, Abdias começou o seu movimento do qual, infelizmente, não tomei parte ativa — estava preso por contrato à Urca — mas que nunca deixei de prestigiar como podia: ou pagando um sanduichinho para o elenco ou acompanhando o grupo nas suas andanças para conseguir prestígio com as elites estrangeiras.

— Quando surgiu o nome Grande Otelo e a irrefreável tentação pelas loiras?

— Não foi por causa do Otelo negro do Shakeaspeare. Na minha estréia no Rio, em 1935, na peça Goal, levada no teatro João Caetano, o nome foi inventado por Jardel Jercolis, um homem a quem eu devo minha carreira e que foi um pai para mim. Acontece que, na época, estavam passando uma fita chamada The Great Gabbo. Era a história de um ventríloquo que tinha um boneco chamado o Grande Gabbo. O boneco usava casaca e cantava em inglês. E foi daí que o Jardel teve a idéia. Só que ninguém reparou em mim.

Só vim a ser percebido na última peça da temporada, da qual participavam Oscarito, Pablo Palitos e Pepito Romeu, três grandes cômicos. No sketch de Oscarito tinham que entrar quatro meninas. Como só arranjaram três — não havia grana para pagar a quarta — me jogaram no palco. O público me aplaudiu delirantemente e eu me esbaldei. Mas Jardel chamou minha atenção: fui repreendido em tabela por ter roubado a cena do Oscarito que, homem educado, não teve nenhuma reação contra mim. Agi errado e merecia punição. E aprendi uma coisa que não existe mais hoje em dia, mas que eu faço questão de manter: respeito à hierarquia.

Quanto às loiras em minha vida, devo dizer que não me casei com nenhuma. Meu relacionamento com elas não foi simples questão de compensação ditada pelo contraste. A minha, digamos, “afirmação”, deu-se ao contrário. Resolvi me casar com mulheres da minha raça porque achei que esse deveria ser meu caminho natural. Infelizmente, aconteceu a tragédia.

— O que levou a sua primeira mulher ao suicídio?

— Até hoje ninguém sabe exatamente a razão. Dizem que ela se matou a tiros e também ao nosso filho por ter vergonha.. Dizem que foi por causa dos meus ciúmes..., (soluços) E dizem... Eu gostava de beber E uma coisa puxava a outra. A minha, primeira mulher era inteligente, mas não tinha cultura. Era incapaz de manter um diálogo, pois sempre fora doméstica.

A segunda, também da minha raça, era a mesma coisa. Apesar de, como eu ter sido adotada por uma família rica, não teve oportunidade de receber educação. Era apenas cria da casa enquanto que eu, com os Queiroz, estudei no Colégio Modelo Caetano de Campos e no Liceu Coração de Jesus dos padres salesianos, onde pude cursar até o terceiro ano ginasial.

O padrinho queria que eu fosse advogado. Mas eu era fujão. Acabei me desquitando da segunda mulher logo que o mais novo dos nossos quatro filhos completou 18 anos. Deixei tudo o que tinha para ela. Agora, quase sexagenário, comecei vida nova com Josephine, também de minha raça e ligada ao teatro, onde a conheci. É formada em Biologia. Mas o mais importante é que nos compreendemos e por isso, nos amamos.

Mesmo assim as três loiras que tive em minha vida foram coisas do destino. A primeira era húngara, a segunda francesa e a última apenas uma comerciante que queria resolver seus problemas econômicos comigo. A francesa gostou realmente de mim. Apiedou-se com a tragédia da minha primeira mulher e, até recentemente, me escrevia cartas carinhosas. De amiga para amigo.

— Quantas vezes você teve sua entrada barrada pelo fato de ser negro?

— Barrado eu só fui uma vez, no Copa. Nem me incomodei. Mas estrilei quando, há uns cinco anos, barraram um dos meus filhos. Quando era bem novo e estava me apresentando em Pelotas, no Rio Grande do Sul, com a companhia de Jardel Jercolis, fui proibido de comer no restaurante. Comi muito bem, pois não tinha consciência de nada e me bastava comer. Outra vez fui preso na praça Tiradentes e um investigador invocou comigo porque pensou que eu fosse homossexual. Preto, pobre e bicha — disse ele. Só os dois primeiros, respondi.

Quero assinalar que, na minha profissão, onde só vence quem é realmente bom, tive de lutar mil vezes mais do que um branco. O negro, para conseguir qualquer lugar no palco desta vida, tem que agir assim. O mais importante, acho, é viver em negrito. E atento. Precisei mais de meio século para conseguir uma tribuna, enquanto há quem consiga apenas por indicação. Imagine como vou usá-la...

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

Grande Otelo durante entrevista no Rio de Janeiro em 6 de junho de 1978.  Foto: Sucursal Rio/Estadão

“Estou disposto a colocar este meu cadáver negro em cima da mesa e deixar que o dissequem.” Essa foi uma das frases que o ator Grande Otelo [1915-1993] falou ao repórter Nello Pedra Gandara durante uma entrevista a publicada na edição de sábado do Jornal da Tarde de 10 de junho de 1978.

