Lira Paulistana: um teatro diferente para uma música diferente que brotava em São Paulo


Casa de espetáculos em porão na Rua Teodoro Sampaio abrigou Vanguarda Paulistana e outros artistas de 1979 a 1986

Por Acervo Estadão

O sucesso de um teatro alternativo que recebia artistas alternativos no bairro de Pinheiros, em São Paulo, foi o destaque numa página inteira do caderno de Programas e Leituras do Jornal da Tarde em 10 de julho de 1982.

Naquele sábado a repórter Maria Amélia Rocha Lopes contou aos leitores o que acontecia por lá e quem se apresentava no local, entre eles um futuro Titãs.

Paulo Miklos é um músico que já mostrou três propostas diferentes no palco do Lira (e ainda integra a Banda Performática). — Pode-se gostar ou não, diz o Gordo, mas ninguém pode negar que ele está à procura de um caminho. [Leia a íntegra:]

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Jornal da Tarde - 10 de julho de 1982

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Teatro Lira Paulistana. Aqui, está surgindo a nova música de São Paulo.

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E esta música, que está à procura de novos caminhos, já rompeu as fronteiras de São Paulo. Por Maria Amélia Rocha Lopes

É muito pouco provável que alguém, passando de ônibus, carro ou mesmo a pé, repare que na rua Teodoro Sampaio, em frente à praça Benedito Calixto no bairro de Pinheiros, existe um teatro. Qualquer outro da cidade tem letreiros grandes e vistosos, uma porta de entrada larga e outros detalhes que o identificam como uma casa dedicada às artes.

Mas foi ali, atrás daquela fachada pouco convencional, de paredes pintadas de cor escura e descendo as dezenas de degraus que desembocam em três arquibancadas e um pequeno palco, que se firmou o que vem sendo chamado de a nova música de São Paulo.

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Naquele porão — que ganhou o simpático nome de Lira Paulistana — não se pode dizer que tenha surgido esta nova música, mas, sem dúvida, foi o palco que serviu de trampolim para os saltos maiores de artistas e músicos como o Premeditando o Breque, Itamar Assumpção e Banda Isca de Polícia e Grupo Rumo.

E isso para citar apenas os que nos últimos tempos têm aparecido tanto nas páginas de arte dos jornais, quanto em cartas dos leitores reclamando da confusão à porta de seus shows — invariavelmente, os espaços onde se têm apresentado têm sido menores do que a afluência do público.

Há quem, como o músico Eduardo Gudin, 16 anos de carreira, considere o Lira Paulistana, “o Jogral dos anos 80″, ou, como o escritor e poeta Augusto de Campos, o veja como um novo Teatro de Arena, no que este espaço significou para a vida cultural da cidade há pouco mais de uma década.

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Desde a inauguração em outubro de 1979 até um mês atrás, quando foram levantados estes dados, o Lira realizou 1.335 apresentações de 294 atrações diferentes; 16 grupos de teatro apresentaram 367 espetáculos adultos, juvenis e infantis; 63 grupos de música instrumental fizeram 341 apresentações; dois grupos de dança subiram ao palco oito vezes; 105 cantores-compositores acompanhados de seus grupos mostraram seu trabalho em 614 shows, 43 destes lançaram seus discos, sendo dois gravados ao vivo lá mesmo — os de Cida Moreira e Araci de Almeida.

Estas atividades estenderam-se ainda para a projeção de filmes e exposições de artistas plásticos. O Lira é um local para 200 pessoas e teve um público, até maio último, de 141.700 espectadores. Poderia argumentar-se então que é apenas um espaço pequeno e bem localizado, o que justificaria a constante presença de público.

O que o diferencia e o torna especial é que se caracterizou como um local onde aparecem as coisas novas desta cidade, especialmente no que se refere à música. Luis Tatit, um dos integrantes do Grupo Rumo e professor de música, faz uma observação a partir da visão dos seus alunos, de adolescentes até os com 20 e poucos anos:

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— Eles procuram o Lira seja qual for a atividade lá dentro, porque acham que sempre encontrarão algo criativo, e voltam para outras atrações, mesmo que não tenham gostado da anterior. Desenvolveu-se entre estas pessoas um conceito de que lá estarão vendo o que não seria apresentado em outros lugares. É uma espécie de salinha especial, eu tenho a impressão.

O nascimento, um acaso

E ela começou a existir quase por obra do acaso quando um engenheiro, Wilson Souto Jr., nome que ele mesmo estranha ouvir já que é conhecido como Gordo, e um ex-administrador de empresas de nome Waldir, saíram pelo bairro à procura de um terreno grande que pudesse servir de estacionamento durante o dia e, talvez, um circo à noite.

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Mas, como uma empresa especializada em estacionamentos em São Paulo já mobilizara grande parte dos terrenos do bairro tirando o alvará na prefeitura que lhe dava prioridade neste tipo de negócio, Gordo e Waldir acabaram por agarrar-se à idéia que corria paralela, ou seja, abrir um teatro.

O Gordo, ex-percussionista ao grupo Macuco, músico da noite e integrante da banda que tocava na peça Gota D’Agua, de Chico Buarque, era um dos tantos músicos na faixa dos 30 anos, reclamando da “falta de teatros onde pudesse multiplicar trabalhos; espaços voltados não só para a música, mas para todas as tentativas de novas propostas estéticas”.

Aí surge um dado interessante, na importância que o Lira passou a ter, pois como o Gordo, boa parte dos músicos do Rumo, do Premeditando o Breque ou mesmo Itamar Assumpção, estavam na mesma faixa de idade e diante do mesmo impasse: existiam dezenas de teatros na cidade, mas quem arriscaria bancar sua própria produção, arcando com todos os custos, quando ainda não eram conhecidos e portanto sem a certeza da presença do público?

Ninguém, nem o Gordo e tampouco estes outros músicos, encaram o Lira como o responsável pelo surgimento desta nova música de São Paulo. O que aconteceu, dizem eles, é que o teatro acabou funcionando como agente catalisador do processo de aparecimento desta música emergente. A primeira apresentação do Rumo foi em 1972.

O Premeditando o Breque (vulgo Premê), começou em 1976 e marcou presença no Festival Universitário da TV Cultura, onde o vencedor foi Arrigo Barnabé; e Itamar Assumpção, além de fazer os arranjos de base com Paulo Barnabé, das músicas de Arrigo, já vinha amadurecendo seu trabalho paralelamente à Banda Sabor de Veneno, desde meados dos anos 70. Tudo isto pairava no ar, circulava pela Escola de Comunicações e Artes da USP, pelos circuitos universitários.

Na verdade, as circunstâncias eram mais que favoráveis para o êxito de um espaço como o Lira: havia uma música nova carecendo de um local semelhante e querendo centralizar as novas propostas estéticas da cidade. O segundo semestre de 78 e boa parte de 79 foram gastos no trabalho de reformar o ex-depósito de uma loja de ferragens na rua Teodoro Sampaio, 1091-A, para dar lugar a um palco, camarins e arquibancadas.

O investimento foi feito com o dinheiro do Fundo de Garantia de Waldir, o administrador de empresas (que ficou no projeto durante seis meses) e com o cachê pago pela Rede Globo para o Gordo funcionar como coordenador dos trabalhos de prévia eleitoral na região de Sorocaba, durante as eleições de 1978.

Hoje o Lira é comandado pelo Gordo, pelo engenheiro químico e técnico em computação Plínio Chaves, pelo artista gráfico Ribamar de Castro, pelo iluminador Chico Pardal e pelo jornalista Fernando Alexandre. E é, além do teatro, uma gravadora e uma editora. Segundo a maioria, seus projetos que podem ser considerados idealistas só caminham por uma razão muito simples: eles têm o excelente patrocínio de suas pacientes e bem-empregadas esposas.

O Bixiga

Pelo crescimento que o Lira teve nestes dois anos, fica claro não se tratar de atividade que dê prejuízo. Então, por que outros espaços semelhantes não proliferam pela cidade? Quando se pergunta a um músico que outras salas com as características do Lira ele conhece em São Paulo, quase todos acabam por falar no Teatro do Bixiga, porém como uma coisa “aproximada”, não Igual.

Dieter Voegeli e Eliane Raduan, os arrendatários do Bixiga (ele pertence à atriz Arlete Vitória Ziolkowski), estão à frente daquele teatro desde o começo de 1980, quando Dieter foi para lá para organizar o Projeto Acorde, desenvolvido durante sete meses daquele ano, com dezenas de músicos novos. O Bixiga já existe há quatro anos e pretendia ser um espaço exclusivo para peças infantis, mas o pouco público fez a proprietária traçar novos rumos para a sua casa. Vieram as peças adultas e finalmente os shows musicais.

O Lira também começou com uma peça — É Fogo Paulista, em outubro de 79 —, mas acabou marcado como um centro ligado à música. O Bixiga, com os mesmos 200 lugares que o Lira, e mesmo tendo abrigado em pequenas temporadas os músicos que hoje têm seu nome ligado ao Lira, continuou sendo conhecido como uma sala para peças teatrais, antes de mais nada. Para Dieter, o ideal seria chegar no ponto em que está o Lira:

— Nosso público é muito variado. Não é como o Lira que tem uma freqüência especifica. O Bixiga fica na Rui Barbosa, uma rua de muito movimento mas também dos tipos mais variados de pessoas. Nossa filosofia é abrir o teatro para todas as artes, sem fazer temporadas extensas de uma coisa só — preferimos fazer circular o público.

Para este segundo semestre, o Bixiga tem uma programação preparada com vídeo, dança, música e cinema, entre outras atividades, mostrando cerca de 28 grupos novos. Neste momento, o que vem à lembrança é um comentário de Luiz Tatit, que de certa maneira é corroborado por outros artistas que tiveram contato profissional com os proprietários do Lira: é uma questão de filosofia, de novas relações de trabalho entre o dono do espaço e o criador.

— O contrato principal é entre eles e o artista. Tudo é dividido meio a meio, coisa que raramente acontece. Por mais que a produção seja deles, mesmo em termos financeiros, o resultado sempre é repartido. As propostas nunca lesam o artista e acho que esta é a grande renovação, inclusive em termos mercadológicos. Eles tentam fazer com que o artista tenha conhecimento de todo o processo de realização da obra de modo que ele jamais será enganado outra vez, ou pela primeira vez que seja, por uma gravadora ou pela distribuição.

Ninguém cita o Lira e seus proprietários como bons samaritanos que nada exigem em troca do serviço prestado à cultura. Nada disso. No caso de uma atividade ser um absoluto fracasso, apenas não há a exigência comum da porcentagem sobre a bilheteria mais o fixo. Sempre é possível fazer-se um arranjo. Numa conversa particular com Tatit, o Gordo confessou que a atividade é lucrativa.

— Ele me disse “eu não estou perdendo nada. Apenas não estou lesando outros também”. E por isto que eu digo que é uma criação no aspecto mercadológico da coisa; é uma novidade mesmo.

Paulo Miklos

A bem da verdade, o que segura tudo isto é uma questão pura e simples de filosofia de trabalho, de ter alguns parâmetros específicos que norteiam os caminhos a serem seguidos. No começo do teatro, havia um critério até meio rigoroso com quem se apresentaria lá, mas, com o passar do tempo, foi interessando muito menos a seleção e mais a proposta de continuidade destes trabalhos. Um exemplo: Paulo Miklos é um músico que já mostrou três propostas diferentes no palco do Lira (e ainda integra a Banda Performática).

— Pode-se gostar ou não, diz o Gordo, mas ninguém pode negar que ele está à procura de um caminho. O que não estamos querendo é incorrer naquele tipo de picaretagem, onde o sujeito monta uma banda durante 15 dias, vem para o teatro, fatura e encerra atividades. Eu acho que estamos vivendo a fase da música-projeto, que pode até desembocar em algo que você pode não concordar esteticamente, mas que abriga uma proposta de continuidade.

