Ronald Biggs: o dia em que o ladrão inglês foi recebido num navio da marinha real britânica no Rio


Jornal da Tarde contou em 1977 como o criminoso inglês entrou na embarcação convidado por marinheiros que o consideravam um herói

Por Edmundo Leite
Atualização:
Reportagem sobre a visita de Ronald Biggs a um navio da marinha britânica. Foto: Acervo Estadão

Durante os mais de trinta anos em que viveu no Rio de Janeiro, o foragido ladrão inglês Ronald Biggs protagonizou histórias que o colocaram como um dos mais folclóricos personagens cariocas. Por ter um filho brasileiro, Biggs não podia ser extraditado para a Inglaterra, onde era condenado a 30 anos de prisão pelo célebre assalto ao trem pagador em 1963.

Bon vivant, fanfarrão e bem humorado, Biggs era considerado uma afronta à polícia britânica mesmo que não falasse nada, apenas por estar solto e impune num paraíso tropical.

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Mas o inglês também gostava de contar suas histórias zombeteiras para quem quisesse ouvir, como essa que o Jornal da Tarde publicou, sem registro de autoria, na edição de 21 de abril de 1977, sobre a sua visita a um navio da marinha real britânica a convite de marinheiros conterrâneos admiradores de suas façanhas.

Leia a íntegra.

Jornal da Tarde - 21/4/1977

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E Bem ali, à frente de todos, Ronald Biggs, o grande herói.

(Os marinheiros ingleses exultavam)

Ronald Biggs conta como foi sua visita, impune, a um navio da Armada Real Britânica ancorado no Rio

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Nos alojamentos da fragata inglesa “Antílope”, ancorada no porto do Rio de Janeiro, o ambiente estava se tornando insuportável, na noite de sexta-feira: de um lado um reduzido grupo prometia que se a notícia do que acabavam de tomar conhecimento fosse verdadeira, “iriam prender aquele homem”. Contra eles, a maioria dos homens do barco, liderado pelo jovem marinheiro Slingerwood afirmava que “para fazer qualquer coisa contra ele”, teria, que passar por cima de seus corpos.

A violenta discussão, no entanto, não ultrapassou esses limites. No outro navio da frota britânica que visitava o Brasil o “Danae”, causador de tantas discussões nem sabia o que estava acontecendo. Lá, recebido com toda a hospitalidade e cumprimentado pelo oficial em comando àquela hora, ele fazia uma visita aos alojamentos dos marinheiros, onde ficou por quase uma hora.

Esse inglês tranqüilo, falando um excelente português - apesar de poucos anos no Brasil — morador da distante mas aconchegante praia de Sepetiba — na zona rural do Rio — é um criminoso, talvez um dos mais cobiçados pela justiça e polícia inglesa. É Ronald Biggs, o único dos 13 assaltantes do trem postal inglês — quando foram roubados 2,6 milhões de libras — que depois de capturado e condenado a 30 anos de prisão, conseguiu escapar.

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— Fizeram uma tempestade em copo d’água, diz Biggs. Eles não poderiam fazer nada comigo porque teriam muitas explicações para dar depois. E nem tentaram fazer nada. Fui muito bem recebido no navio e os marinheiros diziam sempre ter muita admiração em me conhecer.

Mesmo constrangido com a repercussão que teve a sua visita ao navio inglês, Ronald Biggs não se furta a repetir a história para todos os seus muitos amigos que o procuram na casa de Sepetiba. Para ele, parece ser um verdadeiro prazer mostrar que, mais uma vez, não conseguiu ser “agarrado pela polícia inglesa”.

— Na última sexta-feira eu estava na praça Mauá, andando um pouco depois que tinha ido à polícia assinar os papéis, como faço sempre, duas vezes em cada semana (Ronald Biggs é obrigado a comparecer duas vezes por semana às dependências da Polícia Federal, na praça Mauá, no centro do Rio, quando comprova que ainda está no país, assinando o que ele mesmo chama de”minha liberdade condicional”).

