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Opinião|Como o mundo mudou nesses dez anos de Marco Civil da Internet


Por Paulo Silvestre
Sessão de votação do Marco Civil da Internet na Câmara dos Deputados em 2014 - Foto: Gustavo Lima (Câmara dos Deputados)/Creative Commons

Em 23 de abril de 2014, o botão de curtir e o algoritmo de relevância do Facebook davam seus primeiros passos, e seus impactos em nossas vidas eram tímidos. Não ficávamos tanto em nossos smartphones, acessíveis a menos gente. Ainda faltavam dois anos e meio para que o Dicionário Oxford considerasse "pós-verdade" como sua "palavra do ano", e ninguém falava de fake news. As discussões políticas nas redes sociais eram civilizadas e a sociedade não estava polarizada. Os executivos dessas empresas gastavam seu tempo melhorando seus produtos, e não interferindo nos destinos de nações.

Nesse mesmo dia, o Brasil promulgou seu Marco Civil da Internet (MCI).

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Ao completar dez anos, a lei continua a mesma, mas o mundo mudou muito!

"A Internet no Brasil sem o Marco Civil seria um cenário mais vulnerável, com menos garantias de privacidade, liberdade de expressão e neutralidade da rede", explica Antonielle Freitas, advogada especialista em direito digital do Viseu Advogados. "Ele também promoveu a transparência e a participação da sociedade na definição das políticas para a Internet, contribuindo para um ambiente digital mais democrático e inclusivo", acrescenta.

Mas se, para legislações, uma década não é tanto tempo, para o mundo digital pode ser uma eternidade! Por isso, há um grande debate se o MCI deveria ser revisto.

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"Como a complexidade das relações sociais tem se mostrado maior e isso pode afetar muito seriamente pilares democráticos, entendo que talvez seja hora da mudança no regime jurídico de responsabilidade das plataformas", afirma Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "Isso não significa responsabilizá-las por tudo publicado por terceiros, mas é preciso buscar um equilíbrio no trato de inequívocos abusos, que atualmente não são removidos das plataformas", explica.

Essa discussão gira principalmente em torno do artigo 19 do MCI, que estabelece que os provedores de aplicação não podem ser responsabilizados pelo conteúdo de seus usuários. Ele é invocado pelas empresas como um escudo para se livrarem de qualquer responsabilidade, mesmo em casos claros de desinformação, ódio e outros conteúdos nocivos. A falta de transparência das plataformas sobre seus algoritmos e políticas dificulta a avaliação de sua conformidade com o MCI e outras leis.

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Essa postura das empresas teve seu auge no ano passado, quando fizeram um intenso lobby junto a deputados federais contra o Projeto de Lei 2630/2020, apelidado de "PL das Fake News", que acabou engavetado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Um dos principais pontos do projeto impunha mais responsabilidade às plataformas por conteúdos ilegais de usuários, como crimes contra crianças, adolescentes e mulheres, terrorismo, racismo ou estímulo a suicídio.

Diante dessa letargia do Legislativo, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou assumindo um protagonismo no tema que muitos consideram indevido. Nessa segunda, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, disse em uma palestra que, "por trás do rótulo liberdade de expressão, se instalou um modelo de negócio que é fundado no engajamento". E concluiu: "o ódio, a mentira, o extremismo e o sensacionalismo conquistam muito mais cliques do que a fala moderada."

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Nas últimas semanas, isso vem rendendo um inusitado embate entre Elon Musk, proprietário do X, e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Travestido de paladino da liberdade, mas com reais interesses não declarados, o bilionário se aliou a políticos no Brasil e nos EUA para acusar o magistrado de censor, chegando a pedir sua renúncia ou impeachment, provocando movimentações nas casas legislativas dos dois países.

