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Opinião|A falta de inovação do Mídia Ninja


Por Paulo Silvestre
Atualização:

Bruno Torturra e Pablo Capilé, no Roda Viva do último dia 5 Foto: Estadão

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Desde as megamanifestações que sacudiram o Brasil em junho, muito se fala sobre o Mídia Ninja, um grupo de jornalismo que tem sido incensado como revolucionário em seus formatos editoriais e de financiamento. Cheguei até a ter a esperança de que a cambaleante “mídia tradicional” poderia aprender algo com eles. Mas acabei concluindo que, na verdade, as propostas dos Ninjas não têm nada de inovadoras.

Os líderes do movimento, Bruno Torturra e Pablo Capilé, tentaram explicá-las no Roda Viva do último dia 5. Durante grande parte do programa, os entrevistadores se concentraram em como o movimento se financia, e não faltaram sugestões de que os Ninjas seriam, na verdade, aparelhados pelo PT. Não entrarei aqui na questão política: quero debater o que eles estão trazendo para o jornalismo.

Assistindo à entrevista, concluí que a o movimento está infelizmente muito longe de um caminho viável. Suas propostas me lembraram de visões românticas e às vezes inocentes típicas das start-ups de tecnologia que naufragam com uma boa ideia nas mãos.

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A principal falha na proposta dos Ninjas é depositar pesadamente no público a responsabilidade pelo financiamento da produção jornalística. Curiosamente isso não é diferente do que propõem os donos dos grandes veículos, principalmente da mídia impressa, que vem sofrendo de maneira mais dramática com o naufrágio do seu modelo de negócios.

Claro que o ideal é que qualquer jornalismo seja financiado pelo seu próprio público, quanto mais, melhor. Assim garante-se um dos valores mais caros da atividade, que é a sua independência. Mas, como disse acima, calcar seu modelo de negócios nisso demonstra que os Ninjas terão que mudar de ideia rapidamente se não quiserem desaparecer. E o próprio Bruno admitiu no programa que só pensará em vender anúncios a empresas, quando "o dinheiro público, DO público (ops, a falta inicial dessa contração foi um ato falho?) fracassar". Oras, é um modelo que então já prevê o seu fracasso?

Essa tentativa de convencer o público de canais online a pagar pelo conteúdo já vem sendo tentado de diferentes maneiras há uma década por gente muito boa (dos pontos de vista tecnológico e jornalístico), sem sucesso. As pessoas estão dispostas a pagar sim pelo que consomem, mas está cada vez mais difícil convencer alguém a pagar pelo conteúdo em si: elas pagam quando ele faz parte de algo maior, de um serviço que transcende o jornalismo na maneira como ele se insere em suas vidas.

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A incapacidade de entender isso é o que está matando, por exemplo, os jornalões, que veem seus assinantes e anunciantes diminuindo continuamente. Mas eles ainda têm algo nas mãos, pois partiram de um grande volume construído historicamente. No caso dos Ninjas, que estão partindo do zero, correm o risco de fazer um "microjornalismo" para 300 ou 400 pessoas, como os shows dos artistas incubados pelo Fora do Eixo, movimento irmão do Mídia Ninja focado em atividade artísticas. Nesse caso, perdem outro valor importante para o jornalismo, que é a representatividade social. Não se faz jornalismo apenas para seus colegas, para quem pensa igual a você ou para quem já conhece a história: jornalismo deve ser feito de maneira ampla, para a sociedade.

Jornalista cidadão

Os Ninjas se apoiam em uma meia verdade, quando dizem que é possível fazer jornalismo com baixos custos. A parte em que isso é verdade acontece justamente em coberturas como as realizadas nas manifestações de junho, que tornaram o grupo famoso. Nesse caso, basta sem a pessoa certa, no lugar e na hora certos. Com celulares, é possível sim fazer esse tipo de bom jornalismo a um custo baixo.

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O melhor exemplo disso para mim não é de hoje e nem é dos Ninjas. Ele aconteceu em 26 de dezembro de 2004, após o tsunami que devastou o sudeste asiático, principalmente a Indonésia. Naquele desastre, alguns sobreviventes realizaram uma grande cobertura jornalística usando seus celulares (que eram muito mais primitivos que os atuais), praticamente a única coisa que continuou funcionando após a tragédia. A grande mídia demorou incrivelmente um par de dias para perceber o que havia acontecido naquele lado do mundo, desembarcando atrasada (e em massa) para sua cobertura, como a cavalaria chegando e tocando sua corneta, depois que pioneiros e índios já tivessem se massacrado.

