Jornalismo, educação, tecnologia e as combinações disso tudo

Opinião|Tecnologia pode ser aterrorizante para quem não a domina


Por Paulo Silvestre
Tecnologias simples para alguns podem criar ansiedade e medo naqueles que não as dominam - Foto: Freepik/Creative Commons

"Nós precisamos aprender a usar essa coisa, senão nós vamos morrer!"

Presenciei o desabafo acima há alguns anos enquanto acompanhava uma pesquisa de mercado sobre um produto que desenvolvia. Era um sistema didático digital de Língua Portuguesa. Quem o disse, beirando o pânico, foi uma professora de uma das escolas mais conceituadas de São Paulo, possível cliente para a plataforma.

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Além da dramaticidade da frase, o que mais chamou minha atenção foi o perfil daquel docente, que nada indicaria tamanho temor à tecnologia: jovem, pós-graduada e usuária assídua de smartphones e de redes sociais.

A explicação dessa aparente incoerência é que uma coisa é usar sem preocupação uma tecnologia como cliente; outra, bem diferente, é depender dela para uma atividade crítica de nosso cotidiano (como nosso trabalho), especialmente se não tivermos sido treinados naquilo.

Era o caso daquela professora, que, a despeito de sua boa formação, aprendeu a dar aulas apenas de forma "analógica". Apesar de o mundo digital fazer parte de sua vida, ela não tinha a menor ideia de como usá-lo em seus planos de aula, indefectivelmente ligado a livros impressos, cadernos e lousa.

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Apesar disso, lá estava ela, entrevistada em um "focus group", sentindo-se acuada por outros colegas que estavam se saindo melhor diante daquela linguagem que não dominava.

Quem poderia condená-la por aquilo?

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Essa passagem serve para algumas reflexões. A digitalização de tudo que fazemos vem a passos largos, e a inteligência artificial promete acelerar isso ainda mais, já nesse ano. Muita gente não vê a hora de isso tudo chegar, mas outro tanto (arriscaria dizer que a maioria) nem sabe o que isso significa ou como impactará o seu cotidiano.

O mundo é incrivelmente heterogêneo. O que pode ser óbvio para alguns pode ser impenetrável para outros. No digital, essas diferenças ficam ainda maiores.

Um bom exemplo, que já observei em mais de um caso, é chamar um Uber. Atividade prosaica para a maioria das pessoas, há aqueles que conceitualmente não compreendem sua interface.

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Portanto, cuidado com os julgamentos!

De volta ao mundo da educação, a tecnologia abre espaço nas salas de aula por pressão de governos, de gestores educacionais, de pais e até de alunos. Na ponta, estão os professores, aqueles mesmos que sabem como ninguém dar suas aulas, mas que normalmente não tiveram nenhum treinamento em como digitalizá-las.

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Isso ficou bastante evidente durante a pandemia, com escolas fechadas e professores heroicamente tendo que encontrar caminhos entre celulares e computadores seus e de seus alunos, muitas vezes obsoletos, com conexão precária à Internet e sem apoio.

Profissionais de qualquer área -e a educação não foge da regra- precisam receber treinamento diante do novo. Caso contrário, boas iniciativas podem apresentar resultados muito insatisfatórios.

Foi o que aconteceu com o projeto "One Laptop Per Child" ("Um Computador por Aluno" no Brasil), criado há 20 anos por Nicholas Negroponte, diretor do Media Lab do Massachussets Institute of Technology (MIT). Sua ideia era fornecer laptops de baixo custo (em torno de US$ 100) para crianças de países em desenvolvimento, para promover a educação e reduzir a desigualdade digital.

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O projeto não decolou em muitos países, como o Brasil. Apesar de os computadores serem incríveis para a época, os professores simplesmente não sabiam o que fazer com eles.

Agora muitos alunos trazem seus próprios computadores para a escola: seus smartphones. Mas seu objetivo não é fazer um uso educacional do equipamento (muitas vezes com o apoio dos pais), tornando-o um terrível fator de distração.

Uma vez mais, cabe aos professores desenvolverem mecanismos para usar o equipamento em atividades pedagógicas e ter autoridade para impedir seu uso na escola fora disso. Não é fácil!

