Metrô: saiba quem foi o operário símbolo e como foi a primeira viagem dos heróis da construção em 74


Trabalhadores receberam a medalha “Herói do Metrô” e um deles foi escolhido para representar todos os colegas

Por Acervo Estadão
Atualização:

Após seis anos de intenso trabalho, o Metrô de São Paulo foi inaugurado em 14 de setembro de 1974. O repórter Marcos Faerman acompanhou os operários que construíram a grandiosa obra na festa de inauguração e contou aos leitores do Jornal da Tarde como aqueles homens comemoraram, lembraram de colegas mortos e também como alguns deles se frustraram naquele dia. Leia a íntegra.

[Clique nas imagens para ampliar as fotos]

Operários viajam de metrô na inauguração de trecho da linha Norte-Sul do Metrô de São Paulo. São Paulo, SP, 14/9/1974. Foto: Acervo/Estadão
continua após a publicidade

Jornal da Tarde – 16 setembro de 1974

Página do Jornal da Tarde com reportagem sobre os operários que construíram o Metrô de São Paulo. Foto: Acervo Estadão

O OPERÁRIO-SÍMBOLO

continua após a publicidade

Com a medalha, um titulo: “herói do metrô”.

Ele ficou muito quieto, encostado a um gradil, esperando, na Estação Jabaquara. Por fim, foi chamado pelo presidente do Metrô e apresentado ao futuro governador Paulo Egídio. Pouco depois, nervoso, recebia de Laudo Natel, uma medalha. Aquele homem calado e mineiro, chamado Antonio Felipe dos Santos, foi escolhido o “operário-símbolo” das obras do Metrô. Recebeu a homenagem em nome de todos os seus colegas.

CRÔNICAS DO METRÔ PAULISTANO

continua após a publicidade

(Última parte – a viagem dos operários)

Por Marcos Faerman

Há alguma coisa estranha neste vagão do metrô, cheio de operários: aquele sujeito que, ao contrário de todos os outros, não leva o seu capacete na cabeça. Como aquele era o grande dia dos operários, e eles sentiam-se mesmo donos do metrô, o rapaz musculoso arrisca uma pergunta ao estranho:

continua após a publicidade

O senhor também é do metrô?

Ao que ouve:

Não, Não sou do metrô. Mas sou!

continua após a publicidade

Como?

Olha meu nome é Henrique Dluznik, mas todos me

chamam, em Santana, ondo moro, de Motrolino!

continua após a publicidade

Metrolino?

E porque eu sou apaixonado pelo metrô. Desde 68, eu me interesso por tudo do metrô. Talvez seja porque um pedaço do meu edifício, na Cruzeiro do Sul, foi tomado pelo metrô. Vou a tudo que é conferência, exposição, tenho uma imensa pasta de recortes contando tudo sobre o metrô, se o senhor se interessar passe na minha casa. Meu pai foi desapropriado, mas também é amigo da turma do metrô. A gente entra nas obras, vê tudo, e não incomoda porque sabe dos riscos, e tudo o mais.

Metrolino como mais dez mil operários, participou de algumas viagens do metrô. Os operários deram , de modo geral, uma volta só, gritaram, agitaram uma bandeirinha do Brasil que alguns preferiram colocar, com muita bossa, presa ao capacete das firmas, que servia para identificar os trabalhadores — e que também lhes dava direito de comer um sanduíche, tomar um saquinho de Tody, receber uma medalha de construtor, de herói do Metrô, porque era assim que eles realmente se sentiam. Metrolino, não, ele não deu apenas uma volta; deu várias. Ele sabia que no dia seguinte, muita gente em Santana ia perguntar como é que tudo tinha ido. Ele achava que tudo ia muito bem.

Os operários, pelo menos alguns, não pensavam isto. Tinha sido uma luta chegar ao metrô, entrar nos vagões. Primeiro, ficaram muito tempo na rua, tiveram de ouvir discursos, pegar sol, e isto depois de acordar muito cedo, uns às quatro, outros às cinco da manhã. Então, eles se reuniram em alguns cantos da cidade, em torno dos mestres e feitores das obras, e seguiram para o Jabaquara.

Depois dos discursos, quando os grandes foram embora, entraram na fila que lhes daria a medalha de heróis do Metrô, os construtores. A fila era apenas a etapa posterior a uma grande confusão, diante do túnel, onde gritava-se, empurrava-se, um pouco para conseguir um lugar, muito por brincadeira.

Finalmente... entrava-se na obra. Apontavam para uma coisa e outra falavam dos seus trabalhos, e, de modo geral, achavam tudo muito bonito, nem podiam imaginar que ia ficar assim. Começava então, a fila para chegar às medalhas, que eram dadas por umas moças bonitinhas vestidas de azul e branco, e junto a um guichê.

Quem tinha o capacete, era operário — e os capacetes estavam muito bem cuidados, lavados e até encerados. Perto da uma hora, começou tudo isto. Uma e quinze, os primeiros operários entravam, com muitos gritos, dentro do metrô.

Um rapaz estava quieto num canto, nesta viagem histórica. Era Guilhermino Boaventura de Oliveira. Não tinha brincadeira. piada, grito, que o animasse. Gostava de estar voando

dentro do metrô que ele tinha construído, mas isto não o animava, porque ele estava pensando em seu irmão Manuel, lá em Paulistana, no Piauí, e longe da festa. Não achava Guilhermino que fosse justo o mano Manuel não ter também a sua medalha, ele que tanto tinha trabalhado no metrô.