"O proprietário do X pode expressar seu descontentamento com decisões do STF ou do ministro Alexandre de Moraes, mas ele não pode ofender a honra de quem quer que seja e deixar de cumprir decisões judiciais achando que não haverá consequências", explica Crespo. "Não é dado a nenhum brasileiro ou estrangeiro optar por quais decisões judiciais lhe convém cumprir", acrescenta.

Tudo isso demonstra como as mudanças aceleradas e agressivas do meio digital colocam o Marco Civil da Internet à prova diariamente. Apesar de ser uma legislação madura e bem concebida, o oportunismo de diferentes atores sociais viola despudoradamente seus princípios para interesses desses indivíduos.

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"Existem casos de abusos e brechas exploradas, como a falta de transparência de empresas de tecnologia, violações à privacidade dos usuários e tentativas de censura", detalha Freitas. Para a advogada, "é necessário um diálogo constante entre governo, sociedade civil e setor privado para garantir que o Marco Civil da Internet continue sendo eficaz e relevante no ambiente digital atual".

De fato, o Marco Civil da Internet merecia mais respeito em seu décimo aniversário.

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Em 23 de abril de 2014, o botão de curtir e o algoritmo de relevância do Facebook davam seus primeiros passos, e seus impactos em nossas vidas eram tímidos. Não ficávamos tanto em nossos smartphones, acessíveis a menos gente. Ainda faltavam dois anos e meio para que o Dicionário Oxford considerasse "pós-verdade" como sua "palavra do ano", e ninguém falava de fake news. As discussões políticas nas redes sociais eram civilizadas e a sociedade não estava polarizada. Os executivos dessas empresas gastavam seu tempo melhorando seus produtos, e não interferindo nos destinos de nações.

Nesse mesmo dia, o Brasil promulgou seu Marco Civil da Internet (MCI).

Ao completar dez anos, a lei continua a mesma, mas o mundo mudou muito!

"A Internet no Brasil sem o Marco Civil seria um cenário mais vulnerável, com menos garantias de privacidade, liberdade de expressão e neutralidade da rede", explica Antonielle Freitas, advogada especialista em direito digital do Viseu Advogados. "Ele também promoveu a transparência e a participação da sociedade na definição das políticas para a Internet, contribuindo para um ambiente digital mais democrático e inclusivo", acrescenta.

Mas se, para legislações, uma década não é tanto tempo, para o mundo digital pode ser uma eternidade! Por isso, há um grande debate se o MCI deveria ser revisto.

"Como a complexidade das relações sociais tem se mostrado maior e isso pode afetar muito seriamente pilares democráticos, entendo que talvez seja hora da mudança no regime jurídico de responsabilidade das plataformas", afirma Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "Isso não significa responsabilizá-las por tudo publicado por terceiros, mas é preciso buscar um equilíbrio no trato de inequívocos abusos, que atualmente não são removidos das plataformas", explica.

Essa discussão gira principalmente em torno do artigo 19 do MCI, que estabelece que os provedores de aplicação não podem ser responsabilizados pelo conteúdo de seus usuários. Ele é invocado pelas empresas como um escudo para se livrarem de qualquer responsabilidade, mesmo em casos claros de desinformação, ódio e outros conteúdos nocivos. A falta de transparência das plataformas sobre seus algoritmos e políticas dificulta a avaliação de sua conformidade com o MCI e outras leis.

Essa postura das empresas teve seu auge no ano passado, quando fizeram um intenso lobby junto a deputados federais contra o Projeto de Lei 2630/2020, apelidado de "PL das Fake News", que acabou engavetado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Um dos principais pontos do projeto impunha mais responsabilidade às plataformas por conteúdos ilegais de usuários, como crimes contra crianças, adolescentes e mulheres, terrorismo, racismo ou estímulo a suicídio.

Diante dessa letargia do Legislativo, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou assumindo um protagonismo no tema que muitos consideram indevido. Nessa segunda, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, disse em uma palestra que, "por trás do rótulo liberdade de expressão, se instalou um modelo de negócio que é fundado no engajamento". E concluiu: "o ódio, a mentira, o extremismo e o sensacionalismo conquistam muito mais cliques do que a fala moderada."