Por isso, essa é uma lição de casa para os pais, que devem se aliar aos mestres, para o bem de seus filhos.

Vídeo relacionado:

 

Tecnologias simples para alguns podem criar ansiedade e medo naqueles que não as dominam - Foto: Freepik/Creative Commons

"Nós precisamos aprender a usar essa coisa, senão nós vamos morrer!"

Presenciei o desabafo acima há alguns anos enquanto acompanhava uma pesquisa de mercado sobre um produto que desenvolvia. Era um sistema didático digital de Língua Portuguesa. Quem o disse, beirando o pânico, foi uma professora de uma das escolas mais conceituadas de São Paulo, possível cliente para a plataforma.

Além da dramaticidade da frase, o que mais chamou minha atenção foi o perfil daquel docente, que nada indicaria tamanho temor à tecnologia: jovem, pós-graduada e usuária assídua de smartphones e de redes sociais.

A explicação dessa aparente incoerência é que uma coisa é usar sem preocupação uma tecnologia como cliente; outra, bem diferente, é depender dela para uma atividade crítica de nosso cotidiano (como nosso trabalho), especialmente se não tivermos sido treinados naquilo.

Era o caso daquela professora, que, a despeito de sua boa formação, aprendeu a dar aulas apenas de forma "analógica". Apesar de o mundo digital fazer parte de sua vida, ela não tinha a menor ideia de como usá-lo em seus planos de aula, indefectivelmente ligado a livros impressos, cadernos e lousa.

Apesar disso, lá estava ela, entrevistada em um "focus group", sentindo-se acuada por outros colegas que estavam se saindo melhor diante daquela linguagem que não dominava.

Quem poderia condená-la por aquilo?

Essa passagem serve para algumas reflexões. A digitalização de tudo que fazemos vem a passos largos, e a inteligência artificial promete acelerar isso ainda mais, já nesse ano. Muita gente não vê a hora de isso tudo chegar, mas outro tanto (arriscaria dizer que a maioria) nem sabe o que isso significa ou como impactará o seu cotidiano.

O mundo é incrivelmente heterogêneo. O que pode ser óbvio para alguns pode ser impenetrável para outros. No digital, essas diferenças ficam ainda maiores.

Um bom exemplo, que já observei em mais de um caso, é chamar um Uber. Atividade prosaica para a maioria das pessoas, há aqueles que conceitualmente não compreendem sua interface.

Portanto, cuidado com os julgamentos!

De volta ao mundo da educação, a tecnologia abre espaço nas salas de aula por pressão de governos, de gestores educacionais, de pais e até de alunos. Na ponta, estão os professores, aqueles mesmos que sabem como ninguém dar suas aulas, mas que normalmente não tiveram nenhum treinamento em como digitalizá-las.

Isso ficou bastante evidente durante a pandemia, com escolas fechadas e professores heroicamente tendo que encontrar caminhos entre celulares e computadores seus e de seus alunos, muitas vezes obsoletos, com conexão precária à Internet e sem apoio.

Profissionais de qualquer área -e a educação não foge da regra- precisam receber treinamento diante do novo. Caso contrário, boas iniciativas podem apresentar resultados muito insatisfatórios.

Foi o que aconteceu com o projeto "One Laptop Per Child" ("Um Computador por Aluno" no Brasil), criado há 20 anos por Nicholas Negroponte, diretor do Media Lab do Massachussets Institute of Technology (MIT). Sua ideia era fornecer laptops de baixo custo (em torno de US$ 100) para crianças de países em desenvolvimento, para promover a educação e reduzir a desigualdade digital.

O projeto não decolou em muitos países, como o Brasil. Apesar de os computadores serem incríveis para a época, os professores simplesmente não sabiam o que fazer com eles.

Agora muitos alunos trazem seus próprios computadores para a escola: seus smartphones. Mas seu objetivo não é fazer um uso educacional do equipamento (muitas vezes com o apoio dos pais), tornando-o um terrível fator de distração.

Uma vez mais, cabe aos professores desenvolverem mecanismos para usar o equipamento em atividades pedagógicas e ter autoridade para impedir seu uso na escola fora disso. Não é fácil!

Por isso, essa é uma lição de casa para os pais, que devem se aliar aos mestres, para o bem de seus filhos.

