Um ano, oito meses e 12 dias. Esse foi o período de vida de Marcela de Jesus Ferreira, o bebê que nasceu com anencefalia (sem cérebro), em Patrocínio Paulista, na região de Ribeirão Preto. A criança morreu às 22 horas de sexta-feira, 1, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), da Santa Casa de Franca, com parada respiratória em decorrência de uma pneumonia aspirativa. Ela estava bem até 7 horas da manhã, quando a mãe Cacilda Galante Ferreira a alimentou com leite, por sonda. Mas ela vomitou o leite e em seguida aspirou muito desse alimento, o que provocou a pneumonia, detectada pouco depois na Santa Casa local. "Estou tranqüila, não triste, pois eu cuidei dela até quando Deus quis", comentou a católica Cacilda, de 37 anos. Ela, mesmo diante do diagnóstico de anencefalia, no quinto mês de gravidez, sabendo que eram poucas as possibilidades de sobrevivência do bebê, decidiu não interromper a gestação. Contra todos os prognósticos, de que viveria algumas horas apenas, Marcela nasceu em 20 de novembro de 2006 e foi um exemplo para a medicina e para as pessoas contrárias ao aborto. "Ela foi um exemplo de que um diagnóstico não é nada definitivo", disse a pediatra Márcia Beani Barcellos, que sempre acompanhou a menina, inclusive na sexta, até a internação na UTI da Santa Casa de Franca. "Deus quis a pedra, a jóia, que eu estava lapidando com muito carinho e veio buscá-la; chegou a hora dela mesmo, e foi de repente", comentou Cacilda, que quase não desgrudou de Marcela desde o nascimento. Cuidou da filha no hospital durante alguns meses e, como a família mora num sítio distante da cidade, depois se mudou para uma casa própria, na cidade, a um quilômetro da Santa Casa, para socorrê-la nos casos emergenciais. O marido, Dionísio, ficou no sítio com a filha Dirlene, de 16 anos, a que mais ficou triste com a perda da irmã. Débora, de 19 anos, ficou com a mãe na cidade e conformou-se mais rapidamente. Cacilda só não esteve ao lado de Marcela no derradeiro momento. Após ver a filha ser levada à UTI no hospital francano, ela retornou para casa para tomar banho. Por telefone, o médico plantonista pediu a sua presença imediata no hospital. Ao chegar, Cacilda foi informada que a filha havia falecido menos de meia hora antes. Enquanto esteve morando na casa de Patrocínio Paulista, cuidando da filha, Cacilda só voltou duas vezes ao sítio nesse período: a última com a filha. Agora, ela não sabe o que fará, se voltará ao sítio ou se continuará na cidade. Neste sábadp, durante o velório, ela demonstrava a mesma serenidade ao falar da experiência de cuidar de Marcela e de sua morte. "A Marcela é um exemplo de amor de uma mãe que sempre quis tê-la, de seguir o que o coração manda, e a Cacilda teve muita dignidade nisso", resumiu a pediatra Márcia. O corpo da menina será sepultado no final da tarde no cemitério de Patrocínio Paulista. Marcela será enterrada vestindo uma camiseta com a imagem de Nossa Senhora, calça jeans e sapatinhos. Católica fervorosa, Cacilda deu o nome de Marcela à filha em homenagem ao padre Marcelo Rossi. E o nome Jesus foi incorporado ao nome pois a mãe dizia que a filha pertencia a Ele. Para sobreviver, Marcela usava um capacete de oxigênio (raramente ficava sem ele) e era alimentada por sonda, à base de produtos líquidos (sucos, leite e papinhas). Chegou a pesar quase 15 quilos. Devido à deficiência, a menina recebia, desde setembro de 2007, um benefício de um salário mínimo (R$ 415), do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).