Mais de 30 toninhas são encontradas mortas em 2 semanas em praias do litoral de São Paulo


Espécie de golfinho é considerada ameaçada de extinção no Brasil; maiores fatores de preocupação são a poluição das águas e a pesca com redes

Por José Maria Tomazela

Em pouco mais de duas semanas, no período de 30 de setembro a 15 de outubro, 33 golfinhos da espécie conhecida como toninha foram encontrados mortos em praias do litoral do Estado de São Paulo. No ano, já são 183 animais mortos na região, segundo dados do Programa de Monitoramento das Praias da Bacia de Santos (PMP-BS).

Como a espécie se aproxima da costa para reprodução a partir da primavera, a expectativa é de que o número deste ano supere o total de mortes de 2021, quando morreram 235 toninhas. Em 2020, foram 173 óbitos.

Toninha resgatada pelo Instituto Argonauta no Litoral Norte do Estado de São Paulo. Foto: Instituto Argonauta/Divulgação
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A toninha é a espécie de golfinho mais ameaçada de extinção no Brasil. A quantidade de animais mortos preocupa os conservacionistas e pode estar relacionada ao aumento na poluição do mar e à pressão da pesca com redes.

Conforme a coordenadora do Instituto Gremar de resgate de animais marinhos, Andrea Maranho, desde que o monitoramento teve início, em 2016, o número de mortes aumentou 20%, embora a população de toninhas esteja em franca diminuição. Já os óbitos ocasionados por redes de pesca cresceram de 17% para 45% no mesmo período.

Cetáceo da espécie Pontoporia blainvillei, a toninha é apelidada de golfinho invisível por ser animal raro e muito tímido – ela não salta para fora da água como outros golfinhos.

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Como a primavera é o período de reprodução da espécie, a presença delas é comum nesta época em águas rasas do litoral, próximas à costa. Peixes que compõem a sua alimentação, como sardinha, pescadinha e manjuba, atraem também pescadores com redes. Como a toninha possui um focinho longo, ela acaba ficando presa às redes de pesca.

Espécie é encontrada apenas na América do Sul

A toninha é uma das menores espécies de golfinhos do mundo, encontrada apenas na América do Sul, e está criticamente em perigo, segundo a lista oficial das espécies brasileiras ameaçadas de extinção.

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No Brasil, ele ocorre desde Itaúnas, no norte do Espírito Santo, até o extremo sul do litoral gaúcho. O monitoramento da espécie atende à condicionante ambiental das atividades da Petrobras de escoamento de petróleo e gás, e é conduzido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), através de parceiros.

Somente o Gremar registrou a morte de 15 toninhas nas duas últimas semanas no trecho do litoral entre São Vicente e Bertioga. O Gremar integra o projeto e monitora esse trecho do litoral paulista.

O primeiro animal foi encontrado morto na Praia do Tombo, em Guarujá, no dia 30 de setembro. As duas mortes mais recentes foram registradas no dia 15 de outubro, na Praia da Enseada, em Bertioga, e na Praia do Iporanga, em Guarujá. Oito toninhas mortas foram achadas em praias de Guarujá, seis em Bertioga e uma em São Vicente.

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Dos animais mortos, sete eram filhotes ou jovens. Entre os oito adultos, sete eram fêmeas e duas estavam prenhas.

A primavera é a estação de reprodução dessa espécie e, neste período, o número de encalhes tende a aumentar. “Entretanto, apesar deste contexto ligado à reprodução, a situação das toninhas tem se mostrado mais preocupante”, disse a veterinária Andrea.

Segundo ela, seis apresentavam sinais de terem caído em redes de pesca. “Essa é uma das principais ameaças às toninhas. O espécime que encontramos na Praia do Iporanga, no Guarujá, estava com o petrecho próximo ao rosto”, disse.

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Já o Instituto Biopesca encontrou nove animais mortos em praias de Mongaguá, Praia Grande e Itanhaém, no litoral sul paulista, nesse mesmo período. A maioria estava em decomposição, dificultando a identificação da causa.

