Mães relatam drama ao serem separadas dos filhos pelas chuvas no RS: ‘Todas choravam desesperadas’


Centro de triagem especial foi criado para receber e acolher crianças e adolescentes que precisaram ficar distantes dos pais em meio à enchente histórica

Por Jaqueline Sordi

Três mães. Cinco filhos. Uma enchente e um drama em comum. Os personagens desta história real fazem parte de um quebra-cabeça desmontado pela força das águas que submergiram Porto Alegre. E que só foi refeito por outra força - a da solidariedade.

Isabele é menina de sorriso solto. Vista de longe, enquanto brinca de correr pelo ginásio repleto de colchões dispostos em filas, parece ter a mesma alegria que as outras crianças do local.

É outono no Rio Grande do Sul. Faz um calor incomum no abrigo que recebe os desalojados da Vila Dique, comunidade carente localizada no entorno do Aeroporto Salgado Filho, que foi fortemente afetada pelas enchentes. Isabele, de 6 anos, não se incomoda com o suor que escorre pela testa. Há, no entanto, um outro incômodo que transparece no olhar. A menina acompanha com olhos aflitos cada passo da mãe, Ana Paula, de 36 anos. Mesmo durante a brincadeira, não a perde de vista. É quarta-feira, 8, à tarde, e o trauma da separação ainda é muito recente.

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Horas depois de se separarem dos filhos, as três mães tiveram que abandonar suas casas porque o nível da água já estava muito alto Foto: Jaqueline Sordi/Estadão

Cinco dias se passaram desde que o bairro onde as vizinhas Ana Paula, Alessandra, de 30, e Tamara, de 38, moravam começou a ser alagado pela maior enchente que Porto Alegre já enfrentou. Cinco dias se passaram desde que três mães optaram por se separar dos filhos para garantir a sobrevivência deles.

Além de Isabele, Ana Paula é mãe de Cibele Vitória, de 11 anos. Tamara é mãe de Raíssa, 11, e de Ana Luiza, de 8. Já Alessandra é mãe do pequeno Richard, também com 8 anos.

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“Foi tudo muito rápido. Era sexta-feira no início do dia e a água estava já na canela. Aí veio gente conhecida para resgatar, mas só cabiam as crianças. No desespero, entregamos e confiamos que em poucas horas iríamos estar junto com eles”, lembra Ana Paula. O que as mães não imaginavam é que esse reencontro tardaria muito mais do que o esperado.

A promessa era de que as crianças seriam levadas para Cachoeirinha, cidade na região metropolitana de Porto Alegre, e dormiriam na casa de uma pessoa conhecida das vizinhas. “Era alguém que a gente confiava, que conhecia as crianças. Então estávamos tranquilas. Mas essa tranquilidade durou até a primeira tentativa de entrar em contato com elas”, diz Alessandra.

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Horas depois de se separarem dos filhos, as três mães tiveram que abandonar suas casas porque o nível da água já estava muito alto. Aguardaram, em cima de um viaduto, pela ajuda. Em pouco tempo, um barco pilotado por voluntários resgatou as três e as encaminhou para um abrigo na zona norte da capital. Do teto temporário, começaram a longa jornada para reunir as famílias.

“A pessoa que iria receber nossos filhos não atendia o telefone. Ficamos desesperadas tentando encontrar ela, ligando para vários locais. Foram três dias e três noites de muita angústia. A gente buscava força uma na outra. E também no pessoal que está nos ajudando por aqui, e que deu um auxílio nessa busca”, lembra Alessandra.