E justamente aí reside a metade falsa da premissa do movimento. Sim, tanto os Ninjas nas manifestações de junho, quanto os sobreviventes do tsunami realizaram uma cobertura de qualidade a custos baixos. Mas e se ninguém tivesse feito isso naquele 2004 indonésio e restasse à grande mídia executar essa tarefa, ainda que tardiamente? Custa muito dinheiro mobilizar rapidamente uma grande equipe e enviá-la ao outro lado do mundo para fazer jornalismo. E isso acabou acontecendo em um segundo momento, de maneira complementar ao trabalho inicial dos sobreviventes.

Vale ressaltar outra diferença entre o Mídia Ninja e iniciativas típicas de jornalismo cidadão, como no caso do tsunami de 2004. Os Ninjas querer fazer parte da noticia, ao invés de noticiá-la. Isso ficou claro quando seus líderes disseram no Roda Viva que filmaram detalhes das manifestações e fizeram entrevistas específicas para deliberadamente proteger os manifestantes.

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Não há nada de errado em se fazer isso, desde que seja como manifestante, e não como jornalista. Nesse segundo caso, deve-se fazer a sua cobertura para apurar os fatos, e eles sempre têm muitos lados. Por mais que odeiem os policiais que estavam descendo a borracha nas pessoas, eles devem ser ouvidos para que deem a sua versão dos acontecimentos. Assim como os manifestantes pacíficos, os black blocs, os políticos, o cidadão que estava lá só de passagem. Todos eles têm sua versão dos mesmos fatos, e devem ser ouvidos. Sem isso, o público, mal informado, se afasta da verdade, e o trabalho vira antijornalismo.

A contribuição dos Ninjas

Então o Mídia Ninja não inova em nada? Penso que não. Mas eles trouxeram sim uma importante contribuição. Não por terem inventado algo novo, mas por terem resgatado um princípio importantíssimo do jornalismo que anda meio esquecido nas grandes redações e que a nova geração de colegas pouco viu: uma reportagem destemida, que, para apurar uma notícia, vai até o fim, pensa de maneira criativa e até impertinente, e que não se deixa intimidar.

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Incentivados por uma política de redução de custos que prefere que os jornalistas saiam pouco das Redações, os grandes veículos se transformaram em espaços de denuncismo, insuflados por fontes com interesses nem sempre nobres ou confiáveis. E essa prática condenável divide o espaço com um jornalismo chapa-branca, com pautas políticas ou empresariais sonolentas, com uma mesmice chata e acomodada. Até a opinião dos veículos, fora de assuntos políticos, parece anêmica.

A chamada "grande imprensa" deveria prestar atenção a essa turma que "vai para cima" apenas com um celular na mão. Não para desprezar os seus erros, mas para resgatar com eles o que perderam ao longo dos anos. E -sim- se reinventar.

Nesse caso, um novo, sério e robusto jornalismo poderia surgir das cinzas do cruzamento dos veículos centenários e dessa nova turma. Se isso acontecer, o Mídia Ninja terá dado a sua contribuição à sociedade, afinal.

Bruno Torturra e Pablo Capilé, no Roda Viva do último dia 5 Foto: Estadão

Desde as megamanifestações que sacudiram o Brasil em junho, muito se fala sobre o Mídia Ninja, um grupo de jornalismo que tem sido incensado como revolucionário em seus formatos editoriais e de financiamento. Cheguei até a ter a esperança de que a cambaleante “mídia tradicional” poderia aprender algo com eles. Mas acabei concluindo que, na verdade, as propostas dos Ninjas não têm nada de inovadoras.

Os líderes do movimento, Bruno Torturra e Pablo Capilé, tentaram explicá-las no Roda Viva do último dia 5. Durante grande parte do programa, os entrevistadores se concentraram em como o movimento se financia, e não faltaram sugestões de que os Ninjas seriam, na verdade, aparelhados pelo PT. Não entrarei aqui na questão política: quero debater o que eles estão trazendo para o jornalismo.

Assistindo à entrevista, concluí que a o movimento está infelizmente muito longe de um caminho viável. Suas propostas me lembraram de visões românticas e às vezes inocentes típicas das start-ups de tecnologia que naufragam com uma boa ideia nas mãos.

A principal falha na proposta dos Ninjas é depositar pesadamente no público a responsabilidade pelo financiamento da produção jornalística. Curiosamente isso não é diferente do que propõem os donos dos grandes veículos, principalmente da mídia impressa, que vem sofrendo de maneira mais dramática com o naufrágio do seu modelo de negócios.