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Ao reconhecer o uniforme de dois marinheiros ingleses que tentavam inutilmente se entender com o vendedor de uma banca de jornais, Ronald Biggs não resistiu à tentacão:

— Percebi que eles estavam em dificuldades de se entender com o jornaleiro e fui perguntar se precisavam de ajuda. E eles ficaram satisfeitos e espantados. Perguntaram se eu realmente sabia falar inglês e quando eu disse que era inglês, eles se espantaram mais ainda.

Os marinheiros, no entanto, não sabiam que iriam se assustar muito mais, quando aquele inglês de fala tranquila se apresentasse:

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— Quando eu disse que me chamava Ronald Biggs, eles não acreditaram. Mas, como vissem que eu não estava mentindo, disseram: se você é Ronald Biggs mesmo, nos dê a sua mão que nós queremos cumprimentá-lo.

Dessa efusiva recepção até a ida a bordo do navio a coisa foi bem rápida. Como os dois rapazes estavam carregados de embrulhos, convidaram-no a ir até lá, enquanto se preparavam para sair novamente:

— Perguntei a um deles se não haveria nenhum problema em ir a bordo e ele me respondeu que tomariam conta de mim. Quando chegamos no navio, estavam realizando a cerimônia da retirada da bandeira do mastro principal. Assisti a tudo perfilado junto com os meus anfitriões. Um oficial percebeu que seus dois marinheiros tinham um convidado, me desejou boas-vindas e mandou que eu me colocasse a vontade dentro do navio.

Somente quando chegaram a seus alojamentos é que os marinheiros anunciaram aos colegas a sua visita: “Esse aqui”, diseram eles, “é o nosso Ronald Biggs”. A reação dos outros homens a bordo foi imediata. Num pequeno grupo formado em sua volta, Biggs teve que dar centenas de respostas para satisfazer a curiosidade e admiração de todos.

— Ficamos mais de quarenta minutos dentro do barco. Quando os rapazes acabaram de se aprontar, saimos tranqüilamente.

Reportagem sobre a visita de Ronald Biggs a um navio da marinha britânica. Foto: Acervo Estadão

Dali, Ronald Biggs levou seus novos companheiros para um bar do centro da cidade, a espera de que o “Cordão da Bola Preta” (tradicional clube carnavalesco do Rio), iniciasse o seu funcionamento.

— Foi enquanto esperávamos que eu conheci o Slingerwood, um marinheiro da frota inglesa. Ele chegou no bar com o livro que conta algumas de minhas façanhas e tem fotos minhas. Não acreditava que eu fosse realmente Ronald Biggs. Olhou, comparou com as fotos do livro e me cumprimentou.

Para Ronald Biggs parece ter sido um dos momentos emocionantes de sua vida atribulada. Segundo ele, depois que teve certeza de tratar-se realmente de Ronald Biggs, o marinheiro Slingerwood disse: “Não preciso fazer mais nada na minha vida. Posso morrer daqui a instantes porque tive o prazer de conhecer o maior herói que tive em toda a minha vida.”

— Vocês sabem o que é um admirador fanático, um fã ardoroso. Era a realização da vida daquele rapaz, me conhecer. Ele possui álbuns de recortes com tudo o que sai nos jornais e revistas a meu respeito.

A essas demonstrações de afeto, Ronald Biggs já está acostumado. Ele recebe dezenas de cartas de todos os lugares do mundo, de pessoas pedindo autógrafos, dando conselhos, oferecendo ajuda e pretendendo vir ao Brasil para visitá-lo:

— Recebo quase que diariamente cartas de pessoas que querem meu autógrafo, dizendo sempre que são meus admiradores. Essas cartas vêm principalmente da Inglaterra e da Austrália. Muitas dessas pessoas escrevem oferecendo ajuda material e moral. Dão muitos conselhos e sugerem algumas maneiras de eu ganhar algum dinheiro aqui no Brasil.

É também por essas manifestações de afeto e carinho que Ronald Biggs pretende voltar “algum dia, na hora certa” à Inglaterra. Para ele, existe a certeza de que terá muito apoio e ajuda, o que evitará que ele cumpra o total de sua pena de 30 anos de cadeia.

— Já tentei voltar à Inglaterra voluntariamente. Entrei em contato com o responsável pelo material de polícia e justiça do jornal “Daily Express” para promover a minha volta a Londres. É evidente que eu gostaria de ter também uma compensação financeira pela coragem de voltar a me entregar.

