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Opinião|Celular na sala de aula não deve ser banido, e sim usado com orientação


Por Paulo Silvestre
Projeto de lei em debate no Congresso Nacional pode restringir celulares nas escolas já no ano que vem - Foto: Freepik/Creative Commons

Ao que tudo indica, o próximo ano letivo começará com os celulares restritos nas salas de aula. Em um raro consenso entre governo e oposição, um projeto de lei que disciplina seu uso deve ser aprovado até o fim do ano no Congresso Nacional. E apesar de eu concordar com a restrição, fico apreensivo com declarações de todos os lados que demonizam smartphones e outras tecnologias em sala de aula.

Esse pensamento torna o debate mais raso e prejudica a possibilidade de crianças e adolescentes aprenderem a usar esses recursos de forma consciente e produtiva. Em um mundo profundamente digital, a simples proibição pode levar a um uso desses equipamentos descontrolado e escondido, o que pode ter consequências negativas.

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Todos nós sofremos com as distrações causadas pelos smartphones e suas intermináveis notificações, que sequestram nossa atenção. Para uma criança ou adolescente, essa sedução pode ser muito maior: pesquisas indicam que os alunos podem levar até 20 minutos para se concentrar novamente no que estavam aprendendo depois de usarem o celular para atividades não-acadêmicas. E mesmo o aparelho desligado pode levar a problemas de aprendizagem.

Nesse sentido, não resta dúvida de que os alunos não devem ter acesso livre ao equipamento nas aulas. Especialistas defendem que não o usem nem no recreio, pois ele também comprometeria atividades de socialização típicas daquele momento.

Isso é muito diferente de não usar os celulares com objetivos pedagógicos. Mas desperta outras preocupações, como se o professor está preparado para essa tarefa e se o celular do aluno deveria ser usado nesse caso, o que lhe daria, por exemplo, aceso a suas redes sociais, um verdadeiro "dreno de atenção".

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O consenso entre governo e oposição pode estar associado ao faro político de que a população apoia fortemente a proibição dos celulares em sala de aula. Segundo pesquisa feita recentemente pelo Datafolha, 62% dos brasileiros com mais de 16 anos querem isso. E 76% dos entrevistados acham que o celular traz mais prejuízos que benefícios ao aprendizado, índice que aumenta entre os pais.

O projeto em debate na Câmara prevê que alunos até o quinto ano não possam ter o celular nem na mochila. Já os do sexto ano até o fim do Ensino Médio poderiam levar o equipamento, mas sem usá-lo na sala de aula ou no recreio. Eles seriam permitidos em atividades pedagógicas, com orientação dos professores, e para estudantes com necessidades especiais, que dependam do aparelho para acessibilidade. As escolas públicas e privadas decidiriam como seria a implementação dessas medidas.

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As principais evidências que apoiam essa medida vêm do Relatório Global de Monitoramento da Educação, publicado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em julho de 2023. Intitulado "A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?", compilou estudos que relacionam o uso de celulares e resultados educacionais em 14 países. A conclusão foi de que os efeitos são negativos, principalmente na memória e na compreensão.

O relatório não sugere a proibição irrefletida, e sim que, se usado em excesso ou para atividades não-pedagógicas, os celulares trazem malefícios. "Banir a tecnologia das escolas pode ser legítimo se a integração não melhorar o aprendizado ou piorar o bem-estar do aluno", diz uma das conclusões. "Trabalhar com tecnologia nas escolas e seus riscos pode exigir algo mais do que o banimento".

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O texto ainda diz que "deve haver clareza sobre o papel que essas novas tecnologias desempenham na aprendizagem e sobre seu uso responsável pelas escolas" e que os alunos "precisam aprender os riscos e oportunidades que vêm com a tecnologia, desenvolver habilidades críticas e entender como viver com e sem tecnologia".

O abuso do celular e de outras telas por crianças e adolescentes transcende as salas de aula. Normalmente ele é ainda mais intenso em casa, longe dos olhos de pais trabalhando. Muitos até mesmo incentivam o uso da tecnologia, como uma "babá eletrônica", sem qualquer monitoramento ou orientação. E isso vem agravando problemas de saúde mental nessa faixa etária.

