Nova norma do CNJ busca evitar condenação de inocentes; entenda o que muda


Com a aprovação de propostas de grupo de trabalho, documento passa a servir como norma para juízes, além de nortear o trabalho de policiais, promotores e outros profissionais

Por Ítalo Lo Re
Atualização:

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou neste mês, por unanimidade, uma proposta de resolução que visa a aprimorar o reconhecimento de suspeitos e, com isso, evitar a condenação de inocentes. As novas diretrizes receberam aval no dia 6 e são resultado de discussões promovidas ao longo de um ano por um grupo de trabalho com mais de 40 integrantes, entre pesquisadores, policiais e magistrados. A equipe foi liderada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz.

O grupo propôs, entre outros pontos, que investigadores coletem depoimentos detalhados das vítimas antes de levá-las para reconhecer suspeitos, perfilem pessoas com características físicas semelhantes e não participem da ação de forma direta – a condução deve ser feita por um agente sem envolvimento na apuração do crime. Determinou ainda que o procedimento por meio de foto seja adotado apenas quando não há possibilidade de reconhecimento presencial. Com a aprovação, o documento passa a servir como norma para juízes, além de nortear o trabalho de policiais, promotores e outros profissionais.

Da esquerda para a direita: Ana Borges Coelho Santos, sub-procuradora geral da República; ministra Rosa Weber, presidente do CNJ; ministro Rogerio Schietti, do STJ;, e Gabriel Matos, secretário-geral do CNJ Foto: Agência CNJ
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“O CNJ dá um passo histórico na elevação do padrão de confiabilidade da prova de reconhecimento e na qualificação da prestação jurisdicional em nosso País, fatores que contribuem, a um só tempo, para evitar a prisão e condenação de inocentes, reduzir a impunidade e ampliar o respaldo do sistema de justiça perante a comunidade”, disse a presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber.

“Buscamos soluções pragmáticas, alcançáveis a partir de cuidados e protocolos de atuação até o momento não praticados sistematicamente no Brasil”, afirmou Rogerio Schietti Cruz, em nota divulgada pelo conselho.

Em entrevista ao Estadão em agosto, o ministro resumiu o objetivo da iniciativa. “O que se propõe é que primeiro se vede a apresentação do suspeito como o autor do fato para a pessoa que vai reconhecê-lo, porque é muito comum na delegacia de polícia, em vez de se fazer reconhecimento como determina o Código de Processo Penal, alinhando pessoas semelhantes ao suspeito, que a autoridade policial apresente uma foto ou mesmo uma pessoa sem encaminhamento, sem colocá-la ao lado de outras pessoas semelhantes.”

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Apesar de recomendada no Código de Processo Penal, membros do grupo de trabalho afirmam que a não utilização do método de alinhar o potencial suspeito com pessoas fisicamente semelhantes foi normalizada no País ao longo dos anos. Erros cometidos com base em reconhecimento pessoal, porém, começaram a ligar o alerta quanto a isso.

Dados de dois relatórios formulados pela Defensoria Pública do Rio, juntamente com o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais, apontam que, de 2012 a 2020, houve ao menos 90 prisões injustas baseadas no método, 73 delas no Rio. Dos processos em que havia informação sobre a raça dos acusados, 81% deles eram pessoas negras.

Diante disso, o objetivo das novas propostas é fornecer soluções factíveis para os investigadores e, ao mesmo tempo, aprimorar a forma como o reconhecimento pessoal é conduzido no País. Um dos marcos neste debate nos últimos anos foi uma decisão do próprio ministro Rogerio Schietti Cruz, de outubro de 2020, que deu habeas corpus a um condenado por roubo em Santa Catarina.

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Na época, o ministro viu falha no reconhecimento por foto para embasar as sentenças anteriores – um exemplo de fragilidade era o fato de as vítimas relatarem um suspeito de 1,70 metro, 25 centímetros menor que o preso. Cruz mandou notificar todos os tribunais do País, o que alterou a jurisprudência a partir de então.

