No início da década de 1970, o Brasil vivia uma euforia esportiva, com o País tricampeão mundial de futebol e os títulos de Émerson Fittipaldi na Fórmula 1 e os de Éder Jofre no boxe. Em meio aos vencedores dos esportes de grande apelo popular, uma surpresa surgiu numa modalidade sem tradição de competividade internacional no País: o enxadrista Mequinho.
Jovem jogador de xadrez gaúcho de Santa Cruz do Sul, Mequinho, apelido de Henrique Costa Mecking, entrou para o rol dos grandes ídolos do esporte nacional ao se tornar Mestre Internacional de Xadrez em 1972, título concedido pela Federação Internacional aos jogadores que atingem determinada pontuação na modalidade.
Jornal da Tarde - 18/8/1973
Em agosto de 1973, com 22 anos, Mequinho deu um importante passo em sua carreira ao ser campeão do Torneio Interzonal de Xadrez de Petrópolis. A vitória invicta sobre concorrentes de peso, entre eles o ex-campeão mundial Vasily Smyslov, o gabaritou para disputar o Torneio de Candidatos, que definiria quem seria o desafiante do campeão mundial de xadrez, o americano Bobby Fischer, em 1975.
A grande vitória de Mequinho em Petrópolis foi o destaque do Jornal da Tarde de 18 de agosto de 1973: Ao lado de uma grande foto do enxadrista sorridente, o título informava “Mequinho é o campeão invicto do torneio”, complementado pela legenda “Mequinho só queria ficar entre os três líderes do Interzonal. Ontem, a surpresa: ele é o campeão. Invicto .
Leia a íntegra da cobertura feita pelos repórteres Márcio Guedes e Eduardo Borgonovi, enviados especiais a Petrópolis, que entrevistaram Mequinho em meio ao calor da conquista histórica.
A importância desta vitória de Mequinho: ele não jogará na primeira rodada do Torneio de Candidatos com Spassky ou Petrossian (os adversários mais perigosos), segundo a regulamentação da FIDE — Federação Internacional de Xadrez.
Quanto aos jogadores que terminaram empatados na segunda colocação — Polugaievsky, Geller e Portisch — , eles deverão fazer um pequeno torneio, em dois turnos, para decidir quais serão os dois outros classificados.
Entrevista
As primeiras confissões de Mequinho, o campeão
O campeão do Interzonal de Petrópolis está em se quarto, descansando. Acabou de receber uma série de convites para jantares, festas, homenagens, entrevista exclusivas. Foi empurrado, carregado, abraçado.
Está com seu amigo Herbebert Carvalho, 19 anos, enxadrista paulista, 5° colocado no último Campeonato Paulista.
Mequinho ainda esta com a camisa vermelha do Tijuca, e a faixa da Brahma no braço esquerdo.
JT — Você esperava tudo isto?
Mequinho — Sim, eu sempre tive muita confiança, a minha preparação era mutilo boa.
Herbert — Quais foram as suas grandes emoções neste torneio?
Mequinho — Para mim, ele se caracterizou pela calma. Em nenhum momento eu tive dúvidas quanto à minha classificação. Desde a 5ª rodada, desde as vitórias contra Reshevsky e Savon, tive mais certeza ainda. Eu preferi ir jogando devagar. Tanto que a minha classificação foi lenta.
JT — Com quem você prefere jogar no torneio de candidatos?
Mequinho — Pelo regularnento do Torneio de Candidatos, agora eu não vou jogar nem com Petrossian nem com Spassky. Agora eu posso cair só com Korchnoi. Karpov, Polugaievsky, Byrne, Geller ou Portisch. Eu prefiro pegar o mais fraco. Eu sou cabeça de chave.
JT — Quem e o mais fraco?
Mequinho — Deixa pra lá.
JT — Como pessoa e como jogador, você se identifica mais com Fischer ou com Spassky?
Mequinho — Pessoalmente eu gosto não só de xadrez, mas de viver a vida, de fazer um monte de coisas. Como cinema, teatro, ouvir musica “Pop”. Nas musicas “Pop” calma, não do gênero mais agitado. Esse disco de Cat Steven, por exemplo, é genial. Por isso tudo, eu me identifico mais com o Spassky.
JT — E como jogador?
Mequinho — Eu me identifico mais com Fischer. Você sabe que o Euwe (presidente da Federação Internacional) disse que eu poderia não só ser o desafiante como também surpreender o Fischer?
Herbert — Então poderiamos dizer que você reúne as duas melhores facetas dos dois melhores jogadores da atualidade?