Para ele e seus companheiros, o Brasil é um país fundamentalmente velho, com estruturas extremamente impermeáveis e camadas quase impossíveis de serem vencidas

— As veias destas camadas são absolutamente esclerosadas. Então o que nos interessa agora é tentar romper esta esclerose de forma que o sangue possa correr e a troca de idéias se torne mais intensa em todos os níveis, até no estético. Não nos interessa uma estética padronizada — que poderia ser a da vanguarda — mas a ideologia da renovação constante, do fluxo de sangue nas coisas.

O fascínio que existe entre os e novos músicos e o Lira e vice-versa poderia ser algo gerado pelos resultados positivos de alguns trabalhos conjuntos. Mas, numa manhã da semana passada, o instrumentista e compositor Eduardo Gudin chegava ao pequeno escritório do Lira, próximo ao teatro, apenas para uma conversa. A presença de um músico com mais de 15 anos de carreira, com passagens por várias gravadoras grandes, surpreende um pouco. Depois ele esclareceria que encontrou naquelas pessoas ressonância para umas idéias que há muito tempo vem alimentando.

— Eu sempre achei que se estava vinculando o processo do disco independente com o processo estético, quando para mim o disco independente é uma relação de trabalho e não pode ser outra coisa, exatamente porque cai numa atitude quase fascista: ele só tem valor se trouxer uma novidade, se for vanguarda.

Se as gravadoras grandes não querem mais Emilinha Borba e Isaurinha Garcia, elas têm e o direito de gravar independente e na hora que quiserem. Aliás, é melhor ir pelo avesso: quem é que tem o direito de dizer que não pode? O Gordo acha que a relação mais importante é a ideologia da produção do disco e não a parte estética em si.

Para Gudin está surgindo o “diretor artístico hipotético, que não tem cara”, que está dirigindo a estética do independente e que assim acaba por colocar tudo no mesmo nível da relação entre o artista e as grandes gravadoras. O Lira está numa fase que antecede o grande crescimento e este momento, segundo Gudin, exige muito cuidado.

Há o projeto da construção de um teatro novo; um núcleo de rádio dirigido por Geraldo Leite do Grupo Rumo com um programa de várias horas praticamente acertado para ser colocado numa emissora de FM paulista; conseguiu-se o patrocínio da indústria de jeans Berta, para promover excursões do Rumo e do Premê por todo o interior do Estado e Rio de Janeiro no segundo semestre; e a distribuição dos discos produzidos pelo Lira ou simplesmente colocados à venda no teatro deverá abranger o Pais inteiro, por meio de grandes cadeias de lojas. Deixou de ser uma idéia marginal.

— As grandes gravadoras começaram a preocupar-se, confirma Gudin, mas eu não acredito em boicote. Acredito mais na tentativa de assimilação deste processo — o sistema agiu assim com a contra-cultura e tudo o mais. E preciso ter cuidado e eu acho que o Lira está tendo.

Rompendo as fronteiras

O Lira e a nova música paulista já ultrapassaram as fronteiras de São Paulo. Diariamente chegam-à sede do teatro dezenas e dezenas de cartas dos pontos mais variados do Pais, querendo saber o que é o Lira e, no caso de músicos novos, qual a maneira de virem apresentar-se por aqui — do Rio veio o grupo Totocando; do Rio Grande do Sul, o Cheiro de Vida, de São Luiz do Paraitinga, o Paranga; entre outros.

E isto, de certa forma, mostra que há expectativa por nova música e por novas relações de trabalho nesta área. E aí que a maioria das opiniões convergem: há muita gente, em muitos locais, querendo fugir da massificação imposta pela televisão e mesmo pelas cadeias de emissoras FM que mostram a mesma programação, tanto aqui quanto em Brasília, Recife ou Salvador.

Um exemplo prático: a Rádio Fluminense de Niterói saltou do penúltimo para o terceiro lugar em audiência, quando começou a programar os artistas deste mercado alternativo. A festa de aniversário da rádio terá o Premê, o Rumo e Itamar Assumpção.

O Lira ficou sendo conhecido, também, como o local onde se encontram os discos independentes. Há cerca de 40 títulos diferentes à venda e, diariamente, são despachados por mala direta, conforme os pedidos, cerca de 30 discos para os mais diversos pontos do País. Produzidos pelo Lira estão apenas o primeiro disco de Itamar Assumpção (o selo foi criado em função de ele ter um trabalho pronto); o compacto do Premê, Lencinho ou O Destino Assim o Quis (classificado no MPB-Shell); e Cabelos de Sansão, de Tiago Araripe.

E este último trabalho já tem uma história especial: foi cortado em Nova York, no estúdio onde Roberto Carlos corta os seus discos.

— Nossa velocidade de produção nesta área é lenta, conta o Gordo. E o disco é uma coisa cara, em torno do milhão e meio. Esta questão do corte do disco em Nova York para nós tem um outro significado: trabalhamos num mercado duro, onde o disco é entendido como produto e, neste nível, temos de competir com algo que seja de igual qualidade técnica, embora para nós o disco seja projeto, algo como um livro.

A empresa

Quando se questiona se o Lira é uma empresa organizada, a resposta é “desorganizadamente organizada”. Para Luís Tatit, é organizada e eficientemente organizada.

— Acho que a ojeriza é mais conceitual, talvez para não passar uma imagem de rígidos, do paulista rígido e aquelas coisas. Mas, no fundo, funcionam que é uma beleza. Eles estão pretendendo dar um salto e não é um salto pouco ambicioso. O Gordo às vezes me diz: “Eu estou querendo ficar rico”. Só que ele optou pelo caminho mais honesto possível. Eu acho que outros centros semelhantes não proliferaram porque têm de ter um traço qualitativo. Em geral, as pessoas com sensibilidade mais desenvolvida, ou à flor da pele, vão ser artistas e não ligar para o mercado. Do ponto de vista mais humano, acho que é isto que ocorre.

Como relembra Eduardo Gudin, está havendo uma crise e a oferta de artistas é muito maior que a procura.

— A maioria das gravadoras grandes já perdeu até o respeito humano. A arte já é tratada como mercadoria e as pessoas também. As vezes você recebe uma proposta de uma gravadora e alguma coisa muda lá dentro, então você passa três meses para descobrir que a proposta que recebeu já não vale mais nada. Eu acho que o maior problema tem sido a falta de educação.

Para o pessoal do Lira, o Rumo é a grande reportagem de tudo o que está acontecendo. O ideal, dizem eles, seria simplesmente reproduzir a letra de Bem Baixinho, de Luiz Tatit:

Gosto dela meio velha assim mesmo

Ainda ontem eu comentei com meu amigo

Ela é meio velha mas é tão bonita!

E ele disse: Puxai é mesmo!

Ela é assim meio velha mas é tão bonita!

E é uma beleza espontânea, natural

Não tem medo de dizer

Que está amando outra vez

E não diz de qualquer jeito não

Num momento que você está atento

Ela cochicha baixinho e tão pertinho

Que só pode ser você dessa vez e essa nação é assim com todo mundo

Grandalhona, meio velha, mas uma musa e tanto

E quando você menos espera ela diz:

Estou livre outra vez!

Grupo Rumo

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Premeditando o Breque

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Itamar Assumpção

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

O sucesso de um teatro alternativo que recebia artistas alternativos no bairro de Pinheiros, em São Paulo, foi o destaque numa página inteira do caderno de Programas e Leituras do Jornal da Tarde em 10 de julho de 1982.

Naquele sábado a repórter Maria Amélia Rocha Lopes contou aos leitores o que acontecia por lá e quem se apresentava no local, entre eles um futuro Titãs.

Paulo Miklos é um músico que já mostrou três propostas diferentes no palco do Lira (e ainda integra a Banda Performática). — Pode-se gostar ou não, diz o Gordo, mas ninguém pode negar que ele está à procura de um caminho. [Leia a íntegra:]

Jornal da Tarde - 10 de julho de 1982

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Teatro Lira Paulistana. Aqui, está surgindo a nova música de São Paulo.

E esta música, que está à procura de novos caminhos, já rompeu as fronteiras de São Paulo. Por Maria Amélia Rocha Lopes

É muito pouco provável que alguém, passando de ônibus, carro ou mesmo a pé, repare que na rua Teodoro Sampaio, em frente à praça Benedito Calixto no bairro de Pinheiros, existe um teatro. Qualquer outro da cidade tem letreiros grandes e vistosos, uma porta de entrada larga e outros detalhes que o identificam como uma casa dedicada às artes.

Mas foi ali, atrás daquela fachada pouco convencional, de paredes pintadas de cor escura e descendo as dezenas de degraus que desembocam em três arquibancadas e um pequeno palco, que se firmou o que vem sendo chamado de a nova música de São Paulo.

Naquele porão — que ganhou o simpático nome de Lira Paulistana — não se pode dizer que tenha surgido esta nova música, mas, sem dúvida, foi o palco que serviu de trampolim para os saltos maiores de artistas e músicos como o Premeditando o Breque, Itamar Assumpção e Banda Isca de Polícia e Grupo Rumo.

E isso para citar apenas os que nos últimos tempos têm aparecido tanto nas páginas de arte dos jornais, quanto em cartas dos leitores reclamando da confusão à porta de seus shows — invariavelmente, os espaços onde se têm apresentado têm sido menores do que a afluência do público.

Há quem, como o músico Eduardo Gudin, 16 anos de carreira, considere o Lira Paulistana, “o Jogral dos anos 80″, ou, como o escritor e poeta Augusto de Campos, o veja como um novo Teatro de Arena, no que este espaço significou para a vida cultural da cidade há pouco mais de uma década.

Desde a inauguração em outubro de 1979 até um mês atrás, quando foram levantados estes dados, o Lira realizou 1.335 apresentações de 294 atrações diferentes; 16 grupos de teatro apresentaram 367 espetáculos adultos, juvenis e infantis; 63 grupos de música instrumental fizeram 341 apresentações; dois grupos de dança subiram ao palco oito vezes; 105 cantores-compositores acompanhados de seus grupos mostraram seu trabalho em 614 shows, 43 destes lançaram seus discos, sendo dois gravados ao vivo lá mesmo — os de Cida Moreira e Araci de Almeida.

Estas atividades estenderam-se ainda para a projeção de filmes e exposições de artistas plásticos. O Lira é um local para 200 pessoas e teve um público, até maio último, de 141.700 espectadores. Poderia argumentar-se então que é apenas um espaço pequeno e bem localizado, o que justificaria a constante presença de público.

O que o diferencia e o torna especial é que se caracterizou como um local onde aparecem as coisas novas desta cidade, especialmente no que se refere à música. Luis Tatit, um dos integrantes do Grupo Rumo e professor de música, faz uma observação a partir da visão dos seus alunos, de adolescentes até os com 20 e poucos anos:

— Eles procuram o Lira seja qual for a atividade lá dentro, porque acham que sempre encontrarão algo criativo, e voltam para outras atrações, mesmo que não tenham gostado da anterior. Desenvolveu-se entre estas pessoas um conceito de que lá estarão vendo o que não seria apresentado em outros lugares. É uma espécie de salinha especial, eu tenho a impressão.

O nascimento, um acaso

E ela começou a existir quase por obra do acaso quando um engenheiro, Wilson Souto Jr., nome que ele mesmo estranha ouvir já que é conhecido como Gordo, e um ex-administrador de empresas de nome Waldir, saíram pelo bairro à procura de um terreno grande que pudesse servir de estacionamento durante o dia e, talvez, um circo à noite.

Mas, como uma empresa especializada em estacionamentos em São Paulo já mobilizara grande parte dos terrenos do bairro tirando o alvará na prefeitura que lhe dava prioridade neste tipo de negócio, Gordo e Waldir acabaram por agarrar-se à idéia que corria paralela, ou seja, abrir um teatro.

