O fim do Presídio Tiradentes em 1973: “feição medieval”


Leia texto do repórter Percival de Souza publicado no Jornal da Tarde

Por Edmundo Leite
Atualização:

Localizado na Avenida Tiradentes, no centro de São Paulo, o Presídio Tiradentes que existia desde o século 19 foi desativado em 1973 por causa de suas más condições e demolido em seguida. O portão principal foi preservado como patrimônio histórico e pode ser visto a alguns passos da estação Tiradentes do Metrô.

O repórter Percival de Souza contou no Jornal da Tarde de 8 de maio de 1973 como foi decretado o seu fim e como eram as condições do local que por alguns períodos também recebeu presos políticos, como Monteiro Lobato e Dilma Rousseff. “um presídio de feição medieval”, nas palavras do procurador Hélio Bicudo.

Reportagem sobre o fim do Presídio Tiradentes no Jornal da tarde de 8 de maio de 1973. Foto: Acervo Estadão
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Jornal da Tarde - 8 de maio de 1973

O fim de 196 tristes anos do Presídio Tiradentes

Percival de Souza

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O fim do Presídio Tiradentes — um velho pedido do Poder Judiciário — está decretado: dois engenheiros fizeram, a pedido da Corregedoria dos Presídios e da Polícia Judiciária, uma vistoria no casarão de 222 anos, que há 196 funciona como presídio e concluiram:

“Face à vistoria realizada no Presídio Tiradentes, somos de opinião que o mesmo deverá ser interditado imediatamente. Esta medida se faz necessária pelos seguintes fatos principais: iminência de desabamentos parciais e risco de incêndio em qualquer das dependências vistoriadas, face à precariedade das instalações elétricas adaptadas e infiltração das águas da chuva na rede elétrica, seja a das lajes, seja das paredes, seja dos pisos”.

O presídio deve ser fechado nesta semana. A conclusão dos engenheiros João Dadian e Marino Pedro Nicoletti foi apenas a última, com um parecer técnico. Antes disso, vários juristas já achavam que o presídio deveria deixar de funcionar.

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O procurador Hélio Bicudo, por exemplo, ao fazer uma conferência, observou que se tratava de “um presídio de feição medieval”:

— ... Homens, reduzidos à condição de animais, que se amontoam em celas infectas, sempre acrescidas de mais alguns após as famosas “batidas policiais”. Eles aí dão ingresso, muitas vezes com qualificação inverídica, e passam a vegetar naquilo que a gíria policial convenciou chamar de “môfo”.

Até o governador Laudo Natel, ao examinar as celas dos velhos presídios e conversar com alguns presos, chegou a comentar que via “um quadro desumano”, e que “este estado de coisas não pode perdurar”.

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LAUDO PERICIAL

Agora o Recolhimento de Presos Tiradentes será interditado: o juiz-corregedor, Renato Laércio Talli, já tomou essa decisão, e para executá-la falta apenas um laudo pericial do Departamento de Obras Públicas. Esse laudo foi pedido há alguns tempos, deve ficar pronto esta semana. Então, o juiz baixará uma portaria para que as portas e as celas do velho presidio se fechem para sempre.

Fazendo uma vistoria no Recolhimento de Presos Tiradentes, o promotor João Benedicto de Azevedo Marques chegava — há cerca de dois anos — a algumas conclusões: o presídio se apresentava com “excesso de lotação, ausência de camas, ausência de colchões, instalações sanitárias precárias, deficiência de iluminação, ausência de cobertores e agasalhos, promiscuidade, goteiras, mau cheiro, umidade e grande quantidade de lixo depositada em àrea contígua à carceragem”.

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Tudo isso, para o promotor João Benedicto de Azevedo Marques, significava que ‘’São Paulo, pela tradição de seu povo, não pode tolerar a existência de carceragem de presos correçionais do Recolhimento Tiradentes, conhecida, também, por “calabouço”, termo que, infelizmente, lhe calha bem”. O promotor dizia, ainda, que “o Estado, mantendo aquele depósito ilegal, está pagando para a formação de um criminoso mais violento e agressivo”. Conclusão do promotor Azevedo Marques:

— O espetaculo que presenciamos na carceragem do Recolhimento de Presos Tiradentes foi deprimente e nos marcou de forma indelével. Mas ternos a certeza de que tais fatos não se repetirão ern futuro próximo, pois o atual governo, desde o seu início, se voltou para o problema penitenciário e, dando prova de sua seriedade, designou um ilustre membro do Ministério Público para presidir o Departamento dos Institutos Penais do Estado.