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Um mundo digital

Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, publicada em setembro pelo Cetic.br, órgão de pesquisas ligado ao CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), 28% das escolas de ensino básico públicas e particulares no país proíbem os celulares, enquanto 64% delas permitem com restrições a espaços e horários.

O levantamento também indicou que 95% dos brasileiros entre 9 e 17 anos usam a Internet, quase todos com acesso ao celular. O primeiro contato se deu até os 6 anos de idade para 24% (eram 11% em 2015) e entre 7 e 9 anos para 27%, contrariando especialistas, que sugerem que isso só aconteça na adolescência. Em contrapartida, 580 mil brasileiros nessa faixa nunca tinham acessado a Internet.

Esses números são muito emblemáticos. O celular está impregnado na vida de crianças e adolescentes, que criam contas em redes sociais antes mesmo da idade mínima definida por essas plataformas, com ou sem consentimento dos pais. Esses por sua vez, querem ver o celular fora das aulas, mas muitos paradoxalmente exigem que as escolas permitam que entrem em contato com os filhos a qualquer momento.

No meio disso tudo, fica o professor, acuado por pais e estudantes, e sem saber como usar pedagogicamente a tecnologia. E disso vêm preocupações que as escolas devem endereçar quando essas regras forem implantadas.

Apesar de o projeto de lei ser calcado em estudos sérios, há um certo oportunismo político nele. E gostaria de ver esses pais que disseram querer a proibição dos celulares na escola bancando isso com seus próprios filhos.

Em qualquer cenário, o professor continuará sendo o condutor do processo educacional. Assim ele deve receber apoio do governo, das escolas e das famílias para fazer um uso consciente e construtivo não apenas de smartphones, mas também da inteligência artificial nas salas de aula. Os celulares devem ser restritos na maior parte do tempo, mas usados em atividades pedagógicas, de preferência em equipamentos que não sejam dos próprios alunos.

A proibição pura e simples preservará a saúde mental e eliminará os graves problemas apontados pela Unesco, o que é essencial! Mas também impedirá a chance de criarmos uma geração que faça um uso consciente de tecnologias que moldarão suas vidas de agora em diante.

 

Projeto de lei em debate no Congresso Nacional pode restringir celulares nas escolas já no ano que vem - Foto: Freepik/Creative Commons

Ao que tudo indica, o próximo ano letivo começará com os celulares restritos nas salas de aula. Em um raro consenso entre governo e oposição, um projeto de lei que disciplina seu uso deve ser aprovado até o fim do ano no Congresso Nacional. E apesar de eu concordar com a restrição, fico apreensivo com declarações de todos os lados que demonizam smartphones e outras tecnologias em sala de aula.

Esse pensamento torna o debate mais raso e prejudica a possibilidade de crianças e adolescentes aprenderem a usar esses recursos de forma consciente e produtiva. Em um mundo profundamente digital, a simples proibição pode levar a um uso desses equipamentos descontrolado e escondido, o que pode ter consequências negativas.

Todos nós sofremos com as distrações causadas pelos smartphones e suas intermináveis notificações, que sequestram nossa atenção. Para uma criança ou adolescente, essa sedução pode ser muito maior: pesquisas indicam que os alunos podem levar até 20 minutos para se concentrar novamente no que estavam aprendendo depois de usarem o celular para atividades não-acadêmicas. E mesmo o aparelho desligado pode levar a problemas de aprendizagem.

Nesse sentido, não resta dúvida de que os alunos não devem ter acesso livre ao equipamento nas aulas. Especialistas defendem que não o usem nem no recreio, pois ele também comprometeria atividades de socialização típicas daquele momento.

Isso é muito diferente de não usar os celulares com objetivos pedagógicos. Mas desperta outras preocupações, como se o professor está preparado para essa tarefa e se o celular do aluno deveria ser usado nesse caso, o que lhe daria, por exemplo, aceso a suas redes sociais, um verdadeiro "dreno de atenção".

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O consenso entre governo e oposição pode estar associado ao faro político de que a população apoia fortemente a proibição dos celulares em sala de aula. Segundo pesquisa feita recentemente pelo Datafolha, 62% dos brasileiros com mais de 16 anos querem isso. E 76% dos entrevistados acham que o celular traz mais prejuízos que benefícios ao aprendizado, índice que aumenta entre os pais.

