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Opinião|Mais que chips, novos computadores e celulares funcionam com nossos dados


Por Paulo Silvestre
O CEO da Microsoft, Satya Nadella, apresenta a linha de computadores Copilot+, em evento da empresa em maio - Foto: reprodução

Nos últimos meses, a corrida pelo domínio do mercado da inteligência artificial pariu novos computadores e celulares. Equipamentos da Microsoft, Google e Apple trazem recursos antes inimagináveis, que podem facilitar muito nosso cotidiano. Para que funcionem, são empurrados por processadores poderosos, mas precisam de outro componente vital: dados, muitos dados... nossos dados!

A IA depende de quantidades colossais de informações para que funcione bem. Essa nova geração de máquinas traz esse poder para a realidade de cada usuário, mas, para isso, precisam coletar vorazmente nossas informações. E isso faz sentido: se quisermos que a IA responda perguntas sobre nós mesmos, ela precisa nos conhecer.

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É um caminho sem volta! Essa coleta crescerá gradativamente, trazendo resultados cada vez mais surpreendentes. Precisamos entender que nada disso é grátis. Isso leva a um patamar inédito um processo iniciado há cerca de 15 anos com as redes sociais e que ficou conhecido como "capitalismo de vigilância": para usarmos seus serviços, as big techs coletam e usam nossas informações para nos vender todo tipo de quinquilharia e, em última instância, nos manipular.

O histórico de desrespeito dessas empresas com seus clientes joga contra elas. Queremos os benefícios da inteligência artificial, e isso pode ser feito de maneira ética e legal, mas qual garantia temos de que esses problemas não ficarão ainda maiores?

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Não temos essa garantia! As big techs primam pela falta de transparência em seus negócios, e lutam com unhas e dentes contra qualquer tentativa de legislação que coloque seu modelo em risco. Elas foram bem-sucedidas nesse processo, ao travar a criação de leis, inclusive no Brasil, que lhes atribuísse alguma responsabilidade por promoverem conteúdos nocivos aos indivíduos e à sociedade. O único lugar que conseguiu criar alguma regra assim foi a Europa. Agora, com a ascensão da IA, as big techs tentam repetir esse movimento para essa tecnologia.

É importante deixar claro que não sou contra a inteligência artificial: muito pelo contrário! Como pesquisador, reconheço os incríveis benefícios que traz. Mas como diz o ditado, não existe almoço grátis. Precisamos saber quanto estamos pagando!

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Entre as novidades, estão os notebooks Copilot+, criados pela Microsoft e lançados por diferentes fabricantes, como Samsung, Dell e Lenovo. Entre outros recursos, eles trazem o Recall, que permite que pesquisemos qualquer coisa que já fizemos no computador. Para isso, ele registra todas as nossas atividades a cada poucos segundos. Essas máquinas também executam localmente diversas atividades de IA generativa que normalmente são executadas na Internet, como no ChatGPT.

O Apple Intelligence, pacote de serviços de IA da empresa para seus novos iPhones, iPads e Macs, cria uma camada de assistência inteligente que combina os dados do usuário distribuídos em múltiplos aplicativos. Muito disso acontece no próprio aparelho, mas há operações que dependem da "nuvem". A Apple garante que ninguém, nem seus próprios funcionários, tem acesso a esses dados.

O Google AI, pacote de IA do gigante de buscas, oferece recursos interessantes, como um identificador de golpes telefônicos. Mas, para isso, precisa ouvir todas as chamadas de áudio que fizermos. Outro recurso permite que façamos perguntas sobre fotos que tenhamos tirado, às quais ele também tem acesso. A empresa disse que seus funcionários podem eventualmente analisar as perguntas, "para melhorar o produto e sua segurança".

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Todos os fabricantes demonstram grande preocupação com a segurança das informações pessoais, afirmando que tudo é criptografado e que nem eles mesmos têm acesso a isso. Mas a informática sempre mostrou que mesmo o melhor cadeado pode ser aberto por mentes malignas habilidosas.

 

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"Raio-X da alma"

Todos esses novos sistemas têm uma incrível capacidade de criar relações e identificar padrões pelos cruzamentos de dados das mais diversas fontes e naturezas. Isso lhes permite compreender quem somos, nossas crenças, desejos, medos, como pensamos, criando um verdadeiro "raio-X de nossa alma", com informações de valor inestimável para empresas, governos e até criminosos.

