Governo Lula é alertado sobre risco de seca e incêndios desde o início do ano, mostram documentos


Especialistas dizem que poder público deveria ter agido antes, de forma mais rápida e enérgica; gestão federal diz ter adotado ações antecipadas

Por Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi alertado antecipadamente sobre a seca e o risco de incêndios florestais no Brasil. Uma série de documentos incluindo ofícios, notas técnicas, atas de reuniões e processos judiciais mostram que a gestão petista tinha ciência do que estava por vir desde o início do ano.

O Ministério do Meio Ambiente afirmou, após a publicação da reportagem, que o governo se antecipou, mas que ninguém esperava eventos nas proporções atuais e que não é possível controlar a situação se o “povo” continuar provocando incêndios (leia mais abaixo).

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O País enfrenta a pior seca em sete décadas, quando começaram os registros. A crise provoca incêndios florestais – a maioria deles criminosos, diz o governo –, ondas de fumaça no céu, seca rios, prejudica o atendimento a comunidades isoladas e causa problemas de saúde, sobretudo respiratórios.

Na terça-feira, 10, Lula foi ao Amazonas com uma comitiva de ministros e anunciou a criação da Autoridade Climática, recuperando promessa de campanha não cumprida. Além disso, ele disse que vai liberar R$ 500 milhões para combater efeitos da estiagem recorde na Amazônia.

Corpo de Bombeiros trava uma batalha contra os fortes ventos na região do Nabileque, que hoje concentra vários focos de incêndios no Pantanal.  Foto: Corpo de Bombeiro Militar de Mato Grosso do Sul
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Especialistas ouvidos pelo Estadão dizem que o governo deveria ter agido antes, de forma mais rápida e enérgica, para diminuir os efeitos da seca e dos incêndios, além de ter promovido ação mais firme para prevenir e combater queimadas criminosas e adotar prevenção permanente – e não só reativa.

Na segunda-feira, 9, a Casa Civil, encaminhou à reportagem uma lista de ações adotadas pelo governo para enfrentar a situação (veja a lista completa no final do texto). Na noite desta quinta-feira, 12, o órgão classificou a situação como desafiadora e complexa, “com resultados negativos”, mas disse que, se não fossem os esforços do governo federal, a crise seria muito pior.

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Alertas apontaram seca severa, risco de incêndios e recordes de calor

Desde fevereiro, a pasta do Meio Ambiente publica portarias com a declaração de emergência ambiental e o risco de incêndios em várias regiões do País. A mais recente, de abril, deu conta da probabilidade crescente de queimadas ao longo do do ano, sendo em cinco Estados entre março e outubro de 2024 – Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo –, em 12 Estados entre abril e novembro, incluindo o Acre, Amazonas e Mato Grosso, em 13 Estados de maio a dezembro, chegando ao Amapá e ao Ceará.

Em março, o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou a União elaborar um plano de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia. A Corte reconheceu avanços na política de proteção ambiental, afastando o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional, mas apontou falhas estruturais na política de proteção ambiental da Amazônia e do Pantanal.

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Ao resgatar a ação, em setembro, o ministro Flávio Dino classificou a escalada da crise como uma “pandemia de incêndios”.

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva enviou ofício a Lula em 12 de junho citando “emergência climática com alto risco de incêndios no Pantanal e na Amazônia”. No dia anterior, o secretário executivo da pasta, João Paulo Capobianco, falou que o governo precisaria se preparar para o risco “de novos eventos extremos” em reunião da Comissão Tripartite Nacional, que reúne União, Estados e municípios.

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Ainda em março, relatório elaborado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) mostrou que o planeta bateu todos os recordes em termos de níveis de gases de efeito de estufa e calor, destacando a alta de temperatura e incêndios em várias partes do mundo, incluindo no Brasil.

“Tínhamos um cenário de agravamento por conta do El Niño e que foi acentuado pela ação humana, mas não dá para dizer que a situação não era esperada. O governo tinha todos os indícios e informações para ter ações de mitigação e adaptação para esse momento”, afirma Pamela Gopi, estrategista da Frente de Justiça Climática do Greenpeace.

Neste ano, 58% do território nacional é afetado pela seca. Em cerca de um terço do País, o cenário é de seca severa, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

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“A Autoridade Climática só foi instituída agora, mais de um ano e meio depois que o governo assumiu. Esse atraso compromete resposta mais ágil e eficaz aos incêndios e impactos para a população. Poderíamos ter ganhado tempo, reduzido impactos e ainda otimizado recursos”, diz a especialista do Greenpeace.

Em 3 de abril, o governador do Amazonas, Wilson Lima, (União Brasil) enviou ofício para o governo federal solicitando ajuda para minimizar ou mesmo evitar os impactos causados pelo “possível desastre”, incluindo aeronaves de combate ao fogo, veículos terrestres, militares da Força Nacional e sistemas de bomba d’água com painel solar para abastecer comunidades rurais.

Em março, a Defesa Civil do Estado alertou sobre cenário preocupante da seca e dificuldade para a navegação nos rios no 2º semestre, o que ocorre agora. Em 9 de setembro, quando Lula foi ao Amazonas, Lima enviou novo ofício reiterando os pedidos. O Amazonas decretou emergência ambiental em 5 de julho.

Relatório do Observatório do Clima, anexado na ação do STF em junho, alertou que o Pantanal estava sendo “consumido pelas chamas” e que a “a ausência de medidas rápidas, eficazes e contundentes contra o fogo levará à ruína o bioma”. O documento trouxe a previsão de que a região deveria passar por seca “extremamente forte este ano” com pico em agosto e setembro.

“Tenho dificuldade em aceitar o discurso de que as coisas são inesperadas. Há o fator humano, mas hoje existe uma estrutura que incentiva atos criminosos”, diz o advogado Nauê Azevedo, especialista em Litigância Estratégica do Observatório do Clima. “Há esforço do governo federal em lidar com a situação, mas vivemos um cenário de anomalia climática que já vinha sendo avisado há muito tempo.”

Azevedo defende penas mais severas para quem provoca incêndios florestais, incluindo a proibição de crédito financeiro se o crime vier de produtores rurais. E afirma que o combate a essas ações deveria ter começado antes.

Governo foi acionado pelo Ministério Público por falta de prevenção e resposta

Além dos alertas climáticos, o governo Lula foi notificado pelas consequências da situação em comunidades atingidas. O Ministério Público Federal (MPF) do Pará entrou na Justiça contra a União e o governo do Estado em função das consequências da emergência climáticas em aldeias indígenas.

Relatório produzido por associações de povos originários afirma que, até agosto, não existia mobilização de órgãos de combate às queimadas e nenhuma ação para minimizar efeitos da fumaça entre crianças e idosos ou fornecer alimentos nas terras Munduruku, Sai Cinza e Kayabi. “Tudo isso em plena véspera da COP-30 (a Cúpula do Clima das Nações Unidas, que será em Belém no próximo ano) onde governo federal e estadual gastam milhões com propagandas diárias acerca da defesa do clima”, diz o documento.

A ação da Procuradoria relata que dados do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), ligado ao Ministério da Defesa, produzidos em junho mostraram prognóstico de estiagem severa em 14 estações de monitoramento na Amazônia. De setembro a novembro, os níveis dos rios nessas estações podem chegar perto da mínima histórica ou mesmo ultrapassá-la, impactando municípios nas bacias dos Rios Madeira, Mearin, Negro, Solimões, Tapajós e Tocantins/Araguaia.

O MPF de São Paulo pediu informações ao Ministério do Meio Ambiente em 27 de agosto devido ao agravamento da situação na região de Ribeirão Preto. No documento, o órgão aponta “ausência de adequado preparo” e “absoluta incapacidade de resposta” para prevenir e combater o alastramento do fogo e prender criminosos em flagrante.

A Procuradoria pediu medidas e responsabilização dos causadores do fogo para que os cidadãos paulistas “não tenham que depender da intervenção divina ou do tempo para que sua saúde, segurança e o meio ambiente sejam resguardados nos anos vindouros.”

