Lélia Gonzalez, filha de empregada que virou líder antirracista, ganha biografia para crianças


História da intelectual que ajudou a compreender o papel da mulher negra na sociedade brasileira é contada pela juíza Flávia Martins de Carvalho

Por Gonçalo Junior

As homenagens pelos 30 anos da morte da ativista e feminista negra Lélia Gonzalez, no ano que vem, ganham um impulso inicial com uma biografia infantojuvenil escrita pela juíza de Direito Flávia Martins de Carvalho.

O livro Gonzalez - Lélia Gonzalez, publicado pela Editora Mostarda, foi lançado oficialmente na Bienal do Rio, em agosto. “Desde que comecei a estudar as questões de diversidade, eu sou uma admiradora de Lélia. Ela transitava por várias áreas, com uma visão aguçada e apurada numa época que muita gente não tinha percebido as questões de gênero e classe”, diz a autora, que é juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e juíza auxiliar no Supremo Tribunal Federal (STF).

Embora seja indispensável para a compreensão do papel da mulher negra na sociedade brasileira e o próprio movimento negro, Lélia está ausente dos programas universitários na área de Humanas, na opinião da autora. “Fiz duas faculdades na área de Humanas (Comunicação e Direito) e não estudei Lélia Gonzalez”, afirma.

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Lélia Gonzalez, em Dakar, em 1979; intelectual falava seis idiomas Foto: Acervo Lélia Gonzalez

Filha de uma empregada doméstica de origem indígena e de um trabalhador ferroviário nascido após a Lei do Ventre Livre, Lélia se formou em História, Geografia e Filosofia pela Universidade do Estado da Guanabara (atual UERJ) e falava seis idiomas.

A intelectual lançou volumes importantes, com destaque para Lugar de Negro, em parceria com Carlos Hasenbalg, que se tornou um dos principais volumes para fortalecimento do movimento negro no Brasil no século XX. A autora negra cunhou as expressões pretuguês (influências africanas sobre o idioma falado no Brasil) e amefricanidade (experiência comum de mulheres e homens negros na diáspora e à experiência de mulheres e homens indígenas contra a dominação colonial). Lélia ajudou a transformar o 20 de novembro no Dia Nacional da Consciência Negra.

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Flávia teve um cuidado especial na maneira de contar a trajetória de Lélia, adotando uma linguagem mais simples e construções diretas que facilitam a memorização e a aproximação com o texto. Nessa tarefa, o diploma de Comunicação Social foi fundamental.

“O público infantojuvenil exige linguagem apropriada. A proposta do livro é a construção de conhecimento sem exclusão. A linguagem empolada, muitas vezes utilizada para demonstrar erudição, nem sempre é a melhor forma de se comunicar”.

Trajetórias semelhantes nos desafios às mulheres pretas e periféricas

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A obra é um daqueles casos em que biógrafo e biografado têm trajetórias semelhantes. Lélia e Flávia driblaram os desafios impostos à maioria das mulheres pretas e periféricas com carreiras acadêmicas firmes. As questões raciais, de classe e gênero sempre atravessaram os caminhos das duas. Assim como a ativista, Flávia utiliza sua voz para combater as desigualdades de gênero, raça e classe social.

E a autora abre essa roda imaginária de luta e cumplicidade entre as mulheres negras para outras pessoas. Toda a renda da venda do livro será doada pela autora ao Instituto Geledés, organização política de mulheres negras contra o racismo e o sexismo, fundada por Sueli Carneiro.

“Pessoas negras, especialmente mulheres, têm pontos comuns em suas trajetórias. O primeiro é a tentativa de se adequar a um padrão estético eurocêntrico. Isso não se encaixa. É um processo de identificação da realidade, depois se assumir, se reconhecer e se orgulhar da sua ascendência e da subjetividade”, diz Flávia.

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Flávia Martins de Carvalho, juíza no Tribunal de Justiça SP, com a biografia de Lélia Gonzalez, na Livraria da Vila, em São Paulo Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Lélia foi uma das fontes para Flávia chegar à mais alta Corte do judiciário brasileiro. Como juíza auxiliar do STF, a magistrada é uma das pouquíssimas pessoas negras do STF – o órgão informa que não possui números exatos sobre o tema. Em 132 anos de história, apenas três negros e três mulheres se tornaram ministros. Nenhuma negra. Hoje, todos os 11 ministros são brancos.

A menina de Nova Iguaçu (RJ) que foi diretora de Promoção da Igualdade Racial da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) entre 2020 a 2022 se tornou uma das principais vozes pela igualdade social e racial em espaços majoritariamente brancos e masculinos, como o Poder Judiciário.