Indicado para receber o título de cidadão paulistano no dia 28 de setembro daquele ano, mesma data da promulgação da Lei do Ventre Livre, Grande Otelo falou de como pode ter inspirado Mario de Andrade em Macunaíma quando o escritor o assistiu em um espetáculo teatral, que Walt Disney queria sua voz para o personagem Zé Carioca, e da questão racial, presente em toda a entrevista.

“Nós, negros brasileiros, não queremos contestar o sistema, mas apenas participar dele. Somos brasileiros e não temos ódio no coração. Um dia, quem sabe, conseguida a integração, talvez possamos até contestar.” [Leia a íntegra]

Jornal da Tarde - 10 de junho de 1978

Grande Otelo em entrevista ao Jornal da tarde de 10 de junho de 1978. Foto: Acervo Estadão

Grande Otelo, uma vida em negrito

Entrevista a Nello Pedra Gandara

Não dá para duvidar que, se realmente pudesse, ele sairia por aí convidando, um a um, todos os negros do Brasil para, no dia 28 de setembro próximo, data em que se comemora a promulgação da Lei do Ventre Livre, participar, na Câmara Municipal de São Paulo, da solenidade em que lhe farão a entrega de um título de Cidadão Paulistano.

Sempre com uma cadernetinha nas mãos, ele passa muitas horas de seu dia trancado no seu minúsculo apartamento da rua Barata Ribeiro, em Copacabana, no Rio, anotando nomes que lhe vêm a cabeça bastante pintada de fios brancos. Uma, duas, várias cadernetas já se tornam insuficientes para conter tantos amigos, tantos conhecidos que, se enfileirados, multiplicam várias vezes seus 1m 50 de altura.

Mas, com paciência, Grande Otelo continua anotando, anotando. Quer que todos os negros — ”e porque não também os brancos!?” — que muitas vezes fez rir (e algumas até chorar) através de sua participação em mais de uma centena de filmes, peças de teatro, picadeiro, rádio e televisão, estejam presentes no dia em que ele, o mineiro Sebastião Bernardes de Souza Prata e também paulistano e honorário, usará de uma tribuna para dizer muito do que, por causa da pele negra, sentiu na sua carne de presumíveis 63 anos de existência.

Além do mais, quer que o título de cidadania, surgido a partir da idéia do vereador Paulo Rui de Oliveira (do MDB, negro como ele e integrante de um movimento que prega “a integração do negro na sociedade brasileira”) seja uma homenagem dividida com todos os negros do Brasil, “inclusive com aqueles que, como Pelé, nada fazem ou representam para a raça”.

— E porque só agora, sexagenário, você se preocupa com o problema racial do negro?

— De certa forma a preocupação sempre existiu. Mas achava que eu não tinha condições pessoais, emocionais para me integrar a um movimento em prol da minha raça. Com o tempo, porém, criou-se em torno de mim uma situação que não é nada confortável: os negros estão me cobrando atitudes.

E isso me dá uma responsabilidade tremenda. Resolvi assumi-la quando achei que havia condições, pois elas apareceram só depois de muito sofrimento e amadurecimento. Hoje eu já sei que vou encontrar respaldo, dentro e fora da raça, para qualquer atitude. E é chegada a hora. Por ser, ou apesar de ser o Grande Otelo, serei ouvido, terei cobertura da imprensa.

— Outros negros famosos também não teriam?

— Poucos teriam. Ainda recentemente, o Zózimo Bulbul fez a semana comemorativa do 13 de Maio, no Museu de Arte Moderna, e nem os negros ficaram sabendo. Como sou popularmente famoso — entro na casa do meu irmão favelado, meu irmão bicheiro, meu irmão marginal e rio e choro com eles — acho que tenho mais condições. Inclusive a de buscar o peso negro onde quer que ele se encontre.

Quero unir os negros do Brasil, inclusive os que estão por fora, como o Pelé. Quero que o Edson Arantes do Nascimento se sinta negro e se integre com seu povo nessa luta. Não vou discutir aqui o problema Pelé. Esse é um assunto para ser discutido e resolvido em família. Ele é o exemplo clássico do preto brasileiro, como Cassius Clay é o exemplo típico do negro americano. De minha parte, estou disposto a colocar este meu cadáver negro em cima da mesa e deixar que o dissequem.

— Aonde você, ou o movimento, pretende chegar?

— Paramos naquele primeiro e longínquo 13 de maio, que foi válido apenas para assinalar a libertação Alguns negros acham que se tivéssemos sido melhor assessorados a situação seria outra. Acontece que as cabeças que poderiam ter dado esse assessoramento não pensaram — ou não agiram — em nos dar a rota. Por índole, tais cabeças já sabiam como progredir. Foi assim com Cruz e Souza, Machado de Assis, José do Patrocínio, Rebouças e, ainda dentro do cativeiro, João Cândido e Henrique Dias. Sem rota determinada, as cabeças menos privilegiadas não souberam como progredir.

É isso que pretendemos fazer agora. Buscar e indicar caminhos para a integração. Se, por exemplo, uma das soluções for o dinheiro, vamos, então, em busca do dinheiro. Como? Fazendo com que os negros unam o que têm, formem empresas, organizem um capital negro. Não foi isso que o Nixon fez ao abrir o mercado para o negro americano? Ele facilitou as coisas para os negros americanos.