Mais de 67 mil pessoas estão em abrigos no Rio Grande do Sul por causa das fortes chuvas que assolam o Estado Foto: Nelson ALMEIDA/AFP
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Foi uma das voluntárias do abrigo – que há anos realiza ações sociais na Vila Dique – quem chegou com as primeiras boas notícias: na terça-feira pela manhã, uma ligação do Conselho Tutelar de Cachoeirinha anunciava que as crianças estavam bem, haviam sido encontradas e estavam acolhidas em uma Igreja. “Na hora, a gente quis fazer uma chamada de vídeo com as crianças. E quando nos vimos, foi um desespero. Todas choravam desesperadas pedindo por nós, dizendo que queriam voltar para a gente. O que eu tinha vontade era de atravessar o telefone”, conta Ana Paula.

A lembrança dessa ligação ainda dói na mãe, que interrompe a história com a voz embargada. Tamara continua a conversa, contando que foram necessárias mais algumas ligações entre voluntários e Conselho Tutelar, além de longas horas de viagem pelas estradas devastadas pelas chuvas para que o reencontro finalmente acontecesse.

“Cachoeirinha é aqui perto, mas as estradas estavam horríveis. Nossos filhos foram trazidos mesmo assim e, na terça-feira à noite, a gente conseguiu se abraçar. Foi um alívio que nem sei”. Questionada sobre o lar que ficou para trás, ela logo responde: “A verdade é que eu não estou nem aí. Nossa casa foi destruída, mas isso a gente corre atrás. O mais importante está aqui com a gente, as nossas famílias”.

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A história das três mães da Vila Dique tem um final feliz, mas ainda há um número incerto de pais e crianças aguardando o mesmo desfecho. São peças de um enorme quebra-cabeça que ainda precisam ser remontadas.

Desde o início dos resgates na capital gaúcha, realizado tanto por órgãos oficiais como por voluntários, dezenas de alertas de crianças em busca dos familiares e de pais em busca dos filhos começaram a aparecer em redes sociais, grupos de WhatsApp e também a chegar ao Ministério Público.

“Como foi um processo descentralizado de resgate, não houve um acompanhamento adequado desses casos. Por isso, até agora não temos como precisar o número de crianças e adolescentes separados dos familiares durante as enchentes, nem daqueles que já reencontraram suas famílias e dos que continuam desacompanhados”, diz a promotora de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre, Cinara Vianna Dutra Braga.

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Em uma tentativa de centralizar os casos e agilizar os processos de identificação e cuidado dos menores desacompanhados, o Ministério Público, em parceria com o governo municipal, estadual e Tribunal de Justiça, montou um centro de triagem especial para receber e acolher essas crianças e adolescentes. “Esperamos que o Centro de Triagem oportunize que toda a criança e o adolescente resgatado sem o responsável possa reencontrar a sua família no menor tempo possível, atenuando o trauma sofrido pelas vítimas”, finaliza Cinara.

Três mães. Cinco filhos. Uma enchente e um drama em comum. Os personagens desta história real fazem parte de um quebra-cabeça desmontado pela força das águas que submergiram Porto Alegre. E que só foi refeito por outra força - a da solidariedade.

Isabele é menina de sorriso solto. Vista de longe, enquanto brinca de correr pelo ginásio repleto de colchões dispostos em filas, parece ter a mesma alegria que as outras crianças do local.

É outono no Rio Grande do Sul. Faz um calor incomum no abrigo que recebe os desalojados da Vila Dique, comunidade carente localizada no entorno do Aeroporto Salgado Filho, que foi fortemente afetada pelas enchentes. Isabele, de 6 anos, não se incomoda com o suor que escorre pela testa. Há, no entanto, um outro incômodo que transparece no olhar. A menina acompanha com olhos aflitos cada passo da mãe, Ana Paula, de 36 anos. Mesmo durante a brincadeira, não a perde de vista. É quarta-feira, 8, à tarde, e o trauma da separação ainda é muito recente.

Horas depois de se separarem dos filhos, as três mães tiveram que abandonar suas casas porque o nível da água já estava muito alto Foto: Jaqueline Sordi/Estadão

Cinco dias se passaram desde que o bairro onde as vizinhas Ana Paula, Alessandra, de 30, e Tamara, de 38, moravam começou a ser alagado pela maior enchente que Porto Alegre já enfrentou. Cinco dias se passaram desde que três mães optaram por se separar dos filhos para garantir a sobrevivência deles.