No início do ano, o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) recomendou que seus magistrados revisem condenações baseadas em reconhecimentos frágeis, por foto, como única prova. “Sabemos que, na prática, várias prisões preventivas estão decretadas com base exclusivamente no reconhecimento fotográfico”, afirmou, na época, o desembargador Marcus Henrique Pinto Basílio, 2.º vice-presidente do TJ-RJ e autor da recomendação aos juízes. Como mostrou o Estadão, o reconhecimento, especialmente por fotos, está na mira do Judiciário.

No grupo de trabalho do CNJ, 43 pessoas contribuíram com as discussões durante praticamente um ano. Entre eles, juízes, promotores, membros das polícias Civil e Militar, juristas, representantes da sociedade civil e integrantes de projetos focados em combater a condenação de inocentes, como o Innocence Project e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). O resultado foi um relatório de 170 páginas.

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O que muda com a aprovação da proposta?

O documento passa a imediatamente servir de parâmetro para juízes e outras instituições. Abaixo, estão as principais propostas do grupo de trabalho apresentadas no relatório final. A recomendação é de que sejam adotadas especialmente no primeiro reconhecimento, considerado por especialistas como o mais importante:

  • A descrição inicial do suspeito deve ser livre de interferências. Ou seja, sem que haja qualquer sugestão de características físicas
  • Os suspeitos a serem reconhecidas precisam atender a características físicas apresentadas na descrição inicial
  • No processo de reconhecimento, os suspeitos devem ser apresentados junto a outras pessoas de características físicas semelhantes
  • Os suspeitos devem ser perfilados e/ou apresentados em sequência a, no mínimo, 6 pessoas e, no máximo, 12
  • Não deve haver repetição das pessoas apresentadas. O grupo de trabalho afirma que a reexposição ao rosto leva à sua familiarização
  • O reconhecedor, que pode ser a vítima ou uma testemunha, não é obrigado a apontar alguém no grupo apresentado
  • O reconhecimento, preferencialmente, deve ser realizado no menor tempo possível desde a ocorrência
  • O profissional responsável pelo procedimento não deve ser o mesmo que conduziu a investigação
  • Em caso de receio do reconhecedor, a identificação deve ser feita por meio de um vidro espelhado
  • Sempre que possível, o procedimento deve ser registrado em áudio/vídeo, o que possibilita a análise posterior do material
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Conforme o grupo de trabalho, as recomendações não se aplicam a potenciais autores de delitos que sejam conhecidos da vítima ou testemunha. O reconhecimento por fotografia, além disso, deve ser evitado. E, em casos em que é recorrido, devem ser adotados parâmetros equivalentes ao procedimento presencial, segundo a equipe. Eles acrescentam, por fim, que “tão importante quanto reconhecer culpados é não apontar para um inocente”.

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou neste mês, por unanimidade, uma proposta de resolução que visa a aprimorar o reconhecimento de suspeitos e, com isso, evitar a condenação de inocentes. As novas diretrizes receberam aval no dia 6 e são resultado de discussões promovidas ao longo de um ano por um grupo de trabalho com mais de 40 integrantes, entre pesquisadores, policiais e magistrados. A equipe foi liderada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz.

O grupo propôs, entre outros pontos, que investigadores coletem depoimentos detalhados das vítimas antes de levá-las para reconhecer suspeitos, perfilem pessoas com características físicas semelhantes e não participem da ação de forma direta – a condução deve ser feita por um agente sem envolvimento na apuração do crime. Determinou ainda que o procedimento por meio de foto seja adotado apenas quando não há possibilidade de reconhecimento presencial. Com a aprovação, o documento passa a servir como norma para juízes, além de nortear o trabalho de policiais, promotores e outros profissionais.

Da esquerda para a direita: Ana Borges Coelho Santos, sub-procuradora geral da República; ministra Rosa Weber, presidente do CNJ; ministro Rogerio Schietti, do STJ;, e Gabriel Matos, secretário-geral do CNJ Foto: Agência CNJ

“O CNJ dá um passo histórico na elevação do padrão de confiabilidade da prova de reconhecimento e na qualificação da prestação jurisdicional em nosso País, fatores que contribuem, a um só tempo, para evitar a prisão e condenação de inocentes, reduzir a impunidade e ampliar o respaldo do sistema de justiça perante a comunidade”, disse a presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber.