Nas últimas semanas, isso vem rendendo um inusitado embate entre Elon Musk, proprietário do X, e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Travestido de paladino da liberdade, mas com reais interesses não declarados, o bilionário se aliou a políticos no Brasil e nos EUA para acusar o magistrado de censor, chegando a pedir sua renúncia ou impeachment, provocando movimentações nas casas legislativas dos dois países.

"O proprietário do X pode expressar seu descontentamento com decisões do STF ou do ministro Alexandre de Moraes, mas ele não pode ofender a honra de quem quer que seja e deixar de cumprir decisões judiciais achando que não haverá consequências", explica Crespo. "Não é dado a nenhum brasileiro ou estrangeiro optar por quais decisões judiciais lhe convém cumprir", acrescenta.

Tudo isso demonstra como as mudanças aceleradas e agressivas do meio digital colocam o Marco Civil da Internet à prova diariamente. Apesar de ser uma legislação madura e bem concebida, o oportunismo de diferentes atores sociais viola despudoradamente seus princípios para interesses desses indivíduos.

"Existem casos de abusos e brechas exploradas, como a falta de transparência de empresas de tecnologia, violações à privacidade dos usuários e tentativas de censura", detalha Freitas. Para a advogada, "é necessário um diálogo constante entre governo, sociedade civil e setor privado para garantir que o Marco Civil da Internet continue sendo eficaz e relevante no ambiente digital atual".

De fato, o Marco Civil da Internet merecia mais respeito em seu décimo aniversário.

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Em 23 de abril de 2014, o botão de curtir e o algoritmo de relevância do Facebook davam seus primeiros passos, e seus impactos em nossas vidas eram tímidos. Não ficávamos tanto em nossos smartphones, acessíveis a menos gente. Ainda faltavam dois anos e meio para que o Dicionário Oxford considerasse "pós-verdade" como sua "palavra do ano", e ninguém falava de fake news. As discussões políticas nas redes sociais eram civilizadas e a sociedade não estava polarizada. Os executivos dessas empresas gastavam seu tempo melhorando seus produtos, e não interferindo nos destinos de nações.

Nesse mesmo dia, o Brasil promulgou seu Marco Civil da Internet (MCI).

Ao completar dez anos, a lei continua a mesma, mas o mundo mudou muito!

"A Internet no Brasil sem o Marco Civil seria um cenário mais vulnerável, com menos garantias de privacidade, liberdade de expressão e neutralidade da rede", explica Antonielle Freitas, advogada especialista em direito digital do Viseu Advogados. "Ele também promoveu a transparência e a participação da sociedade na definição das políticas para a Internet, contribuindo para um ambiente digital mais democrático e inclusivo", acrescenta.

Mas se, para legislações, uma década não é tanto tempo, para o mundo digital pode ser uma eternidade! Por isso, há um grande debate se o MCI deveria ser revisto.

"Como a complexidade das relações sociais tem se mostrado maior e isso pode afetar muito seriamente pilares democráticos, entendo que talvez seja hora da mudança no regime jurídico de responsabilidade das plataformas", afirma Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "Isso não significa responsabilizá-las por tudo publicado por terceiros, mas é preciso buscar um equilíbrio no trato de inequívocos abusos, que atualmente não são removidos das plataformas", explica.

Essa discussão gira principalmente em torno do artigo 19 do MCI, que estabelece que os provedores de aplicação não podem ser responsabilizados pelo conteúdo de seus usuários. Ele é invocado pelas empresas como um escudo para se livrarem de qualquer responsabilidade, mesmo em casos claros de desinformação, ódio e outros conteúdos nocivos. A falta de transparência das plataformas sobre seus algoritmos e políticas dificulta a avaliação de sua conformidade com o MCI e outras leis.