Após a decisão do STF, o governo argumentou no âmbito da ação que atuou de forma antecipada e apoiou a elaboração dos planos de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia. Duas salas de situação de situação foram instaladas para coordenar ações de combate a incêndios florestais e seus efeitos, além da contratação extraordinária de brigadistas e a ampliação do uso de aeronaves.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, mandou um ofício para o presidente Lula no dia 12 de junho citando “emergência climática com elevado risco de incêndios no Pantanal e na Amazônia”.  Foto: Wilton Junior/Estadão

Em setembro, devido à piora da situação e de novas decisões do STF, o Ministério do Meio Ambiente pediu mais recursos do Orçamento da União. O diagnóstico era de que a seca em 2024 está durando mais tempo que o esperado, deixando os rios sem água e facilitando a ocorrência de incêndios.

Na quarta-feira, 11, Marina pediu apoio da Defesa para combate a incêndios com aeronaves, veículos terrestres e tratores. Ela argumentou que o Ibama e o ICBMBio já operam em plena capacidade com seus meios disponíveis. “É imperativo ampliar imediatamente os recursos e a infraestrutura de combate aos incêndios florestais”, escreveu.

Autoridade Climática facilita gastos em emergências, mas orçamento deve ser planejado

Lula anunciou a criação da Autoridade Climática para articular as ações do governo federal. Além disso, ele disse que enviará medida provisória para estabelecer o estatuto jurídico da Emergência Climática. As duas iniciativas dependerão de aprovação no Congresso e podem, a depender da formatação, abrir caminho para gastos fora das regras fiscais e dos limites para contratações do poder público.

Para especialistas, o cuidado com o clima precisa ser colocado previamente no Orçamento, e não como é hoje, com medidas extraordinárias sempre que há uma situação fora do controle. O orçamento para a prevenção e combate a incêndios florestais, sem contar com o recurso que só vem após eventos classificados como imprevistos, aumentou de R$ 159 milhões em 2022 para R$ 236 milhões em 2023, mas diminuiu para R$ 219 milhões este ano. Entre as seis prioridades definidas pelo Executivo para 2025, o combate ao desmate e o enfrentamento da crise climática é a que tem o menor valor no Orçamento de 2025.

“Recurso não pode vir só em momento de extrema dificuldade. Precisa vir de forma antecipada e o governo agir para que o plano de mudanças climáticas seja efetivado nos Estados, possa se antecipar a eventos extremos e agir para mitigar os efeitos”, afirma Pamela Gopi, do Greenpeace.

Ainda não se sabe como será a nova estrutura da Autoridade Climática nem quem ocupará o cargo. “Não adianta criar Autoridade Climática se vier esvaziada de poder público e financeiro, se não tiver orçamento”, afirma o coordenador de projetos da consultoria Synergia Socioambiental, Gabriel Berton Kohlmann.

“A intensidade da seca já era prevista pelos modelos meteorológicos e o poder público no Brasil não está se preparando e tomando as medidas para fazer programas de resiliência climática e de preparação a esses eventos climáticos extremos, que irão ocorrer cada vez mais com frequência e intensidade.”

O que o governo diz ter feito para evitar a situação

O secretário extraordinário de Controle do Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, afirmou ao Estadão que o governo não está agindo de forma reativa, mas trabalha com aumento de investimentos, brigadistas, integração com bombeiros e governos estaduais e mudanças na legislação desde o ano passado.

“Acreditar que o governo federal, através do Ibama e do ICMBio, vai apagar incêndio no Brasil inteiro é uma ilusão. Nós estamos fazendo muito mais do que já foi feito na história do Brasil. Mas, se o povo continuar colocando fogo, infelizmente estamos sujeitos a não ganhar essa guerra”, disse o secretário.

A pasta comandada por Marina Silva afirma que atua em 230 frentes de incêndio na Amazônia e em mais de 100 frentes de incêndios no Pantanal. O órgão alega que nenhuma previsão indicou que os eventos climáticos ocorreriam na proporção atual.

O secretário aponta responsabilidade das pessoas que provocam incêndios e dos proprietários de terra que não apagam o fogo em suas áreas, além da falta de preparado dos municípios e da distância dos corpos de bombeiro das áreas afetadas.

“A mudança climática e o impacto da mudança climática são tão graves que nem os cientistas mais experientes e melhor aparelhados anteviam incêndios com essa gravidade que está tendo”, afirmou Lima. “E também não poderiam antever que o povo ia continuar pondo fogo apesar da crise gravíssima.”

A Casa Civil, que coordena a resposta entre os ministérios da gestão petista, encaminhou na segunda-feira, 9, uma lista de ações feitas pelo governo Lula para combater e evitar a situação. Na noite desta quinta-feira, 12, afirmou que o governo Lula atuou de forma antecipada na mitigação dos efeitos climáticos, mas que os eventos eram imprevistos na dimensão que ocorreram.

“As ações do governo federal no enfrentamento aos efeitos da seca e situação de emergência climática no país têm sido suficientes a depender do contexto considerado. A estiagem de 2024 é a pior das últimas sete décadas, e vivenciamos um dos quatro piores El Ninõs da história. Se não fossem os esforços empregados pelo Governo, a situação seria muito pior, embora a reconheçamos como desafiadora e complexa, com resultados negativos”, disse a Casa Civil.

A pasta declarou que os fenômenos enfrentados atualmente são sazonais e esperados. “O que não se esperava era a aceleração dos fenômenos climáticos extremos, com antecipação para hoje de cenários que o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) considerava como prováveis para as próximas décadas.”

“Não é verdade que não houve mobilização de combate aos incêndios florestais. Há efetivo já existente nas diferentes instituições federais e subnacionais atuando nas regiões atingidas pelo fenômeno. A dimensão extraordinária dos fenômenos climáticos extremos exigiu a intensificação do que já é realizado”, disse órgão.

Abaixo, a lista de ações apresentada pelo governo:

1. Planejamento e operacionalização da contratação de novos brigadistas e aquisição de equipamentos; Fundo Amazônia atinge R$ 1,3 bilhão em aprovações para projetos e chamadas públicas em 2023 (janeiro e fevereiro 2024);

2. Assinatura pelo Presidente Lula de pacto com governadores para combate a incêndios no Pantanal e Amazônia, e convocação de reunião pela Presidência sobre seca e incêndios no Pantanal (Junho 2024);

3. Polícia Federal instala gabinete de crise para investigar origem de incêndios no Pantanal; Instalação da Base Operativa Multiagências e comando Integrado local em Corumbá (MS) (Junho 2024);

4. Instalação da Base Operativa Multiagências e Comando Integrado local no Km 100 da Rodovia Transpantaneira, em Poconé (MT) (Junho 2024);

5. Governo Federal reconhece situação de emergência em 12 municípios de MS em razão de incêndios florestais (Junho 2024);

6. Presidente Lula assina MP nº 1.241, que libera crédito extraordinário de R$ 137 milhões para combate aos incêndios no Pantanal; Presidente Lula sanciona Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (Lei n° 14.944 de 31 de julho de 2024) após acompanhar ações de combate em Corumbá (MS) (julho 2024);

7. Governo Federal anuncia criação de três frentes multiagências interfederativas para combate aos incêndios em áreas críticas da Amazônia, após reunião com governadores do bioma e do Pantanal; Governo Federal apoia o combate e o monitoramento de áreas atingidas por incêndios no estado de São Paulo com seis aeronaves, entre elas um avião KC-390, e cerca de 400 militares (agosto 2024);

8. Presidente Lula acompanha monitoramento dos incêndios no país na sede do Prevfogo, em Brasília; MGI autorizada a contratação de brigadas temporárias do Ibama em 20 estados (agosto 2024).

9. Retomada da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas, bem como do Fundo Amazônia após quatro anos de paralisação;

10. Plano de Ação para o Manejo Integrado do Fogo (MIF) no Pantanal lançado em abril de 2023;

11. Lançamento da nova versão do PPCDAM;

12. Lançamento de dados preliminares do DETER Pantanal e do PPCerrado (novembro 2023);

13. Antecipação em dois meses da instalação do Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional Nacional (Ciman), que reúne órgãos e agências federais envolvidas no combate aos incêndios, com participação dos governos de MT e MS;

14. Senado aprova Política Nacional sobre Manejo Integrado do Fogo, importante para a prevenção e controle dos incêndios florestais em todo o país;

15. O presidente em exercício, Geraldo Alckmin, assina Medidas Provisórias para acelerar a recontratação de brigadistas (MP nº 1.239) e facilitar o uso de aviões estrangeiros no combate a incêndios florestais (MP nº 1.240).

BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi alertado antecipadamente sobre a seca e o risco de incêndios florestais no Brasil. Uma série de documentos incluindo ofícios, notas técnicas, atas de reuniões e processos judiciais mostram que a gestão petista tinha ciência do que estava por vir desde o início do ano.

O Ministério do Meio Ambiente afirmou, após a publicação da reportagem, que o governo se antecipou, mas que ninguém esperava eventos nas proporções atuais e que não é possível controlar a situação se o “povo” continuar provocando incêndios (leia mais abaixo).

O País enfrenta a pior seca em sete décadas, quando começaram os registros. A crise provoca incêndios florestais – a maioria deles criminosos, diz o governo –, ondas de fumaça no céu, seca rios, prejudica o atendimento a comunidades isoladas e causa problemas de saúde, sobretudo respiratórios.

Na terça-feira, 10, Lula foi ao Amazonas com uma comitiva de ministros e anunciou a criação da Autoridade Climática, recuperando promessa de campanha não cumprida. Além disso, ele disse que vai liberar R$ 500 milhões para combater efeitos da estiagem recorde na Amazônia.

Corpo de Bombeiros trava uma batalha contra os fortes ventos na região do Nabileque, que hoje concentra vários focos de incêndios no Pantanal.  Foto: Corpo de Bombeiro Militar de Mato Grosso do Sul

Especialistas ouvidos pelo Estadão dizem que o governo deveria ter agido antes, de forma mais rápida e enérgica, para diminuir os efeitos da seca e dos incêndios, além de ter promovido ação mais firme para prevenir e combater queimadas criminosas e adotar prevenção permanente – e não só reativa.

Na segunda-feira, 9, a Casa Civil, encaminhou à reportagem uma lista de ações adotadas pelo governo para enfrentar a situação (veja a lista completa no final do texto). Na noite desta quinta-feira, 12, o órgão classificou a situação como desafiadora e complexa, “com resultados negativos”, mas disse que, se não fossem os esforços do governo federal, a crise seria muito pior.

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Alertas apontaram seca severa, risco de incêndios e recordes de calor

Desde fevereiro, a pasta do Meio Ambiente publica portarias com a declaração de emergência ambiental e o risco de incêndios em várias regiões do País. A mais recente, de abril, deu conta da probabilidade crescente de queimadas ao longo do do ano, sendo em cinco Estados entre março e outubro de 2024 – Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo –, em 12 Estados entre abril e novembro, incluindo o Acre, Amazonas e Mato Grosso, em 13 Estados de maio a dezembro, chegando ao Amapá e ao Ceará.

Em março, o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou a União elaborar um plano de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia. A Corte reconheceu avanços na política de proteção ambiental, afastando o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional, mas apontou falhas estruturais na política de proteção ambiental da Amazônia e do Pantanal.

Ao resgatar a ação, em setembro, o ministro Flávio Dino classificou a escalada da crise como uma “pandemia de incêndios”.

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva enviou ofício a Lula em 12 de junho citando “emergência climática com alto risco de incêndios no Pantanal e na Amazônia”. No dia anterior, o secretário executivo da pasta, João Paulo Capobianco, falou que o governo precisaria se preparar para o risco “de novos eventos extremos” em reunião da Comissão Tripartite Nacional, que reúne União, Estados e municípios.

Ainda em março, relatório elaborado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) mostrou que o planeta bateu todos os recordes em termos de níveis de gases de efeito de estufa e calor, destacando a alta de temperatura e incêndios em várias partes do mundo, incluindo no Brasil.

“Tínhamos um cenário de agravamento por conta do El Niño e que foi acentuado pela ação humana, mas não dá para dizer que a situação não era esperada. O governo tinha todos os indícios e informações para ter ações de mitigação e adaptação para esse momento”, afirma Pamela Gopi, estrategista da Frente de Justiça Climática do Greenpeace.

Neste ano, 58% do território nacional é afetado pela seca. Em cerca de um terço do País, o cenário é de seca severa, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

“A Autoridade Climática só foi instituída agora, mais de um ano e meio depois que o governo assumiu. Esse atraso compromete resposta mais ágil e eficaz aos incêndios e impactos para a população. Poderíamos ter ganhado tempo, reduzido impactos e ainda otimizado recursos”, diz a especialista do Greenpeace.

Em 3 de abril, o governador do Amazonas, Wilson Lima, (União Brasil) enviou ofício para o governo federal solicitando ajuda para minimizar ou mesmo evitar os impactos causados pelo “possível desastre”, incluindo aeronaves de combate ao fogo, veículos terrestres, militares da Força Nacional e sistemas de bomba d’água com painel solar para abastecer comunidades rurais.

Em março, a Defesa Civil do Estado alertou sobre cenário preocupante da seca e dificuldade para a navegação nos rios no 2º semestre, o que ocorre agora. Em 9 de setembro, quando Lula foi ao Amazonas, Lima enviou novo ofício reiterando os pedidos. O Amazonas decretou emergência ambiental em 5 de julho.

Relatório do Observatório do Clima, anexado na ação do STF em junho, alertou que o Pantanal estava sendo “consumido pelas chamas” e que a “a ausência de medidas rápidas, eficazes e contundentes contra o fogo levará à ruína o bioma”. O documento trouxe a previsão de que a região deveria passar por seca “extremamente forte este ano” com pico em agosto e setembro.

“Tenho dificuldade em aceitar o discurso de que as coisas são inesperadas. Há o fator humano, mas hoje existe uma estrutura que incentiva atos criminosos”, diz o advogado Nauê Azevedo, especialista em Litigância Estratégica do Observatório do Clima. “Há esforço do governo federal em lidar com a situação, mas vivemos um cenário de anomalia climática que já vinha sendo avisado há muito tempo.”

Azevedo defende penas mais severas para quem provoca incêndios florestais, incluindo a proibição de crédito financeiro se o crime vier de produtores rurais. E afirma que o combate a essas ações deveria ter começado antes.

Governo foi acionado pelo Ministério Público por falta de prevenção e resposta

Além dos alertas climáticos, o governo Lula foi notificado pelas consequências da situação em comunidades atingidas. O Ministério Público Federal (MPF) do Pará entrou na Justiça contra a União e o governo do Estado em função das consequências da emergência climáticas em aldeias indígenas.

Relatório produzido por associações de povos originários afirma que, até agosto, não existia mobilização de órgãos de combate às queimadas e nenhuma ação para minimizar efeitos da fumaça entre crianças e idosos ou fornecer alimentos nas terras Munduruku, Sai Cinza e Kayabi. “Tudo isso em plena véspera da COP-30 (a Cúpula do Clima das Nações Unidas, que será em Belém no próximo ano) onde governo federal e estadual gastam milhões com propagandas diárias acerca da defesa do clima”, diz o documento.

A ação da Procuradoria relata que dados do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), ligado ao Ministério da Defesa, produzidos em junho mostraram prognóstico de estiagem severa em 14 estações de monitoramento na Amazônia. De setembro a novembro, os níveis dos rios nessas estações podem chegar perto da mínima histórica ou mesmo ultrapassá-la, impactando municípios nas bacias dos Rios Madeira, Mearin, Negro, Solimões, Tapajós e Tocantins/Araguaia.

O MPF de São Paulo pediu informações ao Ministério do Meio Ambiente em 27 de agosto devido ao agravamento da situação na região de Ribeirão Preto. No documento, o órgão aponta “ausência de adequado preparo” e “absoluta incapacidade de resposta” para prevenir e combater o alastramento do fogo e prender criminosos em flagrante.

A Procuradoria pediu medidas e responsabilização dos causadores do fogo para que os cidadãos paulistas “não tenham que depender da intervenção divina ou do tempo para que sua saúde, segurança e o meio ambiente sejam resguardados nos anos vindouros.”