Além de Isabele, Ana Paula é mãe de Cibele Vitória, de 11 anos. Tamara é mãe de Raíssa, 11, e de Ana Luiza, de 8. Já Alessandra é mãe do pequeno Richard, também com 8 anos.

“Foi tudo muito rápido. Era sexta-feira no início do dia e a água estava já na canela. Aí veio gente conhecida para resgatar, mas só cabiam as crianças. No desespero, entregamos e confiamos que em poucas horas iríamos estar junto com eles”, lembra Ana Paula. O que as mães não imaginavam é que esse reencontro tardaria muito mais do que o esperado.

A promessa era de que as crianças seriam levadas para Cachoeirinha, cidade na região metropolitana de Porto Alegre, e dormiriam na casa de uma pessoa conhecida das vizinhas. “Era alguém que a gente confiava, que conhecia as crianças. Então estávamos tranquilas. Mas essa tranquilidade durou até a primeira tentativa de entrar em contato com elas”, diz Alessandra.

Horas depois de se separarem dos filhos, as três mães tiveram que abandonar suas casas porque o nível da água já estava muito alto. Aguardaram, em cima de um viaduto, pela ajuda. Em pouco tempo, um barco pilotado por voluntários resgatou as três e as encaminhou para um abrigo na zona norte da capital. Do teto temporário, começaram a longa jornada para reunir as famílias.

“A pessoa que iria receber nossos filhos não atendia o telefone. Ficamos desesperadas tentando encontrar ela, ligando para vários locais. Foram três dias e três noites de muita angústia. A gente buscava força uma na outra. E também no pessoal que está nos ajudando por aqui, e que deu um auxílio nessa busca”, lembra Alessandra.

Mais de 67 mil pessoas estão em abrigos no Rio Grande do Sul por causa das fortes chuvas que assolam o Estado Foto: Nelson ALMEIDA/AFP

Foi uma das voluntárias do abrigo – que há anos realiza ações sociais na Vila Dique – quem chegou com as primeiras boas notícias: na terça-feira pela manhã, uma ligação do Conselho Tutelar de Cachoeirinha anunciava que as crianças estavam bem, haviam sido encontradas e estavam acolhidas em uma Igreja. “Na hora, a gente quis fazer uma chamada de vídeo com as crianças. E quando nos vimos, foi um desespero. Todas choravam desesperadas pedindo por nós, dizendo que queriam voltar para a gente. O que eu tinha vontade era de atravessar o telefone”, conta Ana Paula.

A lembrança dessa ligação ainda dói na mãe, que interrompe a história com a voz embargada. Tamara continua a conversa, contando que foram necessárias mais algumas ligações entre voluntários e Conselho Tutelar, além de longas horas de viagem pelas estradas devastadas pelas chuvas para que o reencontro finalmente acontecesse.

“Cachoeirinha é aqui perto, mas as estradas estavam horríveis. Nossos filhos foram trazidos mesmo assim e, na terça-feira à noite, a gente conseguiu se abraçar. Foi um alívio que nem sei”. Questionada sobre o lar que ficou para trás, ela logo responde: “A verdade é que eu não estou nem aí. Nossa casa foi destruída, mas isso a gente corre atrás. O mais importante está aqui com a gente, as nossas famílias”.

A história das três mães da Vila Dique tem um final feliz, mas ainda há um número incerto de pais e crianças aguardando o mesmo desfecho. São peças de um enorme quebra-cabeça que ainda precisam ser remontadas.

Desde o início dos resgates na capital gaúcha, realizado tanto por órgãos oficiais como por voluntários, dezenas de alertas de crianças em busca dos familiares e de pais em busca dos filhos começaram a aparecer em redes sociais, grupos de WhatsApp e também a chegar ao Ministério Público.