De minha parte, acho que inicialmente devemos incentivar, estimular, sacudir aqueles negros que já subiram na vida e estão em postos chaves, só que, por medo, ou pelo muito que sofreram para chegar a esse ponto, resolveram se esconder ou lavar as mãos. Em última análise, foi assim que agiram os japoneses, os alemães e todos os demais estrangeiros que vieram para cá.

— Você está colocando o negro brasileiro como um estrangeiro recém-chegado. Hoje, as condições são outras do que a dos tempos da imigração.

— Talvez esteja aí o x do nosso problema. Antes de ser negros, somos todos brasileiros e poucos de nós têm a consciência de que é uma raça, de que é negro. O japonês se sente japonês e tem ministro japonês. O alemão idem e tem até alemão na presidência do Banco do Brasil. E tem até italiano na presidência do Clube Tietê de São Paulo proibindo negros de lá permanecerem. Somos brasileiros, somos negros e por isso uma casta diferente de brasileiros.

Lembra aquelas castas da Índia. Ou não? Se fôssemos simplesmente estrangeiros, teríamos capital de fora ou know-how para nos ajudar. Sem estrutura econômica não podemos fazer nada. Se formos fazer alguma coisa seremos, logo logo, considerados racistas.

Todo mundo vê, no rádio ou na televisão, programas de portugueses, de japoneses, de húngaros... Mas vê algum programa que fale do negro? Da cultura negra? Estou sabendo que brevemente vão levar ao ar um conjunto de danças africano. E sabe por quê? Porque o Pais está balançando na sua aliança euro-brasileira e de jeito nenhum quer se indispor com a África. É tudo uma questão de negócios!

— Quer dizer que o movimento do qual vote faz parte vai contestar o sistema?

— Há uma vontade africana de se processar a diáspora negra. Mas isso acabaria fazendo com que nos tornássemos uma raça maldita. Nós, negros brasileiros, não queremos contestar o sistema, mas apenas participar dele. Somos brasileiros e não temos ódio no coração. Um dia, quem sabe, conseguida a integração, talvez possamos até contestar. Mas contestar como o branco contesta. A Jane Fonda, branca, contesta. Se bem que os negros americanos não contestam o sistema. Contestavam — e alguns ainda contestam — a situação em que viviam dentro do sistema.

— Acha que o problema racial americano é parecido com o brasileiro?

— Há poucas semelhanças e muitas diferenças. Isso porque o brasileiro é, como já dizia Coelho Neto, oriundo de três raças: o negro, o índio e o português. E são três raças tristes. Aí começa a grande diferença. Quando estive em Londres eu tentei tirar uma fotografia ao lado de uma negra inglesa. Ela não quis nem papo comigo. Se ela soubesse que eu era brasileiro e não africano querendo se introduzir lá — ela teria topado. Isso porque o negro londrino não quer saber de mais negro por lá, pois já está participando do sistema e participando sem chocar. Aqui é diferente. Dia desses, me disse um amigo, que só acredita em branco brasileiro depois de ver a fotografia dos quatro avós.

— Você falou de Londres, mas não de Nova Iorque ou Washington.

— É porque nunca estive nos Estados Unidos, embora já tenha estudado o problema do negro de lá. Tive duas oportunidades para ir. A primeira foi a convite do Walt Disney que queria botar a minha voz no papagaio Zé Carioca. Fiquei com medo de não fazer carreira lá e perder a que estava começando a fazer aqui. A segunda foi em 1940, a convite de Carmen Miranda. Ela insistiu. E o convite era tentador.

Só não fui por causa do Joaquim Rolla, o todo-poderoso dono do Cassino da Urca e que me manteve, durante sete anos, preso a um contrato que me obrigava, onde quer que eu fosse me apresentar, a enviar 50% de tudo que ganhasse a ele. Foi um jogo terrível. Costumo dizer que, nos tempos dos cassinos, os artistas já eram livres, mas continuam trabalhando no Cassino da Urca. As coisas hoje continuam mais ou menos assim. O Cassino da Urca virou rede de televisão.

— Na verdade, quando ó que você se deu conta dos efeitos nefastos dos preconceitos?

— Levei muito “negro fedido” pela cara durante a vida. Mas quem me xingava, no dia seguinte jogava futebol comigo. Feliz ou infelizmente, meu caso é sui-generis. Tive mãe-branca, quando no meu tempo o que se usava era ter mãe-preta. Não tenho muito certeza se Maria Abadia de Souza e Francisco Bernardes Prata são os nomes que cruzando me trouxeram à luz.

Nós eramos agregados à família dos Prata, lá em Uberabinha, hoje Uberlândia. Minha mãe era cozinheira famosa por trabalhar sempre com uma cachacinha ao lado do fogão. Mas eu nasci, e ela sem leite, fui mamar na patroa que também tinha tido criança. De cara, quebrei a tradição.

Mais tarde, já aqui em São Paulo, dado de papel passado para uma família que fazia teatro pelo Brasil, fui parar no Juizado de Menores e de lá, após algumas fugas, adotado pela família do dr. Antonio de Queiroz, político influente e que, na verdade, se tornou a minha família. D. Eugenia de Queiroz tinha ido ao Abrigo de Menores para buscar uma menina para ajudar na cozinha. O administrador lhe sugeriu que levasse o negrinho fujão que sabia declamar, dançar, fazer graças. Tive, com os Queiroz, tudo do bom e do melhor. Só que, entre outras manias, tinha a de fugir de casa.