Vídeo relacionado:

 

Tecnologias simples para alguns podem criar ansiedade e medo naqueles que não as dominam - Foto: Freepik/Creative Commons

"Nós precisamos aprender a usar essa coisa, senão nós vamos morrer!"

Presenciei o desabafo acima há alguns anos enquanto acompanhava uma pesquisa de mercado sobre um produto que desenvolvia. Era um sistema didático digital de Língua Portuguesa. Quem o disse, beirando o pânico, foi uma professora de uma das escolas mais conceituadas de São Paulo, possível cliente para a plataforma.

Além da dramaticidade da frase, o que mais chamou minha atenção foi o perfil daquel docente, que nada indicaria tamanho temor à tecnologia: jovem, pós-graduada e usuária assídua de smartphones e de redes sociais.

A explicação dessa aparente incoerência é que uma coisa é usar sem preocupação uma tecnologia como cliente; outra, bem diferente, é depender dela para uma atividade crítica de nosso cotidiano (como nosso trabalho), especialmente se não tivermos sido treinados naquilo.

Era o caso daquela professora, que, a despeito de sua boa formação, aprendeu a dar aulas apenas de forma "analógica". Apesar de o mundo digital fazer parte de sua vida, ela não tinha a menor ideia de como usá-lo em seus planos de aula, indefectivelmente ligado a livros impressos, cadernos e lousa.

Apesar disso, lá estava ela, entrevistada em um "focus group", sentindo-se acuada por outros colegas que estavam se saindo melhor diante daquela linguagem que não dominava.

Quem poderia condená-la por aquilo?

Essa passagem serve para algumas reflexões. A digitalização de tudo que fazemos vem a passos largos, e a inteligência artificial promete acelerar isso ainda mais, já nesse ano. Muita gente não vê a hora de isso tudo chegar, mas outro tanto (arriscaria dizer que a maioria) nem sabe o que isso significa ou como impactará o seu cotidiano.

O mundo é incrivelmente heterogêneo. O que pode ser óbvio para alguns pode ser impenetrável para outros. No digital, essas diferenças ficam ainda maiores.

Um bom exemplo, que já observei em mais de um caso, é chamar um Uber. Atividade prosaica para a maioria das pessoas, há aqueles que conceitualmente não compreendem sua interface.

Portanto, cuidado com os julgamentos!

De volta ao mundo da educação, a tecnologia abre espaço nas salas de aula por pressão de governos, de gestores educacionais, de pais e até de alunos. Na ponta, estão os professores, aqueles mesmos que sabem como ninguém dar suas aulas, mas que normalmente não tiveram nenhum treinamento em como digitalizá-las.

Isso ficou bastante evidente durante a pandemia, com escolas fechadas e professores heroicamente tendo que encontrar caminhos entre celulares e computadores seus e de seus alunos, muitas vezes obsoletos, com conexão precária à Internet e sem apoio.

Profissionais de qualquer área -e a educação não foge da regra- precisam receber treinamento diante do novo. Caso contrário, boas iniciativas podem apresentar resultados muito insatisfatórios.

Foi o que aconteceu com o projeto "One Laptop Per Child" ("Um Computador por Aluno" no Brasil), criado há 20 anos por Nicholas Negroponte, diretor do Media Lab do Massachussets Institute of Technology (MIT). Sua ideia era fornecer laptops de baixo custo (em torno de US$ 100) para crianças de países em desenvolvimento, para promover a educação e reduzir a desigualdade digital.

O projeto não decolou em muitos países, como o Brasil. Apesar de os computadores serem incríveis para a época, os professores simplesmente não sabiam o que fazer com eles.

Agora muitos alunos trazem seus próprios computadores para a escola: seus smartphones. Mas seu objetivo não é fazer um uso educacional do equipamento (muitas vezes com o apoio dos pais), tornando-o um terrível fator de distração.

Uma vez mais, cabe aos professores desenvolverem mecanismos para usar o equipamento em atividades pedagógicas e ter autoridade para impedir seu uso na escola fora disso. Não é fácil!

Por isso, essa é uma lição de casa para os pais, que devem se aliar aos mestres, para o bem de seus filhos.

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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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