Era a continuação de uma antiga luta para a interdição do presídio. Dezoito anos antes, o então diretor do Departamento de Presídios do Estado, J.B. Viana de Moraes, informava ao governador do Estado, em relatório, que “de reforma em reforma, todas provisórias, foi aquele estabelecimento (o presídio Tiradentes) permanecendo, através do tempo e, por incrível que pareça, do espaço também, como estabelecimento próprio para recolher homens à disposição da Justiça”.

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O problema do presídio é tão antigo que em 1907, o presidente de São Paulo (período republicano) Manoel Joaquim de Albuquerque Lins comentava:

— Será necessário cuidar logo da construção de nova cadeia, na cidade de São Paulo, substituindo-se o vestuto edifício, sem hygiene e sem segurança, da Avenida Tiradentes. Construída a Penitenciária e nella alojados os presos condemnados, de que estão repletas as cadeias públicas do Estado, algumas com a lotação excedida, ficarão estas destinadas exclusivamente à estadia de ébrios e desordeiros, à detenção dos presos cujos processos não estejam ainda ultimados e, nessas condições, preencherão perfeitamente os fins para que fóram construídas.

O ex-juiz corregedor Nelson Fonseca — atualmente na 23° Vara Criminal — resolveu, em 1971, atender a um pedido do Ministério Publico, fechando o presídio para os presos correncionais. Ao mesmo tempo, foram aceleradas as obras de ampliação e remodelação do Presídio do Hipódromo, que estava abandonado.

Depois de pronto, o Presídio do Hipódromo passou a ter condições de abrigar mais de 400 presos, para onde foram transferidos a maioria dos que estavam no Presídio Tiradentes. A situação do presídio chegou a ser tão ruim que um ex-delegado de polícia comentou, em 1966:

— É uma verdadeira eutanásia de presos.

UMA ACUSAÇÃO

Durante um julgamento em setembro do ano passado, no II Tribunal do Júri, o promotor Alberto Marino Junior contou que um ex-policial (ele estava sendo julgado por homicídio) costumava “divertir-se” no presídio, torturando presos num poço de um dos pátios do presídio. Segundo o promotor, o ex-policial mergulhava presos na água e batia neles quando subiam à tona para respirar.

O advogado do ex-policial tentou defendê-lo dessa acusação, afirmando que “as presos não gostavam de tomar banho, e por isso era preciso obrigá-los, às vezes”. Comentário do promotor logo em seguida: “trata-se, sem dúvida de um moderno método de higiene: ou toma banho ou leva uma paulada na cabeça”.

HOMENS AMONTOADOS

Houve épocas em que o Presídio Tiradentes abrigava cerca de 800 presos: nas celas onde deveriam ficar normalmente dez detidos, permaneciam 30, 40 e até 50. Agora o atual juiz-corregedor dos Presídios, Renato Laercio Talli, já providenciou a remoçao dos presos para o Presídoo do Hipódromo e para a Casa de Detenção.

Não se sabe ainda o que vai acontecer com o velho presídio mas ele, provavelmente, será demolido.

Alguns estudiosos do problema carcerário acham que o casarão da avenida Tiradentes deveria ser mesmo derrubado, e em seu lugar construído um presidio federal, que ainda não existe em São Paulo.

Interditado o Ttradentes, o juiz Renato Tailli (que teve recentemente uma reunião com todos os diretores de presídios do Estado) pretende obter meios adequados para humanização das penas. Para isso, entretanto, enfrenta muitas dificuldades: ele já descobriu, por exemplo, que, das 223 cadeias públicas do Estado, somente seis estão em perfeitas condições de funcionamento.

HISTORIA DO VELHO MERCADO DE ESCRAVOS DA CIDADE. E DO PRESÍDIO.

A história do Recolhimento de Presos Tiradentes, começa em 1834, quando foi iniciada sua construção. A Caso de Correção de São Paulo — assim se chamava o Recolhimento Tiradentes — foi construido para substituir a primeira cadeia público de São Paulo, que funcionava rias antigas instalações da Câmara dos Deputados e Senado. na praça João Mendes.

Em 1851, a Casa de Correção ficou pronta e, inicialmente, serviu como mercado de escravos. Em 1877, com aumento do número de presos da cidade, a Casa de Correção começou a receber exclusivamente presos condenados ou que aguardavam decisão da Justiça. Ate pouco tempo atrás, havia no Recolhimento Tiradentes argolas onde os escravos eram amarrados para açoite; o açoite também era urna forma de castigo na Casa de Correção, na século passado.