Na ocasião, em 1973, Ronald Biggs tinha acertado tudo. Para ele, o grande erro foi não ter assinado um contrato e ter confiado na palavra do jornalista inglês:

— Eu sou um velho ex-ladrão, mas o que eu falo, cumpro até o fim. Essa pessoa não fez isso e ainda me entregou para a Scotland Yard. Nessa mesma semana chegaram dois policiais de lá para me levar de volta.

Ronald Biggs sentiu-se revoltado e desistiu de voltar à Inglaterra.”Tinha desejo de regressar e me entregar, mas de livre vontade”:

— Foi aí que resolvi lutar para permanecer em liberdade. A Raimunda, minha mulher, estava grávida e as pessoas me alertaram que se eu fosse pai de uma criança brasileira, não podpria ser levado preso para fora do país.

Mas, o desejo de voltar para a Inglaterra não cessou. Para Ronald Biggs, ainda “vai chegar a hora certa” de poder retornar à pátria:

— Tenho certeza-de que as pessoas lá na Inglaterra acreditam que Ronald Biggs se transformou em um outro homem. Estou totalmente recuperado, regenerado.

Para provar que isso é verdade, basta vocês verem que esse período em que estou fugindo — e são 12 anos que estou fora das prisões inglesas — é o maior tempo de toda minha vida em que mantive meu comportamento honesto, muito honesto.

Agora, Ronald Biggs tem ainda mais certeza da boa recepção que terá na Inglaterra. Para ele, a boa vontade e a alegria com que foi recebido nos navios da Armada Real Britânica é mais uma prova de que terá todas as chances de ver sua pena reduzida.

— Dos 18 que participaram do assalto ao trem postal, somente treze foram capturados. Dez desses homens já cumpriram a totalidade de suas penas e estão livres. Dois estão presos na Inglaterra, devendo ter sua liberdade condicional decretada ainda esse ano ou no princípio do ano que vem. Por que eu deverei voltar à Inglaterra e me entregar de espontânea vontade e ficar preso durante trinta anos?

É por isso que Ronald Biggs exibe orgulhosamente o pequeno anel de ouro com um pedra vermelha, que está usando desde a noite de sexta-feira, no dedo indicador:

— Esse anel é uma prova. Foi-me dado pelo marinheiro Slingerwood na noite de sexta-feira dizendo que era uma homenagem dele, em nome de todos os marinheiros da esquadra inglesa.

Em Londres, ontem, os membros do parlamento britânico continuavam dispostos a interpelar formalmente o ministro da Defesa, Fred Mulley, a respeito da visita, impune, que Biggs fez a um navio da Armada Real.

>> Jornal da Tarde

O assaltante inglês Ronald Biggs passeia em Copacabana em 1974, ano em que foi descoberto. Foto: Carlos Chiccarino/Estadão

>> Leia mais sobre Ronald Biggs

Reportagem sobre a visita de Ronald Biggs a um navio da marinha britânica. Foto: Acervo Estadão

Durante os mais de trinta anos em que viveu no Rio de Janeiro, o foragido ladrão inglês Ronald Biggs protagonizou histórias que o colocaram como um dos mais folclóricos personagens cariocas. Por ter um filho brasileiro, Biggs não podia ser extraditado para a Inglaterra, onde era condenado a 30 anos de prisão pelo célebre assalto ao trem pagador em 1963.

Bon vivant, fanfarrão e bem humorado, Biggs era considerado uma afronta à polícia britânica mesmo que não falasse nada, apenas por estar solto e impune num paraíso tropical.

Mas o inglês também gostava de contar suas histórias zombeteiras para quem quisesse ouvir, como essa que o Jornal da Tarde publicou, sem registro de autoria, na edição de 21 de abril de 1977, sobre a sua visita a um navio da marinha real britânica a convite de marinheiros conterrâneos admiradores de suas façanhas.

Leia a íntegra.

Jornal da Tarde - 21/4/1977

E Bem ali, à frente de todos, Ronald Biggs, o grande herói.