Após a decisão do STF, o governo argumentou no âmbito da ação que atuou de forma antecipada e apoiou a elaboração dos planos de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia. Duas salas de situação de situação foram instaladas para coordenar ações de combate a incêndios florestais e seus efeitos, além da contratação extraordinária de brigadistas e a ampliação do uso de aeronaves.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, mandou um ofício para o presidente Lula no dia 12 de junho citando “emergência climática com elevado risco de incêndios no Pantanal e na Amazônia”.  Foto: Wilton Junior/Estadão

Em setembro, devido à piora da situação e de novas decisões do STF, o Ministério do Meio Ambiente pediu mais recursos do Orçamento da União. O diagnóstico era de que a seca em 2024 está durando mais tempo que o esperado, deixando os rios sem água e facilitando a ocorrência de incêndios.

Na quarta-feira, 11, Marina pediu apoio da Defesa para combate a incêndios com aeronaves, veículos terrestres e tratores. Ela argumentou que o Ibama e o ICBMBio já operam em plena capacidade com seus meios disponíveis. “É imperativo ampliar imediatamente os recursos e a infraestrutura de combate aos incêndios florestais”, escreveu.

Autoridade Climática facilita gastos em emergências, mas orçamento deve ser planejado

Lula anunciou a criação da Autoridade Climática para articular as ações do governo federal. Além disso, ele disse que enviará medida provisória para estabelecer o estatuto jurídico da Emergência Climática. As duas iniciativas dependerão de aprovação no Congresso e podem, a depender da formatação, abrir caminho para gastos fora das regras fiscais e dos limites para contratações do poder público.

Para especialistas, o cuidado com o clima precisa ser colocado previamente no Orçamento, e não como é hoje, com medidas extraordinárias sempre que há uma situação fora do controle. O orçamento para a prevenção e combate a incêndios florestais, sem contar com o recurso que só vem após eventos classificados como imprevistos, aumentou de R$ 159 milhões em 2022 para R$ 236 milhões em 2023, mas diminuiu para R$ 219 milhões este ano. Entre as seis prioridades definidas pelo Executivo para 2025, o combate ao desmate e o enfrentamento da crise climática é a que tem o menor valor no Orçamento de 2025.

“Recurso não pode vir só em momento de extrema dificuldade. Precisa vir de forma antecipada e o governo agir para que o plano de mudanças climáticas seja efetivado nos Estados, possa se antecipar a eventos extremos e agir para mitigar os efeitos”, afirma Pamela Gopi, do Greenpeace.

Ainda não se sabe como será a nova estrutura da Autoridade Climática nem quem ocupará o cargo. “Não adianta criar Autoridade Climática se vier esvaziada de poder público e financeiro, se não tiver orçamento”, afirma o coordenador de projetos da consultoria Synergia Socioambiental, Gabriel Berton Kohlmann.

“A intensidade da seca já era prevista pelos modelos meteorológicos e o poder público no Brasil não está se preparando e tomando as medidas para fazer programas de resiliência climática e de preparação a esses eventos climáticos extremos, que irão ocorrer cada vez mais com frequência e intensidade.”

O que o governo diz ter feito para evitar a situação

O secretário extraordinário de Controle do Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, afirmou ao Estadão que o governo não está agindo de forma reativa, mas trabalha com aumento de investimentos, brigadistas, integração com bombeiros e governos estaduais e mudanças na legislação desde o ano passado.

“Acreditar que o governo federal, através do Ibama e do ICMBio, vai apagar incêndio no Brasil inteiro é uma ilusão. Nós estamos fazendo muito mais do que já foi feito na história do Brasil. Mas, se o povo continuar colocando fogo, infelizmente estamos sujeitos a não ganhar essa guerra”, disse o secretário.

A pasta comandada por Marina Silva afirma que atua em 230 frentes de incêndio na Amazônia e em mais de 100 frentes de incêndios no Pantanal. O órgão alega que nenhuma previsão indicou que os eventos climáticos ocorreriam na proporção atual.

O secretário aponta responsabilidade das pessoas que provocam incêndios e dos proprietários de terra que não apagam o fogo em suas áreas, além da falta de preparado dos municípios e da distância dos corpos de bombeiro das áreas afetadas.

“A mudança climática e o impacto da mudança climática são tão graves que nem os cientistas mais experientes e melhor aparelhados anteviam incêndios com essa gravidade que está tendo”, afirmou Lima. “E também não poderiam antever que o povo ia continuar pondo fogo apesar da crise gravíssima.”

A Casa Civil, que coordena a resposta entre os ministérios da gestão petista, encaminhou na segunda-feira, 9, uma lista de ações feitas pelo governo Lula para combater e evitar a situação. Na noite desta quinta-feira, 12, afirmou que o governo Lula atuou de forma antecipada na mitigação dos efeitos climáticos, mas que os eventos eram imprevistos na dimensão que ocorreram.

“As ações do governo federal no enfrentamento aos efeitos da seca e situação de emergência climática no país têm sido suficientes a depender do contexto considerado. A estiagem de 2024 é a pior das últimas sete décadas, e vivenciamos um dos quatro piores El Ninõs da história. Se não fossem os esforços empregados pelo Governo, a situação seria muito pior, embora a reconheçamos como desafiadora e complexa, com resultados negativos”, disse a Casa Civil.

A pasta declarou que os fenômenos enfrentados atualmente são sazonais e esperados. “O que não se esperava era a aceleração dos fenômenos climáticos extremos, com antecipação para hoje de cenários que o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) considerava como prováveis para as próximas décadas.”

“Não é verdade que não houve mobilização de combate aos incêndios florestais. Há efetivo já existente nas diferentes instituições federais e subnacionais atuando nas regiões atingidas pelo fenômeno. A dimensão extraordinária dos fenômenos climáticos extremos exigiu a intensificação do que já é realizado”, disse órgão.

Abaixo, a lista de ações apresentada pelo governo:

1. Planejamento e operacionalização da contratação de novos brigadistas e aquisição de equipamentos; Fundo Amazônia atinge R$ 1,3 bilhão em aprovações para projetos e chamadas públicas em 2023 (janeiro e fevereiro 2024);

2. Assinatura pelo Presidente Lula de pacto com governadores para combate a incêndios no Pantanal e Amazônia, e convocação de reunião pela Presidência sobre seca e incêndios no Pantanal (Junho 2024);

3. Polícia Federal instala gabinete de crise para investigar origem de incêndios no Pantanal; Instalação da Base Operativa Multiagências e comando Integrado local em Corumbá (MS) (Junho 2024);

4. Instalação da Base Operativa Multiagências e Comando Integrado local no Km 100 da Rodovia Transpantaneira, em Poconé (MT) (Junho 2024);

5. Governo Federal reconhece situação de emergência em 12 municípios de MS em razão de incêndios florestais (Junho 2024);

6. Presidente Lula assina MP nº 1.241, que libera crédito extraordinário de R$ 137 milhões para combate aos incêndios no Pantanal; Presidente Lula sanciona Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (Lei n° 14.944 de 31 de julho de 2024) após acompanhar ações de combate em Corumbá (MS) (julho 2024);

7. Governo Federal anuncia criação de três frentes multiagências interfederativas para combate aos incêndios em áreas críticas da Amazônia, após reunião com governadores do bioma e do Pantanal; Governo Federal apoia o combate e o monitoramento de áreas atingidas por incêndios no estado de São Paulo com seis aeronaves, entre elas um avião KC-390, e cerca de 400 militares (agosto 2024);

8. Presidente Lula acompanha monitoramento dos incêndios no país na sede do Prevfogo, em Brasília; MGI autorizada a contratação de brigadas temporárias do Ibama em 20 estados (agosto 2024).

9. Retomada da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas, bem como do Fundo Amazônia após quatro anos de paralisação;

10. Plano de Ação para o Manejo Integrado do Fogo (MIF) no Pantanal lançado em abril de 2023;

11. Lançamento da nova versão do PPCDAM;

12. Lançamento de dados preliminares do DETER Pantanal e do PPCerrado (novembro 2023);

13. Antecipação em dois meses da instalação do Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional Nacional (Ciman), que reúne órgãos e agências federais envolvidas no combate aos incêndios, com participação dos governos de MT e MS;

14. Senado aprova Política Nacional sobre Manejo Integrado do Fogo, importante para a prevenção e controle dos incêndios florestais em todo o país;

15. O presidente em exercício, Geraldo Alckmin, assina Medidas Provisórias para acelerar a recontratação de brigadistas (MP nº 1.239) e facilitar o uso de aviões estrangeiros no combate a incêndios florestais (MP nº 1.240).

BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi alertado antecipadamente sobre a seca e o risco de incêndios florestais no Brasil. Uma série de documentos incluindo ofícios, notas técnicas, atas de reuniões e processos judiciais mostram que a gestão petista tinha ciência do que estava por vir desde o início do ano.

O Ministério do Meio Ambiente afirmou, após a publicação da reportagem, que o governo se antecipou, mas que ninguém esperava eventos nas proporções atuais e que não é possível controlar a situação se o “povo” continuar provocando incêndios (leia mais abaixo).

O País enfrenta a pior seca em sete décadas, quando começaram os registros. A crise provoca incêndios florestais – a maioria deles criminosos, diz o governo –, ondas de fumaça no céu, seca rios, prejudica o atendimento a comunidades isoladas e causa problemas de saúde, sobretudo respiratórios.

Na terça-feira, 10, Lula foi ao Amazonas com uma comitiva de ministros e anunciou a criação da Autoridade Climática, recuperando promessa de campanha não cumprida. Além disso, ele disse que vai liberar R$ 500 milhões para combater efeitos da estiagem recorde na Amazônia.

Corpo de Bombeiros trava uma batalha contra os fortes ventos na região do Nabileque, que hoje concentra vários focos de incêndios no Pantanal.  Foto: Corpo de Bombeiro Militar de Mato Grosso do Sul

Especialistas ouvidos pelo Estadão dizem que o governo deveria ter agido antes, de forma mais rápida e enérgica, para diminuir os efeitos da seca e dos incêndios, além de ter promovido ação mais firme para prevenir e combater queimadas criminosas e adotar prevenção permanente – e não só reativa.

Na segunda-feira, 9, a Casa Civil, encaminhou à reportagem uma lista de ações adotadas pelo governo para enfrentar a situação (veja a lista completa no final do texto). Na noite desta quinta-feira, 12, o órgão classificou a situação como desafiadora e complexa, “com resultados negativos”, mas disse que, se não fossem os esforços do governo federal, a crise seria muito pior.

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Alertas apontaram seca severa, risco de incêndios e recordes de calor

Desde fevereiro, a pasta do Meio Ambiente publica portarias com a declaração de emergência ambiental e o risco de incêndios em várias regiões do País. A mais recente, de abril, deu conta da probabilidade crescente de queimadas ao longo do do ano, sendo em cinco Estados entre março e outubro de 2024 – Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo –, em 12 Estados entre abril e novembro, incluindo o Acre, Amazonas e Mato Grosso, em 13 Estados de maio a dezembro, chegando ao Amapá e ao Ceará.

Em março, o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou a União elaborar um plano de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia. A Corte reconheceu avanços na política de proteção ambiental, afastando o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional, mas apontou falhas estruturais na política de proteção ambiental da Amazônia e do Pantanal.

Ao resgatar a ação, em setembro, o ministro Flávio Dino classificou a escalada da crise como uma “pandemia de incêndios”.

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva enviou ofício a Lula em 12 de junho citando “emergência climática com alto risco de incêndios no Pantanal e na Amazônia”. No dia anterior, o secretário executivo da pasta, João Paulo Capobianco, falou que o governo precisaria se preparar para o risco “de novos eventos extremos” em reunião da Comissão Tripartite Nacional, que reúne União, Estados e municípios.

Ainda em março, relatório elaborado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) mostrou que o planeta bateu todos os recordes em termos de níveis de gases de efeito de estufa e calor, destacando a alta de temperatura e incêndios em várias partes do mundo, incluindo no Brasil.

“Tínhamos um cenário de agravamento por conta do El Niño e que foi acentuado pela ação humana, mas não dá para dizer que a situação não era esperada. O governo tinha todos os indícios e informações para ter ações de mitigação e adaptação para esse momento”, afirma Pamela Gopi, estrategista da Frente de Justiça Climática do Greenpeace.

Neste ano, 58% do território nacional é afetado pela seca. Em cerca de um terço do País, o cenário é de seca severa, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

“A Autoridade Climática só foi instituída agora, mais de um ano e meio depois que o governo assumiu. Esse atraso compromete resposta mais ágil e eficaz aos incêndios e impactos para a população. Poderíamos ter ganhado tempo, reduzido impactos e ainda otimizado recursos”, diz a especialista do Greenpeace.

Em 3 de abril, o governador do Amazonas, Wilson Lima, (União Brasil) enviou ofício para o governo federal solicitando ajuda para minimizar ou mesmo evitar os impactos causados pelo “possível desastre”, incluindo aeronaves de combate ao fogo, veículos terrestres, militares da Força Nacional e sistemas de bomba d’água com painel solar para abastecer comunidades rurais.

Em março, a Defesa Civil do Estado alertou sobre cenário preocupante da seca e dificuldade para a navegação nos rios no 2º semestre, o que ocorre agora. Em 9 de setembro, quando Lula foi ao Amazonas, Lima enviou novo ofício reiterando os pedidos. O Amazonas decretou emergência ambiental em 5 de julho.

Relatório do Observatório do Clima, anexado na ação do STF em junho, alertou que o Pantanal estava sendo “consumido pelas chamas” e que a “a ausência de medidas rápidas, eficazes e contundentes contra o fogo levará à ruína o bioma”. O documento trouxe a previsão de que a região deveria passar por seca “extremamente forte este ano” com pico em agosto e setembro.

“Tenho dificuldade em aceitar o discurso de que as coisas são inesperadas. Há o fator humano, mas hoje existe uma estrutura que incentiva atos criminosos”, diz o advogado Nauê Azevedo, especialista em Litigância Estratégica do Observatório do Clima. “Há esforço do governo federal em lidar com a situação, mas vivemos um cenário de anomalia climática que já vinha sendo avisado há muito tempo.”

Azevedo defende penas mais severas para quem provoca incêndios florestais, incluindo a proibição de crédito financeiro se o crime vier de produtores rurais. E afirma que o combate a essas ações deveria ter começado antes.

Governo foi acionado pelo Ministério Público por falta de prevenção e resposta

Além dos alertas climáticos, o governo Lula foi notificado pelas consequências da situação em comunidades atingidas. O Ministério Público Federal (MPF) do Pará entrou na Justiça contra a União e o governo do Estado em função das consequências da emergência climáticas em aldeias indígenas.

Relatório produzido por associações de povos originários afirma que, até agosto, não existia mobilização de órgãos de combate às queimadas e nenhuma ação para minimizar efeitos da fumaça entre crianças e idosos ou fornecer alimentos nas terras Munduruku, Sai Cinza e Kayabi. “Tudo isso em plena véspera da COP-30 (a Cúpula do Clima das Nações Unidas, que será em Belém no próximo ano) onde governo federal e estadual gastam milhões com propagandas diárias acerca da defesa do clima”, diz o documento.

A ação da Procuradoria relata que dados do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), ligado ao Ministério da Defesa, produzidos em junho mostraram prognóstico de estiagem severa em 14 estações de monitoramento na Amazônia. De setembro a novembro, os níveis dos rios nessas estações podem chegar perto da mínima histórica ou mesmo ultrapassá-la, impactando municípios nas bacias dos Rios Madeira, Mearin, Negro, Solimões, Tapajós e Tocantins/Araguaia.

O MPF de São Paulo pediu informações ao Ministério do Meio Ambiente em 27 de agosto devido ao agravamento da situação na região de Ribeirão Preto. No documento, o órgão aponta “ausência de adequado preparo” e “absoluta incapacidade de resposta” para prevenir e combater o alastramento do fogo e prender criminosos em flagrante.

A Procuradoria pediu medidas e responsabilização dos causadores do fogo para que os cidadãos paulistas “não tenham que depender da intervenção divina ou do tempo para que sua saúde, segurança e o meio ambiente sejam resguardados nos anos vindouros.”