Essa postura das empresas teve seu auge no ano passado, quando fizeram um intenso lobby junto a deputados federais contra o Projeto de Lei 2630/2020, apelidado de "PL das Fake News", que acabou engavetado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Um dos principais pontos do projeto impunha mais responsabilidade às plataformas por conteúdos ilegais de usuários, como crimes contra crianças, adolescentes e mulheres, terrorismo, racismo ou estímulo a suicídio.

Diante dessa letargia do Legislativo, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou assumindo um protagonismo no tema que muitos consideram indevido. Nessa segunda, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, disse em uma palestra que, "por trás do rótulo liberdade de expressão, se instalou um modelo de negócio que é fundado no engajamento". E concluiu: "o ódio, a mentira, o extremismo e o sensacionalismo conquistam muito mais cliques do que a fala moderada."

Nas últimas semanas, isso vem rendendo um inusitado embate entre Elon Musk, proprietário do X, e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Travestido de paladino da liberdade, mas com reais interesses não declarados, o bilionário se aliou a políticos no Brasil e nos EUA para acusar o magistrado de censor, chegando a pedir sua renúncia ou impeachment, provocando movimentações nas casas legislativas dos dois países.

"O proprietário do X pode expressar seu descontentamento com decisões do STF ou do ministro Alexandre de Moraes, mas ele não pode ofender a honra de quem quer que seja e deixar de cumprir decisões judiciais achando que não haverá consequências", explica Crespo. "Não é dado a nenhum brasileiro ou estrangeiro optar por quais decisões judiciais lhe convém cumprir", acrescenta.

Tudo isso demonstra como as mudanças aceleradas e agressivas do meio digital colocam o Marco Civil da Internet à prova diariamente. Apesar de ser uma legislação madura e bem concebida, o oportunismo de diferentes atores sociais viola despudoradamente seus princípios para interesses desses indivíduos.

"Existem casos de abusos e brechas exploradas, como a falta de transparência de empresas de tecnologia, violações à privacidade dos usuários e tentativas de censura", detalha Freitas. Para a advogada, "é necessário um diálogo constante entre governo, sociedade civil e setor privado para garantir que o Marco Civil da Internet continue sendo eficaz e relevante no ambiente digital atual".

De fato, o Marco Civil da Internet merecia mais respeito em seu décimo aniversário.

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Em 23 de abril de 2014, o botão de curtir e o algoritmo de relevância do Facebook davam seus primeiros passos, e seus impactos em nossas vidas eram tímidos. Não ficávamos tanto em nossos smartphones, acessíveis a menos gente. Ainda faltavam dois anos e meio para que o Dicionário Oxford considerasse "pós-verdade" como sua "palavra do ano", e ninguém falava de fake news. As discussões políticas nas redes sociais eram civilizadas e a sociedade não estava polarizada. Os executivos dessas empresas gastavam seu tempo melhorando seus produtos, e não interferindo nos destinos de nações.

Nesse mesmo dia, o Brasil promulgou seu Marco Civil da Internet (MCI).

Ao completar dez anos, a lei continua a mesma, mas o mundo mudou muito!

"A Internet no Brasil sem o Marco Civil seria um cenário mais vulnerável, com menos garantias de privacidade, liberdade de expressão e neutralidade da rede", explica Antonielle Freitas, advogada especialista em direito digital do Viseu Advogados. "Ele também promoveu a transparência e a participação da sociedade na definição das políticas para a Internet, contribuindo para um ambiente digital mais democrático e inclusivo", acrescenta.

Mas se, para legislações, uma década não é tanto tempo, para o mundo digital pode ser uma eternidade! Por isso, há um grande debate se o MCI deveria ser revisto.