O primeiro regulamento do Presídio foi elaborado em 1893 (e reformodo em 1915, com a criação da Cosa da Detenção) e tinha alguns aspectos curiosos, como a obrigação de serem mantidos acesos, à noite, os lampiões de gás.

Criada a Casa da Detenção, em 1918, varios presos famosos foram recolhidos nela. Gino Amieto Meneghetti, famoso ladrão que ainda vive, e Miguel Tradi, autor do primeiro crime da mala no Brasil, foram alguns dos primeiros presos famosos da Casa de Detenção.

Em 1920, com a inauguração da Penitenciária do Estado, seu número de presos diminuiu; naquele tempo ja existia excesso de lotação nas prisões.

Em 1938, foi construído na Casa de Detenção o pavilhão de presos políticos. Nele foram recolhidos Monteiro Lobato, Jose Maria Crispim e Caio Prado Junior, por exemplo, os subversivos da época. Por terem se rebelado contra a ditadura, foram presos tombem vario, estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

A Casa de Detenção nova, no Carandiru, começou a ser construido em 1938. Enquanto era construido, a velha Casa de Detenção continuava funcionando. Em 1946, 300 japoneses de seita Shindo Rimei foram mandados para lá; um terço deles acabou o cumprimento de suas penas no antigo presídio da Ilha Anchleta.

Na Casa de Detenção também estiveram pretos japoneses do TokoTai (organizaçao que matava os patrícios que aceitavam a derrota do Japão na II Guerra Mundial) e nove elementos da Sakura Gume Tei Shin Tai I (o Batalhão suicida da Ordem das Laranjeiras).

Até março de 1964, a Casa de Detenção Funcionou na avenida Tiradentes, os presos continuavam sendo transferidos para a nova Casa de Detenção, no Carandiru.

No fim desse mesmo ano, a antiga Detenção tinha sido reformada. Passou a ser conhecida corno Recolhimento Tlradentes, um depósito de Presos do antigo Departamento do Investigações. Entre fins de 1964 e 1967, o Recolhimento Tiradentes passou por uma de suas piores fases, e por isso foi reforma-do, por ordem do governador Sodré.

Em 5 de novembro de 1971, depois de for passado por novas reformes, foi transformado em presídio politico, por ordem do Juiz Cor regedor.

Os presos correcionais e condenados foram transferidos para outros lugares, segundo intormações da Secretaria de Segurança Pública.

Um temporal no dia 22 de março deste ano, porém, abalou a estrutura do presídio. Foi pedida a opinião dos engenheiros do Instituto de Polícia Tacnica: eles concluíram que o prédio devia ser interditado, e que os presos deviam ser transferidos de lá imediatamente.

Ainda não se sabe o que será feito do prédio do Recolhimento Tiradentes, mas seu destino será decidido pelo Governador Laudo Natel.

O terreno pertence à Caixa Econômica Estadual e o prédio e administrado pela Secretaria de Segurança Pública.

Leia mais sobre o Presídio Tiradentes no Acervo Estadão

Localizado na Avenida Tiradentes, no centro de São Paulo, o Presídio Tiradentes que existia desde o século 19 foi desativado em 1973 por causa de suas más condições e demolido em seguida. O portão principal foi preservado como patrimônio histórico e pode ser visto a alguns passos da estação Tiradentes do Metrô.

O repórter Percival de Souza contou no Jornal da Tarde de 8 de maio de 1973 como foi decretado o seu fim e como eram as condições do local que por alguns períodos também recebeu presos políticos, como Monteiro Lobato e Dilma Rousseff. “um presídio de feição medieval”, nas palavras do procurador Hélio Bicudo.

Reportagem sobre o fim do Presídio Tiradentes no Jornal da tarde de 8 de maio de 1973. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde - 8 de maio de 1973

O fim de 196 tristes anos do Presídio Tiradentes

Percival de Souza

O fim do Presídio Tiradentes — um velho pedido do Poder Judiciário — está decretado: dois engenheiros fizeram, a pedido da Corregedoria dos Presídios e da Polícia Judiciária, uma vistoria no casarão de 222 anos, que há 196 funciona como presídio e concluiram:

“Face à vistoria realizada no Presídio Tiradentes, somos de opinião que o mesmo deverá ser interditado imediatamente. Esta medida se faz necessária pelos seguintes fatos principais: iminência de desabamentos parciais e risco de incêndio em qualquer das dependências vistoriadas, face à precariedade das instalações elétricas adaptadas e infiltração das águas da chuva na rede elétrica, seja a das lajes, seja das paredes, seja dos pisos”.