O Gordo, ex-percussionista ao grupo Macuco, músico da noite e integrante da banda que tocava na peça Gota D’Agua, de Chico Buarque, era um dos tantos músicos na faixa dos 30 anos, reclamando da “falta de teatros onde pudesse multiplicar trabalhos; espaços voltados não só para a música, mas para todas as tentativas de novas propostas estéticas”.

Aí surge um dado interessante, na importância que o Lira passou a ter, pois como o Gordo, boa parte dos músicos do Rumo, do Premeditando o Breque ou mesmo Itamar Assumpção, estavam na mesma faixa de idade e diante do mesmo impasse: existiam dezenas de teatros na cidade, mas quem arriscaria bancar sua própria produção, arcando com todos os custos, quando ainda não eram conhecidos e portanto sem a certeza da presença do público?

Ninguém, nem o Gordo e tampouco estes outros músicos, encaram o Lira como o responsável pelo surgimento desta nova música de São Paulo. O que aconteceu, dizem eles, é que o teatro acabou funcionando como agente catalisador do processo de aparecimento desta música emergente. A primeira apresentação do Rumo foi em 1972.

O Premeditando o Breque (vulgo Premê), começou em 1976 e marcou presença no Festival Universitário da TV Cultura, onde o vencedor foi Arrigo Barnabé; e Itamar Assumpção, além de fazer os arranjos de base com Paulo Barnabé, das músicas de Arrigo, já vinha amadurecendo seu trabalho paralelamente à Banda Sabor de Veneno, desde meados dos anos 70. Tudo isto pairava no ar, circulava pela Escola de Comunicações e Artes da USP, pelos circuitos universitários.

Na verdade, as circunstâncias eram mais que favoráveis para o êxito de um espaço como o Lira: havia uma música nova carecendo de um local semelhante e querendo centralizar as novas propostas estéticas da cidade. O segundo semestre de 78 e boa parte de 79 foram gastos no trabalho de reformar o ex-depósito de uma loja de ferragens na rua Teodoro Sampaio, 1091-A, para dar lugar a um palco, camarins e arquibancadas.

O investimento foi feito com o dinheiro do Fundo de Garantia de Waldir, o administrador de empresas (que ficou no projeto durante seis meses) e com o cachê pago pela Rede Globo para o Gordo funcionar como coordenador dos trabalhos de prévia eleitoral na região de Sorocaba, durante as eleições de 1978.

Hoje o Lira é comandado pelo Gordo, pelo engenheiro químico e técnico em computação Plínio Chaves, pelo artista gráfico Ribamar de Castro, pelo iluminador Chico Pardal e pelo jornalista Fernando Alexandre. E é, além do teatro, uma gravadora e uma editora. Segundo a maioria, seus projetos que podem ser considerados idealistas só caminham por uma razão muito simples: eles têm o excelente patrocínio de suas pacientes e bem-empregadas esposas.

O Bixiga

Pelo crescimento que o Lira teve nestes dois anos, fica claro não se tratar de atividade que dê prejuízo. Então, por que outros espaços semelhantes não proliferam pela cidade? Quando se pergunta a um músico que outras salas com as características do Lira ele conhece em São Paulo, quase todos acabam por falar no Teatro do Bixiga, porém como uma coisa “aproximada”, não Igual.

Dieter Voegeli e Eliane Raduan, os arrendatários do Bixiga (ele pertence à atriz Arlete Vitória Ziolkowski), estão à frente daquele teatro desde o começo de 1980, quando Dieter foi para lá para organizar o Projeto Acorde, desenvolvido durante sete meses daquele ano, com dezenas de músicos novos. O Bixiga já existe há quatro anos e pretendia ser um espaço exclusivo para peças infantis, mas o pouco público fez a proprietária traçar novos rumos para a sua casa. Vieram as peças adultas e finalmente os shows musicais.

O Lira também começou com uma peça — É Fogo Paulista, em outubro de 79 —, mas acabou marcado como um centro ligado à música. O Bixiga, com os mesmos 200 lugares que o Lira, e mesmo tendo abrigado em pequenas temporadas os músicos que hoje têm seu nome ligado ao Lira, continuou sendo conhecido como uma sala para peças teatrais, antes de mais nada. Para Dieter, o ideal seria chegar no ponto em que está o Lira:

— Nosso público é muito variado. Não é como o Lira que tem uma freqüência especifica. O Bixiga fica na Rui Barbosa, uma rua de muito movimento mas também dos tipos mais variados de pessoas. Nossa filosofia é abrir o teatro para todas as artes, sem fazer temporadas extensas de uma coisa só — preferimos fazer circular o público.

Para este segundo semestre, o Bixiga tem uma programação preparada com vídeo, dança, música e cinema, entre outras atividades, mostrando cerca de 28 grupos novos. Neste momento, o que vem à lembrança é um comentário de Luiz Tatit, que de certa maneira é corroborado por outros artistas que tiveram contato profissional com os proprietários do Lira: é uma questão de filosofia, de novas relações de trabalho entre o dono do espaço e o criador.

— O contrato principal é entre eles e o artista. Tudo é dividido meio a meio, coisa que raramente acontece. Por mais que a produção seja deles, mesmo em termos financeiros, o resultado sempre é repartido. As propostas nunca lesam o artista e acho que esta é a grande renovação, inclusive em termos mercadológicos. Eles tentam fazer com que o artista tenha conhecimento de todo o processo de realização da obra de modo que ele jamais será enganado outra vez, ou pela primeira vez que seja, por uma gravadora ou pela distribuição.

Ninguém cita o Lira e seus proprietários como bons samaritanos que nada exigem em troca do serviço prestado à cultura. Nada disso. No caso de uma atividade ser um absoluto fracasso, apenas não há a exigência comum da porcentagem sobre a bilheteria mais o fixo. Sempre é possível fazer-se um arranjo. Numa conversa particular com Tatit, o Gordo confessou que a atividade é lucrativa.

— Ele me disse “eu não estou perdendo nada. Apenas não estou lesando outros também”. E por isto que eu digo que é uma criação no aspecto mercadológico da coisa; é uma novidade mesmo.

Paulo Miklos

A bem da verdade, o que segura tudo isto é uma questão pura e simples de filosofia de trabalho, de ter alguns parâmetros específicos que norteiam os caminhos a serem seguidos. No começo do teatro, havia um critério até meio rigoroso com quem se apresentaria lá, mas, com o passar do tempo, foi interessando muito menos a seleção e mais a proposta de continuidade destes trabalhos. Um exemplo: Paulo Miklos é um músico que já mostrou três propostas diferentes no palco do Lira (e ainda integra a Banda Performática).

— Pode-se gostar ou não, diz o Gordo, mas ninguém pode negar que ele está à procura de um caminho. O que não estamos querendo é incorrer naquele tipo de picaretagem, onde o sujeito monta uma banda durante 15 dias, vem para o teatro, fatura e encerra atividades. Eu acho que estamos vivendo a fase da música-projeto, que pode até desembocar em algo que você pode não concordar esteticamente, mas que abriga uma proposta de continuidade.

Para ele e seus companheiros, o Brasil é um país fundamentalmente velho, com estruturas extremamente impermeáveis e camadas quase impossíveis de serem vencidas

— As veias destas camadas são absolutamente esclerosadas. Então o que nos interessa agora é tentar romper esta esclerose de forma que o sangue possa correr e a troca de idéias se torne mais intensa em todos os níveis, até no estético. Não nos interessa uma estética padronizada — que poderia ser a da vanguarda — mas a ideologia da renovação constante, do fluxo de sangue nas coisas.

O fascínio que existe entre os e novos músicos e o Lira e vice-versa poderia ser algo gerado pelos resultados positivos de alguns trabalhos conjuntos. Mas, numa manhã da semana passada, o instrumentista e compositor Eduardo Gudin chegava ao pequeno escritório do Lira, próximo ao teatro, apenas para uma conversa. A presença de um músico com mais de 15 anos de carreira, com passagens por várias gravadoras grandes, surpreende um pouco. Depois ele esclareceria que encontrou naquelas pessoas ressonância para umas idéias que há muito tempo vem alimentando.

— Eu sempre achei que se estava vinculando o processo do disco independente com o processo estético, quando para mim o disco independente é uma relação de trabalho e não pode ser outra coisa, exatamente porque cai numa atitude quase fascista: ele só tem valor se trouxer uma novidade, se for vanguarda.

Se as gravadoras grandes não querem mais Emilinha Borba e Isaurinha Garcia, elas têm e o direito de gravar independente e na hora que quiserem. Aliás, é melhor ir pelo avesso: quem é que tem o direito de dizer que não pode? O Gordo acha que a relação mais importante é a ideologia da produção do disco e não a parte estética em si.

Para Gudin está surgindo o “diretor artístico hipotético, que não tem cara”, que está dirigindo a estética do independente e que assim acaba por colocar tudo no mesmo nível da relação entre o artista e as grandes gravadoras. O Lira está numa fase que antecede o grande crescimento e este momento, segundo Gudin, exige muito cuidado.

Há o projeto da construção de um teatro novo; um núcleo de rádio dirigido por Geraldo Leite do Grupo Rumo com um programa de várias horas praticamente acertado para ser colocado numa emissora de FM paulista; conseguiu-se o patrocínio da indústria de jeans Berta, para promover excursões do Rumo e do Premê por todo o interior do Estado e Rio de Janeiro no segundo semestre; e a distribuição dos discos produzidos pelo Lira ou simplesmente colocados à venda no teatro deverá abranger o Pais inteiro, por meio de grandes cadeias de lojas. Deixou de ser uma idéia marginal.

— As grandes gravadoras começaram a preocupar-se, confirma Gudin, mas eu não acredito em boicote. Acredito mais na tentativa de assimilação deste processo — o sistema agiu assim com a contra-cultura e tudo o mais. E preciso ter cuidado e eu acho que o Lira está tendo.

Rompendo as fronteiras

O Lira e a nova música paulista já ultrapassaram as fronteiras de São Paulo. Diariamente chegam-à sede do teatro dezenas e dezenas de cartas dos pontos mais variados do Pais, querendo saber o que é o Lira e, no caso de músicos novos, qual a maneira de virem apresentar-se por aqui — do Rio veio o grupo Totocando; do Rio Grande do Sul, o Cheiro de Vida, de São Luiz do Paraitinga, o Paranga; entre outros.

E isto, de certa forma, mostra que há expectativa por nova música e por novas relações de trabalho nesta área. E aí que a maioria das opiniões convergem: há muita gente, em muitos locais, querendo fugir da massificação imposta pela televisão e mesmo pelas cadeias de emissoras FM que mostram a mesma programação, tanto aqui quanto em Brasília, Recife ou Salvador.

Um exemplo prático: a Rádio Fluminense de Niterói saltou do penúltimo para o terceiro lugar em audiência, quando começou a programar os artistas deste mercado alternativo. A festa de aniversário da rádio terá o Premê, o Rumo e Itamar Assumpção.

O Lira ficou sendo conhecido, também, como o local onde se encontram os discos independentes. Há cerca de 40 títulos diferentes à venda e, diariamente, são despachados por mala direta, conforme os pedidos, cerca de 30 discos para os mais diversos pontos do País. Produzidos pelo Lira estão apenas o primeiro disco de Itamar Assumpção (o selo foi criado em função de ele ter um trabalho pronto); o compacto do Premê, Lencinho ou O Destino Assim o Quis (classificado no MPB-Shell); e Cabelos de Sansão, de Tiago Araripe.

E este último trabalho já tem uma história especial: foi cortado em Nova York, no estúdio onde Roberto Carlos corta os seus discos.