Mas o irmão tinha voltado para a roça. E ele não tinha convencido aquela gente que deviam lhe dar duas medalhas.

Mas a festa continuava.

Viva o metrô!

Viva!

E viva o Brasil!

Viva!

E viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu!

Viva!

Há um trechinho em que os vagões saem do subterrâneo e sobem a luz do dia...

...Viva!

...Gritou o trem inteiro.

Os operários, neste dia, sentiam-se bem pois eram chamados de “senhores convidados”. E, a toda a hora, falavam aqueles alto-falantes: senhores convidados pra cá, senhores convidados para lá. Vejam só, falava um operário, estão nos chamando de “senhor”. Os operários mais jovens estavam vestidos com roupas muito justas, os cabelos grandes, como é moda na classe média, caíam pelos ombros, e muitos estavam com óculos escuros, raybans.

Os operários mais velhos, sóbrios, tinham escovado um terninho surrado, um casaco de se usar em casamento, Dia das Mães. Mas uma coisa era certa, para jovens e velhos: ninguém tirava o capacete, símbolo do trabalho de todos. E quase todos levavam as medalhas nas mãos, e tinham planos de escrever para suas famílias — muitos vieram do Norte — contando aquela proeza toda.

Para guardar alguma lembrança do dia, alguns operários eram fotografados, ao lado da composição, com as medalhas na mão direita, alguns fazendo pose de jogador de futebol. Mas João, um pernambucano, depois de ser fotografado, gritou para o retratista:

Só pago os dez cruzeiros se me der a foto na hora, não sou bobo, gente’, eu sou é pernambucano, venho de terra de gente ruim — e riu — , eu sou homem de ir e voltar!

O retratista fugiu, assustado. E foi pegar outra turminha e lhes dizer que por dez cruzeiros teriam uma recordação absolutamente inesquecível daquele grande dia, e além do mais, ele lhes ensinava uma boa pose, assim, assim, com as medalhas na mão.

A gente vai ficar na história, na história do Brasil — dizia um rapaz, enquanto o vagão inteiro vaiava outro, que achou que a estação da Saúde era o fim da viagem, e quase caiu, ao descer. Recebeu a vaia e voltou, muito envergonhado. Ivaldo, moço pernambucano, dizia que estava satisfeito com tudo isto, e apontava para algumas coisas que tinha feito, no ofício de armador.

Quando falava com algum companheiro, chamava-o só de peão, bem na moda dos operários do metrô. É peão o bom trabalhador, ficando o nome de nó cego para aquele que só atrapalha” — explicava Ivaldo. Mas um operário típico do metrô, quando encontra outro, lá no fundo da obra, grita mesmo é um palavrão. De brincadeira, é claro, dizia ainda Ivaldo.

Quando o metrô passou por certo lugar, um moço mulato começou a falar em voz baixa a respeito de companheiros que teriam morrido por ali...

Eu vi tanta gente morrendo por aqui, eram bons colegas, talvez por distração, iam à linha na hora em que ela estava ligada, e morriam, morriam na hora, imagina só, gente boa. Caíam ali e morriam.

Foram dezenove viagens do metrô com seus operários, neste dia em que parecia que eles eram mesmos os donos do metrô. Lá pelas duas horas, começaram alguns problemas. Os sanduíches e o leite estavam faltando, a alguns trabalhadores ficaram irritados, o bombardearam os dezenove funcionários que faziam a distribuição — gente da burocracia do Metrô, que lamentava não ter ganho medalha.

Alguns trabalhadores estavam irritados com a polícia, que tinha jogado

cachorros em cima da gente da classe, para aborrecimento geral — não era aquele o dia feliz? Às três e quinze, os últimos operários desceram do último trem que corria naquele tarde. Subiram a tempo de ver um grupo dc colegas que não tinha conseguido sequer entrar o metrô — porque a polícia, a mando da administração, não permitiu.

Eram cinqüenta homens que tinham sido levados à festa dos trabalhadores do metrô pelos feitores Aremilton Firmo da Costa e Eliseu Vieira Santana, e que não se conformavam em não receber as medalhas. Estavam ali, sem sanduíche, sem leite, sem nada, mas só pensavam nas medalhas, que queriam mostrar para suas famílias, algum dia, para dizer que tinham trabalhado nas obras do metrô, que “tinham lutado em São Paulo”, como diziam.

Os dois chefes pegaram o pouco dinheiro que tinham e deram para sua turm a comer alguma coisa, num bar ali perto. Mas não sabiam rum como eles e seus homens iriam embora. Como tinha acontecido isto, perguntavam? Acordaram cedinho, pelas seis e meia já estavam na Estação da Liberdade, mas o ônibus do metrô só apareceu para apanhá-los muito depois do meio-dia.

Chegaram pelas duas e meia na festa, e não havia mais festa. Não tinha nada: nem sanduíche, nem leite, nem metrô. Não podiam sequar olhar o metrô — e era isto que os aborrecia. Não eram eles os construtores? e mostravam a carteira de trabalho. Não trabalhavam há anos ali? Quanta poeira comeram para que aquela festa pudesse sair?

Era perto das cinco, e eles ficaram discutindo, sem saber como iam voltar para casa.