O projeto em debate na Câmara prevê que alunos até o quinto ano não possam ter o celular nem na mochila. Já os do sexto ano até o fim do Ensino Médio poderiam levar o equipamento, mas sem usá-lo na sala de aula ou no recreio. Eles seriam permitidos em atividades pedagógicas, com orientação dos professores, e para estudantes com necessidades especiais, que dependam do aparelho para acessibilidade. As escolas públicas e privadas decidiriam como seria a implementação dessas medidas.

As principais evidências que apoiam essa medida vêm do Relatório Global de Monitoramento da Educação, publicado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em julho de 2023. Intitulado "A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?", compilou estudos que relacionam o uso de celulares e resultados educacionais em 14 países. A conclusão foi de que os efeitos são negativos, principalmente na memória e na compreensão.

O relatório não sugere a proibição irrefletida, e sim que, se usado em excesso ou para atividades não-pedagógicas, os celulares trazem malefícios. "Banir a tecnologia das escolas pode ser legítimo se a integração não melhorar o aprendizado ou piorar o bem-estar do aluno", diz uma das conclusões. "Trabalhar com tecnologia nas escolas e seus riscos pode exigir algo mais do que o banimento".

O texto ainda diz que "deve haver clareza sobre o papel que essas novas tecnologias desempenham na aprendizagem e sobre seu uso responsável pelas escolas" e que os alunos "precisam aprender os riscos e oportunidades que vêm com a tecnologia, desenvolver habilidades críticas e entender como viver com e sem tecnologia".

O abuso do celular e de outras telas por crianças e adolescentes transcende as salas de aula. Normalmente ele é ainda mais intenso em casa, longe dos olhos de pais trabalhando. Muitos até mesmo incentivam o uso da tecnologia, como uma "babá eletrônica", sem qualquer monitoramento ou orientação. E isso vem agravando problemas de saúde mental nessa faixa etária.

 

Um mundo digital

Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, publicada em setembro pelo Cetic.br, órgão de pesquisas ligado ao CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), 28% das escolas de ensino básico públicas e particulares no país proíbem os celulares, enquanto 64% delas permitem com restrições a espaços e horários.

O levantamento também indicou que 95% dos brasileiros entre 9 e 17 anos usam a Internet, quase todos com acesso ao celular. O primeiro contato se deu até os 6 anos de idade para 24% (eram 11% em 2015) e entre 7 e 9 anos para 27%, contrariando especialistas, que sugerem que isso só aconteça na adolescência. Em contrapartida, 580 mil brasileiros nessa faixa nunca tinham acessado a Internet.

Esses números são muito emblemáticos. O celular está impregnado na vida de crianças e adolescentes, que criam contas em redes sociais antes mesmo da idade mínima definida por essas plataformas, com ou sem consentimento dos pais. Esses por sua vez, querem ver o celular fora das aulas, mas muitos paradoxalmente exigem que as escolas permitam que entrem em contato com os filhos a qualquer momento.

No meio disso tudo, fica o professor, acuado por pais e estudantes, e sem saber como usar pedagogicamente a tecnologia. E disso vêm preocupações que as escolas devem endereçar quando essas regras forem implantadas.

Apesar de o projeto de lei ser calcado em estudos sérios, há um certo oportunismo político nele. E gostaria de ver esses pais que disseram querer a proibição dos celulares na escola bancando isso com seus próprios filhos.

Em qualquer cenário, o professor continuará sendo o condutor do processo educacional. Assim ele deve receber apoio do governo, das escolas e das famílias para fazer um uso consciente e construtivo não apenas de smartphones, mas também da inteligência artificial nas salas de aula. Os celulares devem ser restritos na maior parte do tempo, mas usados em atividades pedagógicas, de preferência em equipamentos que não sejam dos próprios alunos.

A proibição pura e simples preservará a saúde mental e eliminará os graves problemas apontados pela Unesco, o que é essencial! Mas também impedirá a chance de criarmos uma geração que faça um uso consciente de tecnologias que moldarão suas vidas de agora em diante.