“Buscamos soluções pragmáticas, alcançáveis a partir de cuidados e protocolos de atuação até o momento não praticados sistematicamente no Brasil”, afirmou Rogerio Schietti Cruz, em nota divulgada pelo conselho.

Em entrevista ao Estadão em agosto, o ministro resumiu o objetivo da iniciativa. “O que se propõe é que primeiro se vede a apresentação do suspeito como o autor do fato para a pessoa que vai reconhecê-lo, porque é muito comum na delegacia de polícia, em vez de se fazer reconhecimento como determina o Código de Processo Penal, alinhando pessoas semelhantes ao suspeito, que a autoridade policial apresente uma foto ou mesmo uma pessoa sem encaminhamento, sem colocá-la ao lado de outras pessoas semelhantes.”

Apesar de recomendada no Código de Processo Penal, membros do grupo de trabalho afirmam que a não utilização do método de alinhar o potencial suspeito com pessoas fisicamente semelhantes foi normalizada no País ao longo dos anos. Erros cometidos com base em reconhecimento pessoal, porém, começaram a ligar o alerta quanto a isso.

Dados de dois relatórios formulados pela Defensoria Pública do Rio, juntamente com o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais, apontam que, de 2012 a 2020, houve ao menos 90 prisões injustas baseadas no método, 73 delas no Rio. Dos processos em que havia informação sobre a raça dos acusados, 81% deles eram pessoas negras.

Diante disso, o objetivo das novas propostas é fornecer soluções factíveis para os investigadores e, ao mesmo tempo, aprimorar a forma como o reconhecimento pessoal é conduzido no País. Um dos marcos neste debate nos últimos anos foi uma decisão do próprio ministro Rogerio Schietti Cruz, de outubro de 2020, que deu habeas corpus a um condenado por roubo em Santa Catarina.

Na época, o ministro viu falha no reconhecimento por foto para embasar as sentenças anteriores – um exemplo de fragilidade era o fato de as vítimas relatarem um suspeito de 1,70 metro, 25 centímetros menor que o preso. Cruz mandou notificar todos os tribunais do País, o que alterou a jurisprudência a partir de então.

No início do ano, o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) recomendou que seus magistrados revisem condenações baseadas em reconhecimentos frágeis, por foto, como única prova. “Sabemos que, na prática, várias prisões preventivas estão decretadas com base exclusivamente no reconhecimento fotográfico”, afirmou, na época, o desembargador Marcus Henrique Pinto Basílio, 2.º vice-presidente do TJ-RJ e autor da recomendação aos juízes. Como mostrou o Estadão, o reconhecimento, especialmente por fotos, está na mira do Judiciário.

No grupo de trabalho do CNJ, 43 pessoas contribuíram com as discussões durante praticamente um ano. Entre eles, juízes, promotores, membros das polícias Civil e Militar, juristas, representantes da sociedade civil e integrantes de projetos focados em combater a condenação de inocentes, como o Innocence Project e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). O resultado foi um relatório de 170 páginas.

O que muda com a aprovação da proposta?

O documento passa a imediatamente servir de parâmetro para juízes e outras instituições. Abaixo, estão as principais propostas do grupo de trabalho apresentadas no relatório final. A recomendação é de que sejam adotadas especialmente no primeiro reconhecimento, considerado por especialistas como o mais importante:

  • A descrição inicial do suspeito deve ser livre de interferências. Ou seja, sem que haja qualquer sugestão de características físicas
  • Os suspeitos a serem reconhecidas precisam atender a características físicas apresentadas na descrição inicial
  • No processo de reconhecimento, os suspeitos devem ser apresentados junto a outras pessoas de características físicas semelhantes
  • Os suspeitos devem ser perfilados e/ou apresentados em sequência a, no mínimo, 6 pessoas e, no máximo, 12
  • Não deve haver repetição das pessoas apresentadas. O grupo de trabalho afirma que a reexposição ao rosto leva à sua familiarização
  • O reconhecedor, que pode ser a vítima ou uma testemunha, não é obrigado a apontar alguém no grupo apresentado
  • O reconhecimento, preferencialmente, deve ser realizado no menor tempo possível desde a ocorrência
  • O profissional responsável pelo procedimento não deve ser o mesmo que conduziu a investigação
  • Em caso de receio do reconhecedor, a identificação deve ser feita por meio de um vidro espelhado
  • Sempre que possível, o procedimento deve ser registrado em áudio/vídeo, o que possibilita a análise posterior do material