Operários viajam de metrô durante a cerimônia de inauguração de trecho da linha Norte-Sul do Metrô de São Paulo. São Paulo, SP, 14/9/1974. Foto: Acervo/Estadão
Jornal da Tarde - 14/9/1974 Foto: Acervo/ Estadão

Pesquisa, digitalização, tratamento de imagens, transcrição, indexação, redação e edição: Liz Batista e Edmundo Leite.

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

Após seis anos de intenso trabalho, o Metrô de São Paulo foi inaugurado em 14 de setembro de 1974. O repórter Marcos Faerman acompanhou os operários que construíram a grandiosa obra na festa de inauguração e contou aos leitores do Jornal da Tarde como aqueles homens comemoraram, lembraram de colegas mortos e também como alguns deles se frustraram naquele dia. Leia a íntegra.

[Clique nas imagens para ampliar as fotos]

Operários viajam de metrô na inauguração de trecho da linha Norte-Sul do Metrô de São Paulo. São Paulo, SP, 14/9/1974. Foto: Acervo/Estadão

Jornal da Tarde – 16 setembro de 1974

Página do Jornal da Tarde com reportagem sobre os operários que construíram o Metrô de São Paulo. Foto: Acervo Estadão

O OPERÁRIO-SÍMBOLO

Com a medalha, um titulo: “herói do metrô”.

Ele ficou muito quieto, encostado a um gradil, esperando, na Estação Jabaquara. Por fim, foi chamado pelo presidente do Metrô e apresentado ao futuro governador Paulo Egídio. Pouco depois, nervoso, recebia de Laudo Natel, uma medalha. Aquele homem calado e mineiro, chamado Antonio Felipe dos Santos, foi escolhido o “operário-símbolo” das obras do Metrô. Recebeu a homenagem em nome de todos os seus colegas.

CRÔNICAS DO METRÔ PAULISTANO

(Última parte – a viagem dos operários)

Por Marcos Faerman

Há alguma coisa estranha neste vagão do metrô, cheio de operários: aquele sujeito que, ao contrário de todos os outros, não leva o seu capacete na cabeça. Como aquele era o grande dia dos operários, e eles sentiam-se mesmo donos do metrô, o rapaz musculoso arrisca uma pergunta ao estranho:

O senhor também é do metrô?

Ao que ouve:

Não, Não sou do metrô. Mas sou!

Como?

Olha meu nome é Henrique Dluznik, mas todos me

chamam, em Santana, ondo moro, de Motrolino!

Metrolino?

E porque eu sou apaixonado pelo metrô. Desde 68, eu me interesso por tudo do metrô. Talvez seja porque um pedaço do meu edifício, na Cruzeiro do Sul, foi tomado pelo metrô. Vou a tudo que é conferência, exposição, tenho uma imensa pasta de recortes contando tudo sobre o metrô, se o senhor se interessar passe na minha casa. Meu pai foi desapropriado, mas também é amigo da turma do metrô. A gente entra nas obras, vê tudo, e não incomoda porque sabe dos riscos, e tudo o mais.

Metrolino como mais dez mil operários, participou de algumas viagens do metrô. Os operários deram , de modo geral, uma volta só, gritaram, agitaram uma bandeirinha do Brasil que alguns preferiram colocar, com muita bossa, presa ao capacete das firmas, que servia para identificar os trabalhadores — e que também lhes dava direito de comer um sanduíche, tomar um saquinho de Tody, receber uma medalha de construtor, de herói do Metrô, porque era assim que eles realmente se sentiam. Metrolino, não, ele não deu apenas uma volta; deu várias. Ele sabia que no dia seguinte, muita gente em Santana ia perguntar como é que tudo tinha ido. Ele achava que tudo ia muito bem.

Os operários, pelo menos alguns, não pensavam isto. Tinha sido uma luta chegar ao metrô, entrar nos vagões. Primeiro, ficaram muito tempo na rua, tiveram de ouvir discursos, pegar sol, e isto depois de acordar muito cedo, uns às quatro, outros às cinco da manhã. Então, eles se reuniram em alguns cantos da cidade, em torno dos mestres e feitores das obras, e seguiram para o Jabaquara.

Depois dos discursos, quando os grandes foram embora, entraram na fila que lhes daria a medalha de heróis do Metrô, os construtores. A fila era apenas a etapa posterior a uma grande confusão, diante do túnel, onde gritava-se, empurrava-se, um pouco para conseguir um lugar, muito por brincadeira.

Finalmente... entrava-se na obra. Apontavam para uma coisa e outra falavam dos seus trabalhos, e, de modo geral, achavam tudo muito bonito, nem podiam imaginar que ia ficar assim. Começava então, a fila para chegar às medalhas, que eram dadas por umas moças bonitinhas vestidas de azul e branco, e junto a um guichê.

Quem tinha o capacete, era operário — e os capacetes estavam muito bem cuidados, lavados e até encerados. Perto da uma hora, começou tudo isto. Uma e quinze, os primeiros operários entravam, com muitos gritos, dentro do metrô.

Um rapaz estava quieto num canto, nesta viagem histórica. Era Guilhermino Boaventura de Oliveira. Não tinha brincadeira. piada, grito, que o animasse. Gostava de estar voando

dentro do metrô que ele tinha construído, mas isto não o animava, porque ele estava pensando em seu irmão Manuel, lá em Paulistana, no Piauí, e longe da festa. Não achava Guilhermino que fosse justo o mano Manuel não ter também a sua medalha, ele que tanto tinha trabalhado no metrô.