 

Projeto de lei em debate no Congresso Nacional pode restringir celulares nas escolas já no ano que vem - Foto: Freepik/Creative Commons

Ao que tudo indica, o próximo ano letivo começará com os celulares restritos nas salas de aula. Em um raro consenso entre governo e oposição, um projeto de lei que disciplina seu uso deve ser aprovado até o fim do ano no Congresso Nacional. E apesar de eu concordar com a restrição, fico apreensivo com declarações de todos os lados que demonizam smartphones e outras tecnologias em sala de aula.

Esse pensamento torna o debate mais raso e prejudica a possibilidade de crianças e adolescentes aprenderem a usar esses recursos de forma consciente e produtiva. Em um mundo profundamente digital, a simples proibição pode levar a um uso desses equipamentos descontrolado e escondido, o que pode ter consequências negativas.

Todos nós sofremos com as distrações causadas pelos smartphones e suas intermináveis notificações, que sequestram nossa atenção. Para uma criança ou adolescente, essa sedução pode ser muito maior: pesquisas indicam que os alunos podem levar até 20 minutos para se concentrar novamente no que estavam aprendendo depois de usarem o celular para atividades não-acadêmicas. E mesmo o aparelho desligado pode levar a problemas de aprendizagem.

Nesse sentido, não resta dúvida de que os alunos não devem ter acesso livre ao equipamento nas aulas. Especialistas defendem que não o usem nem no recreio, pois ele também comprometeria atividades de socialização típicas daquele momento.

Isso é muito diferente de não usar os celulares com objetivos pedagógicos. Mas desperta outras preocupações, como se o professor está preparado para essa tarefa e se o celular do aluno deveria ser usado nesse caso, o que lhe daria, por exemplo, aceso a suas redes sociais, um verdadeiro "dreno de atenção".

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O consenso entre governo e oposição pode estar associado ao faro político de que a população apoia fortemente a proibição dos celulares em sala de aula. Segundo pesquisa feita recentemente pelo Datafolha, 62% dos brasileiros com mais de 16 anos querem isso. E 76% dos entrevistados acham que o celular traz mais prejuízos que benefícios ao aprendizado, índice que aumenta entre os pais.

O projeto em debate na Câmara prevê que alunos até o quinto ano não possam ter o celular nem na mochila. Já os do sexto ano até o fim do Ensino Médio poderiam levar o equipamento, mas sem usá-lo na sala de aula ou no recreio. Eles seriam permitidos em atividades pedagógicas, com orientação dos professores, e para estudantes com necessidades especiais, que dependam do aparelho para acessibilidade. As escolas públicas e privadas decidiriam como seria a implementação dessas medidas.

As principais evidências que apoiam essa medida vêm do Relatório Global de Monitoramento da Educação, publicado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em julho de 2023. Intitulado "A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?", compilou estudos que relacionam o uso de celulares e resultados educacionais em 14 países. A conclusão foi de que os efeitos são negativos, principalmente na memória e na compreensão.

O relatório não sugere a proibição irrefletida, e sim que, se usado em excesso ou para atividades não-pedagógicas, os celulares trazem malefícios. "Banir a tecnologia das escolas pode ser legítimo se a integração não melhorar o aprendizado ou piorar o bem-estar do aluno", diz uma das conclusões. "Trabalhar com tecnologia nas escolas e seus riscos pode exigir algo mais do que o banimento".

O texto ainda diz que "deve haver clareza sobre o papel que essas novas tecnologias desempenham na aprendizagem e sobre seu uso responsável pelas escolas" e que os alunos "precisam aprender os riscos e oportunidades que vêm com a tecnologia, desenvolver habilidades críticas e entender como viver com e sem tecnologia".

O abuso do celular e de outras telas por crianças e adolescentes transcende as salas de aula. Normalmente ele é ainda mais intenso em casa, longe dos olhos de pais trabalhando. Muitos até mesmo incentivam o uso da tecnologia, como uma "babá eletrônica", sem qualquer monitoramento ou orientação. E isso vem agravando problemas de saúde mental nessa faixa etária.