Conforme o grupo de trabalho, as recomendações não se aplicam a potenciais autores de delitos que sejam conhecidos da vítima ou testemunha. O reconhecimento por fotografia, além disso, deve ser evitado. E, em casos em que é recorrido, devem ser adotados parâmetros equivalentes ao procedimento presencial, segundo a equipe. Eles acrescentam, por fim, que “tão importante quanto reconhecer culpados é não apontar para um inocente”.

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou neste mês, por unanimidade, uma proposta de resolução que visa a aprimorar o reconhecimento de suspeitos e, com isso, evitar a condenação de inocentes. As novas diretrizes receberam aval no dia 6 e são resultado de discussões promovidas ao longo de um ano por um grupo de trabalho com mais de 40 integrantes, entre pesquisadores, policiais e magistrados. A equipe foi liderada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz.

O grupo propôs, entre outros pontos, que investigadores coletem depoimentos detalhados das vítimas antes de levá-las para reconhecer suspeitos, perfilem pessoas com características físicas semelhantes e não participem da ação de forma direta – a condução deve ser feita por um agente sem envolvimento na apuração do crime. Determinou ainda que o procedimento por meio de foto seja adotado apenas quando não há possibilidade de reconhecimento presencial. Com a aprovação, o documento passa a servir como norma para juízes, além de nortear o trabalho de policiais, promotores e outros profissionais.

Da esquerda para a direita: Ana Borges Coelho Santos, sub-procuradora geral da República; ministra Rosa Weber, presidente do CNJ; ministro Rogerio Schietti, do STJ;, e Gabriel Matos, secretário-geral do CNJ Foto: Agência CNJ

“O CNJ dá um passo histórico na elevação do padrão de confiabilidade da prova de reconhecimento e na qualificação da prestação jurisdicional em nosso País, fatores que contribuem, a um só tempo, para evitar a prisão e condenação de inocentes, reduzir a impunidade e ampliar o respaldo do sistema de justiça perante a comunidade”, disse a presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber.

“Buscamos soluções pragmáticas, alcançáveis a partir de cuidados e protocolos de atuação até o momento não praticados sistematicamente no Brasil”, afirmou Rogerio Schietti Cruz, em nota divulgada pelo conselho.

Em entrevista ao Estadão em agosto, o ministro resumiu o objetivo da iniciativa. “O que se propõe é que primeiro se vede a apresentação do suspeito como o autor do fato para a pessoa que vai reconhecê-lo, porque é muito comum na delegacia de polícia, em vez de se fazer reconhecimento como determina o Código de Processo Penal, alinhando pessoas semelhantes ao suspeito, que a autoridade policial apresente uma foto ou mesmo uma pessoa sem encaminhamento, sem colocá-la ao lado de outras pessoas semelhantes.”

Apesar de recomendada no Código de Processo Penal, membros do grupo de trabalho afirmam que a não utilização do método de alinhar o potencial suspeito com pessoas fisicamente semelhantes foi normalizada no País ao longo dos anos. Erros cometidos com base em reconhecimento pessoal, porém, começaram a ligar o alerta quanto a isso.

Dados de dois relatórios formulados pela Defensoria Pública do Rio, juntamente com o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais, apontam que, de 2012 a 2020, houve ao menos 90 prisões injustas baseadas no método, 73 delas no Rio. Dos processos em que havia informação sobre a raça dos acusados, 81% deles eram pessoas negras.