— Nossa velocidade de produção nesta área é lenta, conta o Gordo. E o disco é uma coisa cara, em torno do milhão e meio. Esta questão do corte do disco em Nova York para nós tem um outro significado: trabalhamos num mercado duro, onde o disco é entendido como produto e, neste nível, temos de competir com algo que seja de igual qualidade técnica, embora para nós o disco seja projeto, algo como um livro.

A empresa

Quando se questiona se o Lira é uma empresa organizada, a resposta é “desorganizadamente organizada”. Para Luís Tatit, é organizada e eficientemente organizada.

— Acho que a ojeriza é mais conceitual, talvez para não passar uma imagem de rígidos, do paulista rígido e aquelas coisas. Mas, no fundo, funcionam que é uma beleza. Eles estão pretendendo dar um salto e não é um salto pouco ambicioso. O Gordo às vezes me diz: “Eu estou querendo ficar rico”. Só que ele optou pelo caminho mais honesto possível. Eu acho que outros centros semelhantes não proliferaram porque têm de ter um traço qualitativo. Em geral, as pessoas com sensibilidade mais desenvolvida, ou à flor da pele, vão ser artistas e não ligar para o mercado. Do ponto de vista mais humano, acho que é isto que ocorre.

Como relembra Eduardo Gudin, está havendo uma crise e a oferta de artistas é muito maior que a procura.

— A maioria das gravadoras grandes já perdeu até o respeito humano. A arte já é tratada como mercadoria e as pessoas também. As vezes você recebe uma proposta de uma gravadora e alguma coisa muda lá dentro, então você passa três meses para descobrir que a proposta que recebeu já não vale mais nada. Eu acho que o maior problema tem sido a falta de educação.

Para o pessoal do Lira, o Rumo é a grande reportagem de tudo o que está acontecendo. O ideal, dizem eles, seria simplesmente reproduzir a letra de Bem Baixinho, de Luiz Tatit:

Gosto dela meio velha assim mesmo

Ainda ontem eu comentei com meu amigo

Ela é meio velha mas é tão bonita!

E ele disse: Puxai é mesmo!

Ela é assim meio velha mas é tão bonita!

E é uma beleza espontânea, natural

Não tem medo de dizer

Que está amando outra vez

E não diz de qualquer jeito não

Num momento que você está atento

Ela cochicha baixinho e tão pertinho

Que só pode ser você dessa vez e essa nação é assim com todo mundo

Grandalhona, meio velha, mas uma musa e tanto

E quando você menos espera ela diz:

Estou livre outra vez!

Grupo Rumo

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Premeditando o Breque

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Itamar Assumpção

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

O sucesso de um teatro alternativo que recebia artistas alternativos no bairro de Pinheiros, em São Paulo, foi o destaque numa página inteira do caderno de Programas e Leituras do Jornal da Tarde em 10 de julho de 1982.

Naquele sábado a repórter Maria Amélia Rocha Lopes contou aos leitores o que acontecia por lá e quem se apresentava no local, entre eles um futuro Titãs.

Paulo Miklos é um músico que já mostrou três propostas diferentes no palco do Lira (e ainda integra a Banda Performática). — Pode-se gostar ou não, diz o Gordo, mas ninguém pode negar que ele está à procura de um caminho. [Leia a íntegra:]

Jornal da Tarde - 10 de julho de 1982

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Teatro Lira Paulistana. Aqui, está surgindo a nova música de São Paulo.

E esta música, que está à procura de novos caminhos, já rompeu as fronteiras de São Paulo. Por Maria Amélia Rocha Lopes

É muito pouco provável que alguém, passando de ônibus, carro ou mesmo a pé, repare que na rua Teodoro Sampaio, em frente à praça Benedito Calixto no bairro de Pinheiros, existe um teatro. Qualquer outro da cidade tem letreiros grandes e vistosos, uma porta de entrada larga e outros detalhes que o identificam como uma casa dedicada às artes.

Mas foi ali, atrás daquela fachada pouco convencional, de paredes pintadas de cor escura e descendo as dezenas de degraus que desembocam em três arquibancadas e um pequeno palco, que se firmou o que vem sendo chamado de a nova música de São Paulo.

Naquele porão — que ganhou o simpático nome de Lira Paulistana — não se pode dizer que tenha surgido esta nova música, mas, sem dúvida, foi o palco que serviu de trampolim para os saltos maiores de artistas e músicos como o Premeditando o Breque, Itamar Assumpção e Banda Isca de Polícia e Grupo Rumo.

E isso para citar apenas os que nos últimos tempos têm aparecido tanto nas páginas de arte dos jornais, quanto em cartas dos leitores reclamando da confusão à porta de seus shows — invariavelmente, os espaços onde se têm apresentado têm sido menores do que a afluência do público.

Há quem, como o músico Eduardo Gudin, 16 anos de carreira, considere o Lira Paulistana, “o Jogral dos anos 80″, ou, como o escritor e poeta Augusto de Campos, o veja como um novo Teatro de Arena, no que este espaço significou para a vida cultural da cidade há pouco mais de uma década.

Desde a inauguração em outubro de 1979 até um mês atrás, quando foram levantados estes dados, o Lira realizou 1.335 apresentações de 294 atrações diferentes; 16 grupos de teatro apresentaram 367 espetáculos adultos, juvenis e infantis; 63 grupos de música instrumental fizeram 341 apresentações; dois grupos de dança subiram ao palco oito vezes; 105 cantores-compositores acompanhados de seus grupos mostraram seu trabalho em 614 shows, 43 destes lançaram seus discos, sendo dois gravados ao vivo lá mesmo — os de Cida Moreira e Araci de Almeida.

Estas atividades estenderam-se ainda para a projeção de filmes e exposições de artistas plásticos. O Lira é um local para 200 pessoas e teve um público, até maio último, de 141.700 espectadores. Poderia argumentar-se então que é apenas um espaço pequeno e bem localizado, o que justificaria a constante presença de público.

O que o diferencia e o torna especial é que se caracterizou como um local onde aparecem as coisas novas desta cidade, especialmente no que se refere à música. Luis Tatit, um dos integrantes do Grupo Rumo e professor de música, faz uma observação a partir da visão dos seus alunos, de adolescentes até os com 20 e poucos anos:

— Eles procuram o Lira seja qual for a atividade lá dentro, porque acham que sempre encontrarão algo criativo, e voltam para outras atrações, mesmo que não tenham gostado da anterior. Desenvolveu-se entre estas pessoas um conceito de que lá estarão vendo o que não seria apresentado em outros lugares. É uma espécie de salinha especial, eu tenho a impressão.

O nascimento, um acaso

E ela começou a existir quase por obra do acaso quando um engenheiro, Wilson Souto Jr., nome que ele mesmo estranha ouvir já que é conhecido como Gordo, e um ex-administrador de empresas de nome Waldir, saíram pelo bairro à procura de um terreno grande que pudesse servir de estacionamento durante o dia e, talvez, um circo à noite.

Mas, como uma empresa especializada em estacionamentos em São Paulo já mobilizara grande parte dos terrenos do bairro tirando o alvará na prefeitura que lhe dava prioridade neste tipo de negócio, Gordo e Waldir acabaram por agarrar-se à idéia que corria paralela, ou seja, abrir um teatro.

O Gordo, ex-percussionista ao grupo Macuco, músico da noite e integrante da banda que tocava na peça Gota D’Agua, de Chico Buarque, era um dos tantos músicos na faixa dos 30 anos, reclamando da “falta de teatros onde pudesse multiplicar trabalhos; espaços voltados não só para a música, mas para todas as tentativas de novas propostas estéticas”.

Aí surge um dado interessante, na importância que o Lira passou a ter, pois como o Gordo, boa parte dos músicos do Rumo, do Premeditando o Breque ou mesmo Itamar Assumpção, estavam na mesma faixa de idade e diante do mesmo impasse: existiam dezenas de teatros na cidade, mas quem arriscaria bancar sua própria produção, arcando com todos os custos, quando ainda não eram conhecidos e portanto sem a certeza da presença do público?

Ninguém, nem o Gordo e tampouco estes outros músicos, encaram o Lira como o responsável pelo surgimento desta nova música de São Paulo. O que aconteceu, dizem eles, é que o teatro acabou funcionando como agente catalisador do processo de aparecimento desta música emergente. A primeira apresentação do Rumo foi em 1972.

O Premeditando o Breque (vulgo Premê), começou em 1976 e marcou presença no Festival Universitário da TV Cultura, onde o vencedor foi Arrigo Barnabé; e Itamar Assumpção, além de fazer os arranjos de base com Paulo Barnabé, das músicas de Arrigo, já vinha amadurecendo seu trabalho paralelamente à Banda Sabor de Veneno, desde meados dos anos 70. Tudo isto pairava no ar, circulava pela Escola de Comunicações e Artes da USP, pelos circuitos universitários.

Na verdade, as circunstâncias eram mais que favoráveis para o êxito de um espaço como o Lira: havia uma música nova carecendo de um local semelhante e querendo centralizar as novas propostas estéticas da cidade. O segundo semestre de 78 e boa parte de 79 foram gastos no trabalho de reformar o ex-depósito de uma loja de ferragens na rua Teodoro Sampaio, 1091-A, para dar lugar a um palco, camarins e arquibancadas.

O investimento foi feito com o dinheiro do Fundo de Garantia de Waldir, o administrador de empresas (que ficou no projeto durante seis meses) e com o cachê pago pela Rede Globo para o Gordo funcionar como coordenador dos trabalhos de prévia eleitoral na região de Sorocaba, durante as eleições de 1978.

Hoje o Lira é comandado pelo Gordo, pelo engenheiro químico e técnico em computação Plínio Chaves, pelo artista gráfico Ribamar de Castro, pelo iluminador Chico Pardal e pelo jornalista Fernando Alexandre. E é, além do teatro, uma gravadora e uma editora. Segundo a maioria, seus projetos que podem ser considerados idealistas só caminham por uma razão muito simples: eles têm o excelente patrocínio de suas pacientes e bem-empregadas esposas.

O Bixiga

Pelo crescimento que o Lira teve nestes dois anos, fica claro não se tratar de atividade que dê prejuízo. Então, por que outros espaços semelhantes não proliferam pela cidade? Quando se pergunta a um músico que outras salas com as características do Lira ele conhece em São Paulo, quase todos acabam por falar no Teatro do Bixiga, porém como uma coisa “aproximada”, não Igual.

Dieter Voegeli e Eliane Raduan, os arrendatários do Bixiga (ele pertence à atriz Arlete Vitória Ziolkowski), estão à frente daquele teatro desde o começo de 1980, quando Dieter foi para lá para organizar o Projeto Acorde, desenvolvido durante sete meses daquele ano, com dezenas de músicos novos. O Bixiga já existe há quatro anos e pretendia ser um espaço exclusivo para peças infantis, mas o pouco público fez a proprietária traçar novos rumos para a sua casa. Vieram as peças adultas e finalmente os shows musicais.

O Lira também começou com uma peça — É Fogo Paulista, em outubro de 79 —, mas acabou marcado como um centro ligado à música. O Bixiga, com os mesmos 200 lugares que o Lira, e mesmo tendo abrigado em pequenas temporadas os músicos que hoje têm seu nome ligado ao Lira, continuou sendo conhecido como uma sala para peças teatrais, antes de mais nada. Para Dieter, o ideal seria chegar no ponto em que está o Lira:

— Nosso público é muito variado. Não é como o Lira que tem uma freqüência especifica. O Bixiga fica na Rui Barbosa, uma rua de muito movimento mas também dos tipos mais variados de pessoas. Nossa filosofia é abrir o teatro para todas as artes, sem fazer temporadas extensas de uma coisa só — preferimos fazer circular o público.