Claro que o ideal é que qualquer jornalismo seja financiado pelo seu próprio público, quanto mais, melhor. Assim garante-se um dos valores mais caros da atividade, que é a sua independência. Mas, como disse acima, calcar seu modelo de negócios nisso demonstra que os Ninjas terão que mudar de ideia rapidamente se não quiserem desaparecer. E o próprio Bruno admitiu no programa que só pensará em vender anúncios a empresas, quando "o dinheiro público, DO público (ops, a falta inicial dessa contração foi um ato falho?) fracassar". Oras, é um modelo que então já prevê o seu fracasso?

Essa tentativa de convencer o público de canais online a pagar pelo conteúdo já vem sendo tentado de diferentes maneiras há uma década por gente muito boa (dos pontos de vista tecnológico e jornalístico), sem sucesso. As pessoas estão dispostas a pagar sim pelo que consomem, mas está cada vez mais difícil convencer alguém a pagar pelo conteúdo em si: elas pagam quando ele faz parte de algo maior, de um serviço que transcende o jornalismo na maneira como ele se insere em suas vidas.

A incapacidade de entender isso é o que está matando, por exemplo, os jornalões, que veem seus assinantes e anunciantes diminuindo continuamente. Mas eles ainda têm algo nas mãos, pois partiram de um grande volume construído historicamente. No caso dos Ninjas, que estão partindo do zero, correm o risco de fazer um "microjornalismo" para 300 ou 400 pessoas, como os shows dos artistas incubados pelo Fora do Eixo, movimento irmão do Mídia Ninja focado em atividade artísticas. Nesse caso, perdem outro valor importante para o jornalismo, que é a representatividade social. Não se faz jornalismo apenas para seus colegas, para quem pensa igual a você ou para quem já conhece a história: jornalismo deve ser feito de maneira ampla, para a sociedade.

Jornalista cidadão

Os Ninjas se apoiam em uma meia verdade, quando dizem que é possível fazer jornalismo com baixos custos. A parte em que isso é verdade acontece justamente em coberturas como as realizadas nas manifestações de junho, que tornaram o grupo famoso. Nesse caso, basta sem a pessoa certa, no lugar e na hora certos. Com celulares, é possível sim fazer esse tipo de bom jornalismo a um custo baixo.

O melhor exemplo disso para mim não é de hoje e nem é dos Ninjas. Ele aconteceu em 26 de dezembro de 2004, após o tsunami que devastou o sudeste asiático, principalmente a Indonésia. Naquele desastre, alguns sobreviventes realizaram uma grande cobertura jornalística usando seus celulares (que eram muito mais primitivos que os atuais), praticamente a única coisa que continuou funcionando após a tragédia. A grande mídia demorou incrivelmente um par de dias para perceber o que havia acontecido naquele lado do mundo, desembarcando atrasada (e em massa) para sua cobertura, como a cavalaria chegando e tocando sua corneta, depois que pioneiros e índios já tivessem se massacrado.

E justamente aí reside a metade falsa da premissa do movimento. Sim, tanto os Ninjas nas manifestações de junho, quanto os sobreviventes do tsunami realizaram uma cobertura de qualidade a custos baixos. Mas e se ninguém tivesse feito isso naquele 2004 indonésio e restasse à grande mídia executar essa tarefa, ainda que tardiamente? Custa muito dinheiro mobilizar rapidamente uma grande equipe e enviá-la ao outro lado do mundo para fazer jornalismo. E isso acabou acontecendo em um segundo momento, de maneira complementar ao trabalho inicial dos sobreviventes.

Vale ressaltar outra diferença entre o Mídia Ninja e iniciativas típicas de jornalismo cidadão, como no caso do tsunami de 2004. Os Ninjas querer fazer parte da noticia, ao invés de noticiá-la. Isso ficou claro quando seus líderes disseram no Roda Viva que filmaram detalhes das manifestações e fizeram entrevistas específicas para deliberadamente proteger os manifestantes.

Não há nada de errado em se fazer isso, desde que seja como manifestante, e não como jornalista. Nesse segundo caso, deve-se fazer a sua cobertura para apurar os fatos, e eles sempre têm muitos lados. Por mais que odeiem os policiais que estavam descendo a borracha nas pessoas, eles devem ser ouvidos para que deem a sua versão dos acontecimentos. Assim como os manifestantes pacíficos, os black blocs, os políticos, o cidadão que estava lá só de passagem. Todos eles têm sua versão dos mesmos fatos, e devem ser ouvidos. Sem isso, o público, mal informado, se afasta da verdade, e o trabalho vira antijornalismo.