(Os marinheiros ingleses exultavam)

Ronald Biggs conta como foi sua visita, impune, a um navio da Armada Real Britânica ancorado no Rio

Nos alojamentos da fragata inglesa “Antílope”, ancorada no porto do Rio de Janeiro, o ambiente estava se tornando insuportável, na noite de sexta-feira: de um lado um reduzido grupo prometia que se a notícia do que acabavam de tomar conhecimento fosse verdadeira, “iriam prender aquele homem”. Contra eles, a maioria dos homens do barco, liderado pelo jovem marinheiro Slingerwood afirmava que “para fazer qualquer coisa contra ele”, teria, que passar por cima de seus corpos.

A violenta discussão, no entanto, não ultrapassou esses limites. No outro navio da frota britânica que visitava o Brasil o “Danae”, causador de tantas discussões nem sabia o que estava acontecendo. Lá, recebido com toda a hospitalidade e cumprimentado pelo oficial em comando àquela hora, ele fazia uma visita aos alojamentos dos marinheiros, onde ficou por quase uma hora.

Esse inglês tranqüilo, falando um excelente português - apesar de poucos anos no Brasil — morador da distante mas aconchegante praia de Sepetiba — na zona rural do Rio — é um criminoso, talvez um dos mais cobiçados pela justiça e polícia inglesa. É Ronald Biggs, o único dos 13 assaltantes do trem postal inglês — quando foram roubados 2,6 milhões de libras — que depois de capturado e condenado a 30 anos de prisão, conseguiu escapar.

— Fizeram uma tempestade em copo d’água, diz Biggs. Eles não poderiam fazer nada comigo porque teriam muitas explicações para dar depois. E nem tentaram fazer nada. Fui muito bem recebido no navio e os marinheiros diziam sempre ter muita admiração em me conhecer.

Mesmo constrangido com a repercussão que teve a sua visita ao navio inglês, Ronald Biggs não se furta a repetir a história para todos os seus muitos amigos que o procuram na casa de Sepetiba. Para ele, parece ser um verdadeiro prazer mostrar que, mais uma vez, não conseguiu ser “agarrado pela polícia inglesa”.

— Na última sexta-feira eu estava na praça Mauá, andando um pouco depois que tinha ido à polícia assinar os papéis, como faço sempre, duas vezes em cada semana (Ronald Biggs é obrigado a comparecer duas vezes por semana às dependências da Polícia Federal, na praça Mauá, no centro do Rio, quando comprova que ainda está no país, assinando o que ele mesmo chama de”minha liberdade condicional”).

Ao reconhecer o uniforme de dois marinheiros ingleses que tentavam inutilmente se entender com o vendedor de uma banca de jornais, Ronald Biggs não resistiu à tentacão:

— Percebi que eles estavam em dificuldades de se entender com o jornaleiro e fui perguntar se precisavam de ajuda. E eles ficaram satisfeitos e espantados. Perguntaram se eu realmente sabia falar inglês e quando eu disse que era inglês, eles se espantaram mais ainda.

Os marinheiros, no entanto, não sabiam que iriam se assustar muito mais, quando aquele inglês de fala tranquila se apresentasse:

— Quando eu disse que me chamava Ronald Biggs, eles não acreditaram. Mas, como vissem que eu não estava mentindo, disseram: se você é Ronald Biggs mesmo, nos dê a sua mão que nós queremos cumprimentá-lo.

Dessa efusiva recepção até a ida a bordo do navio a coisa foi bem rápida. Como os dois rapazes estavam carregados de embrulhos, convidaram-no a ir até lá, enquanto se preparavam para sair novamente:

— Perguntei a um deles se não haveria nenhum problema em ir a bordo e ele me respondeu que tomariam conta de mim. Quando chegamos no navio, estavam realizando a cerimônia da retirada da bandeira do mastro principal. Assisti a tudo perfilado junto com os meus anfitriões. Um oficial percebeu que seus dois marinheiros tinham um convidado, me desejou boas-vindas e mandou que eu me colocasse a vontade dentro do navio.