Mequinho — Eu não sei. Uma coisa que eu disse é que me identifico com o estilo de Fischer. Agora, fora do xadrez eu não sou como o Fischer, que só se interssa pelo xadrez.
JT — Você teve algum ídolo, um grande jogador da antiguidade que o inspirou em sua formação exadrística?
Mequinho — Não. Eu vi partidas de todos eles, li muitos livros, mas não me apeguei em particular a nenhum. Eu sempre procurei ver os mestres e melhorar os jogos deles. Mas não me apeguei a nenhum especificamente, entende? Por exemplo, eu li um livro só de Botvinik. E li todos do Keres e do Smyslov, por exemplo.
JT — Mas não há nenhum, um ídolo maior?
Mequinho — Não... Olha, eu agora nem estou acreditando que sou o campeão do lnterzonal. Eu estou tão distante. Eu sempre fui um Jogador de Jogar para vencer, porque eu sempre senti toda essa responsabilidade, pois todos os brasileiros estavam me apoiando, entende?
Sabe o que sinto quando termino um torneio? É como acordar de um grande sonho... Como se todas as partidas fossem dessas de um enorme quebra cabeças, e como se tivessem sido colocadas cada uma no lugar certo, na hora certa. Tudo certo. Uma coisa maravilhosa
Herbert — Fora do xadrez o que lhe pode causar grandes alegrias e grandes tristezas?
Mequinho — Nada me causa grandes tristezas. Grandes alegrias, por exemplo, eu acordar e ver que tem sol. Ou ir a praia e ver que tem ondas. Ou ver árvores. Eu adoro árvores, principalmente árvores altas. Pinheiros, coqueiros. Às vezes eu fico olhando as árvores, uns dez minutos olhando para o alto, assim perdido. Gosto muito de árvores.
JT — É comum você, em intervalo de uma partida e outra, ter na cabeça posições de xadrez?
Mequinho — Sim. Geralmente eu tenho. É comum
Herbert — Por exemplo, no Torneio Zanal Sul-Americano, em São Paulo, o Mequinho me contou que havia sonhado que tinha perdido para o jogador mais fraco do torneio. Acordou apavorado, disse que até se beliscou para ver se era sonho ou verdade.
Mequinho — Um pesadelo, um pesadelo terrível...
JT — Você esta pensando no futuro, fora do xadrez?
Mequinho — Sim. O futuro é legal. Seria tolice de minha parte eu achar que seria ruim o futuro. Aí eu seria infeliz.
JT — Você sabe que às vezes é muito atacado, não?
Mequinho — Sim. Eu sei. E vou explicar por que. Em primeiro lugar, existem aquelas pessoas que falam mal de mim, ou me procuram, com idéias preconcebidas, achando que eu sou maluco ou coisas assim. Em segundo lugar, existem aquelas que têm dor de cotovelo. Há outras também que não têm informações corretas sobre mim, falam mal de mim porque ouviram de outras pessoas. Eu acho muito errado julgar uma pessoa sem informações corretas sobre ela. Eu, por exemplo, conheço muitos artistas, e a imagem que faço deles depois de conhecê-los pessoalmente é bem diferente daquela que existe nos jornais. Isso de julgar as pessoas levianamente é errado. É preciso conhecê-las bem para julgá-las.
Herbert — Você se considera mais sensível que as outras pessoas? Pequenas coisas o incomodam muito?
Mequinho — Não. De maneira nenhuma.
JT — Há quem diga que você tenta imitar Fischer.
Mequinho — Tolice. Eu não tento imitar ninguém. Eu tento ser coerente com as minhas ideias. Eu traço meus planos e tento segui-los E esse plano de ganhar o Interzonal foi um plano muito interessante.
JT — Há muitas especulações sobre que peça você prefere no xadrez. Alguns dizem que você gosta de jogar mais com os cavalos; outros com os Bispos.
Mequinho — Não. Para o enxadrista, há uma integração total entre o xadrez e sua pessoa. Tudo é um conjunto. Quando eu perco um cavalo e fico numa posição perdedora, eu sofro. Aliás, ‘sofro” é um eufemismo; eu fico desesperado. É como se me arrancassem um dedo. Vejam por exemplo, o Reshesky, que neste torneio deu a dama ao Savon, de graça. Ele deu um soco na mesa, quase chorando e disse: “Eu jogo xadrez há 60 unos e nunca me aconteceu isso”!
JT — Você vai ser campeão do Mundo?
Mequinho — Quando? Daqui a um ano?
JT— Em qualquer ano.
Mequinho — Eu sei que vou ser. Não sei quando. Não sei se será daqui a um ano. Mas tenho certeza de que trarei para o Brasil o título mundial.
Jornal da Tarde
Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira. Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo. Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.