 

Um mundo digital

Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, publicada em setembro pelo Cetic.br, órgão de pesquisas ligado ao CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), 28% das escolas de ensino básico públicas e particulares no país proíbem os celulares, enquanto 64% delas permitem com restrições a espaços e horários.

O levantamento também indicou que 95% dos brasileiros entre 9 e 17 anos usam a Internet, quase todos com acesso ao celular. O primeiro contato se deu até os 6 anos de idade para 24% (eram 11% em 2015) e entre 7 e 9 anos para 27%, contrariando especialistas, que sugerem que isso só aconteça na adolescência. Em contrapartida, 580 mil brasileiros nessa faixa nunca tinham acessado a Internet.

Esses números são muito emblemáticos. O celular está impregnado na vida de crianças e adolescentes, que criam contas em redes sociais antes mesmo da idade mínima definida por essas plataformas, com ou sem consentimento dos pais. Esses por sua vez, querem ver o celular fora das aulas, mas muitos paradoxalmente exigem que as escolas permitam que entrem em contato com os filhos a qualquer momento.

No meio disso tudo, fica o professor, acuado por pais e estudantes, e sem saber como usar pedagogicamente a tecnologia. E disso vêm preocupações que as escolas devem endereçar quando essas regras forem implantadas.

Apesar de o projeto de lei ser calcado em estudos sérios, há um certo oportunismo político nele. E gostaria de ver esses pais que disseram querer a proibição dos celulares na escola bancando isso com seus próprios filhos.

Em qualquer cenário, o professor continuará sendo o condutor do processo educacional. Assim ele deve receber apoio do governo, das escolas e das famílias para fazer um uso consciente e construtivo não apenas de smartphones, mas também da inteligência artificial nas salas de aula. Os celulares devem ser restritos na maior parte do tempo, mas usados em atividades pedagógicas, de preferência em equipamentos que não sejam dos próprios alunos.

A proibição pura e simples preservará a saúde mental e eliminará os graves problemas apontados pela Unesco, o que é essencial! Mas também impedirá a chance de criarmos uma geração que faça um uso consciente de tecnologias que moldarão suas vidas de agora em diante.

 

Projeto de lei em debate no Congresso Nacional pode restringir celulares nas escolas já no ano que vem - Foto: Freepik/Creative Commons

Ao que tudo indica, o próximo ano letivo começará com os celulares restritos nas salas de aula. Em um raro consenso entre governo e oposição, um projeto de lei que disciplina seu uso deve ser aprovado até o fim do ano no Congresso Nacional. E apesar de eu concordar com a restrição, fico apreensivo com declarações de todos os lados que demonizam smartphones e outras tecnologias em sala de aula.

Esse pensamento torna o debate mais raso e prejudica a possibilidade de crianças e adolescentes aprenderem a usar esses recursos de forma consciente e produtiva. Em um mundo profundamente digital, a simples proibição pode levar a um uso desses equipamentos descontrolado e escondido, o que pode ter consequências negativas.

Todos nós sofremos com as distrações causadas pelos smartphones e suas intermináveis notificações, que sequestram nossa atenção. Para uma criança ou adolescente, essa sedução pode ser muito maior: pesquisas indicam que os alunos podem levar até 20 minutos para se concentrar novamente no que estavam aprendendo depois de usarem o celular para atividades não-acadêmicas. E mesmo o aparelho desligado pode levar a problemas de aprendizagem.

Nesse sentido, não resta dúvida de que os alunos não devem ter acesso livre ao equipamento nas aulas. Especialistas defendem que não o usem nem no recreio, pois ele também comprometeria atividades de socialização típicas daquele momento.

Isso é muito diferente de não usar os celulares com objetivos pedagógicos. Mas desperta outras preocupações, como se o professor está preparado para essa tarefa e se o celular do aluno deveria ser usado nesse caso, o que lhe daria, por exemplo, aceso a suas redes sociais, um verdadeiro "dreno de atenção".

Veja esse artigo em vídeo:

O consenso entre governo e oposição pode estar associado ao faro político de que a população apoia fortemente a proibição dos celulares em sala de aula. Segundo pesquisa feita recentemente pelo Datafolha, 62% dos brasileiros com mais de 16 anos querem isso. E 76% dos entrevistados acham que o celular traz mais prejuízos que benefícios ao aprendizado, índice que aumenta entre os pais.