Mas o irmão tinha voltado para a roça. E ele não tinha convencido aquela gente que deviam lhe dar duas medalhas.

Mas a festa continuava.

Viva o metrô!

Viva!

E viva o Brasil!

Viva!

E viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu!

Viva!

Há um trechinho em que os vagões saem do subterrâneo e sobem a luz do dia...

...Viva!

...Gritou o trem inteiro.

Os operários, neste dia, sentiam-se bem pois eram chamados de “senhores convidados”. E, a toda a hora, falavam aqueles alto-falantes: senhores convidados pra cá, senhores convidados para lá. Vejam só, falava um operário, estão nos chamando de “senhor”. Os operários mais jovens estavam vestidos com roupas muito justas, os cabelos grandes, como é moda na classe média, caíam pelos ombros, e muitos estavam com óculos escuros, raybans.

Os operários mais velhos, sóbrios, tinham escovado um terninho surrado, um casaco de se usar em casamento, Dia das Mães. Mas uma coisa era certa, para jovens e velhos: ninguém tirava o capacete, símbolo do trabalho de todos. E quase todos levavam as medalhas nas mãos, e tinham planos de escrever para suas famílias — muitos vieram do Norte — contando aquela proeza toda.

Para guardar alguma lembrança do dia, alguns operários eram fotografados, ao lado da composição, com as medalhas na mão direita, alguns fazendo pose de jogador de futebol. Mas João, um pernambucano, depois de ser fotografado, gritou para o retratista:

Só pago os dez cruzeiros se me der a foto na hora, não sou bobo, gente’, eu sou é pernambucano, venho de terra de gente ruim — e riu — , eu sou homem de ir e voltar!

O retratista fugiu, assustado. E foi pegar outra turminha e lhes dizer que por dez cruzeiros teriam uma recordação absolutamente inesquecível daquele grande dia, e além do mais, ele lhes ensinava uma boa pose, assim, assim, com as medalhas na mão.

A gente vai ficar na história, na história do Brasil — dizia um rapaz, enquanto o vagão inteiro vaiava outro, que achou que a estação da Saúde era o fim da viagem, e quase caiu, ao descer. Recebeu a vaia e voltou, muito envergonhado. Ivaldo, moço pernambucano, dizia que estava satisfeito com tudo isto, e apontava para algumas coisas que tinha feito, no ofício de armador.

Quando falava com algum companheiro, chamava-o só de peão, bem na moda dos operários do metrô. É peão o bom trabalhador, ficando o nome de nó cego para aquele que só atrapalha” — explicava Ivaldo. Mas um operário típico do metrô, quando encontra outro, lá no fundo da obra, grita mesmo é um palavrão. De brincadeira, é claro, dizia ainda Ivaldo.

Quando o metrô passou por certo lugar, um moço mulato começou a falar em voz baixa a respeito de companheiros que teriam morrido por ali...

Eu vi tanta gente morrendo por aqui, eram bons colegas, talvez por distração, iam à linha na hora em que ela estava ligada, e morriam, morriam na hora, imagina só, gente boa. Caíam ali e morriam.

Foram dezenove viagens do metrô com seus operários, neste dia em que parecia que eles eram mesmos os donos do metrô. Lá pelas duas horas, começaram alguns problemas. Os sanduíches e o leite estavam faltando, a alguns trabalhadores ficaram irritados, o bombardearam os dezenove funcionários que faziam a distribuição — gente da burocracia do Metrô, que lamentava não ter ganho medalha.

Alguns trabalhadores estavam irritados com a polícia, que tinha jogado

cachorros em cima da gente da classe, para aborrecimento geral — não era aquele o dia feliz? Às três e quinze, os últimos operários desceram do último trem que corria naquele tarde. Subiram a tempo de ver um grupo dc colegas que não tinha conseguido sequer entrar o metrô — porque a polícia, a mando da administração, não permitiu.

Eram cinqüenta homens que tinham sido levados à festa dos trabalhadores do metrô pelos feitores Aremilton Firmo da Costa e Eliseu Vieira Santana, e que não se conformavam em não receber as medalhas. Estavam ali, sem sanduíche, sem leite, sem nada, mas só pensavam nas medalhas, que queriam mostrar para suas famílias, algum dia, para dizer que tinham trabalhado nas obras do metrô, que “tinham lutado em São Paulo”, como diziam.

Os dois chefes pegaram o pouco dinheiro que tinham e deram para sua turm a comer alguma coisa, num bar ali perto. Mas não sabiam rum como eles e seus homens iriam embora. Como tinha acontecido isto, perguntavam? Acordaram cedinho, pelas seis e meia já estavam na Estação da Liberdade, mas o ônibus do metrô só apareceu para apanhá-los muito depois do meio-dia.

Chegaram pelas duas e meia na festa, e não havia mais festa. Não tinha nada: nem sanduíche, nem leite, nem metrô. Não podiam sequar olhar o metrô — e era isto que os aborrecia. Não eram eles os construtores? e mostravam a carteira de trabalho. Não trabalhavam há anos ali? Quanta poeira comeram para que aquela festa pudesse sair?

Era perto das cinco, e eles ficaram discutindo, sem saber como iam voltar para casa.

Operários viajam de metrô durante a cerimônia de inauguração de trecho da linha Norte-Sul do Metrô de São Paulo. São Paulo, SP, 14/9/1974. Foto: Acervo/Estadão
Jornal da Tarde - 14/9/1974 Foto: Acervo/ Estadão

Pesquisa, digitalização, tratamento de imagens, transcrição, indexação, redação e edição: Liz Batista e Edmundo Leite.