Após a decisão do STF, o governo argumentou no âmbito da ação que atuou de forma antecipada e apoiou a elaboração dos planos de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia. Duas salas de situação de situação foram instaladas para coordenar ações de combate a incêndios florestais e seus efeitos, além da contratação extraordinária de brigadistas e a ampliação do uso de aeronaves.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, mandou um ofício para o presidente Lula no dia 12 de junho citando “emergência climática com elevado risco de incêndios no Pantanal e na Amazônia”.  Foto: Wilton Junior/Estadão

Em setembro, devido à piora da situação e de novas decisões do STF, o Ministério do Meio Ambiente pediu mais recursos do Orçamento da União. O diagnóstico era de que a seca em 2024 está durando mais tempo que o esperado, deixando os rios sem água e facilitando a ocorrência de incêndios.

Na quarta-feira, 11, Marina pediu apoio da Defesa para combate a incêndios com aeronaves, veículos terrestres e tratores. Ela argumentou que o Ibama e o ICBMBio já operam em plena capacidade com seus meios disponíveis. “É imperativo ampliar imediatamente os recursos e a infraestrutura de combate aos incêndios florestais”, escreveu.

Autoridade Climática facilita gastos em emergências, mas orçamento deve ser planejado

Lula anunciou a criação da Autoridade Climática para articular as ações do governo federal. Além disso, ele disse que enviará medida provisória para estabelecer o estatuto jurídico da Emergência Climática. As duas iniciativas dependerão de aprovação no Congresso e podem, a depender da formatação, abrir caminho para gastos fora das regras fiscais e dos limites para contratações do poder público.

Para especialistas, o cuidado com o clima precisa ser colocado previamente no Orçamento, e não como é hoje, com medidas extraordinárias sempre que há uma situação fora do controle. O orçamento para a prevenção e combate a incêndios florestais, sem contar com o recurso que só vem após eventos classificados como imprevistos, aumentou de R$ 159 milhões em 2022 para R$ 236 milhões em 2023, mas diminuiu para R$ 219 milhões este ano. Entre as seis prioridades definidas pelo Executivo para 2025, o combate ao desmate e o enfrentamento da crise climática é a que tem o menor valor no Orçamento de 2025.

“Recurso não pode vir só em momento de extrema dificuldade. Precisa vir de forma antecipada e o governo agir para que o plano de mudanças climáticas seja efetivado nos Estados, possa se antecipar a eventos extremos e agir para mitigar os efeitos”, afirma Pamela Gopi, do Greenpeace.

Ainda não se sabe como será a nova estrutura da Autoridade Climática nem quem ocupará o cargo. “Não adianta criar Autoridade Climática se vier esvaziada de poder público e financeiro, se não tiver orçamento”, afirma o coordenador de projetos da consultoria Synergia Socioambiental, Gabriel Berton Kohlmann.

“A intensidade da seca já era prevista pelos modelos meteorológicos e o poder público no Brasil não está se preparando e tomando as medidas para fazer programas de resiliência climática e de preparação a esses eventos climáticos extremos, que irão ocorrer cada vez mais com frequência e intensidade.”

O que o governo diz ter feito para evitar a situação

O secretário extraordinário de Controle do Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, afirmou ao Estadão que o governo não está agindo de forma reativa, mas trabalha com aumento de investimentos, brigadistas, integração com bombeiros e governos estaduais e mudanças na legislação desde o ano passado.

“Acreditar que o governo federal, através do Ibama e do ICMBio, vai apagar incêndio no Brasil inteiro é uma ilusão. Nós estamos fazendo muito mais do que já foi feito na história do Brasil. Mas, se o povo continuar colocando fogo, infelizmente estamos sujeitos a não ganhar essa guerra”, disse o secretário.

A pasta comandada por Marina Silva afirma que atua em 230 frentes de incêndio na Amazônia e em mais de 100 frentes de incêndios no Pantanal. O órgão alega que nenhuma previsão indicou que os eventos climáticos ocorreriam na proporção atual.

O secretário aponta responsabilidade das pessoas que provocam incêndios e dos proprietários de terra que não apagam o fogo em suas áreas, além da falta de preparado dos municípios e da distância dos corpos de bombeiro das áreas afetadas.

“A mudança climática e o impacto da mudança climática são tão graves que nem os cientistas mais experientes e melhor aparelhados anteviam incêndios com essa gravidade que está tendo”, afirmou Lima. “E também não poderiam antever que o povo ia continuar pondo fogo apesar da crise gravíssima.”

A Casa Civil, que coordena a resposta entre os ministérios da gestão petista, encaminhou na segunda-feira, 9, uma lista de ações feitas pelo governo Lula para combater e evitar a situação. Na noite desta quinta-feira, 12, afirmou que o governo Lula atuou de forma antecipada na mitigação dos efeitos climáticos, mas que os eventos eram imprevistos na dimensão que ocorreram.

“As ações do governo federal no enfrentamento aos efeitos da seca e situação de emergência climática no país têm sido suficientes a depender do contexto considerado. A estiagem de 2024 é a pior das últimas sete décadas, e vivenciamos um dos quatro piores El Ninõs da história. Se não fossem os esforços empregados pelo Governo, a situação seria muito pior, embora a reconheçamos como desafiadora e complexa, com resultados negativos”, disse a Casa Civil.

A pasta declarou que os fenômenos enfrentados atualmente são sazonais e esperados. “O que não se esperava era a aceleração dos fenômenos climáticos extremos, com antecipação para hoje de cenários que o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) considerava como prováveis para as próximas décadas.”

“Não é verdade que não houve mobilização de combate aos incêndios florestais. Há efetivo já existente nas diferentes instituições federais e subnacionais atuando nas regiões atingidas pelo fenômeno. A dimensão extraordinária dos fenômenos climáticos extremos exigiu a intensificação do que já é realizado”, disse órgão.

Abaixo, a lista de ações apresentada pelo governo:

1. Planejamento e operacionalização da contratação de novos brigadistas e aquisição de equipamentos; Fundo Amazônia atinge R$ 1,3 bilhão em aprovações para projetos e chamadas públicas em 2023 (janeiro e fevereiro 2024);

2. Assinatura pelo Presidente Lula de pacto com governadores para combate a incêndios no Pantanal e Amazônia, e convocação de reunião pela Presidência sobre seca e incêndios no Pantanal (Junho 2024);

3. Polícia Federal instala gabinete de crise para investigar origem de incêndios no Pantanal; Instalação da Base Operativa Multiagências e comando Integrado local em Corumbá (MS) (Junho 2024);

4. Instalação da Base Operativa Multiagências e Comando Integrado local no Km 100 da Rodovia Transpantaneira, em Poconé (MT) (Junho 2024);

5. Governo Federal reconhece situação de emergência em 12 municípios de MS em razão de incêndios florestais (Junho 2024);

6. Presidente Lula assina MP nº 1.241, que libera crédito extraordinário de R$ 137 milhões para combate aos incêndios no Pantanal; Presidente Lula sanciona Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (Lei n° 14.944 de 31 de julho de 2024) após acompanhar ações de combate em Corumbá (MS) (julho 2024);

7. Governo Federal anuncia criação de três frentes multiagências interfederativas para combate aos incêndios em áreas críticas da Amazônia, após reunião com governadores do bioma e do Pantanal; Governo Federal apoia o combate e o monitoramento de áreas atingidas por incêndios no estado de São Paulo com seis aeronaves, entre elas um avião KC-390, e cerca de 400 militares (agosto 2024);

8. Presidente Lula acompanha monitoramento dos incêndios no país na sede do Prevfogo, em Brasília; MGI autorizada a contratação de brigadas temporárias do Ibama em 20 estados (agosto 2024).

9. Retomada da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas, bem como do Fundo Amazônia após quatro anos de paralisação;

10. Plano de Ação para o Manejo Integrado do Fogo (MIF) no Pantanal lançado em abril de 2023;

11. Lançamento da nova versão do PPCDAM;

12. Lançamento de dados preliminares do DETER Pantanal e do PPCerrado (novembro 2023);

13. Antecipação em dois meses da instalação do Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional Nacional (Ciman), que reúne órgãos e agências federais envolvidas no combate aos incêndios, com participação dos governos de MT e MS;

14. Senado aprova Política Nacional sobre Manejo Integrado do Fogo, importante para a prevenção e controle dos incêndios florestais em todo o país;

15. O presidente em exercício, Geraldo Alckmin, assina Medidas Provisórias para acelerar a recontratação de brigadistas (MP nº 1.239) e facilitar o uso de aviões estrangeiros no combate a incêndios florestais (MP nº 1.240).

BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi alertado antecipadamente sobre a seca e o risco de incêndios florestais no Brasil. Uma série de documentos incluindo ofícios, notas técnicas, atas de reuniões e processos judiciais mostram que a gestão petista tinha ciência do que estava por vir desde o início do ano.

O Ministério do Meio Ambiente afirmou, após a publicação da reportagem, que o governo se antecipou, mas que ninguém esperava eventos nas proporções atuais e que não é possível controlar a situação se o “povo” continuar provocando incêndios (leia mais abaixo).

O País enfrenta a pior seca em sete décadas, quando começaram os registros. A crise provoca incêndios florestais – a maioria deles criminosos, diz o governo –, ondas de fumaça no céu, seca rios, prejudica o atendimento a comunidades isoladas e causa problemas de saúde, sobretudo respiratórios.

Na terça-feira, 10, Lula foi ao Amazonas com uma comitiva de ministros e anunciou a criação da Autoridade Climática, recuperando promessa de campanha não cumprida. Além disso, ele disse que vai liberar R$ 500 milhões para combater efeitos da estiagem recorde na Amazônia.

Corpo de Bombeiros trava uma batalha contra os fortes ventos na região do Nabileque, que hoje concentra vários focos de incêndios no Pantanal.  Foto: Corpo de Bombeiro Militar de Mato Grosso do Sul

Especialistas ouvidos pelo Estadão dizem que o governo deveria ter agido antes, de forma mais rápida e enérgica, para diminuir os efeitos da seca e dos incêndios, além de ter promovido ação mais firme para prevenir e combater queimadas criminosas e adotar prevenção permanente – e não só reativa.

Na segunda-feira, 9, a Casa Civil, encaminhou à reportagem uma lista de ações adotadas pelo governo para enfrentar a situação (veja a lista completa no final do texto). Na noite desta quinta-feira, 12, o órgão classificou a situação como desafiadora e complexa, “com resultados negativos”, mas disse que, se não fossem os esforços do governo federal, a crise seria muito pior.

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Alertas apontaram seca severa, risco de incêndios e recordes de calor

Desde fevereiro, a pasta do Meio Ambiente publica portarias com a declaração de emergência ambiental e o risco de incêndios em várias regiões do País. A mais recente, de abril, deu conta da probabilidade crescente de queimadas ao longo do do ano, sendo em cinco Estados entre março e outubro de 2024 – Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo –, em 12 Estados entre abril e novembro, incluindo o Acre, Amazonas e Mato Grosso, em 13 Estados de maio a dezembro, chegando ao Amapá e ao Ceará.

Em março, o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou a União elaborar um plano de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia. A Corte reconheceu avanços na política de proteção ambiental, afastando o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional, mas apontou falhas estruturais na política de proteção ambiental da Amazônia e do Pantanal.

Ao resgatar a ação, em setembro, o ministro Flávio Dino classificou a escalada da crise como uma “pandemia de incêndios”.

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva enviou ofício a Lula em 12 de junho citando “emergência climática com alto risco de incêndios no Pantanal e na Amazônia”. No dia anterior, o secretário executivo da pasta, João Paulo Capobianco, falou que o governo precisaria se preparar para o risco “de novos eventos extremos” em reunião da Comissão Tripartite Nacional, que reúne União, Estados e municípios.

Ainda em março, relatório elaborado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) mostrou que o planeta bateu todos os recordes em termos de níveis de gases de efeito de estufa e calor, destacando a alta de temperatura e incêndios em várias partes do mundo, incluindo no Brasil.

“Tínhamos um cenário de agravamento por conta do El Niño e que foi acentuado pela ação humana, mas não dá para dizer que a situação não era esperada. O governo tinha todos os indícios e informações para ter ações de mitigação e adaptação para esse momento”, afirma Pamela Gopi, estrategista da Frente de Justiça Climática do Greenpeace.

Neste ano, 58% do território nacional é afetado pela seca. Em cerca de um terço do País, o cenário é de seca severa, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

“A Autoridade Climática só foi instituída agora, mais de um ano e meio depois que o governo assumiu. Esse atraso compromete resposta mais ágil e eficaz aos incêndios e impactos para a população. Poderíamos ter ganhado tempo, reduzido impactos e ainda otimizado recursos”, diz a especialista do Greenpeace.

Em 3 de abril, o governador do Amazonas, Wilson Lima, (União Brasil) enviou ofício para o governo federal solicitando ajuda para minimizar ou mesmo evitar os impactos causados pelo “possível desastre”, incluindo aeronaves de combate ao fogo, veículos terrestres, militares da Força Nacional e sistemas de bomba d’água com painel solar para abastecer comunidades rurais.

Em março, a Defesa Civil do Estado alertou sobre cenário preocupante da seca e dificuldade para a navegação nos rios no 2º semestre, o que ocorre agora. Em 9 de setembro, quando Lula foi ao Amazonas, Lima enviou novo ofício reiterando os pedidos. O Amazonas decretou emergência ambiental em 5 de julho.

Relatório do Observatório do Clima, anexado na ação do STF em junho, alertou que o Pantanal estava sendo “consumido pelas chamas” e que a “a ausência de medidas rápidas, eficazes e contundentes contra o fogo levará à ruína o bioma”. O documento trouxe a previsão de que a região deveria passar por seca “extremamente forte este ano” com pico em agosto e setembro.

“Tenho dificuldade em aceitar o discurso de que as coisas são inesperadas. Há o fator humano, mas hoje existe uma estrutura que incentiva atos criminosos”, diz o advogado Nauê Azevedo, especialista em Litigância Estratégica do Observatório do Clima. “Há esforço do governo federal em lidar com a situação, mas vivemos um cenário de anomalia climática que já vinha sendo avisado há muito tempo.”

Azevedo defende penas mais severas para quem provoca incêndios florestais, incluindo a proibição de crédito financeiro se o crime vier de produtores rurais. E afirma que o combate a essas ações deveria ter começado antes.

Governo foi acionado pelo Ministério Público por falta de prevenção e resposta

Além dos alertas climáticos, o governo Lula foi notificado pelas consequências da situação em comunidades atingidas. O Ministério Público Federal (MPF) do Pará entrou na Justiça contra a União e o governo do Estado em função das consequências da emergência climáticas em aldeias indígenas.

Relatório produzido por associações de povos originários afirma que, até agosto, não existia mobilização de órgãos de combate às queimadas e nenhuma ação para minimizar efeitos da fumaça entre crianças e idosos ou fornecer alimentos nas terras Munduruku, Sai Cinza e Kayabi. “Tudo isso em plena véspera da COP-30 (a Cúpula do Clima das Nações Unidas, que será em Belém no próximo ano) onde governo federal e estadual gastam milhões com propagandas diárias acerca da defesa do clima”, diz o documento.

A ação da Procuradoria relata que dados do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), ligado ao Ministério da Defesa, produzidos em junho mostraram prognóstico de estiagem severa em 14 estações de monitoramento na Amazônia. De setembro a novembro, os níveis dos rios nessas estações podem chegar perto da mínima histórica ou mesmo ultrapassá-la, impactando municípios nas bacias dos Rios Madeira, Mearin, Negro, Solimões, Tapajós e Tocantins/Araguaia.

O MPF de São Paulo pediu informações ao Ministério do Meio Ambiente em 27 de agosto devido ao agravamento da situação na região de Ribeirão Preto. No documento, o órgão aponta “ausência de adequado preparo” e “absoluta incapacidade de resposta” para prevenir e combater o alastramento do fogo e prender criminosos em flagrante.

A Procuradoria pediu medidas e responsabilização dos causadores do fogo para que os cidadãos paulistas “não tenham que depender da intervenção divina ou do tempo para que sua saúde, segurança e o meio ambiente sejam resguardados nos anos vindouros.”