O projeto em debate na Câmara prevê que alunos até o quinto ano não possam ter o celular nem na mochila. Já os do sexto ano até o fim do Ensino Médio poderiam levar o equipamento, mas sem usá-lo na sala de aula ou no recreio. Eles seriam permitidos em atividades pedagógicas, com orientação dos professores, e para estudantes com necessidades especiais, que dependam do aparelho para acessibilidade. As escolas públicas e privadas decidiriam como seria a implementação dessas medidas.

As principais evidências que apoiam essa medida vêm do Relatório Global de Monitoramento da Educação, publicado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em julho de 2023. Intitulado "A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?", compilou estudos que relacionam o uso de celulares e resultados educacionais em 14 países. A conclusão foi de que os efeitos são negativos, principalmente na memória e na compreensão.

O relatório não sugere a proibição irrefletida, e sim que, se usado em excesso ou para atividades não-pedagógicas, os celulares trazem malefícios. "Banir a tecnologia das escolas pode ser legítimo se a integração não melhorar o aprendizado ou piorar o bem-estar do aluno", diz uma das conclusões. "Trabalhar com tecnologia nas escolas e seus riscos pode exigir algo mais do que o banimento".

O texto ainda diz que "deve haver clareza sobre o papel que essas novas tecnologias desempenham na aprendizagem e sobre seu uso responsável pelas escolas" e que os alunos "precisam aprender os riscos e oportunidades que vêm com a tecnologia, desenvolver habilidades críticas e entender como viver com e sem tecnologia".

O abuso do celular e de outras telas por crianças e adolescentes transcende as salas de aula. Normalmente ele é ainda mais intenso em casa, longe dos olhos de pais trabalhando. Muitos até mesmo incentivam o uso da tecnologia, como uma "babá eletrônica", sem qualquer monitoramento ou orientação. E isso vem agravando problemas de saúde mental nessa faixa etária.

 

Um mundo digital

Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, publicada em setembro pelo Cetic.br, órgão de pesquisas ligado ao CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), 28% das escolas de ensino básico públicas e particulares no país proíbem os celulares, enquanto 64% delas permitem com restrições a espaços e horários.

O levantamento também indicou que 95% dos brasileiros entre 9 e 17 anos usam a Internet, quase todos com acesso ao celular. O primeiro contato se deu até os 6 anos de idade para 24% (eram 11% em 2015) e entre 7 e 9 anos para 27%, contrariando especialistas, que sugerem que isso só aconteça na adolescência. Em contrapartida, 580 mil brasileiros nessa faixa nunca tinham acessado a Internet.

Esses números são muito emblemáticos. O celular está impregnado na vida de crianças e adolescentes, que criam contas em redes sociais antes mesmo da idade mínima definida por essas plataformas, com ou sem consentimento dos pais. Esses por sua vez, querem ver o celular fora das aulas, mas muitos paradoxalmente exigem que as escolas permitam que entrem em contato com os filhos a qualquer momento.

No meio disso tudo, fica o professor, acuado por pais e estudantes, e sem saber como usar pedagogicamente a tecnologia. E disso vêm preocupações que as escolas devem endereçar quando essas regras forem implantadas.

Apesar de o projeto de lei ser calcado em estudos sérios, há um certo oportunismo político nele. E gostaria de ver esses pais que disseram querer a proibição dos celulares na escola bancando isso com seus próprios filhos.

Em qualquer cenário, o professor continuará sendo o condutor do processo educacional. Assim ele deve receber apoio do governo, das escolas e das famílias para fazer um uso consciente e construtivo não apenas de smartphones, mas também da inteligência artificial nas salas de aula. Os celulares devem ser restritos na maior parte do tempo, mas usados em atividades pedagógicas, de preferência em equipamentos que não sejam dos próprios alunos.

A proibição pura e simples preservará a saúde mental e eliminará os graves problemas apontados pela Unesco, o que é essencial! Mas também impedirá a chance de criarmos uma geração que faça um uso consciente de tecnologias que moldarão suas vidas de agora em diante.

 

Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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