O presídio deve ser fechado nesta semana. A conclusão dos engenheiros João Dadian e Marino Pedro Nicoletti foi apenas a última, com um parecer técnico. Antes disso, vários juristas já achavam que o presídio deveria deixar de funcionar.

O procurador Hélio Bicudo, por exemplo, ao fazer uma conferência, observou que se tratava de “um presídio de feição medieval”:

— ... Homens, reduzidos à condição de animais, que se amontoam em celas infectas, sempre acrescidas de mais alguns após as famosas “batidas policiais”. Eles aí dão ingresso, muitas vezes com qualificação inverídica, e passam a vegetar naquilo que a gíria policial convenciou chamar de “môfo”.

Até o governador Laudo Natel, ao examinar as celas dos velhos presídios e conversar com alguns presos, chegou a comentar que via “um quadro desumano”, e que “este estado de coisas não pode perdurar”.

LAUDO PERICIAL

Agora o Recolhimento de Presos Tiradentes será interditado: o juiz-corregedor, Renato Laércio Talli, já tomou essa decisão, e para executá-la falta apenas um laudo pericial do Departamento de Obras Públicas. Esse laudo foi pedido há alguns tempos, deve ficar pronto esta semana. Então, o juiz baixará uma portaria para que as portas e as celas do velho presidio se fechem para sempre.

Fazendo uma vistoria no Recolhimento de Presos Tiradentes, o promotor João Benedicto de Azevedo Marques chegava — há cerca de dois anos — a algumas conclusões: o presídio se apresentava com “excesso de lotação, ausência de camas, ausência de colchões, instalações sanitárias precárias, deficiência de iluminação, ausência de cobertores e agasalhos, promiscuidade, goteiras, mau cheiro, umidade e grande quantidade de lixo depositada em àrea contígua à carceragem”.

Tudo isso, para o promotor João Benedicto de Azevedo Marques, significava que ‘’São Paulo, pela tradição de seu povo, não pode tolerar a existência de carceragem de presos correçionais do Recolhimento Tiradentes, conhecida, também, por “calabouço”, termo que, infelizmente, lhe calha bem”. O promotor dizia, ainda, que “o Estado, mantendo aquele depósito ilegal, está pagando para a formação de um criminoso mais violento e agressivo”. Conclusão do promotor Azevedo Marques:

— O espetaculo que presenciamos na carceragem do Recolhimento de Presos Tiradentes foi deprimente e nos marcou de forma indelével. Mas ternos a certeza de que tais fatos não se repetirão ern futuro próximo, pois o atual governo, desde o seu início, se voltou para o problema penitenciário e, dando prova de sua seriedade, designou um ilustre membro do Ministério Público para presidir o Departamento dos Institutos Penais do Estado.

Era a continuação de uma antiga luta para a interdição do presídio. Dezoito anos antes, o então diretor do Departamento de Presídios do Estado, J.B. Viana de Moraes, informava ao governador do Estado, em relatório, que “de reforma em reforma, todas provisórias, foi aquele estabelecimento (o presídio Tiradentes) permanecendo, através do tempo e, por incrível que pareça, do espaço também, como estabelecimento próprio para recolher homens à disposição da Justiça”.

O problema do presídio é tão antigo que em 1907, o presidente de São Paulo (período republicano) Manoel Joaquim de Albuquerque Lins comentava:

— Será necessário cuidar logo da construção de nova cadeia, na cidade de São Paulo, substituindo-se o vestuto edifício, sem hygiene e sem segurança, da Avenida Tiradentes. Construída a Penitenciária e nella alojados os presos condemnados, de que estão repletas as cadeias públicas do Estado, algumas com a lotação excedida, ficarão estas destinadas exclusivamente à estadia de ébrios e desordeiros, à detenção dos presos cujos processos não estejam ainda ultimados e, nessas condições, preencherão perfeitamente os fins para que fóram construídas.

O ex-juiz corregedor Nelson Fonseca — atualmente na 23° Vara Criminal — resolveu, em 1971, atender a um pedido do Ministério Publico, fechando o presídio para os presos correncionais. Ao mesmo tempo, foram aceleradas as obras de ampliação e remodelação do Presídio do Hipódromo, que estava abandonado.