“Como foi um processo descentralizado de resgate, não houve um acompanhamento adequado desses casos. Por isso, até agora não temos como precisar o número de crianças e adolescentes separados dos familiares durante as enchentes, nem daqueles que já reencontraram suas famílias e dos que continuam desacompanhados”, diz a promotora de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre, Cinara Vianna Dutra Braga.

Em uma tentativa de centralizar os casos e agilizar os processos de identificação e cuidado dos menores desacompanhados, o Ministério Público, em parceria com o governo municipal, estadual e Tribunal de Justiça, montou um centro de triagem especial para receber e acolher essas crianças e adolescentes. “Esperamos que o Centro de Triagem oportunize que toda a criança e o adolescente resgatado sem o responsável possa reencontrar a sua família no menor tempo possível, atenuando o trauma sofrido pelas vítimas”, finaliza Cinara.

Três mães. Cinco filhos. Uma enchente e um drama em comum. Os personagens desta história real fazem parte de um quebra-cabeça desmontado pela força das águas que submergiram Porto Alegre. E que só foi refeito por outra força - a da solidariedade.

Isabele é menina de sorriso solto. Vista de longe, enquanto brinca de correr pelo ginásio repleto de colchões dispostos em filas, parece ter a mesma alegria que as outras crianças do local.

É outono no Rio Grande do Sul. Faz um calor incomum no abrigo que recebe os desalojados da Vila Dique, comunidade carente localizada no entorno do Aeroporto Salgado Filho, que foi fortemente afetada pelas enchentes. Isabele, de 6 anos, não se incomoda com o suor que escorre pela testa. Há, no entanto, um outro incômodo que transparece no olhar. A menina acompanha com olhos aflitos cada passo da mãe, Ana Paula, de 36 anos. Mesmo durante a brincadeira, não a perde de vista. É quarta-feira, 8, à tarde, e o trauma da separação ainda é muito recente.

Horas depois de se separarem dos filhos, as três mães tiveram que abandonar suas casas porque o nível da água já estava muito alto Foto: Jaqueline Sordi/Estadão

Cinco dias se passaram desde que o bairro onde as vizinhas Ana Paula, Alessandra, de 30, e Tamara, de 38, moravam começou a ser alagado pela maior enchente que Porto Alegre já enfrentou. Cinco dias se passaram desde que três mães optaram por se separar dos filhos para garantir a sobrevivência deles.

Além de Isabele, Ana Paula é mãe de Cibele Vitória, de 11 anos. Tamara é mãe de Raíssa, 11, e de Ana Luiza, de 8. Já Alessandra é mãe do pequeno Richard, também com 8 anos.

“Foi tudo muito rápido. Era sexta-feira no início do dia e a água estava já na canela. Aí veio gente conhecida para resgatar, mas só cabiam as crianças. No desespero, entregamos e confiamos que em poucas horas iríamos estar junto com eles”, lembra Ana Paula. O que as mães não imaginavam é que esse reencontro tardaria muito mais do que o esperado.

A promessa era de que as crianças seriam levadas para Cachoeirinha, cidade na região metropolitana de Porto Alegre, e dormiriam na casa de uma pessoa conhecida das vizinhas. “Era alguém que a gente confiava, que conhecia as crianças. Então estávamos tranquilas. Mas essa tranquilidade durou até a primeira tentativa de entrar em contato com elas”, diz Alessandra.

Horas depois de se separarem dos filhos, as três mães tiveram que abandonar suas casas porque o nível da água já estava muito alto. Aguardaram, em cima de um viaduto, pela ajuda. Em pouco tempo, um barco pilotado por voluntários resgatou as três e as encaminhou para um abrigo na zona norte da capital. Do teto temporário, começaram a longa jornada para reunir as famílias.