Para este segundo semestre, o Bixiga tem uma programação preparada com vídeo, dança, música e cinema, entre outras atividades, mostrando cerca de 28 grupos novos. Neste momento, o que vem à lembrança é um comentário de Luiz Tatit, que de certa maneira é corroborado por outros artistas que tiveram contato profissional com os proprietários do Lira: é uma questão de filosofia, de novas relações de trabalho entre o dono do espaço e o criador.

— O contrato principal é entre eles e o artista. Tudo é dividido meio a meio, coisa que raramente acontece. Por mais que a produção seja deles, mesmo em termos financeiros, o resultado sempre é repartido. As propostas nunca lesam o artista e acho que esta é a grande renovação, inclusive em termos mercadológicos. Eles tentam fazer com que o artista tenha conhecimento de todo o processo de realização da obra de modo que ele jamais será enganado outra vez, ou pela primeira vez que seja, por uma gravadora ou pela distribuição.

Ninguém cita o Lira e seus proprietários como bons samaritanos que nada exigem em troca do serviço prestado à cultura. Nada disso. No caso de uma atividade ser um absoluto fracasso, apenas não há a exigência comum da porcentagem sobre a bilheteria mais o fixo. Sempre é possível fazer-se um arranjo. Numa conversa particular com Tatit, o Gordo confessou que a atividade é lucrativa.

— Ele me disse “eu não estou perdendo nada. Apenas não estou lesando outros também”. E por isto que eu digo que é uma criação no aspecto mercadológico da coisa; é uma novidade mesmo.

Paulo Miklos

A bem da verdade, o que segura tudo isto é uma questão pura e simples de filosofia de trabalho, de ter alguns parâmetros específicos que norteiam os caminhos a serem seguidos. No começo do teatro, havia um critério até meio rigoroso com quem se apresentaria lá, mas, com o passar do tempo, foi interessando muito menos a seleção e mais a proposta de continuidade destes trabalhos. Um exemplo: Paulo Miklos é um músico que já mostrou três propostas diferentes no palco do Lira (e ainda integra a Banda Performática).

— Pode-se gostar ou não, diz o Gordo, mas ninguém pode negar que ele está à procura de um caminho. O que não estamos querendo é incorrer naquele tipo de picaretagem, onde o sujeito monta uma banda durante 15 dias, vem para o teatro, fatura e encerra atividades. Eu acho que estamos vivendo a fase da música-projeto, que pode até desembocar em algo que você pode não concordar esteticamente, mas que abriga uma proposta de continuidade.

Para ele e seus companheiros, o Brasil é um país fundamentalmente velho, com estruturas extremamente impermeáveis e camadas quase impossíveis de serem vencidas

— As veias destas camadas são absolutamente esclerosadas. Então o que nos interessa agora é tentar romper esta esclerose de forma que o sangue possa correr e a troca de idéias se torne mais intensa em todos os níveis, até no estético. Não nos interessa uma estética padronizada — que poderia ser a da vanguarda — mas a ideologia da renovação constante, do fluxo de sangue nas coisas.

O fascínio que existe entre os e novos músicos e o Lira e vice-versa poderia ser algo gerado pelos resultados positivos de alguns trabalhos conjuntos. Mas, numa manhã da semana passada, o instrumentista e compositor Eduardo Gudin chegava ao pequeno escritório do Lira, próximo ao teatro, apenas para uma conversa. A presença de um músico com mais de 15 anos de carreira, com passagens por várias gravadoras grandes, surpreende um pouco. Depois ele esclareceria que encontrou naquelas pessoas ressonância para umas idéias que há muito tempo vem alimentando.

— Eu sempre achei que se estava vinculando o processo do disco independente com o processo estético, quando para mim o disco independente é uma relação de trabalho e não pode ser outra coisa, exatamente porque cai numa atitude quase fascista: ele só tem valor se trouxer uma novidade, se for vanguarda.

Se as gravadoras grandes não querem mais Emilinha Borba e Isaurinha Garcia, elas têm e o direito de gravar independente e na hora que quiserem. Aliás, é melhor ir pelo avesso: quem é que tem o direito de dizer que não pode? O Gordo acha que a relação mais importante é a ideologia da produção do disco e não a parte estética em si.

Para Gudin está surgindo o “diretor artístico hipotético, que não tem cara”, que está dirigindo a estética do independente e que assim acaba por colocar tudo no mesmo nível da relação entre o artista e as grandes gravadoras. O Lira está numa fase que antecede o grande crescimento e este momento, segundo Gudin, exige muito cuidado.

Há o projeto da construção de um teatro novo; um núcleo de rádio dirigido por Geraldo Leite do Grupo Rumo com um programa de várias horas praticamente acertado para ser colocado numa emissora de FM paulista; conseguiu-se o patrocínio da indústria de jeans Berta, para promover excursões do Rumo e do Premê por todo o interior do Estado e Rio de Janeiro no segundo semestre; e a distribuição dos discos produzidos pelo Lira ou simplesmente colocados à venda no teatro deverá abranger o Pais inteiro, por meio de grandes cadeias de lojas. Deixou de ser uma idéia marginal.

— As grandes gravadoras começaram a preocupar-se, confirma Gudin, mas eu não acredito em boicote. Acredito mais na tentativa de assimilação deste processo — o sistema agiu assim com a contra-cultura e tudo o mais. E preciso ter cuidado e eu acho que o Lira está tendo.

Rompendo as fronteiras

O Lira e a nova música paulista já ultrapassaram as fronteiras de São Paulo. Diariamente chegam-à sede do teatro dezenas e dezenas de cartas dos pontos mais variados do Pais, querendo saber o que é o Lira e, no caso de músicos novos, qual a maneira de virem apresentar-se por aqui — do Rio veio o grupo Totocando; do Rio Grande do Sul, o Cheiro de Vida, de São Luiz do Paraitinga, o Paranga; entre outros.

E isto, de certa forma, mostra que há expectativa por nova música e por novas relações de trabalho nesta área. E aí que a maioria das opiniões convergem: há muita gente, em muitos locais, querendo fugir da massificação imposta pela televisão e mesmo pelas cadeias de emissoras FM que mostram a mesma programação, tanto aqui quanto em Brasília, Recife ou Salvador.

Um exemplo prático: a Rádio Fluminense de Niterói saltou do penúltimo para o terceiro lugar em audiência, quando começou a programar os artistas deste mercado alternativo. A festa de aniversário da rádio terá o Premê, o Rumo e Itamar Assumpção.

O Lira ficou sendo conhecido, também, como o local onde se encontram os discos independentes. Há cerca de 40 títulos diferentes à venda e, diariamente, são despachados por mala direta, conforme os pedidos, cerca de 30 discos para os mais diversos pontos do País. Produzidos pelo Lira estão apenas o primeiro disco de Itamar Assumpção (o selo foi criado em função de ele ter um trabalho pronto); o compacto do Premê, Lencinho ou O Destino Assim o Quis (classificado no MPB-Shell); e Cabelos de Sansão, de Tiago Araripe.

E este último trabalho já tem uma história especial: foi cortado em Nova York, no estúdio onde Roberto Carlos corta os seus discos.

— Nossa velocidade de produção nesta área é lenta, conta o Gordo. E o disco é uma coisa cara, em torno do milhão e meio. Esta questão do corte do disco em Nova York para nós tem um outro significado: trabalhamos num mercado duro, onde o disco é entendido como produto e, neste nível, temos de competir com algo que seja de igual qualidade técnica, embora para nós o disco seja projeto, algo como um livro.

A empresa

Quando se questiona se o Lira é uma empresa organizada, a resposta é “desorganizadamente organizada”. Para Luís Tatit, é organizada e eficientemente organizada.

— Acho que a ojeriza é mais conceitual, talvez para não passar uma imagem de rígidos, do paulista rígido e aquelas coisas. Mas, no fundo, funcionam que é uma beleza. Eles estão pretendendo dar um salto e não é um salto pouco ambicioso. O Gordo às vezes me diz: “Eu estou querendo ficar rico”. Só que ele optou pelo caminho mais honesto possível. Eu acho que outros centros semelhantes não proliferaram porque têm de ter um traço qualitativo. Em geral, as pessoas com sensibilidade mais desenvolvida, ou à flor da pele, vão ser artistas e não ligar para o mercado. Do ponto de vista mais humano, acho que é isto que ocorre.

Como relembra Eduardo Gudin, está havendo uma crise e a oferta de artistas é muito maior que a procura.

— A maioria das gravadoras grandes já perdeu até o respeito humano. A arte já é tratada como mercadoria e as pessoas também. As vezes você recebe uma proposta de uma gravadora e alguma coisa muda lá dentro, então você passa três meses para descobrir que a proposta que recebeu já não vale mais nada. Eu acho que o maior problema tem sido a falta de educação.

Para o pessoal do Lira, o Rumo é a grande reportagem de tudo o que está acontecendo. O ideal, dizem eles, seria simplesmente reproduzir a letra de Bem Baixinho, de Luiz Tatit:

Gosto dela meio velha assim mesmo

Ainda ontem eu comentei com meu amigo

Ela é meio velha mas é tão bonita!

E ele disse: Puxai é mesmo!

Ela é assim meio velha mas é tão bonita!

E é uma beleza espontânea, natural

Não tem medo de dizer

Que está amando outra vez

E não diz de qualquer jeito não

Num momento que você está atento

Ela cochicha baixinho e tão pertinho

Que só pode ser você dessa vez e essa nação é assim com todo mundo

Grandalhona, meio velha, mas uma musa e tanto

E quando você menos espera ela diz:

Estou livre outra vez!

Grupo Rumo

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Premeditando o Breque

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Itamar Assumpção

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

O sucesso de um teatro alternativo que recebia artistas alternativos no bairro de Pinheiros, em São Paulo, foi o destaque numa página inteira do caderno de Programas e Leituras do Jornal da Tarde em 10 de julho de 1982.

Naquele sábado a repórter Maria Amélia Rocha Lopes contou aos leitores o que acontecia por lá e quem se apresentava no local, entre eles um futuro Titãs.

Paulo Miklos é um músico que já mostrou três propostas diferentes no palco do Lira (e ainda integra a Banda Performática). — Pode-se gostar ou não, diz o Gordo, mas ninguém pode negar que ele está à procura de um caminho. [Leia a íntegra:]

Jornal da Tarde - 10 de julho de 1982

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Teatro Lira Paulistana. Aqui, está surgindo a nova música de São Paulo.

E esta música, que está à procura de novos caminhos, já rompeu as fronteiras de São Paulo. Por Maria Amélia Rocha Lopes

É muito pouco provável que alguém, passando de ônibus, carro ou mesmo a pé, repare que na rua Teodoro Sampaio, em frente à praça Benedito Calixto no bairro de Pinheiros, existe um teatro. Qualquer outro da cidade tem letreiros grandes e vistosos, uma porta de entrada larga e outros detalhes que o identificam como uma casa dedicada às artes.

Mas foi ali, atrás daquela fachada pouco convencional, de paredes pintadas de cor escura e descendo as dezenas de degraus que desembocam em três arquibancadas e um pequeno palco, que se firmou o que vem sendo chamado de a nova música de São Paulo.

Naquele porão — que ganhou o simpático nome de Lira Paulistana — não se pode dizer que tenha surgido esta nova música, mas, sem dúvida, foi o palco que serviu de trampolim para os saltos maiores de artistas e músicos como o Premeditando o Breque, Itamar Assumpção e Banda Isca de Polícia e Grupo Rumo.

E isso para citar apenas os que nos últimos tempos têm aparecido tanto nas páginas de arte dos jornais, quanto em cartas dos leitores reclamando da confusão à porta de seus shows — invariavelmente, os espaços onde se têm apresentado têm sido menores do que a afluência do público.

Há quem, como o músico Eduardo Gudin, 16 anos de carreira, considere o Lira Paulistana, “o Jogral dos anos 80″, ou, como o escritor e poeta Augusto de Campos, o veja como um novo Teatro de Arena, no que este espaço significou para a vida cultural da cidade há pouco mais de uma década.