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Meninas sonhadoras, mulheres cientistas

A biografia de Lélia é o segundo passo da magistrada na carreira literária. O livro anterior foi Meninas sonhadoras, mulheres cientistas, que conta a história de 20 pesquisadoras que alcançaram posições antes restritas a homens. São mulheres que inspiraram a autora, como Suelly Carneiro, a jornalista Flávia Oliveira e Débora Diniz, mulher branca aliada à luta antirracista.

O título fez tanto sucesso que se transformou em uma coleção. Aqui, nova aproximação entre o biógrafo e sua obra: a trajetória da própria Flávia poderia ser retratada no volume. “A literatura me faz estar em contato com o mais sensível, não quero me tornar uma pedra, não quero me dessensibilzar. A literatura me conecta com as pessoas, tocando no lado mais humano das pessoas”

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Alguns dos próximos passos nessa busca de conexão com os leitores já estão definidos: um livro sobre suas “escrevevivências jurídicas”. “Vou chamar de ‘jurisvivência’. São contos escritos a partir do meu cotidiano como juíza que trazem uma perspectiva de humanização dessa atividade a partir da literatura”.

Universo literário acolhedor para crianças negras e indígenas

As publicações da editora Mostarda apresentam um universo literário acolhedor para crianças negras e indígenas, com publicações que auxiliam na luta antirracista e discriminatória. Um dos exemplos é a Coleção Black Power, composta por histórias de vida de personalidades pretas que inspiram as novas gerações. Em seguida vieram os títulos que representam a comunidade indígena, a “Coleção Kariri”.

Os textos, simples e ilustrados, resgatam fatos históricos, com personagens que se transformaram em símbolo de resistência e transformação. A leitura, desse modo, torna-se instrumento de empoderamento e aprendizado. São escolhas que justificam o nome da editora. A exemplo da pequena semente que se transforma em árvore, a maior das hortaliças, a editora entende que seu papel também é fazer germinar histórias sociorraciais e socioambientais, sobretudo entre crianças e adolescentes.

Pedro Mezette, diretor geral e idealizador da Editora Mostarda, conta que a inspiração para as coleções surgiu exatamente de uma frase de Lélia Gonzalez. “Estamos cansados de saber que, nem na escola, nem nos livros onde mandam a gente estudar, não se fala da efetiva contribuição das classes populares, da mulher, do negro, do índio, na nossa formação histórica e cultural. Na verdade, o que se faz é folclorizar todos eles”.

Por isso, os títulos resgatam vozes que antes eram pouco conhecidas ou ignoradas pelo público infantojuvenil. Lima Barreto, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo e Ailton Krenak, recentemente indicado como novo membro da Academia Brasileira de Letras, são alguns dos nomes encontrados nas coleções.

Serviço

Livro: Gonzalez - Lélia Gonzalez

Autora: Flávia Martins de Carvalho

Ilustração: Leonardo Malavazzi

Editora: Mostarda

R$ 74,90

40 páginas

1ª edição (2023)

À venda no site www.editoramostarda.com.br

* Este conteúdo foi elaborado em parceria com a Editora Mostarda

As homenagens pelos 30 anos da morte da ativista e feminista negra Lélia Gonzalez, no ano que vem, ganham um impulso inicial com uma biografia infantojuvenil escrita pela juíza de Direito Flávia Martins de Carvalho.

O livro Gonzalez - Lélia Gonzalez, publicado pela Editora Mostarda, foi lançado oficialmente na Bienal do Rio, em agosto. “Desde que comecei a estudar as questões de diversidade, eu sou uma admiradora de Lélia. Ela transitava por várias áreas, com uma visão aguçada e apurada numa época que muita gente não tinha percebido as questões de gênero e classe”, diz a autora, que é juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e juíza auxiliar no Supremo Tribunal Federal (STF).

Embora seja indispensável para a compreensão do papel da mulher negra na sociedade brasileira e o próprio movimento negro, Lélia está ausente dos programas universitários na área de Humanas, na opinião da autora. “Fiz duas faculdades na área de Humanas (Comunicação e Direito) e não estudei Lélia Gonzalez”, afirma.

Lélia Gonzalez, em Dakar, em 1979; intelectual falava seis idiomas Foto: Acervo Lélia Gonzalez

Filha de uma empregada doméstica de origem indígena e de um trabalhador ferroviário nascido após a Lei do Ventre Livre, Lélia se formou em História, Geografia e Filosofia pela Universidade do Estado da Guanabara (atual UERJ) e falava seis idiomas.