“Devido ao seu hábito costeiro, a toninha está fortemente em risco por diversas atividades humanas, como a degradação dos ambientes costeiros, a presença do lixo nos oceanos, a poluição e a interação com a atividade pesqueira”, afirmou a médica veterinária Juliana Guimarães, que coordena as ações do Biopesca referentes ao PMP-BS.

De janeiro até agora, o instituto já localizou 76 toninhas mortas. Em todo 2021, foram 92.

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Outras nove toninhas foram encontradas este mês na orla do litoral norte pelas equipes do Instituto Argonauta, responsável por monitorar as praias da região. Desses, três animais foram achados em Ubatuba, três em São Sebastião, dois em Caraguatatuba e um em Ilhabela.

“Infelizmente, estamos encontrando toninhas mortas quase todos os dias”, disse a diretora executiva do Argonauta, a bióloga Carla Beatriz Barbosa, que coordena o projeto.

O achado mais recente, que eleva para dez as mortes deste mês, aconteceu nesta segunda-feira, 24, na Praia das Palmeiras, em Caraguatatuba. “O corpo estava em decomposição, mas reconhecemos a toninha. Com isso, já chegamos a 38 toninhas mortas este ano. Não dá para dizer que está acima da média na região, que tem ficado em torno de 40 a 50 animais por ano, mas devido à condição de vulnerabilidade da espécie, isso é muito preocupante”, disse.

Em todo o ano passado, foram achadas mortas 42 toninhas, mas em 2019, foram apenas 11.

Morte de animais adultos afeta continuidade da espécie

O número maior de mortes na região monitorada pelo Gremar se deve ao fato de estar próxima da Ilha do Farol da Moela, principal ponto de reprodução da espécie no litoral paulista, segundo Andrea Maranho.

“Uma coisa triste que observamos é que, se antes achávamos mais toninhas jovens mortas, agora estão morrendo muitos exemplares adultos, em fase de reprodução, o que impacta a continuidade da espécie. Tem especialista falando que, se não houver políticas públicas para conter as mortes, a toninha estará extinta em 20 anos.”

Risco de extinção

A toninha corre o risco de desaparecer no Espírito Santo, segundo o Instituto Baleia Jubarte, que desenvolve um projeto de conservação da espécie no litoral dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

Conforme o coordenador de pesquisa do instituto, veterinário Milton Marcondes, a captura acidental em redes de pesca é a maior ameaça a esse pequeno mamífero. “Se não forem tomadas medidas de urgência para reduzir a mortalidade das toninhas, assistiremos à iminente extinção desta população de cetáceos, que já estão em um nível de ameaça muito grande”, disse.

Ele explicou que, diferente do que acontece em outras regiões, no Rio e no Espírito Santo as populações de toninhas vivem isoladas. Na costa capixaba, elas ficam mais próximas da Bahia. Já no Rio, podem ser encontradas desde o Rio das Ostras até a divisa com o Espírito Santo.

“O fato de viverem mais isoladas é um agravante, pois não há intercâmbio com outras populações para fins de reprodução e o risco de ocorrer a extinção da espécie nesses estados é muito alto”, disse.

A estimativa, segundo ele, é de que restem menos de 600 animais no Espírito Santo e cerca de 1,2 mil no litoral do Rio. Conforme seus dados, no Espírito Santo houve três casos de toninhas encalhadas (mortas), de janeiro a setembro deste ano.

Em 2021, no mesmo período, tinham sido cinco. “Como a população já é muito baixa, essas poucas mortes acabam tendo um impacto muito grande”, disse. Os estudos mostraram que, para essa população se manter estável, não pode haver mais que duas mortes a cada três anos. “Nos últimos três anos, porém, registramos 34 mortes de toninhas”, afirmou.

A principal solução, segundo o pesquisador, seria controlar a pesca de redes que, segundo ele, responde pela maior parte das mortes. “A toninha tem um rosto (espécie de bico) proeminente, que fica enroscado na rede. Outros tipos de pesca, como a de tarrafa, de curral (cerco ao peixe) e com linha e anzol, não causam tanto impacto. Estamos estudando a colocação de alarme sonoro nas redes para afastar as toninhas”, disse.