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

Após seis anos de intenso trabalho, o Metrô de São Paulo foi inaugurado em 14 de setembro de 1974. O repórter Marcos Faerman acompanhou os operários que construíram a grandiosa obra na festa de inauguração e contou aos leitores do Jornal da Tarde como aqueles homens comemoraram, lembraram de colegas mortos e também como alguns deles se frustraram naquele dia. Leia a íntegra.

[Clique nas imagens para ampliar as fotos]

Operários viajam de metrô na inauguração de trecho da linha Norte-Sul do Metrô de São Paulo. São Paulo, SP, 14/9/1974. Foto: Acervo/Estadão

Jornal da Tarde – 16 setembro de 1974

Página do Jornal da Tarde com reportagem sobre os operários que construíram o Metrô de São Paulo. Foto: Acervo Estadão

O OPERÁRIO-SÍMBOLO

Com a medalha, um titulo: “herói do metrô”.

Ele ficou muito quieto, encostado a um gradil, esperando, na Estação Jabaquara. Por fim, foi chamado pelo presidente do Metrô e apresentado ao futuro governador Paulo Egídio. Pouco depois, nervoso, recebia de Laudo Natel, uma medalha. Aquele homem calado e mineiro, chamado Antonio Felipe dos Santos, foi escolhido o “operário-símbolo” das obras do Metrô. Recebeu a homenagem em nome de todos os seus colegas.

CRÔNICAS DO METRÔ PAULISTANO

(Última parte – a viagem dos operários)

Por Marcos Faerman

Há alguma coisa estranha neste vagão do metrô, cheio de operários: aquele sujeito que, ao contrário de todos os outros, não leva o seu capacete na cabeça. Como aquele era o grande dia dos operários, e eles sentiam-se mesmo donos do metrô, o rapaz musculoso arrisca uma pergunta ao estranho:

O senhor também é do metrô?

Ao que ouve:

Não, Não sou do metrô. Mas sou!

Como?

Olha meu nome é Henrique Dluznik, mas todos me

chamam, em Santana, ondo moro, de Motrolino!

Metrolino?

E porque eu sou apaixonado pelo metrô. Desde 68, eu me interesso por tudo do metrô. Talvez seja porque um pedaço do meu edifício, na Cruzeiro do Sul, foi tomado pelo metrô. Vou a tudo que é conferência, exposição, tenho uma imensa pasta de recortes contando tudo sobre o metrô, se o senhor se interessar passe na minha casa. Meu pai foi desapropriado, mas também é amigo da turma do metrô. A gente entra nas obras, vê tudo, e não incomoda porque sabe dos riscos, e tudo o mais.

Metrolino como mais dez mil operários, participou de algumas viagens do metrô. Os operários deram , de modo geral, uma volta só, gritaram, agitaram uma bandeirinha do Brasil que alguns preferiram colocar, com muita bossa, presa ao capacete das firmas, que servia para identificar os trabalhadores — e que também lhes dava direito de comer um sanduíche, tomar um saquinho de Tody, receber uma medalha de construtor, de herói do Metrô, porque era assim que eles realmente se sentiam. Metrolino, não, ele não deu apenas uma volta; deu várias. Ele sabia que no dia seguinte, muita gente em Santana ia perguntar como é que tudo tinha ido. Ele achava que tudo ia muito bem.

Os operários, pelo menos alguns, não pensavam isto. Tinha sido uma luta chegar ao metrô, entrar nos vagões. Primeiro, ficaram muito tempo na rua, tiveram de ouvir discursos, pegar sol, e isto depois de acordar muito cedo, uns às quatro, outros às cinco da manhã. Então, eles se reuniram em alguns cantos da cidade, em torno dos mestres e feitores das obras, e seguiram para o Jabaquara.

Depois dos discursos, quando os grandes foram embora, entraram na fila que lhes daria a medalha de heróis do Metrô, os construtores. A fila era apenas a etapa posterior a uma grande confusão, diante do túnel, onde gritava-se, empurrava-se, um pouco para conseguir um lugar, muito por brincadeira.

Finalmente... entrava-se na obra. Apontavam para uma coisa e outra falavam dos seus trabalhos, e, de modo geral, achavam tudo muito bonito, nem podiam imaginar que ia ficar assim. Começava então, a fila para chegar às medalhas, que eram dadas por umas moças bonitinhas vestidas de azul e branco, e junto a um guichê.

Quem tinha o capacete, era operário — e os capacetes estavam muito bem cuidados, lavados e até encerados. Perto da uma hora, começou tudo isto. Uma e quinze, os primeiros operários entravam, com muitos gritos, dentro do metrô.

Um rapaz estava quieto num canto, nesta viagem histórica. Era Guilhermino Boaventura de Oliveira. Não tinha brincadeira. piada, grito, que o animasse. Gostava de estar voando

dentro do metrô que ele tinha construído, mas isto não o animava, porque ele estava pensando em seu irmão Manuel, lá em Paulistana, no Piauí, e longe da festa. Não achava Guilhermino que fosse justo o mano Manuel não ter também a sua medalha, ele que tanto tinha trabalhado no metrô.

Mas o irmão tinha voltado para a roça. E ele não tinha convencido aquela gente que deviam lhe dar duas medalhas.