Depois de pronto, o Presídio do Hipódromo passou a ter condições de abrigar mais de 400 presos, para onde foram transferidos a maioria dos que estavam no Presídio Tiradentes. A situação do presídio chegou a ser tão ruim que um ex-delegado de polícia comentou, em 1966:

— É uma verdadeira eutanásia de presos.

UMA ACUSAÇÃO

Durante um julgamento em setembro do ano passado, no II Tribunal do Júri, o promotor Alberto Marino Junior contou que um ex-policial (ele estava sendo julgado por homicídio) costumava “divertir-se” no presídio, torturando presos num poço de um dos pátios do presídio. Segundo o promotor, o ex-policial mergulhava presos na água e batia neles quando subiam à tona para respirar.

O advogado do ex-policial tentou defendê-lo dessa acusação, afirmando que “as presos não gostavam de tomar banho, e por isso era preciso obrigá-los, às vezes”. Comentário do promotor logo em seguida: “trata-se, sem dúvida de um moderno método de higiene: ou toma banho ou leva uma paulada na cabeça”.

HOMENS AMONTOADOS

Houve épocas em que o Presídio Tiradentes abrigava cerca de 800 presos: nas celas onde deveriam ficar normalmente dez detidos, permaneciam 30, 40 e até 50. Agora o atual juiz-corregedor dos Presídios, Renato Laercio Talli, já providenciou a remoçao dos presos para o Presídoo do Hipódromo e para a Casa de Detenção.

Não se sabe ainda o que vai acontecer com o velho presídio mas ele, provavelmente, será demolido.

Alguns estudiosos do problema carcerário acham que o casarão da avenida Tiradentes deveria ser mesmo derrubado, e em seu lugar construído um presidio federal, que ainda não existe em São Paulo.

Interditado o Ttradentes, o juiz Renato Tailli (que teve recentemente uma reunião com todos os diretores de presídios do Estado) pretende obter meios adequados para humanização das penas. Para isso, entretanto, enfrenta muitas dificuldades: ele já descobriu, por exemplo, que, das 223 cadeias públicas do Estado, somente seis estão em perfeitas condições de funcionamento.

HISTORIA DO VELHO MERCADO DE ESCRAVOS DA CIDADE. E DO PRESÍDIO.

A história do Recolhimento de Presos Tiradentes, começa em 1834, quando foi iniciada sua construção. A Caso de Correção de São Paulo — assim se chamava o Recolhimento Tiradentes — foi construido para substituir a primeira cadeia público de São Paulo, que funcionava rias antigas instalações da Câmara dos Deputados e Senado. na praça João Mendes.

Em 1851, a Casa de Correção ficou pronta e, inicialmente, serviu como mercado de escravos. Em 1877, com aumento do número de presos da cidade, a Casa de Correção começou a receber exclusivamente presos condenados ou que aguardavam decisão da Justiça. Ate pouco tempo atrás, havia no Recolhimento Tiradentes argolas onde os escravos eram amarrados para açoite; o açoite também era urna forma de castigo na Casa de Correção, na século passado.

O primeiro regulamento do Presídio foi elaborado em 1893 (e reformodo em 1915, com a criação da Cosa da Detenção) e tinha alguns aspectos curiosos, como a obrigação de serem mantidos acesos, à noite, os lampiões de gás.

Criada a Casa da Detenção, em 1918, varios presos famosos foram recolhidos nela. Gino Amieto Meneghetti, famoso ladrão que ainda vive, e Miguel Tradi, autor do primeiro crime da mala no Brasil, foram alguns dos primeiros presos famosos da Casa de Detenção.

Em 1920, com a inauguração da Penitenciária do Estado, seu número de presos diminuiu; naquele tempo ja existia excesso de lotação nas prisões.

Em 1938, foi construído na Casa de Detenção o pavilhão de presos políticos. Nele foram recolhidos Monteiro Lobato, Jose Maria Crispim e Caio Prado Junior, por exemplo, os subversivos da época. Por terem se rebelado contra a ditadura, foram presos tombem vario, estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

A Casa de Detenção nova, no Carandiru, começou a ser construido em 1938. Enquanto era construido, a velha Casa de Detenção continuava funcionando. Em 1946, 300 japoneses de seita Shindo Rimei foram mandados para lá; um terço deles acabou o cumprimento de suas penas no antigo presídio da Ilha Anchleta.