Só proibir a pesca, segundo ele, não resolve. “No litoral capixaba, estamos com a pesca proibida desde o derrame de lama da Samarco (em 2015), mas as toninhas continuam caindo nas redes de pesca, pois falta fiscalização.”

Em Santa Catarina, o número de toninhas mortas este ano já supera o total do ano passado. Foram 21 encalhes até o final de setembro, contra 18 mortes em todo o ano de 2021.

Em janeiro deste ano, em um período de dez dias, foram encontradas seis toninhas mortas em praias de Florianópolis, capital do estado, segundo o Programa de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos.

No Rio Grande do Sul, onde elas são mais abundantes, morrem em média 300 toninhas por ano, segundo dados do Laboratório de Ecologia e Conservação da Megafauna Marinha da Universidade do Rio Grande (Ecomega/Furg).

O descumprimento no tamanho de rede permitido e desrespeito às restrições em determinadas de pesca são fatores que têm contribuído para o aumento na mortalidade do mamífero aquático mais ameaçado do País, segundo estudos da Ecomega. Fora do Brasil, a toninha ocorre no litoral do Uruguai e na costa da Argentina, até a província de Chubut.

O Ibama informou que tem desenvolvido e apoiado, com parceiros, estudos e projetos para a conservação da toninha em toda a área de ocorrência da espécie no litoral brasileiro.

Em pouco mais de duas semanas, no período de 30 de setembro a 15 de outubro, 33 golfinhos da espécie conhecida como toninha foram encontrados mortos em praias do litoral do Estado de São Paulo. No ano, já são 183 animais mortos na região, segundo dados do Programa de Monitoramento das Praias da Bacia de Santos (PMP-BS).

Como a espécie se aproxima da costa para reprodução a partir da primavera, a expectativa é de que o número deste ano supere o total de mortes de 2021, quando morreram 235 toninhas. Em 2020, foram 173 óbitos.

Toninha resgatada pelo Instituto Argonauta no Litoral Norte do Estado de São Paulo. Foto: Instituto Argonauta/Divulgação

A toninha é a espécie de golfinho mais ameaçada de extinção no Brasil. A quantidade de animais mortos preocupa os conservacionistas e pode estar relacionada ao aumento na poluição do mar e à pressão da pesca com redes.

Conforme a coordenadora do Instituto Gremar de resgate de animais marinhos, Andrea Maranho, desde que o monitoramento teve início, em 2016, o número de mortes aumentou 20%, embora a população de toninhas esteja em franca diminuição. Já os óbitos ocasionados por redes de pesca cresceram de 17% para 45% no mesmo período.

Cetáceo da espécie Pontoporia blainvillei, a toninha é apelidada de golfinho invisível por ser animal raro e muito tímido – ela não salta para fora da água como outros golfinhos.

Como a primavera é o período de reprodução da espécie, a presença delas é comum nesta época em águas rasas do litoral, próximas à costa. Peixes que compõem a sua alimentação, como sardinha, pescadinha e manjuba, atraem também pescadores com redes. Como a toninha possui um focinho longo, ela acaba ficando presa às redes de pesca.

Espécie é encontrada apenas na América do Sul

A toninha é uma das menores espécies de golfinhos do mundo, encontrada apenas na América do Sul, e está criticamente em perigo, segundo a lista oficial das espécies brasileiras ameaçadas de extinção.

No Brasil, ele ocorre desde Itaúnas, no norte do Espírito Santo, até o extremo sul do litoral gaúcho. O monitoramento da espécie atende à condicionante ambiental das atividades da Petrobras de escoamento de petróleo e gás, e é conduzido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), através de parceiros.

Somente o Gremar registrou a morte de 15 toninhas nas duas últimas semanas no trecho do litoral entre São Vicente e Bertioga. O Gremar integra o projeto e monitora esse trecho do litoral paulista.