A contribuição dos Ninjas

Então o Mídia Ninja não inova em nada? Penso que não. Mas eles trouxeram sim uma importante contribuição. Não por terem inventado algo novo, mas por terem resgatado um princípio importantíssimo do jornalismo que anda meio esquecido nas grandes redações e que a nova geração de colegas pouco viu: uma reportagem destemida, que, para apurar uma notícia, vai até o fim, pensa de maneira criativa e até impertinente, e que não se deixa intimidar.

Incentivados por uma política de redução de custos que prefere que os jornalistas saiam pouco das Redações, os grandes veículos se transformaram em espaços de denuncismo, insuflados por fontes com interesses nem sempre nobres ou confiáveis. E essa prática condenável divide o espaço com um jornalismo chapa-branca, com pautas políticas ou empresariais sonolentas, com uma mesmice chata e acomodada. Até a opinião dos veículos, fora de assuntos políticos, parece anêmica.

A chamada "grande imprensa" deveria prestar atenção a essa turma que "vai para cima" apenas com um celular na mão. Não para desprezar os seus erros, mas para resgatar com eles o que perderam ao longo dos anos. E -sim- se reinventar.

Nesse caso, um novo, sério e robusto jornalismo poderia surgir das cinzas do cruzamento dos veículos centenários e dessa nova turma. Se isso acontecer, o Mídia Ninja terá dado a sua contribuição à sociedade, afinal.

Bruno Torturra e Pablo Capilé, no Roda Viva do último dia 5 Foto: Estadão

Desde as megamanifestações que sacudiram o Brasil em junho, muito se fala sobre o Mídia Ninja, um grupo de jornalismo que tem sido incensado como revolucionário em seus formatos editoriais e de financiamento. Cheguei até a ter a esperança de que a cambaleante “mídia tradicional” poderia aprender algo com eles. Mas acabei concluindo que, na verdade, as propostas dos Ninjas não têm nada de inovadoras.

Os líderes do movimento, Bruno Torturra e Pablo Capilé, tentaram explicá-las no Roda Viva do último dia 5. Durante grande parte do programa, os entrevistadores se concentraram em como o movimento se financia, e não faltaram sugestões de que os Ninjas seriam, na verdade, aparelhados pelo PT. Não entrarei aqui na questão política: quero debater o que eles estão trazendo para o jornalismo.

Assistindo à entrevista, concluí que a o movimento está infelizmente muito longe de um caminho viável. Suas propostas me lembraram de visões românticas e às vezes inocentes típicas das start-ups de tecnologia que naufragam com uma boa ideia nas mãos.

A principal falha na proposta dos Ninjas é depositar pesadamente no público a responsabilidade pelo financiamento da produção jornalística. Curiosamente isso não é diferente do que propõem os donos dos grandes veículos, principalmente da mídia impressa, que vem sofrendo de maneira mais dramática com o naufrágio do seu modelo de negócios.

Claro que o ideal é que qualquer jornalismo seja financiado pelo seu próprio público, quanto mais, melhor. Assim garante-se um dos valores mais caros da atividade, que é a sua independência. Mas, como disse acima, calcar seu modelo de negócios nisso demonstra que os Ninjas terão que mudar de ideia rapidamente se não quiserem desaparecer. E o próprio Bruno admitiu no programa que só pensará em vender anúncios a empresas, quando "o dinheiro público, DO público (ops, a falta inicial dessa contração foi um ato falho?) fracassar". Oras, é um modelo que então já prevê o seu fracasso?

Essa tentativa de convencer o público de canais online a pagar pelo conteúdo já vem sendo tentado de diferentes maneiras há uma década por gente muito boa (dos pontos de vista tecnológico e jornalístico), sem sucesso. As pessoas estão dispostas a pagar sim pelo que consomem, mas está cada vez mais difícil convencer alguém a pagar pelo conteúdo em si: elas pagam quando ele faz parte de algo maior, de um serviço que transcende o jornalismo na maneira como ele se insere em suas vidas.

A incapacidade de entender isso é o que está matando, por exemplo, os jornalões, que veem seus assinantes e anunciantes diminuindo continuamente. Mas eles ainda têm algo nas mãos, pois partiram de um grande volume construído historicamente. No caso dos Ninjas, que estão partindo do zero, correm o risco de fazer um "microjornalismo" para 300 ou 400 pessoas, como os shows dos artistas incubados pelo Fora do Eixo, movimento irmão do Mídia Ninja focado em atividade artísticas. Nesse caso, perdem outro valor importante para o jornalismo, que é a representatividade social. Não se faz jornalismo apenas para seus colegas, para quem pensa igual a você ou para quem já conhece a história: jornalismo deve ser feito de maneira ampla, para a sociedade.