Mas a festa continuava.

Viva o metrô!

Viva!

E viva o Brasil!

Viva!

E viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu!

Viva!

Há um trechinho em que os vagões saem do subterrâneo e sobem a luz do dia...

...Viva!

...Gritou o trem inteiro.

Os operários, neste dia, sentiam-se bem pois eram chamados de “senhores convidados”. E, a toda a hora, falavam aqueles alto-falantes: senhores convidados pra cá, senhores convidados para lá. Vejam só, falava um operário, estão nos chamando de “senhor”. Os operários mais jovens estavam vestidos com roupas muito justas, os cabelos grandes, como é moda na classe média, caíam pelos ombros, e muitos estavam com óculos escuros, raybans.

Os operários mais velhos, sóbrios, tinham escovado um terninho surrado, um casaco de se usar em casamento, Dia das Mães. Mas uma coisa era certa, para jovens e velhos: ninguém tirava o capacete, símbolo do trabalho de todos. E quase todos levavam as medalhas nas mãos, e tinham planos de escrever para suas famílias — muitos vieram do Norte — contando aquela proeza toda.

Para guardar alguma lembrança do dia, alguns operários eram fotografados, ao lado da composição, com as medalhas na mão direita, alguns fazendo pose de jogador de futebol. Mas João, um pernambucano, depois de ser fotografado, gritou para o retratista:

Só pago os dez cruzeiros se me der a foto na hora, não sou bobo, gente’, eu sou é pernambucano, venho de terra de gente ruim — e riu — , eu sou homem de ir e voltar!

O retratista fugiu, assustado. E foi pegar outra turminha e lhes dizer que por dez cruzeiros teriam uma recordação absolutamente inesquecível daquele grande dia, e além do mais, ele lhes ensinava uma boa pose, assim, assim, com as medalhas na mão.

A gente vai ficar na história, na história do Brasil — dizia um rapaz, enquanto o vagão inteiro vaiava outro, que achou que a estação da Saúde era o fim da viagem, e quase caiu, ao descer. Recebeu a vaia e voltou, muito envergonhado. Ivaldo, moço pernambucano, dizia que estava satisfeito com tudo isto, e apontava para algumas coisas que tinha feito, no ofício de armador.

Quando falava com algum companheiro, chamava-o só de peão, bem na moda dos operários do metrô. É peão o bom trabalhador, ficando o nome de nó cego para aquele que só atrapalha” — explicava Ivaldo. Mas um operário típico do metrô, quando encontra outro, lá no fundo da obra, grita mesmo é um palavrão. De brincadeira, é claro, dizia ainda Ivaldo.

Quando o metrô passou por certo lugar, um moço mulato começou a falar em voz baixa a respeito de companheiros que teriam morrido por ali...

Eu vi tanta gente morrendo por aqui, eram bons colegas, talvez por distração, iam à linha na hora em que ela estava ligada, e morriam, morriam na hora, imagina só, gente boa. Caíam ali e morriam.

Foram dezenove viagens do metrô com seus operários, neste dia em que parecia que eles eram mesmos os donos do metrô. Lá pelas duas horas, começaram alguns problemas. Os sanduíches e o leite estavam faltando, a alguns trabalhadores ficaram irritados, o bombardearam os dezenove funcionários que faziam a distribuição — gente da burocracia do Metrô, que lamentava não ter ganho medalha.

Alguns trabalhadores estavam irritados com a polícia, que tinha jogado

cachorros em cima da gente da classe, para aborrecimento geral — não era aquele o dia feliz? Às três e quinze, os últimos operários desceram do último trem que corria naquele tarde. Subiram a tempo de ver um grupo dc colegas que não tinha conseguido sequer entrar o metrô — porque a polícia, a mando da administração, não permitiu.

Eram cinqüenta homens que tinham sido levados à festa dos trabalhadores do metrô pelos feitores Aremilton Firmo da Costa e Eliseu Vieira Santana, e que não se conformavam em não receber as medalhas. Estavam ali, sem sanduíche, sem leite, sem nada, mas só pensavam nas medalhas, que queriam mostrar para suas famílias, algum dia, para dizer que tinham trabalhado nas obras do metrô, que “tinham lutado em São Paulo”, como diziam.

Os dois chefes pegaram o pouco dinheiro que tinham e deram para sua turm a comer alguma coisa, num bar ali perto. Mas não sabiam rum como eles e seus homens iriam embora. Como tinha acontecido isto, perguntavam? Acordaram cedinho, pelas seis e meia já estavam na Estação da Liberdade, mas o ônibus do metrô só apareceu para apanhá-los muito depois do meio-dia.

Chegaram pelas duas e meia na festa, e não havia mais festa. Não tinha nada: nem sanduíche, nem leite, nem metrô. Não podiam sequar olhar o metrô — e era isto que os aborrecia. Não eram eles os construtores? e mostravam a carteira de trabalho. Não trabalhavam há anos ali? Quanta poeira comeram para que aquela festa pudesse sair?

Era perto das cinco, e eles ficaram discutindo, sem saber como iam voltar para casa.

Operários viajam de metrô durante a cerimônia de inauguração de trecho da linha Norte-Sul do Metrô de São Paulo. São Paulo, SP, 14/9/1974. Foto: Acervo/Estadão
Jornal da Tarde - 14/9/1974 Foto: Acervo/ Estadão

Pesquisa, digitalização, tratamento de imagens, transcrição, indexação, redação e edição: Liz Batista e Edmundo Leite.