"Como a complexidade das relações sociais tem se mostrado maior e isso pode afetar muito seriamente pilares democráticos, entendo que talvez seja hora da mudança no regime jurídico de responsabilidade das plataformas", afirma Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "Isso não significa responsabilizá-las por tudo publicado por terceiros, mas é preciso buscar um equilíbrio no trato de inequívocos abusos, que atualmente não são removidos das plataformas", explica.

Essa discussão gira principalmente em torno do artigo 19 do MCI, que estabelece que os provedores de aplicação não podem ser responsabilizados pelo conteúdo de seus usuários. Ele é invocado pelas empresas como um escudo para se livrarem de qualquer responsabilidade, mesmo em casos claros de desinformação, ódio e outros conteúdos nocivos. A falta de transparência das plataformas sobre seus algoritmos e políticas dificulta a avaliação de sua conformidade com o MCI e outras leis.

Essa postura das empresas teve seu auge no ano passado, quando fizeram um intenso lobby junto a deputados federais contra o Projeto de Lei 2630/2020, apelidado de "PL das Fake News", que acabou engavetado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Um dos principais pontos do projeto impunha mais responsabilidade às plataformas por conteúdos ilegais de usuários, como crimes contra crianças, adolescentes e mulheres, terrorismo, racismo ou estímulo a suicídio.

Diante dessa letargia do Legislativo, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou assumindo um protagonismo no tema que muitos consideram indevido. Nessa segunda, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, disse em uma palestra que, "por trás do rótulo liberdade de expressão, se instalou um modelo de negócio que é fundado no engajamento". E concluiu: "o ódio, a mentira, o extremismo e o sensacionalismo conquistam muito mais cliques do que a fala moderada."

Nas últimas semanas, isso vem rendendo um inusitado embate entre Elon Musk, proprietário do X, e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Travestido de paladino da liberdade, mas com reais interesses não declarados, o bilionário se aliou a políticos no Brasil e nos EUA para acusar o magistrado de censor, chegando a pedir sua renúncia ou impeachment, provocando movimentações nas casas legislativas dos dois países.

"O proprietário do X pode expressar seu descontentamento com decisões do STF ou do ministro Alexandre de Moraes, mas ele não pode ofender a honra de quem quer que seja e deixar de cumprir decisões judiciais achando que não haverá consequências", explica Crespo. "Não é dado a nenhum brasileiro ou estrangeiro optar por quais decisões judiciais lhe convém cumprir", acrescenta.

Tudo isso demonstra como as mudanças aceleradas e agressivas do meio digital colocam o Marco Civil da Internet à prova diariamente. Apesar de ser uma legislação madura e bem concebida, o oportunismo de diferentes atores sociais viola despudoradamente seus princípios para interesses desses indivíduos.

"Existem casos de abusos e brechas exploradas, como a falta de transparência de empresas de tecnologia, violações à privacidade dos usuários e tentativas de censura", detalha Freitas. Para a advogada, "é necessário um diálogo constante entre governo, sociedade civil e setor privado para garantir que o Marco Civil da Internet continue sendo eficaz e relevante no ambiente digital atual".

De fato, o Marco Civil da Internet merecia mais respeito em seu décimo aniversário.

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Sessão de votação do Marco Civil da Internet na Câmara dos Deputados em 2014 - Foto: Gustavo Lima (Câmara dos Deputados)/Creative Commons

Em 23 de abril de 2014, o botão de curtir e o algoritmo de relevância do Facebook davam seus primeiros passos, e seus impactos em nossas vidas eram tímidos. Não ficávamos tanto em nossos smartphones, acessíveis a menos gente. Ainda faltavam dois anos e meio para que o Dicionário Oxford considerasse "pós-verdade" como sua "palavra do ano", e ninguém falava de fake news. As discussões políticas nas redes sociais eram civilizadas e a sociedade não estava polarizada. Os executivos dessas empresas gastavam seu tempo melhorando seus produtos, e não interferindo nos destinos de nações.

Nesse mesmo dia, o Brasil promulgou seu Marco Civil da Internet (MCI).

