O presidente Barack Obama escolheu a dedo o momento - a reunião do G-20, realizada em Pittsburgh, nos Estados Unidos - para acusar formalmente o Irã de construir uma instalação secreta de enriquecimento de urânio. O produto pode servir de combustível para a geração de eletricidade ou de matéria-prima para a bomba atômica, dependendo do grau de beneficiamento. A denúncia de Obama, no cenário de uma conferência de interesse mundial, representa a sua mais vigorosa cartada para pressionar o governo iraniano a desistir do seu programa nuclear e, mais ainda, para assegurar o apoio da Rússia e obter o da China à adoção de novas sanções contra Teerã. Na próxima quinta-feira devem começar as conversações entre o Irã e o chamado "sexteto", os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha. A meta é conseguir, até o fim do ano, a paralisação das atividades de enriquecimento de urânio como prova do alegado caráter pacífico do empreendimento nuclear iraniano. A provável recusa tornará o Irã alvo das sanções que os Estados Unidos já consideram inevitáveis. Signatário do Tratado de Não-Proliferação (TNP), o país tem o direito de produzir combustível nuclear, nos termos da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e sob sua fiscalização. Mas já três vezes os iranianos foram apanhados tentando ludibriar as inspeções. O caso mais notório foi o da planta clandestina de Natanz, descoberta em 2002. Agora, a revelação de que serviços de inteligência ocidentais identificaram outra instalação do gênero, escavada numa montanha próxima à cidade sagrada de Qom, a cerca de 150 quilômetros de Teerã, levou o Irã a admitir à AIEA que estava construindo ali uma "fábrica piloto" de enriquecimento de urânio, embora "nenhum material nuclear tenha sido introduzido no local". Fontes de Washington confirmaram que a planta ainda não está funcionando, estimando que poderia entrar em operação no próximo ano. Obama, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, combinaram exigir do governo iraniano que autorize a AIEA a realizar uma imediata vistoria da instalação. Na quinta-feira, eles participaram de um evento raro nas Nações Unidas. Pela quinta vez desde a sua criação, em 1945, o Conselho de Segurança se reuniu com a presença dos líderes dos seus 5 membros permanentes. A sessão, presidida pela primeira vez por um presidente americano, aprovou por unanimidade a proposta de resolução apresentada pelos Estados Unidos para limitar os arsenais nucleares e frear a sua proliferação. O texto não citou nominalmente o Irã e a Coreia do Norte, advertidos na véspera por Obama, no seu discurso ao plenário, de que "terão de prestar contas" se contribuírem para uma nova corrida nuclear. A resolução respalda futuras "sanções muito severas" contra países que usem ou permitam a terceiros usar tecnologia nuclear civil para fins militares. A China só assinou o documento por estar redigido em termos genéricos.Os movimentos de Obama em relação ao Irã, da oferta de diálogo no seu discurso de posse até o cancelamento do plano do escudo antimísseis no Leste Europeu - para receber da Rússia, em troca, o respaldo a novas sanções contra Teerã -, podem ser revistos à luz do conhecimento que ele tinha, antes ainda de chegar à Casa Branca, de mais esse clandestino projeto nuclear iraniano. Segundo o New York Times, Obama teria decidido torná-lo público quando soube que os iranianos haviam se certificado, há poucas semanas, de que a espionagem ocidental descobrira a existência da "fábrica piloto". Ela foi desenhada para abrigar 3 mil centrífugas, que servem para aumentar a proporção de material físsil por volume de óxido de urânio a ser beneficiado. A AIEA diz ter sido informada pelo Irã de que a nova unidade permitiria um nível de enriquecimento próprio apenas para a utilização do material como combustível em usinas geradoras de energia elétrica. Obama refutou a alegação. "O tamanho e o tipo da instalação são inconsistentes com os de uma planta para fins pacíficos", disse ele ontem. "O programa nuclear iraniano representa um desafio direto aos fundamentos básicos do regime de não-proliferação."