Jornalista cidadão

Os Ninjas se apoiam em uma meia verdade, quando dizem que é possível fazer jornalismo com baixos custos. A parte em que isso é verdade acontece justamente em coberturas como as realizadas nas manifestações de junho, que tornaram o grupo famoso. Nesse caso, basta sem a pessoa certa, no lugar e na hora certos. Com celulares, é possível sim fazer esse tipo de bom jornalismo a um custo baixo.

O melhor exemplo disso para mim não é de hoje e nem é dos Ninjas. Ele aconteceu em 26 de dezembro de 2004, após o tsunami que devastou o sudeste asiático, principalmente a Indonésia. Naquele desastre, alguns sobreviventes realizaram uma grande cobertura jornalística usando seus celulares (que eram muito mais primitivos que os atuais), praticamente a única coisa que continuou funcionando após a tragédia. A grande mídia demorou incrivelmente um par de dias para perceber o que havia acontecido naquele lado do mundo, desembarcando atrasada (e em massa) para sua cobertura, como a cavalaria chegando e tocando sua corneta, depois que pioneiros e índios já tivessem se massacrado.

E justamente aí reside a metade falsa da premissa do movimento. Sim, tanto os Ninjas nas manifestações de junho, quanto os sobreviventes do tsunami realizaram uma cobertura de qualidade a custos baixos. Mas e se ninguém tivesse feito isso naquele 2004 indonésio e restasse à grande mídia executar essa tarefa, ainda que tardiamente? Custa muito dinheiro mobilizar rapidamente uma grande equipe e enviá-la ao outro lado do mundo para fazer jornalismo. E isso acabou acontecendo em um segundo momento, de maneira complementar ao trabalho inicial dos sobreviventes.

Vale ressaltar outra diferença entre o Mídia Ninja e iniciativas típicas de jornalismo cidadão, como no caso do tsunami de 2004. Os Ninjas querer fazer parte da noticia, ao invés de noticiá-la. Isso ficou claro quando seus líderes disseram no Roda Viva que filmaram detalhes das manifestações e fizeram entrevistas específicas para deliberadamente proteger os manifestantes.

Não há nada de errado em se fazer isso, desde que seja como manifestante, e não como jornalista. Nesse segundo caso, deve-se fazer a sua cobertura para apurar os fatos, e eles sempre têm muitos lados. Por mais que odeiem os policiais que estavam descendo a borracha nas pessoas, eles devem ser ouvidos para que deem a sua versão dos acontecimentos. Assim como os manifestantes pacíficos, os black blocs, os políticos, o cidadão que estava lá só de passagem. Todos eles têm sua versão dos mesmos fatos, e devem ser ouvidos. Sem isso, o público, mal informado, se afasta da verdade, e o trabalho vira antijornalismo.

A contribuição dos Ninjas

Então o Mídia Ninja não inova em nada? Penso que não. Mas eles trouxeram sim uma importante contribuição. Não por terem inventado algo novo, mas por terem resgatado um princípio importantíssimo do jornalismo que anda meio esquecido nas grandes redações e que a nova geração de colegas pouco viu: uma reportagem destemida, que, para apurar uma notícia, vai até o fim, pensa de maneira criativa e até impertinente, e que não se deixa intimidar.

Incentivados por uma política de redução de custos que prefere que os jornalistas saiam pouco das Redações, os grandes veículos se transformaram em espaços de denuncismo, insuflados por fontes com interesses nem sempre nobres ou confiáveis. E essa prática condenável divide o espaço com um jornalismo chapa-branca, com pautas políticas ou empresariais sonolentas, com uma mesmice chata e acomodada. Até a opinião dos veículos, fora de assuntos políticos, parece anêmica.

A chamada "grande imprensa" deveria prestar atenção a essa turma que "vai para cima" apenas com um celular na mão. Não para desprezar os seus erros, mas para resgatar com eles o que perderam ao longo dos anos. E -sim- se reinventar.

Nesse caso, um novo, sério e robusto jornalismo poderia surgir das cinzas do cruzamento dos veículos centenários e dessa nova turma. Se isso acontecer, o Mídia Ninja terá dado a sua contribuição à sociedade, afinal.

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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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