Ao completar dez anos, a lei continua a mesma, mas o mundo mudou muito!

"A Internet no Brasil sem o Marco Civil seria um cenário mais vulnerável, com menos garantias de privacidade, liberdade de expressão e neutralidade da rede", explica Antonielle Freitas, advogada especialista em direito digital do Viseu Advogados. "Ele também promoveu a transparência e a participação da sociedade na definição das políticas para a Internet, contribuindo para um ambiente digital mais democrático e inclusivo", acrescenta.

Mas se, para legislações, uma década não é tanto tempo, para o mundo digital pode ser uma eternidade! Por isso, há um grande debate se o MCI deveria ser revisto.

"Como a complexidade das relações sociais tem se mostrado maior e isso pode afetar muito seriamente pilares democráticos, entendo que talvez seja hora da mudança no regime jurídico de responsabilidade das plataformas", afirma Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "Isso não significa responsabilizá-las por tudo publicado por terceiros, mas é preciso buscar um equilíbrio no trato de inequívocos abusos, que atualmente não são removidos das plataformas", explica.

Essa discussão gira principalmente em torno do artigo 19 do MCI, que estabelece que os provedores de aplicação não podem ser responsabilizados pelo conteúdo de seus usuários. Ele é invocado pelas empresas como um escudo para se livrarem de qualquer responsabilidade, mesmo em casos claros de desinformação, ódio e outros conteúdos nocivos. A falta de transparência das plataformas sobre seus algoritmos e políticas dificulta a avaliação de sua conformidade com o MCI e outras leis.

Essa postura das empresas teve seu auge no ano passado, quando fizeram um intenso lobby junto a deputados federais contra o Projeto de Lei 2630/2020, apelidado de "PL das Fake News", que acabou engavetado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Um dos principais pontos do projeto impunha mais responsabilidade às plataformas por conteúdos ilegais de usuários, como crimes contra crianças, adolescentes e mulheres, terrorismo, racismo ou estímulo a suicídio.

Diante dessa letargia do Legislativo, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou assumindo um protagonismo no tema que muitos consideram indevido. Nessa segunda, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, disse em uma palestra que, "por trás do rótulo liberdade de expressão, se instalou um modelo de negócio que é fundado no engajamento". E concluiu: "o ódio, a mentira, o extremismo e o sensacionalismo conquistam muito mais cliques do que a fala moderada."

Nas últimas semanas, isso vem rendendo um inusitado embate entre Elon Musk, proprietário do X, e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Travestido de paladino da liberdade, mas com reais interesses não declarados, o bilionário se aliou a políticos no Brasil e nos EUA para acusar o magistrado de censor, chegando a pedir sua renúncia ou impeachment, provocando movimentações nas casas legislativas dos dois países.

"O proprietário do X pode expressar seu descontentamento com decisões do STF ou do ministro Alexandre de Moraes, mas ele não pode ofender a honra de quem quer que seja e deixar de cumprir decisões judiciais achando que não haverá consequências", explica Crespo. "Não é dado a nenhum brasileiro ou estrangeiro optar por quais decisões judiciais lhe convém cumprir", acrescenta.

Tudo isso demonstra como as mudanças aceleradas e agressivas do meio digital colocam o Marco Civil da Internet à prova diariamente. Apesar de ser uma legislação madura e bem concebida, o oportunismo de diferentes atores sociais viola despudoradamente seus princípios para interesses desses indivíduos.

"Existem casos de abusos e brechas exploradas, como a falta de transparência de empresas de tecnologia, violações à privacidade dos usuários e tentativas de censura", detalha Freitas. Para a advogada, "é necessário um diálogo constante entre governo, sociedade civil e setor privado para garantir que o Marco Civil da Internet continue sendo eficaz e relevante no ambiente digital atual".

De fato, o Marco Civil da Internet merecia mais respeito em seu décimo aniversário.

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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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