— Quais eram as outras manias?

Uma delas era gostar do que estava em moda. Na moda do iô-iô eu só queria saber de iô-iô. Na moda do pastel vendido e fritado nas ruas, coisas que os japoneses inventaram, eu só queria pastel e - principalmente - o martelo de vinho. Como tudo que é moda custa dinheiro, eu não titubiei em ir vendendo, cada dia um pouco, os volumes da vastíssima biblioteca do meu padrinho. Quando bebia uma Clóvis Bevilacqua fui descoberto. Meu padrinho foi sebo por sebo, readquiriu todos os volumes e ainda ameaçou os donos dos sebos de processo.

Nessa época, porém, eu já estava vidrado em cachaça com groselha. Mais na cachaça... Quando ele me me encontrou bebendo e embebedado na rua, entre uma e outra fuca que eu empreendia para observar o pessoal de circo ou teatro, ameaçou-me de mandar de volta ao Juizado. Ou então que eu me virasse e arranjasse um tutor de teatro. Eu já estava com 17 anos e sonhava com o Rio de Janeiro. E, engraçado, mesmo sem ter consciência do problema racial, já havia integrado uma companhia de negros. E esse é justamente um dos meus planos atuais.

— Sempre se tem notícia do surgimento de companhias teatrais de negros, mas poucas conseguem alguma projeção.

— Se a idéia deu certo em 1926 por que não daria certo agora? Na Companhia Negra de Revistas, do Oduvaldo Vianna, pai, da qual participei, todos os atores eram negros. Na de Vianna, tínhamos um grande maestro negro — o Pixinguinha. Nos apresentamos pelo Brasil inteiro. Numa dessas apresentações fomos assistidos pelo Mário de Andrade que estava coletando informações sobre cultura negra.

Não posso afirmar com segurança, mas tenho quase certeza que ele botou muito reparo no negrinho que dançava, e cantava em vários idiomas. Acho que, de certa forma, o influenciou na criação de Macunaíma que, aliás, foi um papel que fiz no cinema e me deu um grande prestígio.

A segunda companhia Negra em que trabalhei foi bem mais tarde, em 1939, e pertencia a um negro chamado De Chocolat. Em francês porque ele tinha vivido na França, mas gostava mesmo era de cachaça. Montamos uma peça chamada “Algemas Quebradas”, que deu muito dinheiro. Só que ele gastou tudinho pagando champanha para brancas, sonhando em entrar nas altas rodas. Isso, aliás, se vê até hoje: com dinheiro e sucesso o negro tende a esquecer a raça...

— E para se afirmar procuram brancas.

— Nesse campo precisamos tomar um pouco de cuidado porque em amor não deve entrar preconceitos. Mas quero falar de uma outra companhia de negros, a do Abdias do Nascimento com o seu teatro Experimental do Negro. Lá pelos anos de 1944 ou 45, Abdias começou o seu movimento do qual, infelizmente, não tomei parte ativa — estava preso por contrato à Urca — mas que nunca deixei de prestigiar como podia: ou pagando um sanduichinho para o elenco ou acompanhando o grupo nas suas andanças para conseguir prestígio com as elites estrangeiras.

— Quando surgiu o nome Grande Otelo e a irrefreável tentação pelas loiras?

— Não foi por causa do Otelo negro do Shakeaspeare. Na minha estréia no Rio, em 1935, na peça Goal, levada no teatro João Caetano, o nome foi inventado por Jardel Jercolis, um homem a quem eu devo minha carreira e que foi um pai para mim. Acontece que, na época, estavam passando uma fita chamada The Great Gabbo. Era a história de um ventríloquo que tinha um boneco chamado o Grande Gabbo. O boneco usava casaca e cantava em inglês. E foi daí que o Jardel teve a idéia. Só que ninguém reparou em mim.

Só vim a ser percebido na última peça da temporada, da qual participavam Oscarito, Pablo Palitos e Pepito Romeu, três grandes cômicos. No sketch de Oscarito tinham que entrar quatro meninas. Como só arranjaram três — não havia grana para pagar a quarta — me jogaram no palco. O público me aplaudiu delirantemente e eu me esbaldei. Mas Jardel chamou minha atenção: fui repreendido em tabela por ter roubado a cena do Oscarito que, homem educado, não teve nenhuma reação contra mim. Agi errado e merecia punição. E aprendi uma coisa que não existe mais hoje em dia, mas que eu faço questão de manter: respeito à hierarquia.

Quanto às loiras em minha vida, devo dizer que não me casei com nenhuma. Meu relacionamento com elas não foi simples questão de compensação ditada pelo contraste. A minha, digamos, “afirmação”, deu-se ao contrário. Resolvi me casar com mulheres da minha raça porque achei que esse deveria ser meu caminho natural. Infelizmente, aconteceu a tragédia.

— O que levou a sua primeira mulher ao suicídio?

— Até hoje ninguém sabe exatamente a razão. Dizem que ela se matou a tiros e também ao nosso filho por ter vergonha.. Dizem que foi por causa dos meus ciúmes..., (soluços) E dizem... Eu gostava de beber E uma coisa puxava a outra. A minha, primeira mulher era inteligente, mas não tinha cultura. Era incapaz de manter um diálogo, pois sempre fora doméstica.