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

Após seis anos de intenso trabalho, o Metrô de São Paulo foi inaugurado em 14 de setembro de 1974. O repórter Marcos Faerman acompanhou os operários que construíram a grandiosa obra na festa de inauguração e contou aos leitores do Jornal da Tarde como aqueles homens comemoraram, lembraram de colegas mortos e também como alguns deles se frustraram naquele dia. Leia a íntegra.

[Clique nas imagens para ampliar as fotos]

Operários viajam de metrô na inauguração de trecho da linha Norte-Sul do Metrô de São Paulo. São Paulo, SP, 14/9/1974. Foto: Acervo/Estadão

Jornal da Tarde – 16 setembro de 1974

Página do Jornal da Tarde com reportagem sobre os operários que construíram o Metrô de São Paulo. Foto: Acervo Estadão

O OPERÁRIO-SÍMBOLO

Com a medalha, um titulo: “herói do metrô”.

Ele ficou muito quieto, encostado a um gradil, esperando, na Estação Jabaquara. Por fim, foi chamado pelo presidente do Metrô e apresentado ao futuro governador Paulo Egídio. Pouco depois, nervoso, recebia de Laudo Natel, uma medalha. Aquele homem calado e mineiro, chamado Antonio Felipe dos Santos, foi escolhido o “operário-símbolo” das obras do Metrô. Recebeu a homenagem em nome de todos os seus colegas.

CRÔNICAS DO METRÔ PAULISTANO

(Última parte – a viagem dos operários)

Por Marcos Faerman

Há alguma coisa estranha neste vagão do metrô, cheio de operários: aquele sujeito que, ao contrário de todos os outros, não leva o seu capacete na cabeça. Como aquele era o grande dia dos operários, e eles sentiam-se mesmo donos do metrô, o rapaz musculoso arrisca uma pergunta ao estranho:

O senhor também é do metrô?

Ao que ouve:

Não, Não sou do metrô. Mas sou!

Como?

Olha meu nome é Henrique Dluznik, mas todos me

chamam, em Santana, ondo moro, de Motrolino!

Metrolino?

E porque eu sou apaixonado pelo metrô. Desde 68, eu me interesso por tudo do metrô. Talvez seja porque um pedaço do meu edifício, na Cruzeiro do Sul, foi tomado pelo metrô. Vou a tudo que é conferência, exposição, tenho uma imensa pasta de recortes contando tudo sobre o metrô, se o senhor se interessar passe na minha casa. Meu pai foi desapropriado, mas também é amigo da turma do metrô. A gente entra nas obras, vê tudo, e não incomoda porque sabe dos riscos, e tudo o mais.

Metrolino como mais dez mil operários, participou de algumas viagens do metrô. Os operários deram , de modo geral, uma volta só, gritaram, agitaram uma bandeirinha do Brasil que alguns preferiram colocar, com muita bossa, presa ao capacete das firmas, que servia para identificar os trabalhadores — e que também lhes dava direito de comer um sanduíche, tomar um saquinho de Tody, receber uma medalha de construtor, de herói do Metrô, porque era assim que eles realmente se sentiam. Metrolino, não, ele não deu apenas uma volta; deu várias. Ele sabia que no dia seguinte, muita gente em Santana ia perguntar como é que tudo tinha ido. Ele achava que tudo ia muito bem.

Os operários, pelo menos alguns, não pensavam isto. Tinha sido uma luta chegar ao metrô, entrar nos vagões. Primeiro, ficaram muito tempo na rua, tiveram de ouvir discursos, pegar sol, e isto depois de acordar muito cedo, uns às quatro, outros às cinco da manhã. Então, eles se reuniram em alguns cantos da cidade, em torno dos mestres e feitores das obras, e seguiram para o Jabaquara.

Depois dos discursos, quando os grandes foram embora, entraram na fila que lhes daria a medalha de heróis do Metrô, os construtores. A fila era apenas a etapa posterior a uma grande confusão, diante do túnel, onde gritava-se, empurrava-se, um pouco para conseguir um lugar, muito por brincadeira.

Finalmente... entrava-se na obra. Apontavam para uma coisa e outra falavam dos seus trabalhos, e, de modo geral, achavam tudo muito bonito, nem podiam imaginar que ia ficar assim. Começava então, a fila para chegar às medalhas, que eram dadas por umas moças bonitinhas vestidas de azul e branco, e junto a um guichê.

Quem tinha o capacete, era operário — e os capacetes estavam muito bem cuidados, lavados e até encerados. Perto da uma hora, começou tudo isto. Uma e quinze, os primeiros operários entravam, com muitos gritos, dentro do metrô.

Um rapaz estava quieto num canto, nesta viagem histórica. Era Guilhermino Boaventura de Oliveira. Não tinha brincadeira. piada, grito, que o animasse. Gostava de estar voando

dentro do metrô que ele tinha construído, mas isto não o animava, porque ele estava pensando em seu irmão Manuel, lá em Paulistana, no Piauí, e longe da festa. Não achava Guilhermino que fosse justo o mano Manuel não ter também a sua medalha, ele que tanto tinha trabalhado no metrô.

Mas o irmão tinha voltado para a roça. E ele não tinha convencido aquela gente que deviam lhe dar duas medalhas.

Mas a festa continuava.

Viva o metrô!

Viva!

E viva o Brasil!