A intelectual lançou volumes importantes, com destaque para Lugar de Negro, em parceria com Carlos Hasenbalg, que se tornou um dos principais volumes para fortalecimento do movimento negro no Brasil no século XX. A autora negra cunhou as expressões pretuguês (influências africanas sobre o idioma falado no Brasil) e amefricanidade (experiência comum de mulheres e homens negros na diáspora e à experiência de mulheres e homens indígenas contra a dominação colonial). Lélia ajudou a transformar o 20 de novembro no Dia Nacional da Consciência Negra.

Flávia teve um cuidado especial na maneira de contar a trajetória de Lélia, adotando uma linguagem mais simples e construções diretas que facilitam a memorização e a aproximação com o texto. Nessa tarefa, o diploma de Comunicação Social foi fundamental.

“O público infantojuvenil exige linguagem apropriada. A proposta do livro é a construção de conhecimento sem exclusão. A linguagem empolada, muitas vezes utilizada para demonstrar erudição, nem sempre é a melhor forma de se comunicar”.

Trajetórias semelhantes nos desafios às mulheres pretas e periféricas

A obra é um daqueles casos em que biógrafo e biografado têm trajetórias semelhantes. Lélia e Flávia driblaram os desafios impostos à maioria das mulheres pretas e periféricas com carreiras acadêmicas firmes. As questões raciais, de classe e gênero sempre atravessaram os caminhos das duas. Assim como a ativista, Flávia utiliza sua voz para combater as desigualdades de gênero, raça e classe social.

E a autora abre essa roda imaginária de luta e cumplicidade entre as mulheres negras para outras pessoas. Toda a renda da venda do livro será doada pela autora ao Instituto Geledés, organização política de mulheres negras contra o racismo e o sexismo, fundada por Sueli Carneiro.

“Pessoas negras, especialmente mulheres, têm pontos comuns em suas trajetórias. O primeiro é a tentativa de se adequar a um padrão estético eurocêntrico. Isso não se encaixa. É um processo de identificação da realidade, depois se assumir, se reconhecer e se orgulhar da sua ascendência e da subjetividade”, diz Flávia.

Flávia Martins de Carvalho, juíza no Tribunal de Justiça SP, com a biografia de Lélia Gonzalez, na Livraria da Vila, em São Paulo Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Lélia foi uma das fontes para Flávia chegar à mais alta Corte do judiciário brasileiro. Como juíza auxiliar do STF, a magistrada é uma das pouquíssimas pessoas negras do STF – o órgão informa que não possui números exatos sobre o tema. Em 132 anos de história, apenas três negros e três mulheres se tornaram ministros. Nenhuma negra. Hoje, todos os 11 ministros são brancos.

A menina de Nova Iguaçu (RJ) que foi diretora de Promoção da Igualdade Racial da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) entre 2020 a 2022 se tornou uma das principais vozes pela igualdade social e racial em espaços majoritariamente brancos e masculinos, como o Poder Judiciário.

Meninas sonhadoras, mulheres cientistas

A biografia de Lélia é o segundo passo da magistrada na carreira literária. O livro anterior foi Meninas sonhadoras, mulheres cientistas, que conta a história de 20 pesquisadoras que alcançaram posições antes restritas a homens. São mulheres que inspiraram a autora, como Suelly Carneiro, a jornalista Flávia Oliveira e Débora Diniz, mulher branca aliada à luta antirracista.

O título fez tanto sucesso que se transformou em uma coleção. Aqui, nova aproximação entre o biógrafo e sua obra: a trajetória da própria Flávia poderia ser retratada no volume. “A literatura me faz estar em contato com o mais sensível, não quero me tornar uma pedra, não quero me dessensibilzar. A literatura me conecta com as pessoas, tocando no lado mais humano das pessoas”

Alguns dos próximos passos nessa busca de conexão com os leitores já estão definidos: um livro sobre suas “escrevevivências jurídicas”. “Vou chamar de ‘jurisvivência’. São contos escritos a partir do meu cotidiano como juíza que trazem uma perspectiva de humanização dessa atividade a partir da literatura”.

Universo literário acolhedor para crianças negras e indígenas

As publicações da editora Mostarda apresentam um universo literário acolhedor para crianças negras e indígenas, com publicações que auxiliam na luta antirracista e discriminatória. Um dos exemplos é a Coleção Black Power, composta por histórias de vida de personalidades pretas que inspiram as novas gerações. Em seguida vieram os títulos que representam a comunidade indígena, a “Coleção Kariri”.