Diante disso, o objetivo das novas propostas é fornecer soluções factíveis para os investigadores e, ao mesmo tempo, aprimorar a forma como o reconhecimento pessoal é conduzido no País. Um dos marcos neste debate nos últimos anos foi uma decisão do próprio ministro Rogerio Schietti Cruz, de outubro de 2020, que deu habeas corpus a um condenado por roubo em Santa Catarina.

Na época, o ministro viu falha no reconhecimento por foto para embasar as sentenças anteriores – um exemplo de fragilidade era o fato de as vítimas relatarem um suspeito de 1,70 metro, 25 centímetros menor que o preso. Cruz mandou notificar todos os tribunais do País, o que alterou a jurisprudência a partir de então.

No início do ano, o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) recomendou que seus magistrados revisem condenações baseadas em reconhecimentos frágeis, por foto, como única prova. “Sabemos que, na prática, várias prisões preventivas estão decretadas com base exclusivamente no reconhecimento fotográfico”, afirmou, na época, o desembargador Marcus Henrique Pinto Basílio, 2.º vice-presidente do TJ-RJ e autor da recomendação aos juízes. Como mostrou o Estadão, o reconhecimento, especialmente por fotos, está na mira do Judiciário.

No grupo de trabalho do CNJ, 43 pessoas contribuíram com as discussões durante praticamente um ano. Entre eles, juízes, promotores, membros das polícias Civil e Militar, juristas, representantes da sociedade civil e integrantes de projetos focados em combater a condenação de inocentes, como o Innocence Project e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). O resultado foi um relatório de 170 páginas.

O que muda com a aprovação da proposta?

O documento passa a imediatamente servir de parâmetro para juízes e outras instituições. Abaixo, estão as principais propostas do grupo de trabalho apresentadas no relatório final. A recomendação é de que sejam adotadas especialmente no primeiro reconhecimento, considerado por especialistas como o mais importante:

  • A descrição inicial do suspeito deve ser livre de interferências. Ou seja, sem que haja qualquer sugestão de características físicas
  • Os suspeitos a serem reconhecidas precisam atender a características físicas apresentadas na descrição inicial
  • No processo de reconhecimento, os suspeitos devem ser apresentados junto a outras pessoas de características físicas semelhantes
  • Os suspeitos devem ser perfilados e/ou apresentados em sequência a, no mínimo, 6 pessoas e, no máximo, 12
  • Não deve haver repetição das pessoas apresentadas. O grupo de trabalho afirma que a reexposição ao rosto leva à sua familiarização
  • O reconhecedor, que pode ser a vítima ou uma testemunha, não é obrigado a apontar alguém no grupo apresentado
  • O reconhecimento, preferencialmente, deve ser realizado no menor tempo possível desde a ocorrência
  • O profissional responsável pelo procedimento não deve ser o mesmo que conduziu a investigação
  • Em caso de receio do reconhecedor, a identificação deve ser feita por meio de um vidro espelhado
  • Sempre que possível, o procedimento deve ser registrado em áudio/vídeo, o que possibilita a análise posterior do material

Conforme o grupo de trabalho, as recomendações não se aplicam a potenciais autores de delitos que sejam conhecidos da vítima ou testemunha. O reconhecimento por fotografia, além disso, deve ser evitado. E, em casos em que é recorrido, devem ser adotados parâmetros equivalentes ao procedimento presencial, segundo a equipe. Eles acrescentam, por fim, que “tão importante quanto reconhecer culpados é não apontar para um inocente”.

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou neste mês, por unanimidade, uma proposta de resolução que visa a aprimorar o reconhecimento de suspeitos e, com isso, evitar a condenação de inocentes. As novas diretrizes receberam aval no dia 6 e são resultado de discussões promovidas ao longo de um ano por um grupo de trabalho com mais de 40 integrantes, entre pesquisadores, policiais e magistrados. A equipe foi liderada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz.

O grupo propôs, entre outros pontos, que investigadores coletem depoimentos detalhados das vítimas antes de levá-las para reconhecer suspeitos, perfilem pessoas com características físicas semelhantes e não participem da ação de forma direta – a condução deve ser feita por um agente sem envolvimento na apuração do crime. Determinou ainda que o procedimento por meio de foto seja adotado apenas quando não há possibilidade de reconhecimento presencial. Com a aprovação, o documento passa a servir como norma para juízes, além de nortear o trabalho de policiais, promotores e outros profissionais.