A segunda, também da minha raça, era a mesma coisa. Apesar de, como eu ter sido adotada por uma família rica, não teve oportunidade de receber educação. Era apenas cria da casa enquanto que eu, com os Queiroz, estudei no Colégio Modelo Caetano de Campos e no Liceu Coração de Jesus dos padres salesianos, onde pude cursar até o terceiro ano ginasial.

O padrinho queria que eu fosse advogado. Mas eu era fujão. Acabei me desquitando da segunda mulher logo que o mais novo dos nossos quatro filhos completou 18 anos. Deixei tudo o que tinha para ela. Agora, quase sexagenário, comecei vida nova com Josephine, também de minha raça e ligada ao teatro, onde a conheci. É formada em Biologia. Mas o mais importante é que nos compreendemos e por isso, nos amamos.

Mesmo assim as três loiras que tive em minha vida foram coisas do destino. A primeira era húngara, a segunda francesa e a última apenas uma comerciante que queria resolver seus problemas econômicos comigo. A francesa gostou realmente de mim. Apiedou-se com a tragédia da minha primeira mulher e, até recentemente, me escrevia cartas carinhosas. De amiga para amigo.

— Quantas vezes você teve sua entrada barrada pelo fato de ser negro?

— Barrado eu só fui uma vez, no Copa. Nem me incomodei. Mas estrilei quando, há uns cinco anos, barraram um dos meus filhos. Quando era bem novo e estava me apresentando em Pelotas, no Rio Grande do Sul, com a companhia de Jardel Jercolis, fui proibido de comer no restaurante. Comi muito bem, pois não tinha consciência de nada e me bastava comer. Outra vez fui preso na praça Tiradentes e um investigador invocou comigo porque pensou que eu fosse homossexual. Preto, pobre e bicha — disse ele. Só os dois primeiros, respondi.

Quero assinalar que, na minha profissão, onde só vence quem é realmente bom, tive de lutar mil vezes mais do que um branco. O negro, para conseguir qualquer lugar no palco desta vida, tem que agir assim. O mais importante, acho, é viver em negrito. E atento. Precisei mais de meio século para conseguir uma tribuna, enquanto há quem consiga apenas por indicação. Imagine como vou usá-la...

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

Grande Otelo durante entrevista no Rio de Janeiro em 6 de junho de 1978.  Foto: Sucursal Rio/Estadão

“Estou disposto a colocar este meu cadáver negro em cima da mesa e deixar que o dissequem.” Essa foi uma das frases que o ator Grande Otelo [1915-1993] falou ao repórter Nello Pedra Gandara durante uma entrevista a publicada na edição de sábado do Jornal da Tarde de 10 de junho de 1978.

Indicado para receber o título de cidadão paulistano no dia 28 de setembro daquele ano, mesma data da promulgação da Lei do Ventre Livre, Grande Otelo falou de como pode ter inspirado Mario de Andrade em Macunaíma quando o escritor o assistiu em um espetáculo teatral, que Walt Disney queria sua voz para o personagem Zé Carioca, e da questão racial, presente em toda a entrevista.

“Nós, negros brasileiros, não queremos contestar o sistema, mas apenas participar dele. Somos brasileiros e não temos ódio no coração. Um dia, quem sabe, conseguida a integração, talvez possamos até contestar.” [Leia a íntegra]

Jornal da Tarde - 10 de junho de 1978

Grande Otelo em entrevista ao Jornal da tarde de 10 de junho de 1978. Foto: Acervo Estadão

Grande Otelo, uma vida em negrito

Entrevista a Nello Pedra Gandara

Não dá para duvidar que, se realmente pudesse, ele sairia por aí convidando, um a um, todos os negros do Brasil para, no dia 28 de setembro próximo, data em que se comemora a promulgação da Lei do Ventre Livre, participar, na Câmara Municipal de São Paulo, da solenidade em que lhe farão a entrega de um título de Cidadão Paulistano.

Sempre com uma cadernetinha nas mãos, ele passa muitas horas de seu dia trancado no seu minúsculo apartamento da rua Barata Ribeiro, em Copacabana, no Rio, anotando nomes que lhe vêm a cabeça bastante pintada de fios brancos. Uma, duas, várias cadernetas já se tornam insuficientes para conter tantos amigos, tantos conhecidos que, se enfileirados, multiplicam várias vezes seus 1m 50 de altura.

Mas, com paciência, Grande Otelo continua anotando, anotando. Quer que todos os negros — ”e porque não também os brancos!?” — que muitas vezes fez rir (e algumas até chorar) através de sua participação em mais de uma centena de filmes, peças de teatro, picadeiro, rádio e televisão, estejam presentes no dia em que ele, o mineiro Sebastião Bernardes de Souza Prata e também paulistano e honorário, usará de uma tribuna para dizer muito do que, por causa da pele negra, sentiu na sua carne de presumíveis 63 anos de existência.

Além do mais, quer que o título de cidadania, surgido a partir da idéia do vereador Paulo Rui de Oliveira (do MDB, negro como ele e integrante de um movimento que prega “a integração do negro na sociedade brasileira”) seja uma homenagem dividida com todos os negros do Brasil, “inclusive com aqueles que, como Pelé, nada fazem ou representam para a raça”.

