O Estado bolivariano de Hugo Chávez permeia quase todas as atividades do cotidiano dos 5 milhões de habitantes de Caracas. Roseane Pillar, de 45 anos, é chefe de seção de um ponto de venda de telefones celulares. Divorciada, tem dois filhos adolescentes, um salário mensal de 4 mil bolívares fortes (quase US$ 1.000) que se complementa com cerca de 2.500 bolívares (pouco mais de US$ 500) da pensão que recebe do ex-marido, gerente de banco. Votou em Chávez em 1998 "por pura falta de opção", mas hoje engrossa as manifestações antichavistas que predominam em Chacaíto, o distrito de classe média onde mora. O novo fechamento da RCTV teve um impacto importante em sua rotina."Em 2007 (quando uma decisão de Chávez tirou a RCTV do sinal aberto), assinei uma TV a cabo para ver minhas novelas. Pago 250 "bolos" (bolívares fortes) por mês pelo serviço e, mesmo assim, não poderei assistir Libres como el Viento (novela das 21 horas, cujo último capítulo iria ao ar ontem)", reclama Roseane.Seus dois filhos, uma de 14 e outro de 16 anos, estudam em colégios públicos e, segundo ela, reclamam constantemente da doutrinação imposta pelo novo currículo oficial.Para o chavista Vicente Lingones, ambulante de 35 anos, morador do distrito pobre de San Agustín, no entanto, a intervenção do Estado em seu dia a dia é benéfica. "Avançamos muito com Chávez. Veja o Metrocable (sistema de teleféricos inaugurado pelo governo na semana passada). Posso ir do centro de Caracas até minha casa em 25 minutos. Antes, demorava quase uma hora e meia", comemora Lingones. Como bom partidário da revolução bolivariana, ele atribui "à oligarquia" todas as mazelas do Estado. "Os especuladores escondem mercadorias para vendê-las a preços mais altos. Essa cadeia Êxito (a rede franco-colombiana de supermercados expropriada por Chávez há duas semanas) era um exemplo."Nem chavista nem antichavista, uma categoria política que na Venezuela de Chávez ganhou a denominação de "ni-ni", o comerciante William (a pedido dele, o nome é fictício) aproveita-se de um efeito tanto lucrativo quanto ilegal da política do governo. Em sua loja de utilidades domésticas perto da Praça Venezuela, dedica-se a comprar e vender dólares no câmbio negro. Seu faturamento não foi alterado pela nova cotação do bolívar forte, anunciada por Chávez no dia 8. A moeda, cotada a 2,15 por dólar, passou a ter duas cotações: 2,60 por dólar para transações de produtos e serviços essenciais e 4,30 por dólar, para as demais negociações. "Na prática, pouco mudou", diz William. "A cotação no paralelo não se alterou e segue na faixa de 5,20 a 6,10."O cambista diz que nunca teve problemas com fiscais do governo por causa da atividade ilegal e acredita que o estilo turbulento de administração de Chávez favorece seus negócios, embora, pessoalmente, não tenha simpatia por ele. "Sinceramente, não sinto vontade de votar em ninguém. Esses protestos dos últimos dias, da oposição e do governo, só servem para piorar o trânsito na cidade."