Da esquerda para a direita: Ana Borges Coelho Santos, sub-procuradora geral da República; ministra Rosa Weber, presidente do CNJ; ministro Rogerio Schietti, do STJ;, e Gabriel Matos, secretário-geral do CNJ Foto: Agência CNJ

“O CNJ dá um passo histórico na elevação do padrão de confiabilidade da prova de reconhecimento e na qualificação da prestação jurisdicional em nosso País, fatores que contribuem, a um só tempo, para evitar a prisão e condenação de inocentes, reduzir a impunidade e ampliar o respaldo do sistema de justiça perante a comunidade”, disse a presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber.

“Buscamos soluções pragmáticas, alcançáveis a partir de cuidados e protocolos de atuação até o momento não praticados sistematicamente no Brasil”, afirmou Rogerio Schietti Cruz, em nota divulgada pelo conselho.

Em entrevista ao Estadão em agosto, o ministro resumiu o objetivo da iniciativa. “O que se propõe é que primeiro se vede a apresentação do suspeito como o autor do fato para a pessoa que vai reconhecê-lo, porque é muito comum na delegacia de polícia, em vez de se fazer reconhecimento como determina o Código de Processo Penal, alinhando pessoas semelhantes ao suspeito, que a autoridade policial apresente uma foto ou mesmo uma pessoa sem encaminhamento, sem colocá-la ao lado de outras pessoas semelhantes.”

Apesar de recomendada no Código de Processo Penal, membros do grupo de trabalho afirmam que a não utilização do método de alinhar o potencial suspeito com pessoas fisicamente semelhantes foi normalizada no País ao longo dos anos. Erros cometidos com base em reconhecimento pessoal, porém, começaram a ligar o alerta quanto a isso.

Dados de dois relatórios formulados pela Defensoria Pública do Rio, juntamente com o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais, apontam que, de 2012 a 2020, houve ao menos 90 prisões injustas baseadas no método, 73 delas no Rio. Dos processos em que havia informação sobre a raça dos acusados, 81% deles eram pessoas negras.

Diante disso, o objetivo das novas propostas é fornecer soluções factíveis para os investigadores e, ao mesmo tempo, aprimorar a forma como o reconhecimento pessoal é conduzido no País. Um dos marcos neste debate nos últimos anos foi uma decisão do próprio ministro Rogerio Schietti Cruz, de outubro de 2020, que deu habeas corpus a um condenado por roubo em Santa Catarina.

Na época, o ministro viu falha no reconhecimento por foto para embasar as sentenças anteriores – um exemplo de fragilidade era o fato de as vítimas relatarem um suspeito de 1,70 metro, 25 centímetros menor que o preso. Cruz mandou notificar todos os tribunais do País, o que alterou a jurisprudência a partir de então.

No início do ano, o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) recomendou que seus magistrados revisem condenações baseadas em reconhecimentos frágeis, por foto, como única prova. “Sabemos que, na prática, várias prisões preventivas estão decretadas com base exclusivamente no reconhecimento fotográfico”, afirmou, na época, o desembargador Marcus Henrique Pinto Basílio, 2.º vice-presidente do TJ-RJ e autor da recomendação aos juízes. Como mostrou o Estadão, o reconhecimento, especialmente por fotos, está na mira do Judiciário.

No grupo de trabalho do CNJ, 43 pessoas contribuíram com as discussões durante praticamente um ano. Entre eles, juízes, promotores, membros das polícias Civil e Militar, juristas, representantes da sociedade civil e integrantes de projetos focados em combater a condenação de inocentes, como o Innocence Project e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). O resultado foi um relatório de 170 páginas.

O que muda com a aprovação da proposta?