Na Casa de Detenção também estiveram pretos japoneses do TokoTai (organizaçao que matava os patrícios que aceitavam a derrota do Japão na II Guerra Mundial) e nove elementos da Sakura Gume Tei Shin Tai I (o Batalhão suicida da Ordem das Laranjeiras).

Até março de 1964, a Casa de Detenção Funcionou na avenida Tiradentes, os presos continuavam sendo transferidos para a nova Casa de Detenção, no Carandiru.

No fim desse mesmo ano, a antiga Detenção tinha sido reformada. Passou a ser conhecida corno Recolhimento Tlradentes, um depósito de Presos do antigo Departamento do Investigações. Entre fins de 1964 e 1967, o Recolhimento Tiradentes passou por uma de suas piores fases, e por isso foi reforma-do, por ordem do governador Sodré.

Em 5 de novembro de 1971, depois de for passado por novas reformes, foi transformado em presídio politico, por ordem do Juiz Cor regedor.

Os presos correcionais e condenados foram transferidos para outros lugares, segundo intormações da Secretaria de Segurança Pública.

Um temporal no dia 22 de março deste ano, porém, abalou a estrutura do presídio. Foi pedida a opinião dos engenheiros do Instituto de Polícia Tacnica: eles concluíram que o prédio devia ser interditado, e que os presos deviam ser transferidos de lá imediatamente.

Ainda não se sabe o que será feito do prédio do Recolhimento Tiradentes, mas seu destino será decidido pelo Governador Laudo Natel.

O terreno pertence à Caixa Econômica Estadual e o prédio e administrado pela Secretaria de Segurança Pública.

Leia mais sobre o Presídio Tiradentes no Acervo Estadão

Localizado na Avenida Tiradentes, no centro de São Paulo, o Presídio Tiradentes que existia desde o século 19 foi desativado em 1973 por causa de suas más condições e demolido em seguida. O portão principal foi preservado como patrimônio histórico e pode ser visto a alguns passos da estação Tiradentes do Metrô.

O repórter Percival de Souza contou no Jornal da Tarde de 8 de maio de 1973 como foi decretado o seu fim e como eram as condições do local que por alguns períodos também recebeu presos políticos, como Monteiro Lobato e Dilma Rousseff. “um presídio de feição medieval”, nas palavras do procurador Hélio Bicudo.

Reportagem sobre o fim do Presídio Tiradentes no Jornal da tarde de 8 de maio de 1973. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde - 8 de maio de 1973

O fim de 196 tristes anos do Presídio Tiradentes

Percival de Souza

O fim do Presídio Tiradentes — um velho pedido do Poder Judiciário — está decretado: dois engenheiros fizeram, a pedido da Corregedoria dos Presídios e da Polícia Judiciária, uma vistoria no casarão de 222 anos, que há 196 funciona como presídio e concluiram:

“Face à vistoria realizada no Presídio Tiradentes, somos de opinião que o mesmo deverá ser interditado imediatamente. Esta medida se faz necessária pelos seguintes fatos principais: iminência de desabamentos parciais e risco de incêndio em qualquer das dependências vistoriadas, face à precariedade das instalações elétricas adaptadas e infiltração das águas da chuva na rede elétrica, seja a das lajes, seja das paredes, seja dos pisos”.

O presídio deve ser fechado nesta semana. A conclusão dos engenheiros João Dadian e Marino Pedro Nicoletti foi apenas a última, com um parecer técnico. Antes disso, vários juristas já achavam que o presídio deveria deixar de funcionar.

O procurador Hélio Bicudo, por exemplo, ao fazer uma conferência, observou que se tratava de “um presídio de feição medieval”:

— ... Homens, reduzidos à condição de animais, que se amontoam em celas infectas, sempre acrescidas de mais alguns após as famosas “batidas policiais”. Eles aí dão ingresso, muitas vezes com qualificação inverídica, e passam a vegetar naquilo que a gíria policial convenciou chamar de “môfo”.

Até o governador Laudo Natel, ao examinar as celas dos velhos presídios e conversar com alguns presos, chegou a comentar que via “um quadro desumano”, e que “este estado de coisas não pode perdurar”.

LAUDO PERICIAL

Agora o Recolhimento de Presos Tiradentes será interditado: o juiz-corregedor, Renato Laércio Talli, já tomou essa decisão, e para executá-la falta apenas um laudo pericial do Departamento de Obras Públicas. Esse laudo foi pedido há alguns tempos, deve ficar pronto esta semana. Então, o juiz baixará uma portaria para que as portas e as celas do velho presidio se fechem para sempre.