Somente quando chegaram a seus alojamentos é que os marinheiros anunciaram aos colegas a sua visita: “Esse aqui”, diseram eles, “é o nosso Ronald Biggs”. A reação dos outros homens a bordo foi imediata. Num pequeno grupo formado em sua volta, Biggs teve que dar centenas de respostas para satisfazer a curiosidade e admiração de todos.

— Ficamos mais de quarenta minutos dentro do barco. Quando os rapazes acabaram de se aprontar, saimos tranqüilamente.

Reportagem sobre a visita de Ronald Biggs a um navio da marinha britânica. Foto: Acervo Estadão

Dali, Ronald Biggs levou seus novos companheiros para um bar do centro da cidade, a espera de que o “Cordão da Bola Preta” (tradicional clube carnavalesco do Rio), iniciasse o seu funcionamento.

— Foi enquanto esperávamos que eu conheci o Slingerwood, um marinheiro da frota inglesa. Ele chegou no bar com o livro que conta algumas de minhas façanhas e tem fotos minhas. Não acreditava que eu fosse realmente Ronald Biggs. Olhou, comparou com as fotos do livro e me cumprimentou.

Para Ronald Biggs parece ter sido um dos momentos emocionantes de sua vida atribulada. Segundo ele, depois que teve certeza de tratar-se realmente de Ronald Biggs, o marinheiro Slingerwood disse: “Não preciso fazer mais nada na minha vida. Posso morrer daqui a instantes porque tive o prazer de conhecer o maior herói que tive em toda a minha vida.”

— Vocês sabem o que é um admirador fanático, um fã ardoroso. Era a realização da vida daquele rapaz, me conhecer. Ele possui álbuns de recortes com tudo o que sai nos jornais e revistas a meu respeito.

A essas demonstrações de afeto, Ronald Biggs já está acostumado. Ele recebe dezenas de cartas de todos os lugares do mundo, de pessoas pedindo autógrafos, dando conselhos, oferecendo ajuda e pretendendo vir ao Brasil para visitá-lo:

— Recebo quase que diariamente cartas de pessoas que querem meu autógrafo, dizendo sempre que são meus admiradores. Essas cartas vêm principalmente da Inglaterra e da Austrália. Muitas dessas pessoas escrevem oferecendo ajuda material e moral. Dão muitos conselhos e sugerem algumas maneiras de eu ganhar algum dinheiro aqui no Brasil.

É também por essas manifestações de afeto e carinho que Ronald Biggs pretende voltar “algum dia, na hora certa” à Inglaterra. Para ele, existe a certeza de que terá muito apoio e ajuda, o que evitará que ele cumpra o total de sua pena de 30 anos de cadeia.

— Já tentei voltar à Inglaterra voluntariamente. Entrei em contato com o responsável pelo material de polícia e justiça do jornal “Daily Express” para promover a minha volta a Londres. É evidente que eu gostaria de ter também uma compensação financeira pela coragem de voltar a me entregar.

Na ocasião, em 1973, Ronald Biggs tinha acertado tudo. Para ele, o grande erro foi não ter assinado um contrato e ter confiado na palavra do jornalista inglês:

— Eu sou um velho ex-ladrão, mas o que eu falo, cumpro até o fim. Essa pessoa não fez isso e ainda me entregou para a Scotland Yard. Nessa mesma semana chegaram dois policiais de lá para me levar de volta.

Ronald Biggs sentiu-se revoltado e desistiu de voltar à Inglaterra.”Tinha desejo de regressar e me entregar, mas de livre vontade”:

— Foi aí que resolvi lutar para permanecer em liberdade. A Raimunda, minha mulher, estava grávida e as pessoas me alertaram que se eu fosse pai de uma criança brasileira, não podpria ser levado preso para fora do país.

Mas, o desejo de voltar para a Inglaterra não cessou. Para Ronald Biggs, ainda “vai chegar a hora certa” de poder retornar à pátria:

— Tenho certeza-de que as pessoas lá na Inglaterra acreditam que Ronald Biggs se transformou em um outro homem. Estou totalmente recuperado, regenerado.

Para provar que isso é verdade, basta vocês verem que esse período em que estou fugindo — e são 12 anos que estou fora das prisões inglesas — é o maior tempo de toda minha vida em que mantive meu comportamento honesto, muito honesto.