Os textos, simples e ilustrados, resgatam fatos históricos, com personagens que se transformaram em símbolo de resistência e transformação. A leitura, desse modo, torna-se instrumento de empoderamento e aprendizado. São escolhas que justificam o nome da editora. A exemplo da pequena semente que se transforma em árvore, a maior das hortaliças, a editora entende que seu papel também é fazer germinar histórias sociorraciais e socioambientais, sobretudo entre crianças e adolescentes.

Pedro Mezette, diretor geral e idealizador da Editora Mostarda, conta que a inspiração para as coleções surgiu exatamente de uma frase de Lélia Gonzalez. “Estamos cansados de saber que, nem na escola, nem nos livros onde mandam a gente estudar, não se fala da efetiva contribuição das classes populares, da mulher, do negro, do índio, na nossa formação histórica e cultural. Na verdade, o que se faz é folclorizar todos eles”.

Por isso, os títulos resgatam vozes que antes eram pouco conhecidas ou ignoradas pelo público infantojuvenil. Lima Barreto, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo e Ailton Krenak, recentemente indicado como novo membro da Academia Brasileira de Letras, são alguns dos nomes encontrados nas coleções.

Serviço

Livro: Gonzalez - Lélia Gonzalez

Autora: Flávia Martins de Carvalho

Ilustração: Leonardo Malavazzi

Editora: Mostarda

R$ 74,90

40 páginas

1ª edição (2023)

À venda no site www.editoramostarda.com.br

* Este conteúdo foi elaborado em parceria com a Editora Mostarda

As homenagens pelos 30 anos da morte da ativista e feminista negra Lélia Gonzalez, no ano que vem, ganham um impulso inicial com uma biografia infantojuvenil escrita pela juíza de Direito Flávia Martins de Carvalho.

O livro Gonzalez - Lélia Gonzalez, publicado pela Editora Mostarda, foi lançado oficialmente na Bienal do Rio, em agosto. “Desde que comecei a estudar as questões de diversidade, eu sou uma admiradora de Lélia. Ela transitava por várias áreas, com uma visão aguçada e apurada numa época que muita gente não tinha percebido as questões de gênero e classe”, diz a autora, que é juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e juíza auxiliar no Supremo Tribunal Federal (STF).

Embora seja indispensável para a compreensão do papel da mulher negra na sociedade brasileira e o próprio movimento negro, Lélia está ausente dos programas universitários na área de Humanas, na opinião da autora. “Fiz duas faculdades na área de Humanas (Comunicação e Direito) e não estudei Lélia Gonzalez”, afirma.

Lélia Gonzalez, em Dakar, em 1979; intelectual falava seis idiomas Foto: Acervo Lélia Gonzalez

Filha de uma empregada doméstica de origem indígena e de um trabalhador ferroviário nascido após a Lei do Ventre Livre, Lélia se formou em História, Geografia e Filosofia pela Universidade do Estado da Guanabara (atual UERJ) e falava seis idiomas.

A intelectual lançou volumes importantes, com destaque para Lugar de Negro, em parceria com Carlos Hasenbalg, que se tornou um dos principais volumes para fortalecimento do movimento negro no Brasil no século XX. A autora negra cunhou as expressões pretuguês (influências africanas sobre o idioma falado no Brasil) e amefricanidade (experiência comum de mulheres e homens negros na diáspora e à experiência de mulheres e homens indígenas contra a dominação colonial). Lélia ajudou a transformar o 20 de novembro no Dia Nacional da Consciência Negra.

Flávia teve um cuidado especial na maneira de contar a trajetória de Lélia, adotando uma linguagem mais simples e construções diretas que facilitam a memorização e a aproximação com o texto. Nessa tarefa, o diploma de Comunicação Social foi fundamental.

“O público infantojuvenil exige linguagem apropriada. A proposta do livro é a construção de conhecimento sem exclusão. A linguagem empolada, muitas vezes utilizada para demonstrar erudição, nem sempre é a melhor forma de se comunicar”.

Trajetórias semelhantes nos desafios às mulheres pretas e periféricas

A obra é um daqueles casos em que biógrafo e biografado têm trajetórias semelhantes. Lélia e Flávia driblaram os desafios impostos à maioria das mulheres pretas e periféricas com carreiras acadêmicas firmes. As questões raciais, de classe e gênero sempre atravessaram os caminhos das duas. Assim como a ativista, Flávia utiliza sua voz para combater as desigualdades de gênero, raça e classe social.