É curioso que, até pouco atrás, éramos mais preocupados com a nossa privacidade. Não compartilhávamos dados sem que soubéssemos (pelo menos em tese) o que seria feito deles. Eram pouquíssimas informações e elas não eram cruzadas entre si.

As redes sociais mudaram isso, com a ideia de que nossas informações também lhes pertencem, podendo fazer o que quiserem com elas para seu benefício. E elas fazem, mesmo quando isso prejudica seus usuários.

Um exemplo emblemático de proteção dos usuários aconteceu no início de julho, quando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) proibiu a Meta (empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) de usar os dados dos brasileiros para treinar seus modelos de inteligência artificial. Infelizmente algo assim é muito raro!

Mesmo que não exista nenhum problema de privacidade, precisamos entender que essas máquinas inauguram um novo tipo de dependência e até de relação entre nós e a tecnologia. Quem assistiu ao filme "Ela" (2013), dirigido por Spike Jonze e estrelado por Joaquin Phoenix e Scarlett Johansson, sabe como isso funciona.

Na história, Theodore (Phoenix) se apaixona por Samantha (a voz de Johansson), o sistema operacional de seu computador e smartphone, movido por uma aparente inteligência artificial geral. Ela sabia tudo sobre ele, e usava essa informação para lhe facilitar a vida. Mas com o tempo, ele se viu em um inusitado relacionamento desequilibrado com uma máquina!

É por isso que, ao aceitarmos usar os incríveis recursos desses novos equipamentos, precisamos estar conscientes de como estaremos nos expondo para isso. Por mais bem-intencionadas que os fabricantes sejam (e há ressalvas nisso em muitos casos), existem riscos potenciais com os quais teremos que aprender a conviver.

Assim como qualquer outro serviço que exista graças à inteligência artificial, os fabricantes precisam assumir responsabilidades durante o desenvolvimento, algo que os já citados dizem fazer. Eles também dever ser responsabilizados se algo der errado durante seu uso, um risco bastante considerável, mas isso eles não aceitam.

É um mundo totalmente novo que se descortina diante de nós. As relações entre empresas, governos, instituições e pessoas precisam ser repensadas diante disso tudo. Caso contrário, clientes e cidadãos podem ficar em uma situação muito precária.

 

O CEO da Microsoft, Satya Nadella, apresenta a linha de computadores Copilot+, em evento da empresa em maio - Foto: reprodução

Nos últimos meses, a corrida pelo domínio do mercado da inteligência artificial pariu novos computadores e celulares. Equipamentos da Microsoft, Google e Apple trazem recursos antes inimagináveis, que podem facilitar muito nosso cotidiano. Para que funcionem, são empurrados por processadores poderosos, mas precisam de outro componente vital: dados, muitos dados... nossos dados!

A IA depende de quantidades colossais de informações para que funcione bem. Essa nova geração de máquinas traz esse poder para a realidade de cada usuário, mas, para isso, precisam coletar vorazmente nossas informações. E isso faz sentido: se quisermos que a IA responda perguntas sobre nós mesmos, ela precisa nos conhecer.

É um caminho sem volta! Essa coleta crescerá gradativamente, trazendo resultados cada vez mais surpreendentes. Precisamos entender que nada disso é grátis. Isso leva a um patamar inédito um processo iniciado há cerca de 15 anos com as redes sociais e que ficou conhecido como "capitalismo de vigilância": para usarmos seus serviços, as big techs coletam e usam nossas informações para nos vender todo tipo de quinquilharia e, em última instância, nos manipular.

O histórico de desrespeito dessas empresas com seus clientes joga contra elas. Queremos os benefícios da inteligência artificial, e isso pode ser feito de maneira ética e legal, mas qual garantia temos de que esses problemas não ficarão ainda maiores?

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Não temos essa garantia! As big techs primam pela falta de transparência em seus negócios, e lutam com unhas e dentes contra qualquer tentativa de legislação que coloque seu modelo em risco. Elas foram bem-sucedidas nesse processo, ao travar a criação de leis, inclusive no Brasil, que lhes atribuísse alguma responsabilidade por promoverem conteúdos nocivos aos indivíduos e à sociedade. O único lugar que conseguiu criar alguma regra assim foi a Europa. Agora, com a ascensão da IA, as big techs tentam repetir esse movimento para essa tecnologia.