Agora, Ronald Biggs tem ainda mais certeza da boa recepção que terá na Inglaterra. Para ele, a boa vontade e a alegria com que foi recebido nos navios da Armada Real Britânica é mais uma prova de que terá todas as chances de ver sua pena reduzida.

— Dos 18 que participaram do assalto ao trem postal, somente treze foram capturados. Dez desses homens já cumpriram a totalidade de suas penas e estão livres. Dois estão presos na Inglaterra, devendo ter sua liberdade condicional decretada ainda esse ano ou no princípio do ano que vem. Por que eu deverei voltar à Inglaterra e me entregar de espontânea vontade e ficar preso durante trinta anos?

É por isso que Ronald Biggs exibe orgulhosamente o pequeno anel de ouro com um pedra vermelha, que está usando desde a noite de sexta-feira, no dedo indicador:

— Esse anel é uma prova. Foi-me dado pelo marinheiro Slingerwood na noite de sexta-feira dizendo que era uma homenagem dele, em nome de todos os marinheiros da esquadra inglesa.

Em Londres, ontem, os membros do parlamento britânico continuavam dispostos a interpelar formalmente o ministro da Defesa, Fred Mulley, a respeito da visita, impune, que Biggs fez a um navio da Armada Real.

>> Jornal da Tarde

O assaltante inglês Ronald Biggs passeia em Copacabana em 1974, ano em que foi descoberto. Foto: Carlos Chiccarino/Estadão

>> Leia mais sobre Ronald Biggs

Reportagem sobre a visita de Ronald Biggs a um navio da marinha britânica. Foto: Acervo Estadão

Durante os mais de trinta anos em que viveu no Rio de Janeiro, o foragido ladrão inglês Ronald Biggs protagonizou histórias que o colocaram como um dos mais folclóricos personagens cariocas. Por ter um filho brasileiro, Biggs não podia ser extraditado para a Inglaterra, onde era condenado a 30 anos de prisão pelo célebre assalto ao trem pagador em 1963.

Bon vivant, fanfarrão e bem humorado, Biggs era considerado uma afronta à polícia britânica mesmo que não falasse nada, apenas por estar solto e impune num paraíso tropical.

Mas o inglês também gostava de contar suas histórias zombeteiras para quem quisesse ouvir, como essa que o Jornal da Tarde publicou, sem registro de autoria, na edição de 21 de abril de 1977, sobre a sua visita a um navio da marinha real britânica a convite de marinheiros conterrâneos admiradores de suas façanhas.

Leia a íntegra.

Jornal da Tarde - 21/4/1977

E Bem ali, à frente de todos, Ronald Biggs, o grande herói.

(Os marinheiros ingleses exultavam)

Ronald Biggs conta como foi sua visita, impune, a um navio da Armada Real Britânica ancorado no Rio

Nos alojamentos da fragata inglesa “Antílope”, ancorada no porto do Rio de Janeiro, o ambiente estava se tornando insuportável, na noite de sexta-feira: de um lado um reduzido grupo prometia que se a notícia do que acabavam de tomar conhecimento fosse verdadeira, “iriam prender aquele homem”. Contra eles, a maioria dos homens do barco, liderado pelo jovem marinheiro Slingerwood afirmava que “para fazer qualquer coisa contra ele”, teria, que passar por cima de seus corpos.

A violenta discussão, no entanto, não ultrapassou esses limites. No outro navio da frota britânica que visitava o Brasil o “Danae”, causador de tantas discussões nem sabia o que estava acontecendo. Lá, recebido com toda a hospitalidade e cumprimentado pelo oficial em comando àquela hora, ele fazia uma visita aos alojamentos dos marinheiros, onde ficou por quase uma hora.

Esse inglês tranqüilo, falando um excelente português - apesar de poucos anos no Brasil — morador da distante mas aconchegante praia de Sepetiba — na zona rural do Rio — é um criminoso, talvez um dos mais cobiçados pela justiça e polícia inglesa. É Ronald Biggs, o único dos 13 assaltantes do trem postal inglês — quando foram roubados 2,6 milhões de libras — que depois de capturado e condenado a 30 anos de prisão, conseguiu escapar.

