Empresas devem ser lucrativas, e obviamente não há nada de errado nisso. Mas toda empresa também é um membro ativo da sociedade. Assim há limites no que fazem para lucrar. Essa máxima merece ser discutida diante das mudanças no comportamento de negócios da Meta, anunciadas no último dia 7 pelo seu CEO, Mark Zuckerberg.
Para entender melhor, vale referenciar os clássicos. O austríaco Peter Drucker (1909-2005), pai da administração moderna (foto), dizia que as empresas têm um papel social essencial, além do lucro. Ele enfatizava que elas devem ser éticas, respeitar o meio ambiente e apoiar comunidades, promovendo sustentabilidade e reduzindo desigualdades. Para ele, o lucro é uma validação do propósito empresarial, não sua razão de existir.
São ideias progressistas, principalmente se considerarmos que começaram há oito décadas, em seu livro "Conceito da Corporação" (1946). Ninguém diria que Drucker era contra as empresas ou o lucro. Mas, se dissesse aquilo hoje, talvez fosse "cancelado" nas redes sociais e rotulado de "comunista"!
Isso nos remete às recentes declarações do notório oportunista Zuckerberg. Como muitos outros líderes, ele não tem o menor pudor de alterar seus posicionamentos pelos ventos políticos.
Quando Joe Biden assumiu a presidência dos EUA em 2021, a Meta cancelou as contas no Facebook e no Instagram do antecessor, Donald Trump, pelo seu discurso que levou à invasão do Congresso americano, com um saldo de cinco mortos, dezenas de feridos e centenas de presos. Agora, com Trump de volta, ela abraçou explicitamente suas ideias.
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A Meta é dona de algumas das maiores redes sociais do mundo, e isso a coloca em posição privilegiada para contrariar aquilo que Drucker disse. Suas decisões recentes impactam o mundo de forma ruim exponencialmente.
Vale mencionar a Apple, que vem resistindo a pressões para adotar posturas semelhantes. A empresa acaba de publicar um documento defendendo sua política de Diversidade e Inclusão, algo que a Meta também eliminou na semana passada.
O combate à desinformação e a restrição a conteúdos notoriamente nocivos não são censura, discurso adotado por Trump e replicado por Zuckerberg. Publicações que promovam -apenas para citar alguns exemplos- violência doméstica, atentados em escolas ou racismo não podem ser protegidas por liberdade de expressão, pois são essencialmente crimes. E os algoritmos das redes sociais tendem a promover muito mais conteúdos polarizadores, como esses.
Pode-se comparar com a indústria tabagista. Há muito se sabia que o cigarro fazia mal à saúde, mas essas empresas negavam isso, com seu poderosíssimo lobby. Até que em 1996, Jeffrey Wigand, ex-vice-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento da Brown & Williamson, revelou ao programa "60 Minutes", da americana CBS, que as empresas não apenas sabiam disso, como manipulavam as taxas de nicotina para aumentar o vício dos fumantes.
A reportagem do jornalista Lowell Bergman demorou três anos para ir ao ar, pela pressão dos fabricantes. Wigand e a Bergman chegaram a ser ameaçados! Suas revelações resultaram em processos bilionários contra a indústria, regulamentações rigorosas e maior conscientização pública sobre os perigos do fumo. Até hoje é possível comprar cigarros, mas quem faz isso sabe que está se matando aos poucos.
Portanto, ninguém deseja censurar publicações nas redes sociais. Mas esse é um setor que funciona praticamente sem qualquer regulamentação na maioria dos países, e essas empresas atropelam a sociedade pelos seus lucros. É uma ilusão acreditar que as pessoas tenham recursos para se proteger, pelos seus próprios meios, dos efeitos de seus algoritmos, pois são enganadas até sobre o conceito de liberdade. Tanto que muitas continuam defendendo aqueles que lhes ministram sua "nicotina digital".
Não por acaso, a indústria de drogas e as redes sociais chamam seus clientes de "usuários".
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