É importante deixar claro que não sou contra a inteligência artificial: muito pelo contrário! Como pesquisador, reconheço os incríveis benefícios que traz. Mas como diz o ditado, não existe almoço grátis. Precisamos saber quanto estamos pagando!

Entre as novidades, estão os notebooks Copilot+, criados pela Microsoft e lançados por diferentes fabricantes, como Samsung, Dell e Lenovo. Entre outros recursos, eles trazem o Recall, que permite que pesquisemos qualquer coisa que já fizemos no computador. Para isso, ele registra todas as nossas atividades a cada poucos segundos. Essas máquinas também executam localmente diversas atividades de IA generativa que normalmente são executadas na Internet, como no ChatGPT.

O Apple Intelligence, pacote de serviços de IA da empresa para seus novos iPhones, iPads e Macs, cria uma camada de assistência inteligente que combina os dados do usuário distribuídos em múltiplos aplicativos. Muito disso acontece no próprio aparelho, mas há operações que dependem da "nuvem". A Apple garante que ninguém, nem seus próprios funcionários, tem acesso a esses dados.

O Google AI, pacote de IA do gigante de buscas, oferece recursos interessantes, como um identificador de golpes telefônicos. Mas, para isso, precisa ouvir todas as chamadas de áudio que fizermos. Outro recurso permite que façamos perguntas sobre fotos que tenhamos tirado, às quais ele também tem acesso. A empresa disse que seus funcionários podem eventualmente analisar as perguntas, "para melhorar o produto e sua segurança".

Todos os fabricantes demonstram grande preocupação com a segurança das informações pessoais, afirmando que tudo é criptografado e que nem eles mesmos têm acesso a isso. Mas a informática sempre mostrou que mesmo o melhor cadeado pode ser aberto por mentes malignas habilidosas.

 

"Raio-X da alma"

Todos esses novos sistemas têm uma incrível capacidade de criar relações e identificar padrões pelos cruzamentos de dados das mais diversas fontes e naturezas. Isso lhes permite compreender quem somos, nossas crenças, desejos, medos, como pensamos, criando um verdadeiro "raio-X de nossa alma", com informações de valor inestimável para empresas, governos e até criminosos.

É curioso que, até pouco atrás, éramos mais preocupados com a nossa privacidade. Não compartilhávamos dados sem que soubéssemos (pelo menos em tese) o que seria feito deles. Eram pouquíssimas informações e elas não eram cruzadas entre si.

As redes sociais mudaram isso, com a ideia de que nossas informações também lhes pertencem, podendo fazer o que quiserem com elas para seu benefício. E elas fazem, mesmo quando isso prejudica seus usuários.

Um exemplo emblemático de proteção dos usuários aconteceu no início de julho, quando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) proibiu a Meta (empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) de usar os dados dos brasileiros para treinar seus modelos de inteligência artificial. Infelizmente algo assim é muito raro!

Mesmo que não exista nenhum problema de privacidade, precisamos entender que essas máquinas inauguram um novo tipo de dependência e até de relação entre nós e a tecnologia. Quem assistiu ao filme "Ela" (2013), dirigido por Spike Jonze e estrelado por Joaquin Phoenix e Scarlett Johansson, sabe como isso funciona.

Na história, Theodore (Phoenix) se apaixona por Samantha (a voz de Johansson), o sistema operacional de seu computador e smartphone, movido por uma aparente inteligência artificial geral. Ela sabia tudo sobre ele, e usava essa informação para lhe facilitar a vida. Mas com o tempo, ele se viu em um inusitado relacionamento desequilibrado com uma máquina!

É por isso que, ao aceitarmos usar os incríveis recursos desses novos equipamentos, precisamos estar conscientes de como estaremos nos expondo para isso. Por mais bem-intencionadas que os fabricantes sejam (e há ressalvas nisso em muitos casos), existem riscos potenciais com os quais teremos que aprender a conviver.

Assim como qualquer outro serviço que exista graças à inteligência artificial, os fabricantes precisam assumir responsabilidades durante o desenvolvimento, algo que os já citados dizem fazer. Eles também dever ser responsabilizados se algo der errado durante seu uso, um risco bastante considerável, mas isso eles não aceitam.