— Fizeram uma tempestade em copo d’água, diz Biggs. Eles não poderiam fazer nada comigo porque teriam muitas explicações para dar depois. E nem tentaram fazer nada. Fui muito bem recebido no navio e os marinheiros diziam sempre ter muita admiração em me conhecer.

Mesmo constrangido com a repercussão que teve a sua visita ao navio inglês, Ronald Biggs não se furta a repetir a história para todos os seus muitos amigos que o procuram na casa de Sepetiba. Para ele, parece ser um verdadeiro prazer mostrar que, mais uma vez, não conseguiu ser “agarrado pela polícia inglesa”.

— Na última sexta-feira eu estava na praça Mauá, andando um pouco depois que tinha ido à polícia assinar os papéis, como faço sempre, duas vezes em cada semana (Ronald Biggs é obrigado a comparecer duas vezes por semana às dependências da Polícia Federal, na praça Mauá, no centro do Rio, quando comprova que ainda está no país, assinando o que ele mesmo chama de”minha liberdade condicional”).

Ao reconhecer o uniforme de dois marinheiros ingleses que tentavam inutilmente se entender com o vendedor de uma banca de jornais, Ronald Biggs não resistiu à tentacão:

— Percebi que eles estavam em dificuldades de se entender com o jornaleiro e fui perguntar se precisavam de ajuda. E eles ficaram satisfeitos e espantados. Perguntaram se eu realmente sabia falar inglês e quando eu disse que era inglês, eles se espantaram mais ainda.

Os marinheiros, no entanto, não sabiam que iriam se assustar muito mais, quando aquele inglês de fala tranquila se apresentasse:

— Quando eu disse que me chamava Ronald Biggs, eles não acreditaram. Mas, como vissem que eu não estava mentindo, disseram: se você é Ronald Biggs mesmo, nos dê a sua mão que nós queremos cumprimentá-lo.

Dessa efusiva recepção até a ida a bordo do navio a coisa foi bem rápida. Como os dois rapazes estavam carregados de embrulhos, convidaram-no a ir até lá, enquanto se preparavam para sair novamente:

— Perguntei a um deles se não haveria nenhum problema em ir a bordo e ele me respondeu que tomariam conta de mim. Quando chegamos no navio, estavam realizando a cerimônia da retirada da bandeira do mastro principal. Assisti a tudo perfilado junto com os meus anfitriões. Um oficial percebeu que seus dois marinheiros tinham um convidado, me desejou boas-vindas e mandou que eu me colocasse a vontade dentro do navio.

Somente quando chegaram a seus alojamentos é que os marinheiros anunciaram aos colegas a sua visita: “Esse aqui”, diseram eles, “é o nosso Ronald Biggs”. A reação dos outros homens a bordo foi imediata. Num pequeno grupo formado em sua volta, Biggs teve que dar centenas de respostas para satisfazer a curiosidade e admiração de todos.

— Ficamos mais de quarenta minutos dentro do barco. Quando os rapazes acabaram de se aprontar, saimos tranqüilamente.

Reportagem sobre a visita de Ronald Biggs a um navio da marinha britânica. Foto: Acervo Estadão

Dali, Ronald Biggs levou seus novos companheiros para um bar do centro da cidade, a espera de que o “Cordão da Bola Preta” (tradicional clube carnavalesco do Rio), iniciasse o seu funcionamento.

— Foi enquanto esperávamos que eu conheci o Slingerwood, um marinheiro da frota inglesa. Ele chegou no bar com o livro que conta algumas de minhas façanhas e tem fotos minhas. Não acreditava que eu fosse realmente Ronald Biggs. Olhou, comparou com as fotos do livro e me cumprimentou.

Para Ronald Biggs parece ter sido um dos momentos emocionantes de sua vida atribulada. Segundo ele, depois que teve certeza de tratar-se realmente de Ronald Biggs, o marinheiro Slingerwood disse: “Não preciso fazer mais nada na minha vida. Posso morrer daqui a instantes porque tive o prazer de conhecer o maior herói que tive em toda a minha vida.”