E a autora abre essa roda imaginária de luta e cumplicidade entre as mulheres negras para outras pessoas. Toda a renda da venda do livro será doada pela autora ao Instituto Geledés, organização política de mulheres negras contra o racismo e o sexismo, fundada por Sueli Carneiro.

“Pessoas negras, especialmente mulheres, têm pontos comuns em suas trajetórias. O primeiro é a tentativa de se adequar a um padrão estético eurocêntrico. Isso não se encaixa. É um processo de identificação da realidade, depois se assumir, se reconhecer e se orgulhar da sua ascendência e da subjetividade”, diz Flávia.

Flávia Martins de Carvalho, juíza no Tribunal de Justiça SP, com a biografia de Lélia Gonzalez, na Livraria da Vila, em São Paulo Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Lélia foi uma das fontes para Flávia chegar à mais alta Corte do judiciário brasileiro. Como juíza auxiliar do STF, a magistrada é uma das pouquíssimas pessoas negras do STF – o órgão informa que não possui números exatos sobre o tema. Em 132 anos de história, apenas três negros e três mulheres se tornaram ministros. Nenhuma negra. Hoje, todos os 11 ministros são brancos.

A menina de Nova Iguaçu (RJ) que foi diretora de Promoção da Igualdade Racial da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) entre 2020 a 2022 se tornou uma das principais vozes pela igualdade social e racial em espaços majoritariamente brancos e masculinos, como o Poder Judiciário.

Meninas sonhadoras, mulheres cientistas

A biografia de Lélia é o segundo passo da magistrada na carreira literária. O livro anterior foi Meninas sonhadoras, mulheres cientistas, que conta a história de 20 pesquisadoras que alcançaram posições antes restritas a homens. São mulheres que inspiraram a autora, como Suelly Carneiro, a jornalista Flávia Oliveira e Débora Diniz, mulher branca aliada à luta antirracista.

O título fez tanto sucesso que se transformou em uma coleção. Aqui, nova aproximação entre o biógrafo e sua obra: a trajetória da própria Flávia poderia ser retratada no volume. “A literatura me faz estar em contato com o mais sensível, não quero me tornar uma pedra, não quero me dessensibilzar. A literatura me conecta com as pessoas, tocando no lado mais humano das pessoas”

Alguns dos próximos passos nessa busca de conexão com os leitores já estão definidos: um livro sobre suas “escrevevivências jurídicas”. “Vou chamar de ‘jurisvivência’. São contos escritos a partir do meu cotidiano como juíza que trazem uma perspectiva de humanização dessa atividade a partir da literatura”.

Universo literário acolhedor para crianças negras e indígenas

As publicações da editora Mostarda apresentam um universo literário acolhedor para crianças negras e indígenas, com publicações que auxiliam na luta antirracista e discriminatória. Um dos exemplos é a Coleção Black Power, composta por histórias de vida de personalidades pretas que inspiram as novas gerações. Em seguida vieram os títulos que representam a comunidade indígena, a “Coleção Kariri”.

Os textos, simples e ilustrados, resgatam fatos históricos, com personagens que se transformaram em símbolo de resistência e transformação. A leitura, desse modo, torna-se instrumento de empoderamento e aprendizado. São escolhas que justificam o nome da editora. A exemplo da pequena semente que se transforma em árvore, a maior das hortaliças, a editora entende que seu papel também é fazer germinar histórias sociorraciais e socioambientais, sobretudo entre crianças e adolescentes.

Pedro Mezette, diretor geral e idealizador da Editora Mostarda, conta que a inspiração para as coleções surgiu exatamente de uma frase de Lélia Gonzalez. “Estamos cansados de saber que, nem na escola, nem nos livros onde mandam a gente estudar, não se fala da efetiva contribuição das classes populares, da mulher, do negro, do índio, na nossa formação histórica e cultural. Na verdade, o que se faz é folclorizar todos eles”.

Por isso, os títulos resgatam vozes que antes eram pouco conhecidas ou ignoradas pelo público infantojuvenil. Lima Barreto, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo e Ailton Krenak, recentemente indicado como novo membro da Academia Brasileira de Letras, são alguns dos nomes encontrados nas coleções.

Serviço

Livro: Gonzalez - Lélia Gonzalez

Autora: Flávia Martins de Carvalho

Ilustração: Leonardo Malavazzi

Editora: Mostarda

R$ 74,90

40 páginas

1ª edição (2023)

À venda no site www.editoramostarda.com.br

* Este conteúdo foi elaborado em parceria com a Editora Mostarda

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