O documento passa a imediatamente servir de parâmetro para juízes e outras instituições. Abaixo, estão as principais propostas do grupo de trabalho apresentadas no relatório final. A recomendação é de que sejam adotadas especialmente no primeiro reconhecimento, considerado por especialistas como o mais importante:

  • A descrição inicial do suspeito deve ser livre de interferências. Ou seja, sem que haja qualquer sugestão de características físicas
  • Os suspeitos a serem reconhecidas precisam atender a características físicas apresentadas na descrição inicial
  • No processo de reconhecimento, os suspeitos devem ser apresentados junto a outras pessoas de características físicas semelhantes
  • Os suspeitos devem ser perfilados e/ou apresentados em sequência a, no mínimo, 6 pessoas e, no máximo, 12
  • Não deve haver repetição das pessoas apresentadas. O grupo de trabalho afirma que a reexposição ao rosto leva à sua familiarização
  • O reconhecedor, que pode ser a vítima ou uma testemunha, não é obrigado a apontar alguém no grupo apresentado
  • O reconhecimento, preferencialmente, deve ser realizado no menor tempo possível desde a ocorrência
  • O profissional responsável pelo procedimento não deve ser o mesmo que conduziu a investigação
  • Em caso de receio do reconhecedor, a identificação deve ser feita por meio de um vidro espelhado
  • Sempre que possível, o procedimento deve ser registrado em áudio/vídeo, o que possibilita a análise posterior do material

Conforme o grupo de trabalho, as recomendações não se aplicam a potenciais autores de delitos que sejam conhecidos da vítima ou testemunha. O reconhecimento por fotografia, além disso, deve ser evitado. E, em casos em que é recorrido, devem ser adotados parâmetros equivalentes ao procedimento presencial, segundo a equipe. Eles acrescentam, por fim, que “tão importante quanto reconhecer culpados é não apontar para um inocente”.

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou neste mês, por unanimidade, uma proposta de resolução que visa a aprimorar o reconhecimento de suspeitos e, com isso, evitar a condenação de inocentes. As novas diretrizes receberam aval no dia 6 e são resultado de discussões promovidas ao longo de um ano por um grupo de trabalho com mais de 40 integrantes, entre pesquisadores, policiais e magistrados. A equipe foi liderada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz.

O grupo propôs, entre outros pontos, que investigadores coletem depoimentos detalhados das vítimas antes de levá-las para reconhecer suspeitos, perfilem pessoas com características físicas semelhantes e não participem da ação de forma direta – a condução deve ser feita por um agente sem envolvimento na apuração do crime. Determinou ainda que o procedimento por meio de foto seja adotado apenas quando não há possibilidade de reconhecimento presencial. Com a aprovação, o documento passa a servir como norma para juízes, além de nortear o trabalho de policiais, promotores e outros profissionais.

Da esquerda para a direita: Ana Borges Coelho Santos, sub-procuradora geral da República; ministra Rosa Weber, presidente do CNJ; ministro Rogerio Schietti, do STJ;, e Gabriel Matos, secretário-geral do CNJ Foto: Agência CNJ

“O CNJ dá um passo histórico na elevação do padrão de confiabilidade da prova de reconhecimento e na qualificação da prestação jurisdicional em nosso País, fatores que contribuem, a um só tempo, para evitar a prisão e condenação de inocentes, reduzir a impunidade e ampliar o respaldo do sistema de justiça perante a comunidade”, disse a presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber.

“Buscamos soluções pragmáticas, alcançáveis a partir de cuidados e protocolos de atuação até o momento não praticados sistematicamente no Brasil”, afirmou Rogerio Schietti Cruz, em nota divulgada pelo conselho.

Em entrevista ao Estadão em agosto, o ministro resumiu o objetivo da iniciativa. “O que se propõe é que primeiro se vede a apresentação do suspeito como o autor do fato para a pessoa que vai reconhecê-lo, porque é muito comum na delegacia de polícia, em vez de se fazer reconhecimento como determina o Código de Processo Penal, alinhando pessoas semelhantes ao suspeito, que a autoridade policial apresente uma foto ou mesmo uma pessoa sem encaminhamento, sem colocá-la ao lado de outras pessoas semelhantes.”