O primeiro animal foi encontrado morto na Praia do Tombo, em Guarujá, no dia 30 de setembro. As duas mortes mais recentes foram registradas no dia 15 de outubro, na Praia da Enseada, em Bertioga, e na Praia do Iporanga, em Guarujá. Oito toninhas mortas foram achadas em praias de Guarujá, seis em Bertioga e uma em São Vicente.

Dos animais mortos, sete eram filhotes ou jovens. Entre os oito adultos, sete eram fêmeas e duas estavam prenhas.

A primavera é a estação de reprodução dessa espécie e, neste período, o número de encalhes tende a aumentar. “Entretanto, apesar deste contexto ligado à reprodução, a situação das toninhas tem se mostrado mais preocupante”, disse a veterinária Andrea.

Segundo ela, seis apresentavam sinais de terem caído em redes de pesca. “Essa é uma das principais ameaças às toninhas. O espécime que encontramos na Praia do Iporanga, no Guarujá, estava com o petrecho próximo ao rosto”, disse.

Já o Instituto Biopesca encontrou nove animais mortos em praias de Mongaguá, Praia Grande e Itanhaém, no litoral sul paulista, nesse mesmo período. A maioria estava em decomposição, dificultando a identificação da causa.

“Devido ao seu hábito costeiro, a toninha está fortemente em risco por diversas atividades humanas, como a degradação dos ambientes costeiros, a presença do lixo nos oceanos, a poluição e a interação com a atividade pesqueira”, afirmou a médica veterinária Juliana Guimarães, que coordena as ações do Biopesca referentes ao PMP-BS.

De janeiro até agora, o instituto já localizou 76 toninhas mortas. Em todo 2021, foram 92.

Outras nove toninhas foram encontradas este mês na orla do litoral norte pelas equipes do Instituto Argonauta, responsável por monitorar as praias da região. Desses, três animais foram achados em Ubatuba, três em São Sebastião, dois em Caraguatatuba e um em Ilhabela.

“Infelizmente, estamos encontrando toninhas mortas quase todos os dias”, disse a diretora executiva do Argonauta, a bióloga Carla Beatriz Barbosa, que coordena o projeto.

O achado mais recente, que eleva para dez as mortes deste mês, aconteceu nesta segunda-feira, 24, na Praia das Palmeiras, em Caraguatatuba. “O corpo estava em decomposição, mas reconhecemos a toninha. Com isso, já chegamos a 38 toninhas mortas este ano. Não dá para dizer que está acima da média na região, que tem ficado em torno de 40 a 50 animais por ano, mas devido à condição de vulnerabilidade da espécie, isso é muito preocupante”, disse.

Em todo o ano passado, foram achadas mortas 42 toninhas, mas em 2019, foram apenas 11.

Morte de animais adultos afeta continuidade da espécie

O número maior de mortes na região monitorada pelo Gremar se deve ao fato de estar próxima da Ilha do Farol da Moela, principal ponto de reprodução da espécie no litoral paulista, segundo Andrea Maranho.

“Uma coisa triste que observamos é que, se antes achávamos mais toninhas jovens mortas, agora estão morrendo muitos exemplares adultos, em fase de reprodução, o que impacta a continuidade da espécie. Tem especialista falando que, se não houver políticas públicas para conter as mortes, a toninha estará extinta em 20 anos.”

Risco de extinção

A toninha corre o risco de desaparecer no Espírito Santo, segundo o Instituto Baleia Jubarte, que desenvolve um projeto de conservação da espécie no litoral dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

Conforme o coordenador de pesquisa do instituto, veterinário Milton Marcondes, a captura acidental em redes de pesca é a maior ameaça a esse pequeno mamífero. “Se não forem tomadas medidas de urgência para reduzir a mortalidade das toninhas, assistiremos à iminente extinção desta população de cetáceos, que já estão em um nível de ameaça muito grande”, disse.