É um mundo totalmente novo que se descortina diante de nós. As relações entre empresas, governos, instituições e pessoas precisam ser repensadas diante disso tudo. Caso contrário, clientes e cidadãos podem ficar em uma situação muito precária.

 

O CEO da Microsoft, Satya Nadella, apresenta a linha de computadores Copilot+, em evento da empresa em maio - Foto: reprodução

Nos últimos meses, a corrida pelo domínio do mercado da inteligência artificial pariu novos computadores e celulares. Equipamentos da Microsoft, Google e Apple trazem recursos antes inimagináveis, que podem facilitar muito nosso cotidiano. Para que funcionem, são empurrados por processadores poderosos, mas precisam de outro componente vital: dados, muitos dados... nossos dados!

A IA depende de quantidades colossais de informações para que funcione bem. Essa nova geração de máquinas traz esse poder para a realidade de cada usuário, mas, para isso, precisam coletar vorazmente nossas informações. E isso faz sentido: se quisermos que a IA responda perguntas sobre nós mesmos, ela precisa nos conhecer.

É um caminho sem volta! Essa coleta crescerá gradativamente, trazendo resultados cada vez mais surpreendentes. Precisamos entender que nada disso é grátis. Isso leva a um patamar inédito um processo iniciado há cerca de 15 anos com as redes sociais e que ficou conhecido como "capitalismo de vigilância": para usarmos seus serviços, as big techs coletam e usam nossas informações para nos vender todo tipo de quinquilharia e, em última instância, nos manipular.

O histórico de desrespeito dessas empresas com seus clientes joga contra elas. Queremos os benefícios da inteligência artificial, e isso pode ser feito de maneira ética e legal, mas qual garantia temos de que esses problemas não ficarão ainda maiores?

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Não temos essa garantia! As big techs primam pela falta de transparência em seus negócios, e lutam com unhas e dentes contra qualquer tentativa de legislação que coloque seu modelo em risco. Elas foram bem-sucedidas nesse processo, ao travar a criação de leis, inclusive no Brasil, que lhes atribuísse alguma responsabilidade por promoverem conteúdos nocivos aos indivíduos e à sociedade. O único lugar que conseguiu criar alguma regra assim foi a Europa. Agora, com a ascensão da IA, as big techs tentam repetir esse movimento para essa tecnologia.

É importante deixar claro que não sou contra a inteligência artificial: muito pelo contrário! Como pesquisador, reconheço os incríveis benefícios que traz. Mas como diz o ditado, não existe almoço grátis. Precisamos saber quanto estamos pagando!

Entre as novidades, estão os notebooks Copilot+, criados pela Microsoft e lançados por diferentes fabricantes, como Samsung, Dell e Lenovo. Entre outros recursos, eles trazem o Recall, que permite que pesquisemos qualquer coisa que já fizemos no computador. Para isso, ele registra todas as nossas atividades a cada poucos segundos. Essas máquinas também executam localmente diversas atividades de IA generativa que normalmente são executadas na Internet, como no ChatGPT.

O Apple Intelligence, pacote de serviços de IA da empresa para seus novos iPhones, iPads e Macs, cria uma camada de assistência inteligente que combina os dados do usuário distribuídos em múltiplos aplicativos. Muito disso acontece no próprio aparelho, mas há operações que dependem da "nuvem". A Apple garante que ninguém, nem seus próprios funcionários, tem acesso a esses dados.

O Google AI, pacote de IA do gigante de buscas, oferece recursos interessantes, como um identificador de golpes telefônicos. Mas, para isso, precisa ouvir todas as chamadas de áudio que fizermos. Outro recurso permite que façamos perguntas sobre fotos que tenhamos tirado, às quais ele também tem acesso. A empresa disse que seus funcionários podem eventualmente analisar as perguntas, "para melhorar o produto e sua segurança".

Todos os fabricantes demonstram grande preocupação com a segurança das informações pessoais, afirmando que tudo é criptografado e que nem eles mesmos têm acesso a isso. Mas a informática sempre mostrou que mesmo o melhor cadeado pode ser aberto por mentes malignas habilidosas.

 

"Raio-X da alma"

Todos esses novos sistemas têm uma incrível capacidade de criar relações e identificar padrões pelos cruzamentos de dados das mais diversas fontes e naturezas. Isso lhes permite compreender quem somos, nossas crenças, desejos, medos, como pensamos, criando um verdadeiro "raio-X de nossa alma", com informações de valor inestimável para empresas, governos e até criminosos.