Desde a inauguração em outubro de 1979 até um mês atrás, quando foram levantados estes dados, o Lira realizou 1.335 apresentações de 294 atrações diferentes; 16 grupos de teatro apresentaram 367 espetáculos adultos, juvenis e infantis; 63 grupos de música instrumental fizeram 341 apresentações; dois grupos de dança subiram ao palco oito vezes; 105 cantores-compositores acompanhados de seus grupos mostraram seu trabalho em 614 shows, 43 destes lançaram seus discos, sendo dois gravados ao vivo lá mesmo — os de Cida Moreira e Araci de Almeida.

Estas atividades estenderam-se ainda para a projeção de filmes e exposições de artistas plásticos. O Lira é um local para 200 pessoas e teve um público, até maio último, de 141.700 espectadores. Poderia argumentar-se então que é apenas um espaço pequeno e bem localizado, o que justificaria a constante presença de público.

O que o diferencia e o torna especial é que se caracterizou como um local onde aparecem as coisas novas desta cidade, especialmente no que se refere à música. Luis Tatit, um dos integrantes do Grupo Rumo e professor de música, faz uma observação a partir da visão dos seus alunos, de adolescentes até os com 20 e poucos anos:

— Eles procuram o Lira seja qual for a atividade lá dentro, porque acham que sempre encontrarão algo criativo, e voltam para outras atrações, mesmo que não tenham gostado da anterior. Desenvolveu-se entre estas pessoas um conceito de que lá estarão vendo o que não seria apresentado em outros lugares. É uma espécie de salinha especial, eu tenho a impressão.

O nascimento, um acaso

E ela começou a existir quase por obra do acaso quando um engenheiro, Wilson Souto Jr., nome que ele mesmo estranha ouvir já que é conhecido como Gordo, e um ex-administrador de empresas de nome Waldir, saíram pelo bairro à procura de um terreno grande que pudesse servir de estacionamento durante o dia e, talvez, um circo à noite.

Mas, como uma empresa especializada em estacionamentos em São Paulo já mobilizara grande parte dos terrenos do bairro tirando o alvará na prefeitura que lhe dava prioridade neste tipo de negócio, Gordo e Waldir acabaram por agarrar-se à idéia que corria paralela, ou seja, abrir um teatro.

O Gordo, ex-percussionista ao grupo Macuco, músico da noite e integrante da banda que tocava na peça Gota D’Agua, de Chico Buarque, era um dos tantos músicos na faixa dos 30 anos, reclamando da “falta de teatros onde pudesse multiplicar trabalhos; espaços voltados não só para a música, mas para todas as tentativas de novas propostas estéticas”.

Aí surge um dado interessante, na importância que o Lira passou a ter, pois como o Gordo, boa parte dos músicos do Rumo, do Premeditando o Breque ou mesmo Itamar Assumpção, estavam na mesma faixa de idade e diante do mesmo impasse: existiam dezenas de teatros na cidade, mas quem arriscaria bancar sua própria produção, arcando com todos os custos, quando ainda não eram conhecidos e portanto sem a certeza da presença do público?

Ninguém, nem o Gordo e tampouco estes outros músicos, encaram o Lira como o responsável pelo surgimento desta nova música de São Paulo. O que aconteceu, dizem eles, é que o teatro acabou funcionando como agente catalisador do processo de aparecimento desta música emergente. A primeira apresentação do Rumo foi em 1972.

O Premeditando o Breque (vulgo Premê), começou em 1976 e marcou presença no Festival Universitário da TV Cultura, onde o vencedor foi Arrigo Barnabé; e Itamar Assumpção, além de fazer os arranjos de base com Paulo Barnabé, das músicas de Arrigo, já vinha amadurecendo seu trabalho paralelamente à Banda Sabor de Veneno, desde meados dos anos 70. Tudo isto pairava no ar, circulava pela Escola de Comunicações e Artes da USP, pelos circuitos universitários.

Na verdade, as circunstâncias eram mais que favoráveis para o êxito de um espaço como o Lira: havia uma música nova carecendo de um local semelhante e querendo centralizar as novas propostas estéticas da cidade. O segundo semestre de 78 e boa parte de 79 foram gastos no trabalho de reformar o ex-depósito de uma loja de ferragens na rua Teodoro Sampaio, 1091-A, para dar lugar a um palco, camarins e arquibancadas.

O investimento foi feito com o dinheiro do Fundo de Garantia de Waldir, o administrador de empresas (que ficou no projeto durante seis meses) e com o cachê pago pela Rede Globo para o Gordo funcionar como coordenador dos trabalhos de prévia eleitoral na região de Sorocaba, durante as eleições de 1978.

Hoje o Lira é comandado pelo Gordo, pelo engenheiro químico e técnico em computação Plínio Chaves, pelo artista gráfico Ribamar de Castro, pelo iluminador Chico Pardal e pelo jornalista Fernando Alexandre. E é, além do teatro, uma gravadora e uma editora. Segundo a maioria, seus projetos que podem ser considerados idealistas só caminham por uma razão muito simples: eles têm o excelente patrocínio de suas pacientes e bem-empregadas esposas.

O Bixiga

Pelo crescimento que o Lira teve nestes dois anos, fica claro não se tratar de atividade que dê prejuízo. Então, por que outros espaços semelhantes não proliferam pela cidade? Quando se pergunta a um músico que outras salas com as características do Lira ele conhece em São Paulo, quase todos acabam por falar no Teatro do Bixiga, porém como uma coisa “aproximada”, não Igual.

Dieter Voegeli e Eliane Raduan, os arrendatários do Bixiga (ele pertence à atriz Arlete Vitória Ziolkowski), estão à frente daquele teatro desde o começo de 1980, quando Dieter foi para lá para organizar o Projeto Acorde, desenvolvido durante sete meses daquele ano, com dezenas de músicos novos. O Bixiga já existe há quatro anos e pretendia ser um espaço exclusivo para peças infantis, mas o pouco público fez a proprietária traçar novos rumos para a sua casa. Vieram as peças adultas e finalmente os shows musicais.

O Lira também começou com uma peça — É Fogo Paulista, em outubro de 79 —, mas acabou marcado como um centro ligado à música. O Bixiga, com os mesmos 200 lugares que o Lira, e mesmo tendo abrigado em pequenas temporadas os músicos que hoje têm seu nome ligado ao Lira, continuou sendo conhecido como uma sala para peças teatrais, antes de mais nada. Para Dieter, o ideal seria chegar no ponto em que está o Lira:

— Nosso público é muito variado. Não é como o Lira que tem uma freqüência especifica. O Bixiga fica na Rui Barbosa, uma rua de muito movimento mas também dos tipos mais variados de pessoas. Nossa filosofia é abrir o teatro para todas as artes, sem fazer temporadas extensas de uma coisa só — preferimos fazer circular o público.

Para este segundo semestre, o Bixiga tem uma programação preparada com vídeo, dança, música e cinema, entre outras atividades, mostrando cerca de 28 grupos novos. Neste momento, o que vem à lembrança é um comentário de Luiz Tatit, que de certa maneira é corroborado por outros artistas que tiveram contato profissional com os proprietários do Lira: é uma questão de filosofia, de novas relações de trabalho entre o dono do espaço e o criador.

— O contrato principal é entre eles e o artista. Tudo é dividido meio a meio, coisa que raramente acontece. Por mais que a produção seja deles, mesmo em termos financeiros, o resultado sempre é repartido. As propostas nunca lesam o artista e acho que esta é a grande renovação, inclusive em termos mercadológicos. Eles tentam fazer com que o artista tenha conhecimento de todo o processo de realização da obra de modo que ele jamais será enganado outra vez, ou pela primeira vez que seja, por uma gravadora ou pela distribuição.

Ninguém cita o Lira e seus proprietários como bons samaritanos que nada exigem em troca do serviço prestado à cultura. Nada disso. No caso de uma atividade ser um absoluto fracasso, apenas não há a exigência comum da porcentagem sobre a bilheteria mais o fixo. Sempre é possível fazer-se um arranjo. Numa conversa particular com Tatit, o Gordo confessou que a atividade é lucrativa.

— Ele me disse “eu não estou perdendo nada. Apenas não estou lesando outros também”. E por isto que eu digo que é uma criação no aspecto mercadológico da coisa; é uma novidade mesmo.

Paulo Miklos

A bem da verdade, o que segura tudo isto é uma questão pura e simples de filosofia de trabalho, de ter alguns parâmetros específicos que norteiam os caminhos a serem seguidos. No começo do teatro, havia um critério até meio rigoroso com quem se apresentaria lá, mas, com o passar do tempo, foi interessando muito menos a seleção e mais a proposta de continuidade destes trabalhos. Um exemplo: Paulo Miklos é um músico que já mostrou três propostas diferentes no palco do Lira (e ainda integra a Banda Performática).

— Pode-se gostar ou não, diz o Gordo, mas ninguém pode negar que ele está à procura de um caminho. O que não estamos querendo é incorrer naquele tipo de picaretagem, onde o sujeito monta uma banda durante 15 dias, vem para o teatro, fatura e encerra atividades. Eu acho que estamos vivendo a fase da música-projeto, que pode até desembocar em algo que você pode não concordar esteticamente, mas que abriga uma proposta de continuidade.

Para ele e seus companheiros, o Brasil é um país fundamentalmente velho, com estruturas extremamente impermeáveis e camadas quase impossíveis de serem vencidas

— As veias destas camadas são absolutamente esclerosadas. Então o que nos interessa agora é tentar romper esta esclerose de forma que o sangue possa correr e a troca de idéias se torne mais intensa em todos os níveis, até no estético. Não nos interessa uma estética padronizada — que poderia ser a da vanguarda — mas a ideologia da renovação constante, do fluxo de sangue nas coisas.

O fascínio que existe entre os e novos músicos e o Lira e vice-versa poderia ser algo gerado pelos resultados positivos de alguns trabalhos conjuntos. Mas, numa manhã da semana passada, o instrumentista e compositor Eduardo Gudin chegava ao pequeno escritório do Lira, próximo ao teatro, apenas para uma conversa. A presença de um músico com mais de 15 anos de carreira, com passagens por várias gravadoras grandes, surpreende um pouco. Depois ele esclareceria que encontrou naquelas pessoas ressonância para umas idéias que há muito tempo vem alimentando.

— Eu sempre achei que se estava vinculando o processo do disco independente com o processo estético, quando para mim o disco independente é uma relação de trabalho e não pode ser outra coisa, exatamente porque cai numa atitude quase fascista: ele só tem valor se trouxer uma novidade, se for vanguarda.

Se as gravadoras grandes não querem mais Emilinha Borba e Isaurinha Garcia, elas têm e o direito de gravar independente e na hora que quiserem. Aliás, é melhor ir pelo avesso: quem é que tem o direito de dizer que não pode? O Gordo acha que a relação mais importante é a ideologia da produção do disco e não a parte estética em si.

Para Gudin está surgindo o “diretor artístico hipotético, que não tem cara”, que está dirigindo a estética do independente e que assim acaba por colocar tudo no mesmo nível da relação entre o artista e as grandes gravadoras. O Lira está numa fase que antecede o grande crescimento e este momento, segundo Gudin, exige muito cuidado.

Há o projeto da construção de um teatro novo; um núcleo de rádio dirigido por Geraldo Leite do Grupo Rumo com um programa de várias horas praticamente acertado para ser colocado numa emissora de FM paulista; conseguiu-se o patrocínio da indústria de jeans Berta, para promover excursões do Rumo e do Premê por todo o interior do Estado e Rio de Janeiro no segundo semestre; e a distribuição dos discos produzidos pelo Lira ou simplesmente colocados à venda no teatro deverá abranger o Pais inteiro, por meio de grandes cadeias de lojas. Deixou de ser uma idéia marginal.