Apesar de recomendada no Código de Processo Penal, membros do grupo de trabalho afirmam que a não utilização do método de alinhar o potencial suspeito com pessoas fisicamente semelhantes foi normalizada no País ao longo dos anos. Erros cometidos com base em reconhecimento pessoal, porém, começaram a ligar o alerta quanto a isso.

Dados de dois relatórios formulados pela Defensoria Pública do Rio, juntamente com o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais, apontam que, de 2012 a 2020, houve ao menos 90 prisões injustas baseadas no método, 73 delas no Rio. Dos processos em que havia informação sobre a raça dos acusados, 81% deles eram pessoas negras.

Diante disso, o objetivo das novas propostas é fornecer soluções factíveis para os investigadores e, ao mesmo tempo, aprimorar a forma como o reconhecimento pessoal é conduzido no País. Um dos marcos neste debate nos últimos anos foi uma decisão do próprio ministro Rogerio Schietti Cruz, de outubro de 2020, que deu habeas corpus a um condenado por roubo em Santa Catarina.

Na época, o ministro viu falha no reconhecimento por foto para embasar as sentenças anteriores – um exemplo de fragilidade era o fato de as vítimas relatarem um suspeito de 1,70 metro, 25 centímetros menor que o preso. Cruz mandou notificar todos os tribunais do País, o que alterou a jurisprudência a partir de então.

No início do ano, o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) recomendou que seus magistrados revisem condenações baseadas em reconhecimentos frágeis, por foto, como única prova. “Sabemos que, na prática, várias prisões preventivas estão decretadas com base exclusivamente no reconhecimento fotográfico”, afirmou, na época, o desembargador Marcus Henrique Pinto Basílio, 2.º vice-presidente do TJ-RJ e autor da recomendação aos juízes. Como mostrou o Estadão, o reconhecimento, especialmente por fotos, está na mira do Judiciário.

No grupo de trabalho do CNJ, 43 pessoas contribuíram com as discussões durante praticamente um ano. Entre eles, juízes, promotores, membros das polícias Civil e Militar, juristas, representantes da sociedade civil e integrantes de projetos focados em combater a condenação de inocentes, como o Innocence Project e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). O resultado foi um relatório de 170 páginas.

O que muda com a aprovação da proposta?

O documento passa a imediatamente servir de parâmetro para juízes e outras instituições. Abaixo, estão as principais propostas do grupo de trabalho apresentadas no relatório final. A recomendação é de que sejam adotadas especialmente no primeiro reconhecimento, considerado por especialistas como o mais importante:

  • A descrição inicial do suspeito deve ser livre de interferências. Ou seja, sem que haja qualquer sugestão de características físicas
  • Os suspeitos a serem reconhecidas precisam atender a características físicas apresentadas na descrição inicial
  • No processo de reconhecimento, os suspeitos devem ser apresentados junto a outras pessoas de características físicas semelhantes
  • Os suspeitos devem ser perfilados e/ou apresentados em sequência a, no mínimo, 6 pessoas e, no máximo, 12
  • Não deve haver repetição das pessoas apresentadas. O grupo de trabalho afirma que a reexposição ao rosto leva à sua familiarização
  • O reconhecedor, que pode ser a vítima ou uma testemunha, não é obrigado a apontar alguém no grupo apresentado
  • O reconhecimento, preferencialmente, deve ser realizado no menor tempo possível desde a ocorrência
  • O profissional responsável pelo procedimento não deve ser o mesmo que conduziu a investigação
  • Em caso de receio do reconhecedor, a identificação deve ser feita por meio de um vidro espelhado
  • Sempre que possível, o procedimento deve ser registrado em áudio/vídeo, o que possibilita a análise posterior do material

Conforme o grupo de trabalho, as recomendações não se aplicam a potenciais autores de delitos que sejam conhecidos da vítima ou testemunha. O reconhecimento por fotografia, além disso, deve ser evitado. E, em casos em que é recorrido, devem ser adotados parâmetros equivalentes ao procedimento presencial, segundo a equipe. Eles acrescentam, por fim, que “tão importante quanto reconhecer culpados é não apontar para um inocente”.

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