É curioso que, até pouco atrás, éramos mais preocupados com a nossa privacidade. Não compartilhávamos dados sem que soubéssemos (pelo menos em tese) o que seria feito deles. Eram pouquíssimas informações e elas não eram cruzadas entre si.

As redes sociais mudaram isso, com a ideia de que nossas informações também lhes pertencem, podendo fazer o que quiserem com elas para seu benefício. E elas fazem, mesmo quando isso prejudica seus usuários.

Um exemplo emblemático de proteção dos usuários aconteceu no início de julho, quando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) proibiu a Meta (empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) de usar os dados dos brasileiros para treinar seus modelos de inteligência artificial. Infelizmente algo assim é muito raro!

Mesmo que não exista nenhum problema de privacidade, precisamos entender que essas máquinas inauguram um novo tipo de dependência e até de relação entre nós e a tecnologia. Quem assistiu ao filme "Ela" (2013), dirigido por Spike Jonze e estrelado por Joaquin Phoenix e Scarlett Johansson, sabe como isso funciona.

Na história, Theodore (Phoenix) se apaixona por Samantha (a voz de Johansson), o sistema operacional de seu computador e smartphone, movido por uma aparente inteligência artificial geral. Ela sabia tudo sobre ele, e usava essa informação para lhe facilitar a vida. Mas com o tempo, ele se viu em um inusitado relacionamento desequilibrado com uma máquina!

É por isso que, ao aceitarmos usar os incríveis recursos desses novos equipamentos, precisamos estar conscientes de como estaremos nos expondo para isso. Por mais bem-intencionadas que os fabricantes sejam (e há ressalvas nisso em muitos casos), existem riscos potenciais com os quais teremos que aprender a conviver.

Assim como qualquer outro serviço que exista graças à inteligência artificial, os fabricantes precisam assumir responsabilidades durante o desenvolvimento, algo que os já citados dizem fazer. Eles também dever ser responsabilizados se algo der errado durante seu uso, um risco bastante considerável, mas isso eles não aceitam.

É um mundo totalmente novo que se descortina diante de nós. As relações entre empresas, governos, instituições e pessoas precisam ser repensadas diante disso tudo. Caso contrário, clientes e cidadãos podem ficar em uma situação muito precária.

 

O CEO da Microsoft, Satya Nadella, apresenta a linha de computadores Copilot+, em evento da empresa em maio - Foto: reprodução

Nos últimos meses, a corrida pelo domínio do mercado da inteligência artificial pariu novos computadores e celulares. Equipamentos da Microsoft, Google e Apple trazem recursos antes inimagináveis, que podem facilitar muito nosso cotidiano. Para que funcionem, são empurrados por processadores poderosos, mas precisam de outro componente vital: dados, muitos dados... nossos dados!

A IA depende de quantidades colossais de informações para que funcione bem. Essa nova geração de máquinas traz esse poder para a realidade de cada usuário, mas, para isso, precisam coletar vorazmente nossas informações. E isso faz sentido: se quisermos que a IA responda perguntas sobre nós mesmos, ela precisa nos conhecer.

É um caminho sem volta! Essa coleta crescerá gradativamente, trazendo resultados cada vez mais surpreendentes. Precisamos entender que nada disso é grátis. Isso leva a um patamar inédito um processo iniciado há cerca de 15 anos com as redes sociais e que ficou conhecido como "capitalismo de vigilância": para usarmos seus serviços, as big techs coletam e usam nossas informações para nos vender todo tipo de quinquilharia e, em última instância, nos manipular.

O histórico de desrespeito dessas empresas com seus clientes joga contra elas. Queremos os benefícios da inteligência artificial, e isso pode ser feito de maneira ética e legal, mas qual garantia temos de que esses problemas não ficarão ainda maiores?

Veja esse artigo em vídeo:

Não temos essa garantia! As big techs primam pela falta de transparência em seus negócios, e lutam com unhas e dentes contra qualquer tentativa de legislação que coloque seu modelo em risco. Elas foram bem-sucedidas nesse processo, ao travar a criação de leis, inclusive no Brasil, que lhes atribuísse alguma responsabilidade por promoverem conteúdos nocivos aos indivíduos e à sociedade. O único lugar que conseguiu criar alguma regra assim foi a Europa. Agora, com a ascensão da IA, as big techs tentam repetir esse movimento para essa tecnologia.