“A pessoa que iria receber nossos filhos não atendia o telefone. Ficamos desesperadas tentando encontrar ela, ligando para vários locais. Foram três dias e três noites de muita angústia. A gente buscava força uma na outra. E também no pessoal que está nos ajudando por aqui, e que deu um auxílio nessa busca”, lembra Alessandra.

Mais de 67 mil pessoas estão em abrigos no Rio Grande do Sul por causa das fortes chuvas que assolam o Estado Foto: Nelson ALMEIDA/AFP

Foi uma das voluntárias do abrigo – que há anos realiza ações sociais na Vila Dique – quem chegou com as primeiras boas notícias: na terça-feira pela manhã, uma ligação do Conselho Tutelar de Cachoeirinha anunciava que as crianças estavam bem, haviam sido encontradas e estavam acolhidas em uma Igreja. “Na hora, a gente quis fazer uma chamada de vídeo com as crianças. E quando nos vimos, foi um desespero. Todas choravam desesperadas pedindo por nós, dizendo que queriam voltar para a gente. O que eu tinha vontade era de atravessar o telefone”, conta Ana Paula.

A lembrança dessa ligação ainda dói na mãe, que interrompe a história com a voz embargada. Tamara continua a conversa, contando que foram necessárias mais algumas ligações entre voluntários e Conselho Tutelar, além de longas horas de viagem pelas estradas devastadas pelas chuvas para que o reencontro finalmente acontecesse.

“Cachoeirinha é aqui perto, mas as estradas estavam horríveis. Nossos filhos foram trazidos mesmo assim e, na terça-feira à noite, a gente conseguiu se abraçar. Foi um alívio que nem sei”. Questionada sobre o lar que ficou para trás, ela logo responde: “A verdade é que eu não estou nem aí. Nossa casa foi destruída, mas isso a gente corre atrás. O mais importante está aqui com a gente, as nossas famílias”.

A história das três mães da Vila Dique tem um final feliz, mas ainda há um número incerto de pais e crianças aguardando o mesmo desfecho. São peças de um enorme quebra-cabeça que ainda precisam ser remontadas.

Desde o início dos resgates na capital gaúcha, realizado tanto por órgãos oficiais como por voluntários, dezenas de alertas de crianças em busca dos familiares e de pais em busca dos filhos começaram a aparecer em redes sociais, grupos de WhatsApp e também a chegar ao Ministério Público.

“Como foi um processo descentralizado de resgate, não houve um acompanhamento adequado desses casos. Por isso, até agora não temos como precisar o número de crianças e adolescentes separados dos familiares durante as enchentes, nem daqueles que já reencontraram suas famílias e dos que continuam desacompanhados”, diz a promotora de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre, Cinara Vianna Dutra Braga.

Em uma tentativa de centralizar os casos e agilizar os processos de identificação e cuidado dos menores desacompanhados, o Ministério Público, em parceria com o governo municipal, estadual e Tribunal de Justiça, montou um centro de triagem especial para receber e acolher essas crianças e adolescentes. “Esperamos que o Centro de Triagem oportunize que toda a criança e o adolescente resgatado sem o responsável possa reencontrar a sua família no menor tempo possível, atenuando o trauma sofrido pelas vítimas”, finaliza Cinara.

Três mães. Cinco filhos. Uma enchente e um drama em comum. Os personagens desta história real fazem parte de um quebra-cabeça desmontado pela força das águas que submergiram Porto Alegre. E que só foi refeito por outra força - a da solidariedade.

Isabele é menina de sorriso solto. Vista de longe, enquanto brinca de correr pelo ginásio repleto de colchões dispostos em filas, parece ter a mesma alegria que as outras crianças do local.