Fazendo uma vistoria no Recolhimento de Presos Tiradentes, o promotor João Benedicto de Azevedo Marques chegava — há cerca de dois anos — a algumas conclusões: o presídio se apresentava com “excesso de lotação, ausência de camas, ausência de colchões, instalações sanitárias precárias, deficiência de iluminação, ausência de cobertores e agasalhos, promiscuidade, goteiras, mau cheiro, umidade e grande quantidade de lixo depositada em àrea contígua à carceragem”.

Tudo isso, para o promotor João Benedicto de Azevedo Marques, significava que ‘’São Paulo, pela tradição de seu povo, não pode tolerar a existência de carceragem de presos correçionais do Recolhimento Tiradentes, conhecida, também, por “calabouço”, termo que, infelizmente, lhe calha bem”. O promotor dizia, ainda, que “o Estado, mantendo aquele depósito ilegal, está pagando para a formação de um criminoso mais violento e agressivo”. Conclusão do promotor Azevedo Marques:

— O espetaculo que presenciamos na carceragem do Recolhimento de Presos Tiradentes foi deprimente e nos marcou de forma indelével. Mas ternos a certeza de que tais fatos não se repetirão ern futuro próximo, pois o atual governo, desde o seu início, se voltou para o problema penitenciário e, dando prova de sua seriedade, designou um ilustre membro do Ministério Público para presidir o Departamento dos Institutos Penais do Estado.

Era a continuação de uma antiga luta para a interdição do presídio. Dezoito anos antes, o então diretor do Departamento de Presídios do Estado, J.B. Viana de Moraes, informava ao governador do Estado, em relatório, que “de reforma em reforma, todas provisórias, foi aquele estabelecimento (o presídio Tiradentes) permanecendo, através do tempo e, por incrível que pareça, do espaço também, como estabelecimento próprio para recolher homens à disposição da Justiça”.

O problema do presídio é tão antigo que em 1907, o presidente de São Paulo (período republicano) Manoel Joaquim de Albuquerque Lins comentava:

— Será necessário cuidar logo da construção de nova cadeia, na cidade de São Paulo, substituindo-se o vestuto edifício, sem hygiene e sem segurança, da Avenida Tiradentes. Construída a Penitenciária e nella alojados os presos condemnados, de que estão repletas as cadeias públicas do Estado, algumas com a lotação excedida, ficarão estas destinadas exclusivamente à estadia de ébrios e desordeiros, à detenção dos presos cujos processos não estejam ainda ultimados e, nessas condições, preencherão perfeitamente os fins para que fóram construídas.

O ex-juiz corregedor Nelson Fonseca — atualmente na 23° Vara Criminal — resolveu, em 1971, atender a um pedido do Ministério Publico, fechando o presídio para os presos correncionais. Ao mesmo tempo, foram aceleradas as obras de ampliação e remodelação do Presídio do Hipódromo, que estava abandonado.

Depois de pronto, o Presídio do Hipódromo passou a ter condições de abrigar mais de 400 presos, para onde foram transferidos a maioria dos que estavam no Presídio Tiradentes. A situação do presídio chegou a ser tão ruim que um ex-delegado de polícia comentou, em 1966:

— É uma verdadeira eutanásia de presos.

UMA ACUSAÇÃO

Durante um julgamento em setembro do ano passado, no II Tribunal do Júri, o promotor Alberto Marino Junior contou que um ex-policial (ele estava sendo julgado por homicídio) costumava “divertir-se” no presídio, torturando presos num poço de um dos pátios do presídio. Segundo o promotor, o ex-policial mergulhava presos na água e batia neles quando subiam à tona para respirar.

O advogado do ex-policial tentou defendê-lo dessa acusação, afirmando que “as presos não gostavam de tomar banho, e por isso era preciso obrigá-los, às vezes”. Comentário do promotor logo em seguida: “trata-se, sem dúvida de um moderno método de higiene: ou toma banho ou leva uma paulada na cabeça”.

HOMENS AMONTOADOS

Houve épocas em que o Presídio Tiradentes abrigava cerca de 800 presos: nas celas onde deveriam ficar normalmente dez detidos, permaneciam 30, 40 e até 50. Agora o atual juiz-corregedor dos Presídios, Renato Laercio Talli, já providenciou a remoçao dos presos para o Presídoo do Hipódromo e para a Casa de Detenção.

Não se sabe ainda o que vai acontecer com o velho presídio mas ele, provavelmente, será demolido.

