Nas ruas de Porto Príncipe, o menino Peterson, de 11 anos, repete a mesma frase para os estrangeiros que encontra pela frente: "Mwen grangou", que, na língua creole, a principal do Haiti, significa "estou com fome". Peterson perdeu o pai e a mãe no terremoto do dia 12 e passou a fazer parte da legião de órfãos haitianos. Ele perambula pela praça na frente do Palácio Nacional, onde centenas de pessoas acamparam depois do tremor que destruiu a cidade. Assim como a maioria dos haitianos, Peterson não tem sobrenome nem documentos. Sua história é mais uma entre os milhares de crianças haitianas desamparadas que vivem nas ruas de Porto Príncipe ou buscam refúgio em abrigos para carentes. É o caso da menina Desteamoni, de 9 anos. Na quinta-feira, ela passou o dia na fila de distribuição de alimentos, mas ficou sem nada. Sem pai nem mãe, Desteamoni vive com uma irmã. FALTA DE RECURSOSOntem, o Estado visitou um orfanato no bairro pobre de Croix-des-Brouquets. Numa casa velha, com um campo de futebol de chão batido e um balanço aos pedaços, vivem 81 crianças haitianas de seis meses a 18 anos. Na rua, uma rotina do Haiti: porcos e cachorros buscam restos no lixo misturado a fezes e urina que correm a céu aberto.Ligada a uma igreja do bairro, Nicole Drewdomé e seu marido, Daniel, recebem quem perde os pais ou é simplesmente abandonado por falta de recursos. "Nós mantemos isso na fé, porque falta comida, água potável e mantimentos", diz Nicole, que recebe pequeno apoio de uma comunidade dos EUA. Adoções, por enquanto, estão paradas, segundo ela. E, quando tem, a maioria dos órfãos segue para pais americanos.Ao perceber que a reportagem era brasileira, meninos pegam uma bola, soltam um sorriso e dizem ser jogadores brasileiros: "Káka", Ronaldinho, Ronaldo, Adriano, Júlio César, Robinho e Pato. Lembram também do argentino Messi e perfilam-se como um time.ADOÇÃOO governo haitiano tem dito que pretende criar dificuldades para a saída dos órfãos do país. A assinatura final de uma adoção é do próprio presidente do Haiti. A embaixatriz brasileira no país, Roseana Kipman, cuida de 15 casas que abrigam crianças. Ela diz que a falta de um banco de dados sobre elas prejudica a situação. "A maioria das crianças não tem documentos, nem nome registrado. Não há censo aqui", explica. Como a maioria dos interessados prefere bebês, quem passa dos 5 anos acaba ficando de lado. "Quem quer deveria adotar crianças crescidas", ressalta. As Nações Unidas não pretendem intermediar nenhum processo de adoção e orienta os interessados que procurem as autoridades haitianas. A embaixada brasileira diz a mesma coisa, mas informa que ajuda os brasileiros a agilizarem documentos necessários para a adoção.O embaixador brasileiro, Igor Kipman, disse ao Estado que é preciso viajar até o Haiti para iniciar o processo. "A embaixada dá todo o apoio, mas o interessado tem de vir até aqui e procurar as instituições", explica.Em dois anos, apenas um brasileiro teve sucesso. E ele mora nos EUA, revelou o embaixador. Um processo de adoção no Haiti não dura menos de dois anos. Uma ONG brasileira já o procurou para buscar informações sobre o assunto. Por enquanto, porém, não há nenhum projeto oficial para acelerar essa tramitação burocrática.