É outono no Rio Grande do Sul. Faz um calor incomum no abrigo que recebe os desalojados da Vila Dique, comunidade carente localizada no entorno do Aeroporto Salgado Filho, que foi fortemente afetada pelas enchentes. Isabele, de 6 anos, não se incomoda com o suor que escorre pela testa. Há, no entanto, um outro incômodo que transparece no olhar. A menina acompanha com olhos aflitos cada passo da mãe, Ana Paula, de 36 anos. Mesmo durante a brincadeira, não a perde de vista. É quarta-feira, 8, à tarde, e o trauma da separação ainda é muito recente.

Horas depois de se separarem dos filhos, as três mães tiveram que abandonar suas casas porque o nível da água já estava muito alto Foto: Jaqueline Sordi/Estadão

Cinco dias se passaram desde que o bairro onde as vizinhas Ana Paula, Alessandra, de 30, e Tamara, de 38, moravam começou a ser alagado pela maior enchente que Porto Alegre já enfrentou. Cinco dias se passaram desde que três mães optaram por se separar dos filhos para garantir a sobrevivência deles.

Além de Isabele, Ana Paula é mãe de Cibele Vitória, de 11 anos. Tamara é mãe de Raíssa, 11, e de Ana Luiza, de 8. Já Alessandra é mãe do pequeno Richard, também com 8 anos.

“Foi tudo muito rápido. Era sexta-feira no início do dia e a água estava já na canela. Aí veio gente conhecida para resgatar, mas só cabiam as crianças. No desespero, entregamos e confiamos que em poucas horas iríamos estar junto com eles”, lembra Ana Paula. O que as mães não imaginavam é que esse reencontro tardaria muito mais do que o esperado.

A promessa era de que as crianças seriam levadas para Cachoeirinha, cidade na região metropolitana de Porto Alegre, e dormiriam na casa de uma pessoa conhecida das vizinhas. “Era alguém que a gente confiava, que conhecia as crianças. Então estávamos tranquilas. Mas essa tranquilidade durou até a primeira tentativa de entrar em contato com elas”, diz Alessandra.

Horas depois de se separarem dos filhos, as três mães tiveram que abandonar suas casas porque o nível da água já estava muito alto. Aguardaram, em cima de um viaduto, pela ajuda. Em pouco tempo, um barco pilotado por voluntários resgatou as três e as encaminhou para um abrigo na zona norte da capital. Do teto temporário, começaram a longa jornada para reunir as famílias.

“A pessoa que iria receber nossos filhos não atendia o telefone. Ficamos desesperadas tentando encontrar ela, ligando para vários locais. Foram três dias e três noites de muita angústia. A gente buscava força uma na outra. E também no pessoal que está nos ajudando por aqui, e que deu um auxílio nessa busca”, lembra Alessandra.

Mais de 67 mil pessoas estão em abrigos no Rio Grande do Sul por causa das fortes chuvas que assolam o Estado Foto: Nelson ALMEIDA/AFP

Foi uma das voluntárias do abrigo – que há anos realiza ações sociais na Vila Dique – quem chegou com as primeiras boas notícias: na terça-feira pela manhã, uma ligação do Conselho Tutelar de Cachoeirinha anunciava que as crianças estavam bem, haviam sido encontradas e estavam acolhidas em uma Igreja. “Na hora, a gente quis fazer uma chamada de vídeo com as crianças. E quando nos vimos, foi um desespero. Todas choravam desesperadas pedindo por nós, dizendo que queriam voltar para a gente. O que eu tinha vontade era de atravessar o telefone”, conta Ana Paula.

A lembrança dessa ligação ainda dói na mãe, que interrompe a história com a voz embargada. Tamara continua a conversa, contando que foram necessárias mais algumas ligações entre voluntários e Conselho Tutelar, além de longas horas de viagem pelas estradas devastadas pelas chuvas para que o reencontro finalmente acontecesse.