Viva!

E viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu!

Viva!

Há um trechinho em que os vagões saem do subterrâneo e sobem a luz do dia...

...Viva!

...Gritou o trem inteiro.

Os operários, neste dia, sentiam-se bem pois eram chamados de “senhores convidados”. E, a toda a hora, falavam aqueles alto-falantes: senhores convidados pra cá, senhores convidados para lá. Vejam só, falava um operário, estão nos chamando de “senhor”. Os operários mais jovens estavam vestidos com roupas muito justas, os cabelos grandes, como é moda na classe média, caíam pelos ombros, e muitos estavam com óculos escuros, raybans.

Os operários mais velhos, sóbrios, tinham escovado um terninho surrado, um casaco de se usar em casamento, Dia das Mães. Mas uma coisa era certa, para jovens e velhos: ninguém tirava o capacete, símbolo do trabalho de todos. E quase todos levavam as medalhas nas mãos, e tinham planos de escrever para suas famílias — muitos vieram do Norte — contando aquela proeza toda.

Para guardar alguma lembrança do dia, alguns operários eram fotografados, ao lado da composição, com as medalhas na mão direita, alguns fazendo pose de jogador de futebol. Mas João, um pernambucano, depois de ser fotografado, gritou para o retratista:

Só pago os dez cruzeiros se me der a foto na hora, não sou bobo, gente’, eu sou é pernambucano, venho de terra de gente ruim — e riu — , eu sou homem de ir e voltar!

O retratista fugiu, assustado. E foi pegar outra turminha e lhes dizer que por dez cruzeiros teriam uma recordação absolutamente inesquecível daquele grande dia, e além do mais, ele lhes ensinava uma boa pose, assim, assim, com as medalhas na mão.

A gente vai ficar na história, na história do Brasil — dizia um rapaz, enquanto o vagão inteiro vaiava outro, que achou que a estação da Saúde era o fim da viagem, e quase caiu, ao descer. Recebeu a vaia e voltou, muito envergonhado. Ivaldo, moço pernambucano, dizia que estava satisfeito com tudo isto, e apontava para algumas coisas que tinha feito, no ofício de armador.

Quando falava com algum companheiro, chamava-o só de peão, bem na moda dos operários do metrô. É peão o bom trabalhador, ficando o nome de nó cego para aquele que só atrapalha” — explicava Ivaldo. Mas um operário típico do metrô, quando encontra outro, lá no fundo da obra, grita mesmo é um palavrão. De brincadeira, é claro, dizia ainda Ivaldo.

Quando o metrô passou por certo lugar, um moço mulato começou a falar em voz baixa a respeito de companheiros que teriam morrido por ali...

Eu vi tanta gente morrendo por aqui, eram bons colegas, talvez por distração, iam à linha na hora em que ela estava ligada, e morriam, morriam na hora, imagina só, gente boa. Caíam ali e morriam.

Foram dezenove viagens do metrô com seus operários, neste dia em que parecia que eles eram mesmos os donos do metrô. Lá pelas duas horas, começaram alguns problemas. Os sanduíches e o leite estavam faltando, a alguns trabalhadores ficaram irritados, o bombardearam os dezenove funcionários que faziam a distribuição — gente da burocracia do Metrô, que lamentava não ter ganho medalha.

Alguns trabalhadores estavam irritados com a polícia, que tinha jogado

cachorros em cima da gente da classe, para aborrecimento geral — não era aquele o dia feliz? Às três e quinze, os últimos operários desceram do último trem que corria naquele tarde. Subiram a tempo de ver um grupo dc colegas que não tinha conseguido sequer entrar o metrô — porque a polícia, a mando da administração, não permitiu.

Eram cinqüenta homens que tinham sido levados à festa dos trabalhadores do metrô pelos feitores Aremilton Firmo da Costa e Eliseu Vieira Santana, e que não se conformavam em não receber as medalhas. Estavam ali, sem sanduíche, sem leite, sem nada, mas só pensavam nas medalhas, que queriam mostrar para suas famílias, algum dia, para dizer que tinham trabalhado nas obras do metrô, que “tinham lutado em São Paulo”, como diziam.

Os dois chefes pegaram o pouco dinheiro que tinham e deram para sua turm a comer alguma coisa, num bar ali perto. Mas não sabiam rum como eles e seus homens iriam embora. Como tinha acontecido isto, perguntavam? Acordaram cedinho, pelas seis e meia já estavam na Estação da Liberdade, mas o ônibus do metrô só apareceu para apanhá-los muito depois do meio-dia.

Chegaram pelas duas e meia na festa, e não havia mais festa. Não tinha nada: nem sanduíche, nem leite, nem metrô. Não podiam sequar olhar o metrô — e era isto que os aborrecia. Não eram eles os construtores? e mostravam a carteira de trabalho. Não trabalhavam há anos ali? Quanta poeira comeram para que aquela festa pudesse sair?

Era perto das cinco, e eles ficaram discutindo, sem saber como iam voltar para casa.

Operários viajam de metrô durante a cerimônia de inauguração de trecho da linha Norte-Sul do Metrô de São Paulo. São Paulo, SP, 14/9/1974. Foto: Acervo/Estadão
Jornal da Tarde - 14/9/1974 Foto: Acervo/ Estadão

Pesquisa, digitalização, tratamento de imagens, transcrição, indexação, redação e edição: Liz Batista e Edmundo Leite.

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.