Ele explicou que, diferente do que acontece em outras regiões, no Rio e no Espírito Santo as populações de toninhas vivem isoladas. Na costa capixaba, elas ficam mais próximas da Bahia. Já no Rio, podem ser encontradas desde o Rio das Ostras até a divisa com o Espírito Santo.

“O fato de viverem mais isoladas é um agravante, pois não há intercâmbio com outras populações para fins de reprodução e o risco de ocorrer a extinção da espécie nesses estados é muito alto”, disse.

A estimativa, segundo ele, é de que restem menos de 600 animais no Espírito Santo e cerca de 1,2 mil no litoral do Rio. Conforme seus dados, no Espírito Santo houve três casos de toninhas encalhadas (mortas), de janeiro a setembro deste ano.

Em 2021, no mesmo período, tinham sido cinco. “Como a população já é muito baixa, essas poucas mortes acabam tendo um impacto muito grande”, disse. Os estudos mostraram que, para essa população se manter estável, não pode haver mais que duas mortes a cada três anos. “Nos últimos três anos, porém, registramos 34 mortes de toninhas”, afirmou.

A principal solução, segundo o pesquisador, seria controlar a pesca de redes que, segundo ele, responde pela maior parte das mortes. “A toninha tem um rosto (espécie de bico) proeminente, que fica enroscado na rede. Outros tipos de pesca, como a de tarrafa, de curral (cerco ao peixe) e com linha e anzol, não causam tanto impacto. Estamos estudando a colocação de alarme sonoro nas redes para afastar as toninhas”, disse.

Só proibir a pesca, segundo ele, não resolve. “No litoral capixaba, estamos com a pesca proibida desde o derrame de lama da Samarco (em 2015), mas as toninhas continuam caindo nas redes de pesca, pois falta fiscalização.”

Em Santa Catarina, o número de toninhas mortas este ano já supera o total do ano passado. Foram 21 encalhes até o final de setembro, contra 18 mortes em todo o ano de 2021.

Em janeiro deste ano, em um período de dez dias, foram encontradas seis toninhas mortas em praias de Florianópolis, capital do estado, segundo o Programa de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos.

No Rio Grande do Sul, onde elas são mais abundantes, morrem em média 300 toninhas por ano, segundo dados do Laboratório de Ecologia e Conservação da Megafauna Marinha da Universidade do Rio Grande (Ecomega/Furg).

O descumprimento no tamanho de rede permitido e desrespeito às restrições em determinadas de pesca são fatores que têm contribuído para o aumento na mortalidade do mamífero aquático mais ameaçado do País, segundo estudos da Ecomega. Fora do Brasil, a toninha ocorre no litoral do Uruguai e na costa da Argentina, até a província de Chubut.

O Ibama informou que tem desenvolvido e apoiado, com parceiros, estudos e projetos para a conservação da toninha em toda a área de ocorrência da espécie no litoral brasileiro.

Em pouco mais de duas semanas, no período de 30 de setembro a 15 de outubro, 33 golfinhos da espécie conhecida como toninha foram encontrados mortos em praias do litoral do Estado de São Paulo. No ano, já são 183 animais mortos na região, segundo dados do Programa de Monitoramento das Praias da Bacia de Santos (PMP-BS).

Como a espécie se aproxima da costa para reprodução a partir da primavera, a expectativa é de que o número deste ano supere o total de mortes de 2021, quando morreram 235 toninhas. Em 2020, foram 173 óbitos.

Toninha resgatada pelo Instituto Argonauta no Litoral Norte do Estado de São Paulo. Foto: Instituto Argonauta/Divulgação

A toninha é a espécie de golfinho mais ameaçada de extinção no Brasil. A quantidade de animais mortos preocupa os conservacionistas e pode estar relacionada ao aumento na poluição do mar e à pressão da pesca com redes.

Conforme a coordenadora do Instituto Gremar de resgate de animais marinhos, Andrea Maranho, desde que o monitoramento teve início, em 2016, o número de mortes aumentou 20%, embora a população de toninhas esteja em franca diminuição. Já os óbitos ocasionados por redes de pesca cresceram de 17% para 45% no mesmo período.

