Com inédita autorização do Estado e aval do município, uma pendência histórica do patrimônio paulistano será finalmente solucionada: o monumento Heróis da Travessia do Atlântico, construído em 1929 na beira da Represa Guarapiranga, extremo sul da capital, e transferido em 1987 para área nobre dos Jardins, na zona oeste, agora vai voltar ao seu local de origem. Hoje instalado na Praça Nossa Senhora do Brasil, na Avenida Brasil, o monumento de 9 metros de altura atravessará a cidade de caminhão até o Parque da Barragem, às margens da represa, onde já há espaço reservado para a obra. O projeto de restauro e transporte da escultura foi aprovado em 31 de agosto pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo (Condephaat) e tem aval da Secretaria Municipal de Cultura, proprietária do monumento.A finalização do transplante e restauro, estimados em R$ 300 mil, está prevista para março de 2010. Para ser transportada, a obra será desmontada em 44 peças, que serão embaladas separadamente e seguirão até o Parque da Barragem. A escultura, de Ottone Zorlini, foi feita em homenagem aos aviadores italianos Francesco De Pinedo, Carlo Del Prete e Vitale Zachetti, que pousaram na Guarapiranga em 1927, vindos da Itália de hidroavião, e ao aviador brasileiro João de Barros, que fez trajeto inverso. As peças de granito, mármore e bronze estão em mau estado de conservação e serão restauradas.O Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), ligado à Secretaria Municipal da Cultura - órgão que mais criticou o prefeito Jânio Quadros na primeira transferência da obra, em 1987, afirmando não ter sido consultado -, desta vez apoia o retorno à Guarapiranga, por "restabelecer seu vínculo original". A transferência é reivindicação antiga dos moradores da região, que se organizam desde a década de 1990 para pedir a volta do monumento.OBRA FASCISTAA obra, construída a pedido da Sociedade Dante Alighieri, recebeu apoio, no mínimo, polêmico: o capitel de granito rosa que faz parte do monumento foi enviado pelo ditador Benito Mussolini, que tinha interesses estratégicos no Brasil. "Os italianos mudaram a rota na última hora, provavelmente pressionados por Mussolini", aponta estudo apresentado ao Condephaat. Dois "fascios" (feixes de lenha, que sustentam machados) de bronze nas laterais também ajudaram a apimentar a polêmica. Na época da primeira transferência, o passado controverso não foi esquecido: "Acaba hoje instalação do monumento fascista nos Jardins" e "Monumento ostenta símbolo fascista" foram títulos de reportagens na época da transferência da obra para os Jardins. A justificativa do prefeito Jânio Quadros era que a escultura estava "escondida" na zona sul.No parecer favorável do Condephaat, conselheiros apontaram que, nos Jardins, a obra fica "totalmente fora de contexto". "É uma questão de justiça. Se há estética fascista, sem problemas, o que vai ficar é a lembrança do fato histórico", avalia o subprefeito de Capela do Socorro, Valdir Ferreira. "As autorizações ajudarão a conseguir o que falta da verba com empresas." Parte dos recursos será destinada pela Secretaria Municipal de Cultura, segundo adiantou a pasta. A inauguração do Parque da Barragem está prevista para novembro e o monumento será instalado, posteriormente, numa rotatória à direita da entrada, a 500 metros do ponto original da obra.O bem-sucedido movimento pelo retorno da escultura foi retomado em fevereiro pela associação de moradores local, que encaminhou abaixo-assinado com 2 mil assinaturas para a subprefeitura. "Nos sentimos roubados. Tiraram o monumento dizendo que iriam restaurar, e não voltou mais", conta a presidente da associação, Neuza Meneghello. "É parte da história do bairro, onde até avenidas têm nome dos aviadores. Nada mais justo do que ficar aqui."