RIO - Ao longo de um século, o urbanismo se ocupou do planejamento das cidades, da implementação dos serviços de infraestrutura e transporte, da vida ou morte dos rios, entre tantos processos de transformação da paisagem. Para o arquiteto holandês Reinier De Graaf, a hora é de incorporar outros problemas, lidando com uma nova categoria urbana: não mais as cidades globais, mas as cidades resilientes. Aquelas que estejam preparadas para resistir aos efeitos das mudanças climáticas. Esta foi uma das mensagens deixadas no País pelo líder do AMO, prestigiado centro de pesquisa e design urbano com sede em Roterdã. Convidado para participar no Rio da série Diálogos Urbanos, promovida pelo Arq.Futuro, De Graaf falou com exclusividade ao Estado sobre esta que é a mais recente fronteira do urbanismo - a resiliência das cidades face a situações como inversões térmicas severas, alterações do regime de chuvas, enchentes, furacões, enfim, manifestações climáticas cada vez mais presentes no noticiário e na vida de milhões de pessoas. "Hoje as cidades concentram 55% da população terrestre, 75% das economias e 85% da poluição. É um quadro que nos obriga a retardar o ritmo da urbanização no planeta", afirma, mesmo correndo o risco de ser visto como utópico ou provocador. Acredita que a tecnologia digital será aliada preciosa em um futuro em que as pessoas terão de trabalhar no modo remoto e deixar de circular tanto. "Hoje as cidades nascem, crescem, incham e colapsam. Precisamos romper esse ciclo." De Graaf e uma equipe de 400 profissionais de diferentes nacionalidades fazem do AMO um think tank associado à OMA, empresa criada por outra grife holandesa da arquitetura, Rem Koolhaas, detentor do Pritzker Prize de 2000. No AMO, o desafio tem sido pensar o futuro sustentável por meio da arquitetura e do design urbano, gerando propostas de aplicação imediata. "Não nos preocupamos em saber se vão realizar nossos projetos agora, mas trabalhamos para isso", explica. Entre os projetos do grupo, um vem despertando maior interesse: a recuperação de uma das áreas devastadas pelo Furacão Tropical Sandy, em 2012, que atingiu ao todo 24 Estados americanos, da Florida ao Maine. Sob o título Rebuild by Design, De Graaf coordenou e assina o plano de recuperação de Hoboken, cidade de New Jersey com 53 mil habitantes, situada à beira do Rio Hudson - portanto, duramente afetada pelo Sandy. Já na Região Metropolitana de Nova York, Hoboken entrou para a história pela qualidade do seu beisebol e por ser a terra natal de Frank Sinatra. Exibe outros marcos: o concorrido terminal intermodal de transportes, que é hub regional, e um famoso centro de tecnologia. Depois do furacão, uma força-tarefa se formou com o apoio de várias fundações (Rockfeller, Hearst, Deutsche Bank America, entre outras), para dar a partida em uma competição internacional entre escritórios de arquitetura e urbanismo, visando à recuperação das áreas atingidas. De Graaf e sua equipe foram um dos vencedores, justamente com o plano para transformar Hoboken de cidade vulnerável em cidade resiliente. O projeto vai ser implementado, como anunciou o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA.
Estudo.
Primeiramente foi feito um minucioso levantamento sobre a cidade. Hoboken, densamente povoada e com pulso econômico forte, já vinha sofrendo com quatro enchentes anuais em média, nos últimos tempos. Dois terços de sua população vivem em áreas inundáveis e 94% de seu solo é impermeável. Assim, o manejo das águas passou a estruturar todo um projeto de resiliência urbana que se organiza em quatro fases: resistir, retardar, reter, descarregar.
Em resistir, De Graaf prevê a construção de comportas, paredões e terraços em pontos estratégicos, para fazer face ao momento de invasão das torrentes. Em retardar, projetou áreas verdes, vastas e porosas, para absorção das águas. Em reter, previu a construção de cisternas e bacias de retenção. E, em descarregar, criou sistemas de drenagem e bombeamentos. Tudo isso passará a integrar a infraestrutura e a paisagem.
A concepção geral é a de que, na infalibilidade de uma tormenta com elevação do nível do rio, haja um sistema harmônico que permita assimilar o excedente das águas para dar tempo de escoá-la. "Cidades são artefatos humanos, portanto, planejá-las significa responder aos fenômenos naturais. Como holandês, vivo em um país abaixo do nível do mar, naquele embate permanente com a força das águas, perigo tão antigo que aprendemos a conviver com ele", comenta De Graaf, cuja infância certamente foi marcada pela grande inundação na região dos Países Baixos, em 1953. A tragédia levou à construção do sistema holandês de diques, pontes, escoadores e túneis, em funcionamento até hoje.
Mais projetos.
Também pensando em resiliência urbana, De Graaf participa do megaprojeto A Roadmap to 2050, envolvendo os 28 países-membros da União Europeia (UE). Os trabalhos começaram em 2010 com o objetivo específico de reduzir as emissões de carbono, mas evoluíram para um audacioso plano de substituição de energia fóssil por renovável, que terá de ser concluído até 2050. "Nossa proposta nasce de uma visão pan-europeia. Desenhamos uma teia conectando diferentes sistemas de energia, que trocam entre si", diz, adicionando um exemplo. "Se no norte da Europa encontram-se bons ventos e no sul sobra sol, então a proposta é que os países troquem estoques de energia em um esquema de interdependência operacional, com independência política."
Hoje o Roadmap enfrenta resistências na Rússia, cuja economia se assenta sobre reservas de gás e óleo, portanto, energia fóssil. De Graaf admite certo retrocesso com a volta de Putin ao comando do país, "tanto que desaceleramos um pouco", mas também reconhece que obstáculos nascem de uma fissura cultural no país. "De um lado, temos uma Rússia aberta ao mundo globalizado. De outro, um país fechado, desconfiado e isolacionista."