Cetáceo da espécie Pontoporia blainvillei, a toninha é apelidada de golfinho invisível por ser animal raro e muito tímido – ela não salta para fora da água como outros golfinhos.

Como a primavera é o período de reprodução da espécie, a presença delas é comum nesta época em águas rasas do litoral, próximas à costa. Peixes que compõem a sua alimentação, como sardinha, pescadinha e manjuba, atraem também pescadores com redes. Como a toninha possui um focinho longo, ela acaba ficando presa às redes de pesca.

Espécie é encontrada apenas na América do Sul

A toninha é uma das menores espécies de golfinhos do mundo, encontrada apenas na América do Sul, e está criticamente em perigo, segundo a lista oficial das espécies brasileiras ameaçadas de extinção.

No Brasil, ele ocorre desde Itaúnas, no norte do Espírito Santo, até o extremo sul do litoral gaúcho. O monitoramento da espécie atende à condicionante ambiental das atividades da Petrobras de escoamento de petróleo e gás, e é conduzido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), através de parceiros.

Somente o Gremar registrou a morte de 15 toninhas nas duas últimas semanas no trecho do litoral entre São Vicente e Bertioga. O Gremar integra o projeto e monitora esse trecho do litoral paulista.

O primeiro animal foi encontrado morto na Praia do Tombo, em Guarujá, no dia 30 de setembro. As duas mortes mais recentes foram registradas no dia 15 de outubro, na Praia da Enseada, em Bertioga, e na Praia do Iporanga, em Guarujá. Oito toninhas mortas foram achadas em praias de Guarujá, seis em Bertioga e uma em São Vicente.

Dos animais mortos, sete eram filhotes ou jovens. Entre os oito adultos, sete eram fêmeas e duas estavam prenhas.

A primavera é a estação de reprodução dessa espécie e, neste período, o número de encalhes tende a aumentar. “Entretanto, apesar deste contexto ligado à reprodução, a situação das toninhas tem se mostrado mais preocupante”, disse a veterinária Andrea.

Segundo ela, seis apresentavam sinais de terem caído em redes de pesca. “Essa é uma das principais ameaças às toninhas. O espécime que encontramos na Praia do Iporanga, no Guarujá, estava com o petrecho próximo ao rosto”, disse.

Já o Instituto Biopesca encontrou nove animais mortos em praias de Mongaguá, Praia Grande e Itanhaém, no litoral sul paulista, nesse mesmo período. A maioria estava em decomposição, dificultando a identificação da causa.

“Devido ao seu hábito costeiro, a toninha está fortemente em risco por diversas atividades humanas, como a degradação dos ambientes costeiros, a presença do lixo nos oceanos, a poluição e a interação com a atividade pesqueira”, afirmou a médica veterinária Juliana Guimarães, que coordena as ações do Biopesca referentes ao PMP-BS.

De janeiro até agora, o instituto já localizou 76 toninhas mortas. Em todo 2021, foram 92.

Outras nove toninhas foram encontradas este mês na orla do litoral norte pelas equipes do Instituto Argonauta, responsável por monitorar as praias da região. Desses, três animais foram achados em Ubatuba, três em São Sebastião, dois em Caraguatatuba e um em Ilhabela.

“Infelizmente, estamos encontrando toninhas mortas quase todos os dias”, disse a diretora executiva do Argonauta, a bióloga Carla Beatriz Barbosa, que coordena o projeto.

O achado mais recente, que eleva para dez as mortes deste mês, aconteceu nesta segunda-feira, 24, na Praia das Palmeiras, em Caraguatatuba. “O corpo estava em decomposição, mas reconhecemos a toninha. Com isso, já chegamos a 38 toninhas mortas este ano. Não dá para dizer que está acima da média na região, que tem ficado em torno de 40 a 50 animais por ano, mas devido à condição de vulnerabilidade da espécie, isso é muito preocupante”, disse.

Em todo o ano passado, foram achadas mortas 42 toninhas, mas em 2019, foram apenas 11.