Após a decisão do STF, o governo argumentou no âmbito da ação que atuou de forma antecipada e apoiou a elaboração dos planos de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia. Duas salas de situação de situação foram instaladas para coordenar ações de combate a incêndios florestais e seus efeitos, além da contratação extraordinária de brigadistas e a ampliação do uso de aeronaves.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, mandou um ofício para o presidente Lula no dia 12 de junho citando “emergência climática com elevado risco de incêndios no Pantanal e na Amazônia”.  Foto: Wilton Junior/Estadão

Em setembro, devido à piora da situação e de novas decisões do STF, o Ministério do Meio Ambiente pediu mais recursos do Orçamento da União. O diagnóstico era de que a seca em 2024 está durando mais tempo que o esperado, deixando os rios sem água e facilitando a ocorrência de incêndios.

Na quarta-feira, 11, Marina pediu apoio da Defesa para combate a incêndios com aeronaves, veículos terrestres e tratores. Ela argumentou que o Ibama e o ICBMBio já operam em plena capacidade com seus meios disponíveis. “É imperativo ampliar imediatamente os recursos e a infraestrutura de combate aos incêndios florestais”, escreveu.

Autoridade Climática facilita gastos em emergências, mas orçamento deve ser planejado

Lula anunciou a criação da Autoridade Climática para articular as ações do governo federal. Além disso, ele disse que enviará medida provisória para estabelecer o estatuto jurídico da Emergência Climática. As duas iniciativas dependerão de aprovação no Congresso e podem, a depender da formatação, abrir caminho para gastos fora das regras fiscais e dos limites para contratações do poder público.

Para especialistas, o cuidado com o clima precisa ser colocado previamente no Orçamento, e não como é hoje, com medidas extraordinárias sempre que há uma situação fora do controle. O orçamento para a prevenção e combate a incêndios florestais, sem contar com o recurso que só vem após eventos classificados como imprevistos, aumentou de R$ 159 milhões em 2022 para R$ 236 milhões em 2023, mas diminuiu para R$ 219 milhões este ano. Entre as seis prioridades definidas pelo Executivo para 2025, o combate ao desmate e o enfrentamento da crise climática é a que tem o menor valor no Orçamento de 2025.

“Recurso não pode vir só em momento de extrema dificuldade. Precisa vir de forma antecipada e o governo agir para que o plano de mudanças climáticas seja efetivado nos Estados, possa se antecipar a eventos extremos e agir para mitigar os efeitos”, afirma Pamela Gopi, do Greenpeace.

Ainda não se sabe como será a nova estrutura da Autoridade Climática nem quem ocupará o cargo. “Não adianta criar Autoridade Climática se vier esvaziada de poder público e financeiro, se não tiver orçamento”, afirma o coordenador de projetos da consultoria Synergia Socioambiental, Gabriel Berton Kohlmann.

“A intensidade da seca já era prevista pelos modelos meteorológicos e o poder público no Brasil não está se preparando e tomando as medidas para fazer programas de resiliência climática e de preparação a esses eventos climáticos extremos, que irão ocorrer cada vez mais com frequência e intensidade.”

O que o governo diz ter feito para evitar a situação

O secretário extraordinário de Controle do Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, afirmou ao Estadão que o governo não está agindo de forma reativa, mas trabalha com aumento de investimentos, brigadistas, integração com bombeiros e governos estaduais e mudanças na legislação desde o ano passado.

“Acreditar que o governo federal, através do Ibama e do ICMBio, vai apagar incêndio no Brasil inteiro é uma ilusão. Nós estamos fazendo muito mais do que já foi feito na história do Brasil. Mas, se o povo continuar colocando fogo, infelizmente estamos sujeitos a não ganhar essa guerra”, disse o secretário.

A pasta comandada por Marina Silva afirma que atua em 230 frentes de incêndio na Amazônia e em mais de 100 frentes de incêndios no Pantanal. O órgão alega que nenhuma previsão indicou que os eventos climáticos ocorreriam na proporção atual.

O secretário aponta responsabilidade das pessoas que provocam incêndios e dos proprietários de terra que não apagam o fogo em suas áreas, além da falta de preparado dos municípios e da distância dos corpos de bombeiro das áreas afetadas.

“A mudança climática e o impacto da mudança climática são tão graves que nem os cientistas mais experientes e melhor aparelhados anteviam incêndios com essa gravidade que está tendo”, afirmou Lima. “E também não poderiam antever que o povo ia continuar pondo fogo apesar da crise gravíssima.”

A Casa Civil, que coordena a resposta entre os ministérios da gestão petista, encaminhou na segunda-feira, 9, uma lista de ações feitas pelo governo Lula para combater e evitar a situação. Na noite desta quinta-feira, 12, afirmou que o governo Lula atuou de forma antecipada na mitigação dos efeitos climáticos, mas que os eventos eram imprevistos na dimensão que ocorreram.

“As ações do governo federal no enfrentamento aos efeitos da seca e situação de emergência climática no país têm sido suficientes a depender do contexto considerado. A estiagem de 2024 é a pior das últimas sete décadas, e vivenciamos um dos quatro piores El Ninõs da história. Se não fossem os esforços empregados pelo Governo, a situação seria muito pior, embora a reconheçamos como desafiadora e complexa, com resultados negativos”, disse a Casa Civil.

A pasta declarou que os fenômenos enfrentados atualmente são sazonais e esperados. “O que não se esperava era a aceleração dos fenômenos climáticos extremos, com antecipação para hoje de cenários que o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) considerava como prováveis para as próximas décadas.”

“Não é verdade que não houve mobilização de combate aos incêndios florestais. Há efetivo já existente nas diferentes instituições federais e subnacionais atuando nas regiões atingidas pelo fenômeno. A dimensão extraordinária dos fenômenos climáticos extremos exigiu a intensificação do que já é realizado”, disse órgão.

Abaixo, a lista de ações apresentada pelo governo:

1. Planejamento e operacionalização da contratação de novos brigadistas e aquisição de equipamentos; Fundo Amazônia atinge R$ 1,3 bilhão em aprovações para projetos e chamadas públicas em 2023 (janeiro e fevereiro 2024);

2. Assinatura pelo Presidente Lula de pacto com governadores para combate a incêndios no Pantanal e Amazônia, e convocação de reunião pela Presidência sobre seca e incêndios no Pantanal (Junho 2024);

3. Polícia Federal instala gabinete de crise para investigar origem de incêndios no Pantanal; Instalação da Base Operativa Multiagências e comando Integrado local em Corumbá (MS) (Junho 2024);

4. Instalação da Base Operativa Multiagências e Comando Integrado local no Km 100 da Rodovia Transpantaneira, em Poconé (MT) (Junho 2024);

5. Governo Federal reconhece situação de emergência em 12 municípios de MS em razão de incêndios florestais (Junho 2024);

6. Presidente Lula assina MP nº 1.241, que libera crédito extraordinário de R$ 137 milhões para combate aos incêndios no Pantanal; Presidente Lula sanciona Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (Lei n° 14.944 de 31 de julho de 2024) após acompanhar ações de combate em Corumbá (MS) (julho 2024);

7. Governo Federal anuncia criação de três frentes multiagências interfederativas para combate aos incêndios em áreas críticas da Amazônia, após reunião com governadores do bioma e do Pantanal; Governo Federal apoia o combate e o monitoramento de áreas atingidas por incêndios no estado de São Paulo com seis aeronaves, entre elas um avião KC-390, e cerca de 400 militares (agosto 2024);

8. Presidente Lula acompanha monitoramento dos incêndios no país na sede do Prevfogo, em Brasília; MGI autorizada a contratação de brigadas temporárias do Ibama em 20 estados (agosto 2024).

9. Retomada da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas, bem como do Fundo Amazônia após quatro anos de paralisação;

10. Plano de Ação para o Manejo Integrado do Fogo (MIF) no Pantanal lançado em abril de 2023;

11. Lançamento da nova versão do PPCDAM;

12. Lançamento de dados preliminares do DETER Pantanal e do PPCerrado (novembro 2023);

13. Antecipação em dois meses da instalação do Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional Nacional (Ciman), que reúne órgãos e agências federais envolvidas no combate aos incêndios, com participação dos governos de MT e MS;

14. Senado aprova Política Nacional sobre Manejo Integrado do Fogo, importante para a prevenção e controle dos incêndios florestais em todo o país;

15. O presidente em exercício, Geraldo Alckmin, assina Medidas Provisórias para acelerar a recontratação de brigadistas (MP nº 1.239) e facilitar o uso de aviões estrangeiros no combate a incêndios florestais (MP nº 1.240).

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