MACEIÓ - É num descampado hoje inacessível que fica o ponto de maior atenção de autoridades, pesquisadores e moradores que acompanham o drama vivido em Maceió, cidade que desde a última semana está sob estado de emergência devido ao risco de colapso em parte do seu solo. O ponto de referência da mina 18, operada pela Braskem no bairro do Mutange, é monitorado diariamente por funcionários da Defesa Civil, mas à distância e pelo alto. Ninguém pode se aproximar do local, cujas vias de entorno foram bloqueadas por grandes placas de metal.
Pelo menos duas vezes por dia, pela manhã e no fim da tarde, um agente da Defesa Civil sobe um drone para fazer imagens da movimentação da água no entorno desse ponto de referência. Se as imagens da manhã e do fim da tarde mostrarem marcações diferentes, é sinal de que houve movimentação do solo.
O operador do drone se posiciona em algum ponto do bairro Pinheiro, vizinho ao Mutange e que desde 2019 começou a ser evacuado. A reportagem do Estadão esteve no local na tarde deste sábado, 2, e tudo o que encontrou foi um sem-fim de imóveis abandonados. Em alguns só restaram as paredes, mas a maioria dos imóveis ainda está completamente em pé.
Moradores do bairro começaram a ser retirados de lá ainda em 2019. A Braskem fez acordo com a maioria, fazendo a avaliação individual do imóvel e pagando o valor acordado. Nem todos aceitaram e alguns questionam a empresa na Justiça, mas fato é que atualmente quase não há vida no bairro.
O Pinheiro só não é uma microcidade totalmente fantasma porque as vias mais afastadas do Mutange permanecem abertas para a circulação de veículos. Também é possível ver gatos perambulando pelas casas abandonadas - e potes em alguns pontos dão a entender que há quem se preocupe com os bichos e leve comida a eles, ainda que eventualmente.
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Nas ruas sem moradores, prédios abandonados e mensagens de protesto nos muros
Além dos veículos que cortam caminho pelo bairro, as vias registram alguma movimentação de viaturas da Defesa Civil e de uma empresa de segurança privada. Elas tentam assegurar que ninguém se aventure a voltar a morar naquela região.
Nesse bairro abandonado, a única coisa que permanece em pleno funcionamento é uma Igreja Batista. Ela tem agenda permanente de cultos e atividades. No fim da tarde deste sábado, alguns pais levaram seus filhos para brincar no entorno dela. Os frequentadores são ex-moradores do próprio Pinheiro.
O risco não é tão óbvio para todos, e há quem prefira o ceticismo e levante dúvidas sobre a evacuação dos bairros. Um ex-morador do bairro Pinheiro, que preferiu não ceder o nome completo para a reportagem, questionou o fluxo de veículos pelas vias de bairros interditados. “Se é tão perigoso assim, por que deixam passar carros e ônibus normalmente?”, disse ele. “Outro dia mandaram evacuar o hospital, mas do outro lado da rua não mandaram as pessoas saírem. Então o risco é só até o hospital?”.
Neste sábado, a Braskem informou que 100% da área considerada de risco pela Defesa Civil foi evacuada. A empresa divulgou novo comunicado e lembrou que a chamada área de resguardo no bairro do Mutange está desocupada desde abril de 2020; a realocação começou em dezembro de 2019.
Segundo a Braskem, os dados atuais de monitoramento “demonstram que a acomodação do solo segue concentrada na área dessa mina e que essa acomodação poderá se desenvolver de duas maneiras”. A primeira, disse a empresa, é o cenário de “acomodação gradual até a estabilização”; “o segundo é o de uma possível acomodação abrupta”. “Todos os dados colhidos estão sendo compartilhados em tempo real com as autoridades, com quem a Braskem vem trabalhando em estreita colaboração.”