Morte de animais adultos afeta continuidade da espécie

O número maior de mortes na região monitorada pelo Gremar se deve ao fato de estar próxima da Ilha do Farol da Moela, principal ponto de reprodução da espécie no litoral paulista, segundo Andrea Maranho.

“Uma coisa triste que observamos é que, se antes achávamos mais toninhas jovens mortas, agora estão morrendo muitos exemplares adultos, em fase de reprodução, o que impacta a continuidade da espécie. Tem especialista falando que, se não houver políticas públicas para conter as mortes, a toninha estará extinta em 20 anos.”

Risco de extinção

A toninha corre o risco de desaparecer no Espírito Santo, segundo o Instituto Baleia Jubarte, que desenvolve um projeto de conservação da espécie no litoral dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

Conforme o coordenador de pesquisa do instituto, veterinário Milton Marcondes, a captura acidental em redes de pesca é a maior ameaça a esse pequeno mamífero. “Se não forem tomadas medidas de urgência para reduzir a mortalidade das toninhas, assistiremos à iminente extinção desta população de cetáceos, que já estão em um nível de ameaça muito grande”, disse.

Ele explicou que, diferente do que acontece em outras regiões, no Rio e no Espírito Santo as populações de toninhas vivem isoladas. Na costa capixaba, elas ficam mais próximas da Bahia. Já no Rio, podem ser encontradas desde o Rio das Ostras até a divisa com o Espírito Santo.

“O fato de viverem mais isoladas é um agravante, pois não há intercâmbio com outras populações para fins de reprodução e o risco de ocorrer a extinção da espécie nesses estados é muito alto”, disse.

A estimativa, segundo ele, é de que restem menos de 600 animais no Espírito Santo e cerca de 1,2 mil no litoral do Rio. Conforme seus dados, no Espírito Santo houve três casos de toninhas encalhadas (mortas), de janeiro a setembro deste ano.

Em 2021, no mesmo período, tinham sido cinco. “Como a população já é muito baixa, essas poucas mortes acabam tendo um impacto muito grande”, disse. Os estudos mostraram que, para essa população se manter estável, não pode haver mais que duas mortes a cada três anos. “Nos últimos três anos, porém, registramos 34 mortes de toninhas”, afirmou.

A principal solução, segundo o pesquisador, seria controlar a pesca de redes que, segundo ele, responde pela maior parte das mortes. “A toninha tem um rosto (espécie de bico) proeminente, que fica enroscado na rede. Outros tipos de pesca, como a de tarrafa, de curral (cerco ao peixe) e com linha e anzol, não causam tanto impacto. Estamos estudando a colocação de alarme sonoro nas redes para afastar as toninhas”, disse.

Só proibir a pesca, segundo ele, não resolve. “No litoral capixaba, estamos com a pesca proibida desde o derrame de lama da Samarco (em 2015), mas as toninhas continuam caindo nas redes de pesca, pois falta fiscalização.”

Em Santa Catarina, o número de toninhas mortas este ano já supera o total do ano passado. Foram 21 encalhes até o final de setembro, contra 18 mortes em todo o ano de 2021.

Em janeiro deste ano, em um período de dez dias, foram encontradas seis toninhas mortas em praias de Florianópolis, capital do estado, segundo o Programa de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos.

No Rio Grande do Sul, onde elas são mais abundantes, morrem em média 300 toninhas por ano, segundo dados do Laboratório de Ecologia e Conservação da Megafauna Marinha da Universidade do Rio Grande (Ecomega/Furg).

O descumprimento no tamanho de rede permitido e desrespeito às restrições em determinadas de pesca são fatores que têm contribuído para o aumento na mortalidade do mamífero aquático mais ameaçado do País, segundo estudos da Ecomega. Fora do Brasil, a toninha ocorre no litoral do Uruguai e na costa da Argentina, até a província de Chubut.

O Ibama informou que tem desenvolvido e apoiado, com parceiros, estudos e projetos para a conservação da toninha em toda a área de ocorrência da espécie no litoral brasileiro.

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