“Cachoeirinha é aqui perto, mas as estradas estavam horríveis. Nossos filhos foram trazidos mesmo assim e, na terça-feira à noite, a gente conseguiu se abraçar. Foi um alívio que nem sei”. Questionada sobre o lar que ficou para trás, ela logo responde: “A verdade é que eu não estou nem aí. Nossa casa foi destruída, mas isso a gente corre atrás. O mais importante está aqui com a gente, as nossas famílias”.

A história das três mães da Vila Dique tem um final feliz, mas ainda há um número incerto de pais e crianças aguardando o mesmo desfecho. São peças de um enorme quebra-cabeça que ainda precisam ser remontadas.

Desde o início dos resgates na capital gaúcha, realizado tanto por órgãos oficiais como por voluntários, dezenas de alertas de crianças em busca dos familiares e de pais em busca dos filhos começaram a aparecer em redes sociais, grupos de WhatsApp e também a chegar ao Ministério Público.

“Como foi um processo descentralizado de resgate, não houve um acompanhamento adequado desses casos. Por isso, até agora não temos como precisar o número de crianças e adolescentes separados dos familiares durante as enchentes, nem daqueles que já reencontraram suas famílias e dos que continuam desacompanhados”, diz a promotora de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre, Cinara Vianna Dutra Braga.

Em uma tentativa de centralizar os casos e agilizar os processos de identificação e cuidado dos menores desacompanhados, o Ministério Público, em parceria com o governo municipal, estadual e Tribunal de Justiça, montou um centro de triagem especial para receber e acolher essas crianças e adolescentes. “Esperamos que o Centro de Triagem oportunize que toda a criança e o adolescente resgatado sem o responsável possa reencontrar a sua família no menor tempo possível, atenuando o trauma sofrido pelas vítimas”, finaliza Cinara.

Três mães. Cinco filhos. Uma enchente e um drama em comum. Os personagens desta história real fazem parte de um quebra-cabeça desmontado pela força das águas que submergiram Porto Alegre. E que só foi refeito por outra força - a da solidariedade.

Isabele é menina de sorriso solto. Vista de longe, enquanto brinca de correr pelo ginásio repleto de colchões dispostos em filas, parece ter a mesma alegria que as outras crianças do local.

É outono no Rio Grande do Sul. Faz um calor incomum no abrigo que recebe os desalojados da Vila Dique, comunidade carente localizada no entorno do Aeroporto Salgado Filho, que foi fortemente afetada pelas enchentes. Isabele, de 6 anos, não se incomoda com o suor que escorre pela testa. Há, no entanto, um outro incômodo que transparece no olhar. A menina acompanha com olhos aflitos cada passo da mãe, Ana Paula, de 36 anos. Mesmo durante a brincadeira, não a perde de vista. É quarta-feira, 8, à tarde, e o trauma da separação ainda é muito recente.

Horas depois de se separarem dos filhos, as três mães tiveram que abandonar suas casas porque o nível da água já estava muito alto Foto: Jaqueline Sordi/Estadão

Cinco dias se passaram desde que o bairro onde as vizinhas Ana Paula, Alessandra, de 30, e Tamara, de 38, moravam começou a ser alagado pela maior enchente que Porto Alegre já enfrentou. Cinco dias se passaram desde que três mães optaram por se separar dos filhos para garantir a sobrevivência deles.

Além de Isabele, Ana Paula é mãe de Cibele Vitória, de 11 anos. Tamara é mãe de Raíssa, 11, e de Ana Luiza, de 8. Já Alessandra é mãe do pequeno Richard, também com 8 anos.

“Foi tudo muito rápido. Era sexta-feira no início do dia e a água estava já na canela. Aí veio gente conhecida para resgatar, mas só cabiam as crianças. No desespero, entregamos e confiamos que em poucas horas iríamos estar junto com eles”, lembra Ana Paula. O que as mães não imaginavam é que esse reencontro tardaria muito mais do que o esperado.