— E porque só agora, sexagenário, você se preocupa com o problema racial do negro?

— De certa forma a preocupação sempre existiu. Mas achava que eu não tinha condições pessoais, emocionais para me integrar a um movimento em prol da minha raça. Com o tempo, porém, criou-se em torno de mim uma situação que não é nada confortável: os negros estão me cobrando atitudes.

E isso me dá uma responsabilidade tremenda. Resolvi assumi-la quando achei que havia condições, pois elas apareceram só depois de muito sofrimento e amadurecimento. Hoje eu já sei que vou encontrar respaldo, dentro e fora da raça, para qualquer atitude. E é chegada a hora. Por ser, ou apesar de ser o Grande Otelo, serei ouvido, terei cobertura da imprensa.

— Outros negros famosos também não teriam?

— Poucos teriam. Ainda recentemente, o Zózimo Bulbul fez a semana comemorativa do 13 de Maio, no Museu de Arte Moderna, e nem os negros ficaram sabendo. Como sou popularmente famoso — entro na casa do meu irmão favelado, meu irmão bicheiro, meu irmão marginal e rio e choro com eles — acho que tenho mais condições. Inclusive a de buscar o peso negro onde quer que ele se encontre.

Quero unir os negros do Brasil, inclusive os que estão por fora, como o Pelé. Quero que o Edson Arantes do Nascimento se sinta negro e se integre com seu povo nessa luta. Não vou discutir aqui o problema Pelé. Esse é um assunto para ser discutido e resolvido em família. Ele é o exemplo clássico do preto brasileiro, como Cassius Clay é o exemplo típico do negro americano. De minha parte, estou disposto a colocar este meu cadáver negro em cima da mesa e deixar que o dissequem.

— Aonde você, ou o movimento, pretende chegar?

— Paramos naquele primeiro e longínquo 13 de maio, que foi válido apenas para assinalar a libertação Alguns negros acham que se tivéssemos sido melhor assessorados a situação seria outra. Acontece que as cabeças que poderiam ter dado esse assessoramento não pensaram — ou não agiram — em nos dar a rota. Por índole, tais cabeças já sabiam como progredir. Foi assim com Cruz e Souza, Machado de Assis, José do Patrocínio, Rebouças e, ainda dentro do cativeiro, João Cândido e Henrique Dias. Sem rota determinada, as cabeças menos privilegiadas não souberam como progredir.

É isso que pretendemos fazer agora. Buscar e indicar caminhos para a integração. Se, por exemplo, uma das soluções for o dinheiro, vamos, então, em busca do dinheiro. Como? Fazendo com que os negros unam o que têm, formem empresas, organizem um capital negro. Não foi isso que o Nixon fez ao abrir o mercado para o negro americano? Ele facilitou as coisas para os negros americanos.

De minha parte, acho que inicialmente devemos incentivar, estimular, sacudir aqueles negros que já subiram na vida e estão em postos chaves, só que, por medo, ou pelo muito que sofreram para chegar a esse ponto, resolveram se esconder ou lavar as mãos. Em última análise, foi assim que agiram os japoneses, os alemães e todos os demais estrangeiros que vieram para cá.

— Você está colocando o negro brasileiro como um estrangeiro recém-chegado. Hoje, as condições são outras do que a dos tempos da imigração.

— Talvez esteja aí o x do nosso problema. Antes de ser negros, somos todos brasileiros e poucos de nós têm a consciência de que é uma raça, de que é negro. O japonês se sente japonês e tem ministro japonês. O alemão idem e tem até alemão na presidência do Banco do Brasil. E tem até italiano na presidência do Clube Tietê de São Paulo proibindo negros de lá permanecerem. Somos brasileiros, somos negros e por isso uma casta diferente de brasileiros.

Lembra aquelas castas da Índia. Ou não? Se fôssemos simplesmente estrangeiros, teríamos capital de fora ou know-how para nos ajudar. Sem estrutura econômica não podemos fazer nada. Se formos fazer alguma coisa seremos, logo logo, considerados racistas.

Todo mundo vê, no rádio ou na televisão, programas de portugueses, de japoneses, de húngaros... Mas vê algum programa que fale do negro? Da cultura negra? Estou sabendo que brevemente vão levar ao ar um conjunto de danças africano. E sabe por quê? Porque o Pais está balançando na sua aliança euro-brasileira e de jeito nenhum quer se indispor com a África. É tudo uma questão de negócios!

— Quer dizer que o movimento do qual vote faz parte vai contestar o sistema?

— Há uma vontade africana de se processar a diáspora negra. Mas isso acabaria fazendo com que nos tornássemos uma raça maldita. Nós, negros brasileiros, não queremos contestar o sistema, mas apenas participar dele. Somos brasileiros e não temos ódio no coração. Um dia, quem sabe, conseguida a integração, talvez possamos até contestar. Mas contestar como o branco contesta. A Jane Fonda, branca, contesta. Se bem que os negros americanos não contestam o sistema. Contestavam — e alguns ainda contestam — a situação em que viviam dentro do sistema.

— Acha que o problema racial americano é parecido com o brasileiro?