— Vocês sabem o que é um admirador fanático, um fã ardoroso. Era a realização da vida daquele rapaz, me conhecer. Ele possui álbuns de recortes com tudo o que sai nos jornais e revistas a meu respeito.

A essas demonstrações de afeto, Ronald Biggs já está acostumado. Ele recebe dezenas de cartas de todos os lugares do mundo, de pessoas pedindo autógrafos, dando conselhos, oferecendo ajuda e pretendendo vir ao Brasil para visitá-lo:

— Recebo quase que diariamente cartas de pessoas que querem meu autógrafo, dizendo sempre que são meus admiradores. Essas cartas vêm principalmente da Inglaterra e da Austrália. Muitas dessas pessoas escrevem oferecendo ajuda material e moral. Dão muitos conselhos e sugerem algumas maneiras de eu ganhar algum dinheiro aqui no Brasil.

É também por essas manifestações de afeto e carinho que Ronald Biggs pretende voltar “algum dia, na hora certa” à Inglaterra. Para ele, existe a certeza de que terá muito apoio e ajuda, o que evitará que ele cumpra o total de sua pena de 30 anos de cadeia.

— Já tentei voltar à Inglaterra voluntariamente. Entrei em contato com o responsável pelo material de polícia e justiça do jornal “Daily Express” para promover a minha volta a Londres. É evidente que eu gostaria de ter também uma compensação financeira pela coragem de voltar a me entregar.

Na ocasião, em 1973, Ronald Biggs tinha acertado tudo. Para ele, o grande erro foi não ter assinado um contrato e ter confiado na palavra do jornalista inglês:

— Eu sou um velho ex-ladrão, mas o que eu falo, cumpro até o fim. Essa pessoa não fez isso e ainda me entregou para a Scotland Yard. Nessa mesma semana chegaram dois policiais de lá para me levar de volta.

Ronald Biggs sentiu-se revoltado e desistiu de voltar à Inglaterra.”Tinha desejo de regressar e me entregar, mas de livre vontade”:

— Foi aí que resolvi lutar para permanecer em liberdade. A Raimunda, minha mulher, estava grávida e as pessoas me alertaram que se eu fosse pai de uma criança brasileira, não podpria ser levado preso para fora do país.

Mas, o desejo de voltar para a Inglaterra não cessou. Para Ronald Biggs, ainda “vai chegar a hora certa” de poder retornar à pátria:

— Tenho certeza-de que as pessoas lá na Inglaterra acreditam que Ronald Biggs se transformou em um outro homem. Estou totalmente recuperado, regenerado.

Para provar que isso é verdade, basta vocês verem que esse período em que estou fugindo — e são 12 anos que estou fora das prisões inglesas — é o maior tempo de toda minha vida em que mantive meu comportamento honesto, muito honesto.

Agora, Ronald Biggs tem ainda mais certeza da boa recepção que terá na Inglaterra. Para ele, a boa vontade e a alegria com que foi recebido nos navios da Armada Real Britânica é mais uma prova de que terá todas as chances de ver sua pena reduzida.

— Dos 18 que participaram do assalto ao trem postal, somente treze foram capturados. Dez desses homens já cumpriram a totalidade de suas penas e estão livres. Dois estão presos na Inglaterra, devendo ter sua liberdade condicional decretada ainda esse ano ou no princípio do ano que vem. Por que eu deverei voltar à Inglaterra e me entregar de espontânea vontade e ficar preso durante trinta anos?

É por isso que Ronald Biggs exibe orgulhosamente o pequeno anel de ouro com um pedra vermelha, que está usando desde a noite de sexta-feira, no dedo indicador:

— Esse anel é uma prova. Foi-me dado pelo marinheiro Slingerwood na noite de sexta-feira dizendo que era uma homenagem dele, em nome de todos os marinheiros da esquadra inglesa.

Em Londres, ontem, os membros do parlamento britânico continuavam dispostos a interpelar formalmente o ministro da Defesa, Fred Mulley, a respeito da visita, impune, que Biggs fez a um navio da Armada Real.

>> Jornal da Tarde

O assaltante inglês Ronald Biggs passeia em Copacabana em 1974, ano em que foi descoberto. Foto: Carlos Chiccarino/Estadão

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