É importante deixar claro que não sou contra a inteligência artificial: muito pelo contrário! Como pesquisador, reconheço os incríveis benefícios que traz. Mas como diz o ditado, não existe almoço grátis. Precisamos saber quanto estamos pagando!

Entre as novidades, estão os notebooks Copilot+, criados pela Microsoft e lançados por diferentes fabricantes, como Samsung, Dell e Lenovo. Entre outros recursos, eles trazem o Recall, que permite que pesquisemos qualquer coisa que já fizemos no computador. Para isso, ele registra todas as nossas atividades a cada poucos segundos. Essas máquinas também executam localmente diversas atividades de IA generativa que normalmente são executadas na Internet, como no ChatGPT.

O Apple Intelligence, pacote de serviços de IA da empresa para seus novos iPhones, iPads e Macs, cria uma camada de assistência inteligente que combina os dados do usuário distribuídos em múltiplos aplicativos. Muito disso acontece no próprio aparelho, mas há operações que dependem da "nuvem". A Apple garante que ninguém, nem seus próprios funcionários, tem acesso a esses dados.

O Google AI, pacote de IA do gigante de buscas, oferece recursos interessantes, como um identificador de golpes telefônicos. Mas, para isso, precisa ouvir todas as chamadas de áudio que fizermos. Outro recurso permite que façamos perguntas sobre fotos que tenhamos tirado, às quais ele também tem acesso. A empresa disse que seus funcionários podem eventualmente analisar as perguntas, "para melhorar o produto e sua segurança".

Todos os fabricantes demonstram grande preocupação com a segurança das informações pessoais, afirmando que tudo é criptografado e que nem eles mesmos têm acesso a isso. Mas a informática sempre mostrou que mesmo o melhor cadeado pode ser aberto por mentes malignas habilidosas.

 

"Raio-X da alma"

Todos esses novos sistemas têm uma incrível capacidade de criar relações e identificar padrões pelos cruzamentos de dados das mais diversas fontes e naturezas. Isso lhes permite compreender quem somos, nossas crenças, desejos, medos, como pensamos, criando um verdadeiro "raio-X de nossa alma", com informações de valor inestimável para empresas, governos e até criminosos.

É curioso que, até pouco atrás, éramos mais preocupados com a nossa privacidade. Não compartilhávamos dados sem que soubéssemos (pelo menos em tese) o que seria feito deles. Eram pouquíssimas informações e elas não eram cruzadas entre si.

As redes sociais mudaram isso, com a ideia de que nossas informações também lhes pertencem, podendo fazer o que quiserem com elas para seu benefício. E elas fazem, mesmo quando isso prejudica seus usuários.

Um exemplo emblemático de proteção dos usuários aconteceu no início de julho, quando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) proibiu a Meta (empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) de usar os dados dos brasileiros para treinar seus modelos de inteligência artificial. Infelizmente algo assim é muito raro!

Mesmo que não exista nenhum problema de privacidade, precisamos entender que essas máquinas inauguram um novo tipo de dependência e até de relação entre nós e a tecnologia. Quem assistiu ao filme "Ela" (2013), dirigido por Spike Jonze e estrelado por Joaquin Phoenix e Scarlett Johansson, sabe como isso funciona.

Na história, Theodore (Phoenix) se apaixona por Samantha (a voz de Johansson), o sistema operacional de seu computador e smartphone, movido por uma aparente inteligência artificial geral. Ela sabia tudo sobre ele, e usava essa informação para lhe facilitar a vida. Mas com o tempo, ele se viu em um inusitado relacionamento desequilibrado com uma máquina!

É por isso que, ao aceitarmos usar os incríveis recursos desses novos equipamentos, precisamos estar conscientes de como estaremos nos expondo para isso. Por mais bem-intencionadas que os fabricantes sejam (e há ressalvas nisso em muitos casos), existem riscos potenciais com os quais teremos que aprender a conviver.

Assim como qualquer outro serviço que exista graças à inteligência artificial, os fabricantes precisam assumir responsabilidades durante o desenvolvimento, algo que os já citados dizem fazer. Eles também dever ser responsabilizados se algo der errado durante seu uso, um risco bastante considerável, mas isso eles não aceitam.

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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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