— Há poucas semelhanças e muitas diferenças. Isso porque o brasileiro é, como já dizia Coelho Neto, oriundo de três raças: o negro, o índio e o português. E são três raças tristes. Aí começa a grande diferença. Quando estive em Londres eu tentei tirar uma fotografia ao lado de uma negra inglesa. Ela não quis nem papo comigo. Se ela soubesse que eu era brasileiro e não africano querendo se introduzir lá — ela teria topado. Isso porque o negro londrino não quer saber de mais negro por lá, pois já está participando do sistema e participando sem chocar. Aqui é diferente. Dia desses, me disse um amigo, que só acredita em branco brasileiro depois de ver a fotografia dos quatro avós.

— Você falou de Londres, mas não de Nova Iorque ou Washington.

— É porque nunca estive nos Estados Unidos, embora já tenha estudado o problema do negro de lá. Tive duas oportunidades para ir. A primeira foi a convite do Walt Disney que queria botar a minha voz no papagaio Zé Carioca. Fiquei com medo de não fazer carreira lá e perder a que estava começando a fazer aqui. A segunda foi em 1940, a convite de Carmen Miranda. Ela insistiu. E o convite era tentador.

Só não fui por causa do Joaquim Rolla, o todo-poderoso dono do Cassino da Urca e que me manteve, durante sete anos, preso a um contrato que me obrigava, onde quer que eu fosse me apresentar, a enviar 50% de tudo que ganhasse a ele. Foi um jogo terrível. Costumo dizer que, nos tempos dos cassinos, os artistas já eram livres, mas continuam trabalhando no Cassino da Urca. As coisas hoje continuam mais ou menos assim. O Cassino da Urca virou rede de televisão.

— Na verdade, quando ó que você se deu conta dos efeitos nefastos dos preconceitos?

— Levei muito “negro fedido” pela cara durante a vida. Mas quem me xingava, no dia seguinte jogava futebol comigo. Feliz ou infelizmente, meu caso é sui-generis. Tive mãe-branca, quando no meu tempo o que se usava era ter mãe-preta. Não tenho muito certeza se Maria Abadia de Souza e Francisco Bernardes Prata são os nomes que cruzando me trouxeram à luz.

Nós eramos agregados à família dos Prata, lá em Uberabinha, hoje Uberlândia. Minha mãe era cozinheira famosa por trabalhar sempre com uma cachacinha ao lado do fogão. Mas eu nasci, e ela sem leite, fui mamar na patroa que também tinha tido criança. De cara, quebrei a tradição.

Mais tarde, já aqui em São Paulo, dado de papel passado para uma família que fazia teatro pelo Brasil, fui parar no Juizado de Menores e de lá, após algumas fugas, adotado pela família do dr. Antonio de Queiroz, político influente e que, na verdade, se tornou a minha família. D. Eugenia de Queiroz tinha ido ao Abrigo de Menores para buscar uma menina para ajudar na cozinha. O administrador lhe sugeriu que levasse o negrinho fujão que sabia declamar, dançar, fazer graças. Tive, com os Queiroz, tudo do bom e do melhor. Só que, entre outras manias, tinha a de fugir de casa.

— Quais eram as outras manias?

Uma delas era gostar do que estava em moda. Na moda do iô-iô eu só queria saber de iô-iô. Na moda do pastel vendido e fritado nas ruas, coisas que os japoneses inventaram, eu só queria pastel e - principalmente - o martelo de vinho. Como tudo que é moda custa dinheiro, eu não titubiei em ir vendendo, cada dia um pouco, os volumes da vastíssima biblioteca do meu padrinho. Quando bebia uma Clóvis Bevilacqua fui descoberto. Meu padrinho foi sebo por sebo, readquiriu todos os volumes e ainda ameaçou os donos dos sebos de processo.

Nessa época, porém, eu já estava vidrado em cachaça com groselha. Mais na cachaça... Quando ele me me encontrou bebendo e embebedado na rua, entre uma e outra fuca que eu empreendia para observar o pessoal de circo ou teatro, ameaçou-me de mandar de volta ao Juizado. Ou então que eu me virasse e arranjasse um tutor de teatro. Eu já estava com 17 anos e sonhava com o Rio de Janeiro. E, engraçado, mesmo sem ter consciência do problema racial, já havia integrado uma companhia de negros. E esse é justamente um dos meus planos atuais.

— Sempre se tem notícia do surgimento de companhias teatrais de negros, mas poucas conseguem alguma projeção.

— Se a idéia deu certo em 1926 por que não daria certo agora? Na Companhia Negra de Revistas, do Oduvaldo Vianna, pai, da qual participei, todos os atores eram negros. Na de Vianna, tínhamos um grande maestro negro — o Pixinguinha. Nos apresentamos pelo Brasil inteiro. Numa dessas apresentações fomos assistidos pelo Mário de Andrade que estava coletando informações sobre cultura negra.

Não posso afirmar com segurança, mas tenho quase certeza que ele botou muito reparo no negrinho que dançava, e cantava em vários idiomas. Acho que, de certa forma, o influenciou na criação de Macunaíma que, aliás, foi um papel que fiz no cinema e me deu um grande prestígio.