— As grandes gravadoras começaram a preocupar-se, confirma Gudin, mas eu não acredito em boicote. Acredito mais na tentativa de assimilação deste processo — o sistema agiu assim com a contra-cultura e tudo o mais. E preciso ter cuidado e eu acho que o Lira está tendo.

Rompendo as fronteiras

O Lira e a nova música paulista já ultrapassaram as fronteiras de São Paulo. Diariamente chegam-à sede do teatro dezenas e dezenas de cartas dos pontos mais variados do Pais, querendo saber o que é o Lira e, no caso de músicos novos, qual a maneira de virem apresentar-se por aqui — do Rio veio o grupo Totocando; do Rio Grande do Sul, o Cheiro de Vida, de São Luiz do Paraitinga, o Paranga; entre outros.

E isto, de certa forma, mostra que há expectativa por nova música e por novas relações de trabalho nesta área. E aí que a maioria das opiniões convergem: há muita gente, em muitos locais, querendo fugir da massificação imposta pela televisão e mesmo pelas cadeias de emissoras FM que mostram a mesma programação, tanto aqui quanto em Brasília, Recife ou Salvador.

Um exemplo prático: a Rádio Fluminense de Niterói saltou do penúltimo para o terceiro lugar em audiência, quando começou a programar os artistas deste mercado alternativo. A festa de aniversário da rádio terá o Premê, o Rumo e Itamar Assumpção.

O Lira ficou sendo conhecido, também, como o local onde se encontram os discos independentes. Há cerca de 40 títulos diferentes à venda e, diariamente, são despachados por mala direta, conforme os pedidos, cerca de 30 discos para os mais diversos pontos do País. Produzidos pelo Lira estão apenas o primeiro disco de Itamar Assumpção (o selo foi criado em função de ele ter um trabalho pronto); o compacto do Premê, Lencinho ou O Destino Assim o Quis (classificado no MPB-Shell); e Cabelos de Sansão, de Tiago Araripe.

E este último trabalho já tem uma história especial: foi cortado em Nova York, no estúdio onde Roberto Carlos corta os seus discos.

— Nossa velocidade de produção nesta área é lenta, conta o Gordo. E o disco é uma coisa cara, em torno do milhão e meio. Esta questão do corte do disco em Nova York para nós tem um outro significado: trabalhamos num mercado duro, onde o disco é entendido como produto e, neste nível, temos de competir com algo que seja de igual qualidade técnica, embora para nós o disco seja projeto, algo como um livro.

A empresa

Quando se questiona se o Lira é uma empresa organizada, a resposta é “desorganizadamente organizada”. Para Luís Tatit, é organizada e eficientemente organizada.

— Acho que a ojeriza é mais conceitual, talvez para não passar uma imagem de rígidos, do paulista rígido e aquelas coisas. Mas, no fundo, funcionam que é uma beleza. Eles estão pretendendo dar um salto e não é um salto pouco ambicioso. O Gordo às vezes me diz: “Eu estou querendo ficar rico”. Só que ele optou pelo caminho mais honesto possível. Eu acho que outros centros semelhantes não proliferaram porque têm de ter um traço qualitativo. Em geral, as pessoas com sensibilidade mais desenvolvida, ou à flor da pele, vão ser artistas e não ligar para o mercado. Do ponto de vista mais humano, acho que é isto que ocorre.

Como relembra Eduardo Gudin, está havendo uma crise e a oferta de artistas é muito maior que a procura.

— A maioria das gravadoras grandes já perdeu até o respeito humano. A arte já é tratada como mercadoria e as pessoas também. As vezes você recebe uma proposta de uma gravadora e alguma coisa muda lá dentro, então você passa três meses para descobrir que a proposta que recebeu já não vale mais nada. Eu acho que o maior problema tem sido a falta de educação.

Para o pessoal do Lira, o Rumo é a grande reportagem de tudo o que está acontecendo. O ideal, dizem eles, seria simplesmente reproduzir a letra de Bem Baixinho, de Luiz Tatit:

Gosto dela meio velha assim mesmo

Ainda ontem eu comentei com meu amigo

Ela é meio velha mas é tão bonita!

E ele disse: Puxai é mesmo!

Ela é assim meio velha mas é tão bonita!

E é uma beleza espontânea, natural

Não tem medo de dizer

Que está amando outra vez

E não diz de qualquer jeito não

Num momento que você está atento

Ela cochicha baixinho e tão pertinho

Que só pode ser você dessa vez e essa nação é assim com todo mundo

Grandalhona, meio velha, mas uma musa e tanto

E quando você menos espera ela diz:

Estou livre outra vez!

Grupo Rumo

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Premeditando o Breque

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Itamar Assumpção

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

O sucesso de um teatro alternativo que recebia artistas alternativos no bairro de Pinheiros, em São Paulo, foi o destaque numa página inteira do caderno de Programas e Leituras do Jornal da Tarde em 10 de julho de 1982.

Naquele sábado a repórter Maria Amélia Rocha Lopes contou aos leitores o que acontecia por lá e quem se apresentava no local, entre eles um futuro Titãs.

Paulo Miklos é um músico que já mostrou três propostas diferentes no palco do Lira (e ainda integra a Banda Performática). — Pode-se gostar ou não, diz o Gordo, mas ninguém pode negar que ele está à procura de um caminho. [Leia a íntegra:]

Jornal da Tarde - 10 de julho de 1982

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Teatro Lira Paulistana. Aqui, está surgindo a nova música de São Paulo.

E esta música, que está à procura de novos caminhos, já rompeu as fronteiras de São Paulo. Por Maria Amélia Rocha Lopes

É muito pouco provável que alguém, passando de ônibus, carro ou mesmo a pé, repare que na rua Teodoro Sampaio, em frente à praça Benedito Calixto no bairro de Pinheiros, existe um teatro. Qualquer outro da cidade tem letreiros grandes e vistosos, uma porta de entrada larga e outros detalhes que o identificam como uma casa dedicada às artes.

Mas foi ali, atrás daquela fachada pouco convencional, de paredes pintadas de cor escura e descendo as dezenas de degraus que desembocam em três arquibancadas e um pequeno palco, que se firmou o que vem sendo chamado de a nova música de São Paulo.

Naquele porão — que ganhou o simpático nome de Lira Paulistana — não se pode dizer que tenha surgido esta nova música, mas, sem dúvida, foi o palco que serviu de trampolim para os saltos maiores de artistas e músicos como o Premeditando o Breque, Itamar Assumpção e Banda Isca de Polícia e Grupo Rumo.

E isso para citar apenas os que nos últimos tempos têm aparecido tanto nas páginas de arte dos jornais, quanto em cartas dos leitores reclamando da confusão à porta de seus shows — invariavelmente, os espaços onde se têm apresentado têm sido menores do que a afluência do público.

Há quem, como o músico Eduardo Gudin, 16 anos de carreira, considere o Lira Paulistana, “o Jogral dos anos 80″, ou, como o escritor e poeta Augusto de Campos, o veja como um novo Teatro de Arena, no que este espaço significou para a vida cultural da cidade há pouco mais de uma década.

Desde a inauguração em outubro de 1979 até um mês atrás, quando foram levantados estes dados, o Lira realizou 1.335 apresentações de 294 atrações diferentes; 16 grupos de teatro apresentaram 367 espetáculos adultos, juvenis e infantis; 63 grupos de música instrumental fizeram 341 apresentações; dois grupos de dança subiram ao palco oito vezes; 105 cantores-compositores acompanhados de seus grupos mostraram seu trabalho em 614 shows, 43 destes lançaram seus discos, sendo dois gravados ao vivo lá mesmo — os de Cida Moreira e Araci de Almeida.

Estas atividades estenderam-se ainda para a projeção de filmes e exposições de artistas plásticos. O Lira é um local para 200 pessoas e teve um público, até maio último, de 141.700 espectadores. Poderia argumentar-se então que é apenas um espaço pequeno e bem localizado, o que justificaria a constante presença de público.

O que o diferencia e o torna especial é que se caracterizou como um local onde aparecem as coisas novas desta cidade, especialmente no que se refere à música. Luis Tatit, um dos integrantes do Grupo Rumo e professor de música, faz uma observação a partir da visão dos seus alunos, de adolescentes até os com 20 e poucos anos:

— Eles procuram o Lira seja qual for a atividade lá dentro, porque acham que sempre encontrarão algo criativo, e voltam para outras atrações, mesmo que não tenham gostado da anterior. Desenvolveu-se entre estas pessoas um conceito de que lá estarão vendo o que não seria apresentado em outros lugares. É uma espécie de salinha especial, eu tenho a impressão.

O nascimento, um acaso

E ela começou a existir quase por obra do acaso quando um engenheiro, Wilson Souto Jr., nome que ele mesmo estranha ouvir já que é conhecido como Gordo, e um ex-administrador de empresas de nome Waldir, saíram pelo bairro à procura de um terreno grande que pudesse servir de estacionamento durante o dia e, talvez, um circo à noite.

Mas, como uma empresa especializada em estacionamentos em São Paulo já mobilizara grande parte dos terrenos do bairro tirando o alvará na prefeitura que lhe dava prioridade neste tipo de negócio, Gordo e Waldir acabaram por agarrar-se à idéia que corria paralela, ou seja, abrir um teatro.

O Gordo, ex-percussionista ao grupo Macuco, músico da noite e integrante da banda que tocava na peça Gota D’Agua, de Chico Buarque, era um dos tantos músicos na faixa dos 30 anos, reclamando da “falta de teatros onde pudesse multiplicar trabalhos; espaços voltados não só para a música, mas para todas as tentativas de novas propostas estéticas”.

Aí surge um dado interessante, na importância que o Lira passou a ter, pois como o Gordo, boa parte dos músicos do Rumo, do Premeditando o Breque ou mesmo Itamar Assumpção, estavam na mesma faixa de idade e diante do mesmo impasse: existiam dezenas de teatros na cidade, mas quem arriscaria bancar sua própria produção, arcando com todos os custos, quando ainda não eram conhecidos e portanto sem a certeza da presença do público?

Ninguém, nem o Gordo e tampouco estes outros músicos, encaram o Lira como o responsável pelo surgimento desta nova música de São Paulo. O que aconteceu, dizem eles, é que o teatro acabou funcionando como agente catalisador do processo de aparecimento desta música emergente. A primeira apresentação do Rumo foi em 1972.

O Premeditando o Breque (vulgo Premê), começou em 1976 e marcou presença no Festival Universitário da TV Cultura, onde o vencedor foi Arrigo Barnabé; e Itamar Assumpção, além de fazer os arranjos de base com Paulo Barnabé, das músicas de Arrigo, já vinha amadurecendo seu trabalho paralelamente à Banda Sabor de Veneno, desde meados dos anos 70. Tudo isto pairava no ar, circulava pela Escola de Comunicações e Artes da USP, pelos circuitos universitários.

Na verdade, as circunstâncias eram mais que favoráveis para o êxito de um espaço como o Lira: havia uma música nova carecendo de um local semelhante e querendo centralizar as novas propostas estéticas da cidade. O segundo semestre de 78 e boa parte de 79 foram gastos no trabalho de reformar o ex-depósito de uma loja de ferragens na rua Teodoro Sampaio, 1091-A, para dar lugar a um palco, camarins e arquibancadas.

O investimento foi feito com o dinheiro do Fundo de Garantia de Waldir, o administrador de empresas (que ficou no projeto durante seis meses) e com o cachê pago pela Rede Globo para o Gordo funcionar como coordenador dos trabalhos de prévia eleitoral na região de Sorocaba, durante as eleições de 1978.