A promessa era de que as crianças seriam levadas para Cachoeirinha, cidade na região metropolitana de Porto Alegre, e dormiriam na casa de uma pessoa conhecida das vizinhas. “Era alguém que a gente confiava, que conhecia as crianças. Então estávamos tranquilas. Mas essa tranquilidade durou até a primeira tentativa de entrar em contato com elas”, diz Alessandra.

Horas depois de se separarem dos filhos, as três mães tiveram que abandonar suas casas porque o nível da água já estava muito alto. Aguardaram, em cima de um viaduto, pela ajuda. Em pouco tempo, um barco pilotado por voluntários resgatou as três e as encaminhou para um abrigo na zona norte da capital. Do teto temporário, começaram a longa jornada para reunir as famílias.

“A pessoa que iria receber nossos filhos não atendia o telefone. Ficamos desesperadas tentando encontrar ela, ligando para vários locais. Foram três dias e três noites de muita angústia. A gente buscava força uma na outra. E também no pessoal que está nos ajudando por aqui, e que deu um auxílio nessa busca”, lembra Alessandra.

Mais de 67 mil pessoas estão em abrigos no Rio Grande do Sul por causa das fortes chuvas que assolam o Estado Foto: Nelson ALMEIDA/AFP

Foi uma das voluntárias do abrigo – que há anos realiza ações sociais na Vila Dique – quem chegou com as primeiras boas notícias: na terça-feira pela manhã, uma ligação do Conselho Tutelar de Cachoeirinha anunciava que as crianças estavam bem, haviam sido encontradas e estavam acolhidas em uma Igreja. “Na hora, a gente quis fazer uma chamada de vídeo com as crianças. E quando nos vimos, foi um desespero. Todas choravam desesperadas pedindo por nós, dizendo que queriam voltar para a gente. O que eu tinha vontade era de atravessar o telefone”, conta Ana Paula.

A lembrança dessa ligação ainda dói na mãe, que interrompe a história com a voz embargada. Tamara continua a conversa, contando que foram necessárias mais algumas ligações entre voluntários e Conselho Tutelar, além de longas horas de viagem pelas estradas devastadas pelas chuvas para que o reencontro finalmente acontecesse.

“Cachoeirinha é aqui perto, mas as estradas estavam horríveis. Nossos filhos foram trazidos mesmo assim e, na terça-feira à noite, a gente conseguiu se abraçar. Foi um alívio que nem sei”. Questionada sobre o lar que ficou para trás, ela logo responde: “A verdade é que eu não estou nem aí. Nossa casa foi destruída, mas isso a gente corre atrás. O mais importante está aqui com a gente, as nossas famílias”.

A história das três mães da Vila Dique tem um final feliz, mas ainda há um número incerto de pais e crianças aguardando o mesmo desfecho. São peças de um enorme quebra-cabeça que ainda precisam ser remontadas.

Desde o início dos resgates na capital gaúcha, realizado tanto por órgãos oficiais como por voluntários, dezenas de alertas de crianças em busca dos familiares e de pais em busca dos filhos começaram a aparecer em redes sociais, grupos de WhatsApp e também a chegar ao Ministério Público.

“Como foi um processo descentralizado de resgate, não houve um acompanhamento adequado desses casos. Por isso, até agora não temos como precisar o número de crianças e adolescentes separados dos familiares durante as enchentes, nem daqueles que já reencontraram suas famílias e dos que continuam desacompanhados”, diz a promotora de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre, Cinara Vianna Dutra Braga.

Em uma tentativa de centralizar os casos e agilizar os processos de identificação e cuidado dos menores desacompanhados, o Ministério Público, em parceria com o governo municipal, estadual e Tribunal de Justiça, montou um centro de triagem especial para receber e acolher essas crianças e adolescentes. “Esperamos que o Centro de Triagem oportunize que toda a criança e o adolescente resgatado sem o responsável possa reencontrar a sua família no menor tempo possível, atenuando o trauma sofrido pelas vítimas”, finaliza Cinara.

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