A segunda companhia Negra em que trabalhei foi bem mais tarde, em 1939, e pertencia a um negro chamado De Chocolat. Em francês porque ele tinha vivido na França, mas gostava mesmo era de cachaça. Montamos uma peça chamada “Algemas Quebradas”, que deu muito dinheiro. Só que ele gastou tudinho pagando champanha para brancas, sonhando em entrar nas altas rodas. Isso, aliás, se vê até hoje: com dinheiro e sucesso o negro tende a esquecer a raça...

— E para se afirmar procuram brancas.

— Nesse campo precisamos tomar um pouco de cuidado porque em amor não deve entrar preconceitos. Mas quero falar de uma outra companhia de negros, a do Abdias do Nascimento com o seu teatro Experimental do Negro. Lá pelos anos de 1944 ou 45, Abdias começou o seu movimento do qual, infelizmente, não tomei parte ativa — estava preso por contrato à Urca — mas que nunca deixei de prestigiar como podia: ou pagando um sanduichinho para o elenco ou acompanhando o grupo nas suas andanças para conseguir prestígio com as elites estrangeiras.

— Quando surgiu o nome Grande Otelo e a irrefreável tentação pelas loiras?

— Não foi por causa do Otelo negro do Shakeaspeare. Na minha estréia no Rio, em 1935, na peça Goal, levada no teatro João Caetano, o nome foi inventado por Jardel Jercolis, um homem a quem eu devo minha carreira e que foi um pai para mim. Acontece que, na época, estavam passando uma fita chamada The Great Gabbo. Era a história de um ventríloquo que tinha um boneco chamado o Grande Gabbo. O boneco usava casaca e cantava em inglês. E foi daí que o Jardel teve a idéia. Só que ninguém reparou em mim.

Só vim a ser percebido na última peça da temporada, da qual participavam Oscarito, Pablo Palitos e Pepito Romeu, três grandes cômicos. No sketch de Oscarito tinham que entrar quatro meninas. Como só arranjaram três — não havia grana para pagar a quarta — me jogaram no palco. O público me aplaudiu delirantemente e eu me esbaldei. Mas Jardel chamou minha atenção: fui repreendido em tabela por ter roubado a cena do Oscarito que, homem educado, não teve nenhuma reação contra mim. Agi errado e merecia punição. E aprendi uma coisa que não existe mais hoje em dia, mas que eu faço questão de manter: respeito à hierarquia.

Quanto às loiras em minha vida, devo dizer que não me casei com nenhuma. Meu relacionamento com elas não foi simples questão de compensação ditada pelo contraste. A minha, digamos, “afirmação”, deu-se ao contrário. Resolvi me casar com mulheres da minha raça porque achei que esse deveria ser meu caminho natural. Infelizmente, aconteceu a tragédia.

— O que levou a sua primeira mulher ao suicídio?

— Até hoje ninguém sabe exatamente a razão. Dizem que ela se matou a tiros e também ao nosso filho por ter vergonha.. Dizem que foi por causa dos meus ciúmes..., (soluços) E dizem... Eu gostava de beber E uma coisa puxava a outra. A minha, primeira mulher era inteligente, mas não tinha cultura. Era incapaz de manter um diálogo, pois sempre fora doméstica.

A segunda, também da minha raça, era a mesma coisa. Apesar de, como eu ter sido adotada por uma família rica, não teve oportunidade de receber educação. Era apenas cria da casa enquanto que eu, com os Queiroz, estudei no Colégio Modelo Caetano de Campos e no Liceu Coração de Jesus dos padres salesianos, onde pude cursar até o terceiro ano ginasial.

O padrinho queria que eu fosse advogado. Mas eu era fujão. Acabei me desquitando da segunda mulher logo que o mais novo dos nossos quatro filhos completou 18 anos. Deixei tudo o que tinha para ela. Agora, quase sexagenário, comecei vida nova com Josephine, também de minha raça e ligada ao teatro, onde a conheci. É formada em Biologia. Mas o mais importante é que nos compreendemos e por isso, nos amamos.

Mesmo assim as três loiras que tive em minha vida foram coisas do destino. A primeira era húngara, a segunda francesa e a última apenas uma comerciante que queria resolver seus problemas econômicos comigo. A francesa gostou realmente de mim. Apiedou-se com a tragédia da minha primeira mulher e, até recentemente, me escrevia cartas carinhosas. De amiga para amigo.

— Quantas vezes você teve sua entrada barrada pelo fato de ser negro?

— Barrado eu só fui uma vez, no Copa. Nem me incomodei. Mas estrilei quando, há uns cinco anos, barraram um dos meus filhos. Quando era bem novo e estava me apresentando em Pelotas, no Rio Grande do Sul, com a companhia de Jardel Jercolis, fui proibido de comer no restaurante. Comi muito bem, pois não tinha consciência de nada e me bastava comer. Outra vez fui preso na praça Tiradentes e um investigador invocou comigo porque pensou que eu fosse homossexual. Preto, pobre e bicha — disse ele. Só os dois primeiros, respondi.

Quero assinalar que, na minha profissão, onde só vence quem é realmente bom, tive de lutar mil vezes mais do que um branco. O negro, para conseguir qualquer lugar no palco desta vida, tem que agir assim. O mais importante, acho, é viver em negrito. E atento. Precisei mais de meio século para conseguir uma tribuna, enquanto há quem consiga apenas por indicação. Imagine como vou usá-la...

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

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