Hoje o Lira é comandado pelo Gordo, pelo engenheiro químico e técnico em computação Plínio Chaves, pelo artista gráfico Ribamar de Castro, pelo iluminador Chico Pardal e pelo jornalista Fernando Alexandre. E é, além do teatro, uma gravadora e uma editora. Segundo a maioria, seus projetos que podem ser considerados idealistas só caminham por uma razão muito simples: eles têm o excelente patrocínio de suas pacientes e bem-empregadas esposas.

O Bixiga

Pelo crescimento que o Lira teve nestes dois anos, fica claro não se tratar de atividade que dê prejuízo. Então, por que outros espaços semelhantes não proliferam pela cidade? Quando se pergunta a um músico que outras salas com as características do Lira ele conhece em São Paulo, quase todos acabam por falar no Teatro do Bixiga, porém como uma coisa “aproximada”, não Igual.

Dieter Voegeli e Eliane Raduan, os arrendatários do Bixiga (ele pertence à atriz Arlete Vitória Ziolkowski), estão à frente daquele teatro desde o começo de 1980, quando Dieter foi para lá para organizar o Projeto Acorde, desenvolvido durante sete meses daquele ano, com dezenas de músicos novos. O Bixiga já existe há quatro anos e pretendia ser um espaço exclusivo para peças infantis, mas o pouco público fez a proprietária traçar novos rumos para a sua casa. Vieram as peças adultas e finalmente os shows musicais.

O Lira também começou com uma peça — É Fogo Paulista, em outubro de 79 —, mas acabou marcado como um centro ligado à música. O Bixiga, com os mesmos 200 lugares que o Lira, e mesmo tendo abrigado em pequenas temporadas os músicos que hoje têm seu nome ligado ao Lira, continuou sendo conhecido como uma sala para peças teatrais, antes de mais nada. Para Dieter, o ideal seria chegar no ponto em que está o Lira:

— Nosso público é muito variado. Não é como o Lira que tem uma freqüência especifica. O Bixiga fica na Rui Barbosa, uma rua de muito movimento mas também dos tipos mais variados de pessoas. Nossa filosofia é abrir o teatro para todas as artes, sem fazer temporadas extensas de uma coisa só — preferimos fazer circular o público.

Para este segundo semestre, o Bixiga tem uma programação preparada com vídeo, dança, música e cinema, entre outras atividades, mostrando cerca de 28 grupos novos. Neste momento, o que vem à lembrança é um comentário de Luiz Tatit, que de certa maneira é corroborado por outros artistas que tiveram contato profissional com os proprietários do Lira: é uma questão de filosofia, de novas relações de trabalho entre o dono do espaço e o criador.

— O contrato principal é entre eles e o artista. Tudo é dividido meio a meio, coisa que raramente acontece. Por mais que a produção seja deles, mesmo em termos financeiros, o resultado sempre é repartido. As propostas nunca lesam o artista e acho que esta é a grande renovação, inclusive em termos mercadológicos. Eles tentam fazer com que o artista tenha conhecimento de todo o processo de realização da obra de modo que ele jamais será enganado outra vez, ou pela primeira vez que seja, por uma gravadora ou pela distribuição.

Ninguém cita o Lira e seus proprietários como bons samaritanos que nada exigem em troca do serviço prestado à cultura. Nada disso. No caso de uma atividade ser um absoluto fracasso, apenas não há a exigência comum da porcentagem sobre a bilheteria mais o fixo. Sempre é possível fazer-se um arranjo. Numa conversa particular com Tatit, o Gordo confessou que a atividade é lucrativa.

— Ele me disse “eu não estou perdendo nada. Apenas não estou lesando outros também”. E por isto que eu digo que é uma criação no aspecto mercadológico da coisa; é uma novidade mesmo.

Paulo Miklos

A bem da verdade, o que segura tudo isto é uma questão pura e simples de filosofia de trabalho, de ter alguns parâmetros específicos que norteiam os caminhos a serem seguidos. No começo do teatro, havia um critério até meio rigoroso com quem se apresentaria lá, mas, com o passar do tempo, foi interessando muito menos a seleção e mais a proposta de continuidade destes trabalhos. Um exemplo: Paulo Miklos é um músico que já mostrou três propostas diferentes no palco do Lira (e ainda integra a Banda Performática).

— Pode-se gostar ou não, diz o Gordo, mas ninguém pode negar que ele está à procura de um caminho. O que não estamos querendo é incorrer naquele tipo de picaretagem, onde o sujeito monta uma banda durante 15 dias, vem para o teatro, fatura e encerra atividades. Eu acho que estamos vivendo a fase da música-projeto, que pode até desembocar em algo que você pode não concordar esteticamente, mas que abriga uma proposta de continuidade.

Para ele e seus companheiros, o Brasil é um país fundamentalmente velho, com estruturas extremamente impermeáveis e camadas quase impossíveis de serem vencidas

— As veias destas camadas são absolutamente esclerosadas. Então o que nos interessa agora é tentar romper esta esclerose de forma que o sangue possa correr e a troca de idéias se torne mais intensa em todos os níveis, até no estético. Não nos interessa uma estética padronizada — que poderia ser a da vanguarda — mas a ideologia da renovação constante, do fluxo de sangue nas coisas.

O fascínio que existe entre os e novos músicos e o Lira e vice-versa poderia ser algo gerado pelos resultados positivos de alguns trabalhos conjuntos. Mas, numa manhã da semana passada, o instrumentista e compositor Eduardo Gudin chegava ao pequeno escritório do Lira, próximo ao teatro, apenas para uma conversa. A presença de um músico com mais de 15 anos de carreira, com passagens por várias gravadoras grandes, surpreende um pouco. Depois ele esclareceria que encontrou naquelas pessoas ressonância para umas idéias que há muito tempo vem alimentando.

— Eu sempre achei que se estava vinculando o processo do disco independente com o processo estético, quando para mim o disco independente é uma relação de trabalho e não pode ser outra coisa, exatamente porque cai numa atitude quase fascista: ele só tem valor se trouxer uma novidade, se for vanguarda.

Se as gravadoras grandes não querem mais Emilinha Borba e Isaurinha Garcia, elas têm e o direito de gravar independente e na hora que quiserem. Aliás, é melhor ir pelo avesso: quem é que tem o direito de dizer que não pode? O Gordo acha que a relação mais importante é a ideologia da produção do disco e não a parte estética em si.

Para Gudin está surgindo o “diretor artístico hipotético, que não tem cara”, que está dirigindo a estética do independente e que assim acaba por colocar tudo no mesmo nível da relação entre o artista e as grandes gravadoras. O Lira está numa fase que antecede o grande crescimento e este momento, segundo Gudin, exige muito cuidado.

Há o projeto da construção de um teatro novo; um núcleo de rádio dirigido por Geraldo Leite do Grupo Rumo com um programa de várias horas praticamente acertado para ser colocado numa emissora de FM paulista; conseguiu-se o patrocínio da indústria de jeans Berta, para promover excursões do Rumo e do Premê por todo o interior do Estado e Rio de Janeiro no segundo semestre; e a distribuição dos discos produzidos pelo Lira ou simplesmente colocados à venda no teatro deverá abranger o Pais inteiro, por meio de grandes cadeias de lojas. Deixou de ser uma idéia marginal.

— As grandes gravadoras começaram a preocupar-se, confirma Gudin, mas eu não acredito em boicote. Acredito mais na tentativa de assimilação deste processo — o sistema agiu assim com a contra-cultura e tudo o mais. E preciso ter cuidado e eu acho que o Lira está tendo.

Rompendo as fronteiras

O Lira e a nova música paulista já ultrapassaram as fronteiras de São Paulo. Diariamente chegam-à sede do teatro dezenas e dezenas de cartas dos pontos mais variados do Pais, querendo saber o que é o Lira e, no caso de músicos novos, qual a maneira de virem apresentar-se por aqui — do Rio veio o grupo Totocando; do Rio Grande do Sul, o Cheiro de Vida, de São Luiz do Paraitinga, o Paranga; entre outros.

E isto, de certa forma, mostra que há expectativa por nova música e por novas relações de trabalho nesta área. E aí que a maioria das opiniões convergem: há muita gente, em muitos locais, querendo fugir da massificação imposta pela televisão e mesmo pelas cadeias de emissoras FM que mostram a mesma programação, tanto aqui quanto em Brasília, Recife ou Salvador.

Um exemplo prático: a Rádio Fluminense de Niterói saltou do penúltimo para o terceiro lugar em audiência, quando começou a programar os artistas deste mercado alternativo. A festa de aniversário da rádio terá o Premê, o Rumo e Itamar Assumpção.

O Lira ficou sendo conhecido, também, como o local onde se encontram os discos independentes. Há cerca de 40 títulos diferentes à venda e, diariamente, são despachados por mala direta, conforme os pedidos, cerca de 30 discos para os mais diversos pontos do País. Produzidos pelo Lira estão apenas o primeiro disco de Itamar Assumpção (o selo foi criado em função de ele ter um trabalho pronto); o compacto do Premê, Lencinho ou O Destino Assim o Quis (classificado no MPB-Shell); e Cabelos de Sansão, de Tiago Araripe.

E este último trabalho já tem uma história especial: foi cortado em Nova York, no estúdio onde Roberto Carlos corta os seus discos.

— Nossa velocidade de produção nesta área é lenta, conta o Gordo. E o disco é uma coisa cara, em torno do milhão e meio. Esta questão do corte do disco em Nova York para nós tem um outro significado: trabalhamos num mercado duro, onde o disco é entendido como produto e, neste nível, temos de competir com algo que seja de igual qualidade técnica, embora para nós o disco seja projeto, algo como um livro.

A empresa

Quando se questiona se o Lira é uma empresa organizada, a resposta é “desorganizadamente organizada”. Para Luís Tatit, é organizada e eficientemente organizada.

— Acho que a ojeriza é mais conceitual, talvez para não passar uma imagem de rígidos, do paulista rígido e aquelas coisas. Mas, no fundo, funcionam que é uma beleza. Eles estão pretendendo dar um salto e não é um salto pouco ambicioso. O Gordo às vezes me diz: “Eu estou querendo ficar rico”. Só que ele optou pelo caminho mais honesto possível. Eu acho que outros centros semelhantes não proliferaram porque têm de ter um traço qualitativo. Em geral, as pessoas com sensibilidade mais desenvolvida, ou à flor da pele, vão ser artistas e não ligar para o mercado. Do ponto de vista mais humano, acho que é isto que ocorre.

Como relembra Eduardo Gudin, está havendo uma crise e a oferta de artistas é muito maior que a procura.

— A maioria das gravadoras grandes já perdeu até o respeito humano. A arte já é tratada como mercadoria e as pessoas também. As vezes você recebe uma proposta de uma gravadora e alguma coisa muda lá dentro, então você passa três meses para descobrir que a proposta que recebeu já não vale mais nada. Eu acho que o maior problema tem sido a falta de educação.

Para o pessoal do Lira, o Rumo é a grande reportagem de tudo o que está acontecendo. O ideal, dizem eles, seria simplesmente reproduzir a letra de Bem Baixinho, de Luiz Tatit:

Gosto dela meio velha assim mesmo

Ainda ontem eu comentei com meu amigo

Ela é meio velha mas é tão bonita!

E ele disse: Puxai é mesmo!

Ela é assim meio velha mas é tão bonita!

E é uma beleza espontânea, natural

Não tem medo de dizer

Que está amando outra vez

E não diz de qualquer jeito não

Num momento que você está atento

Ela cochicha baixinho e tão pertinho

Que só pode ser você dessa vez e essa nação é assim com todo mundo

Grandalhona, meio velha, mas uma musa e tanto

E quando você menos espera ela diz:

Estou livre outra vez!

Grupo Rumo

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Premeditando o Breque

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Itamar Assumpção

Reportagem sobre a casa Lira Paulistana no Jornal da Tarde de 10 de julho de 1982. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

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