Alguns estudiosos do problema carcerário acham que o casarão da avenida Tiradentes deveria ser mesmo derrubado, e em seu lugar construído um presidio federal, que ainda não existe em São Paulo.

Interditado o Ttradentes, o juiz Renato Tailli (que teve recentemente uma reunião com todos os diretores de presídios do Estado) pretende obter meios adequados para humanização das penas. Para isso, entretanto, enfrenta muitas dificuldades: ele já descobriu, por exemplo, que, das 223 cadeias públicas do Estado, somente seis estão em perfeitas condições de funcionamento.

HISTORIA DO VELHO MERCADO DE ESCRAVOS DA CIDADE. E DO PRESÍDIO.

A história do Recolhimento de Presos Tiradentes, começa em 1834, quando foi iniciada sua construção. A Caso de Correção de São Paulo — assim se chamava o Recolhimento Tiradentes — foi construido para substituir a primeira cadeia público de São Paulo, que funcionava rias antigas instalações da Câmara dos Deputados e Senado. na praça João Mendes.

Em 1851, a Casa de Correção ficou pronta e, inicialmente, serviu como mercado de escravos. Em 1877, com aumento do número de presos da cidade, a Casa de Correção começou a receber exclusivamente presos condenados ou que aguardavam decisão da Justiça. Ate pouco tempo atrás, havia no Recolhimento Tiradentes argolas onde os escravos eram amarrados para açoite; o açoite também era urna forma de castigo na Casa de Correção, na século passado.

O primeiro regulamento do Presídio foi elaborado em 1893 (e reformodo em 1915, com a criação da Cosa da Detenção) e tinha alguns aspectos curiosos, como a obrigação de serem mantidos acesos, à noite, os lampiões de gás.

Criada a Casa da Detenção, em 1918, varios presos famosos foram recolhidos nela. Gino Amieto Meneghetti, famoso ladrão que ainda vive, e Miguel Tradi, autor do primeiro crime da mala no Brasil, foram alguns dos primeiros presos famosos da Casa de Detenção.

Em 1920, com a inauguração da Penitenciária do Estado, seu número de presos diminuiu; naquele tempo ja existia excesso de lotação nas prisões.

Em 1938, foi construído na Casa de Detenção o pavilhão de presos políticos. Nele foram recolhidos Monteiro Lobato, Jose Maria Crispim e Caio Prado Junior, por exemplo, os subversivos da época. Por terem se rebelado contra a ditadura, foram presos tombem vario, estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

A Casa de Detenção nova, no Carandiru, começou a ser construido em 1938. Enquanto era construido, a velha Casa de Detenção continuava funcionando. Em 1946, 300 japoneses de seita Shindo Rimei foram mandados para lá; um terço deles acabou o cumprimento de suas penas no antigo presídio da Ilha Anchleta.

Na Casa de Detenção também estiveram pretos japoneses do TokoTai (organizaçao que matava os patrícios que aceitavam a derrota do Japão na II Guerra Mundial) e nove elementos da Sakura Gume Tei Shin Tai I (o Batalhão suicida da Ordem das Laranjeiras).

Até março de 1964, a Casa de Detenção Funcionou na avenida Tiradentes, os presos continuavam sendo transferidos para a nova Casa de Detenção, no Carandiru.

No fim desse mesmo ano, a antiga Detenção tinha sido reformada. Passou a ser conhecida corno Recolhimento Tlradentes, um depósito de Presos do antigo Departamento do Investigações. Entre fins de 1964 e 1967, o Recolhimento Tiradentes passou por uma de suas piores fases, e por isso foi reforma-do, por ordem do governador Sodré.

Em 5 de novembro de 1971, depois de for passado por novas reformes, foi transformado em presídio politico, por ordem do Juiz Cor regedor.

Os presos correcionais e condenados foram transferidos para outros lugares, segundo intormações da Secretaria de Segurança Pública.

Um temporal no dia 22 de março deste ano, porém, abalou a estrutura do presídio. Foi pedida a opinião dos engenheiros do Instituto de Polícia Tacnica: eles concluíram que o prédio devia ser interditado, e que os presos deviam ser transferidos de lá imediatamente.

Ainda não se sabe o que será feito do prédio do Recolhimento Tiradentes, mas seu destino será decidido pelo Governador Laudo Natel.

O terreno pertence à Caixa Econômica Estadual e o prédio e administrado pela Secretaria de Segurança Pública.

Leia mais sobre o Presídio Tiradentes no Acervo Estadão

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