Pai sobre filho que atacou escolas em Aracruz: ‘Sem demonstrar qualquer emoção’; leia entrevista


Policial militar afirma ao Estadão que o adolescente de 16 anos almoçou com a família depois dos atentados nas escolas de Aracruz sem tocar no assunto; ele nega ter ensinado o filho a atirar

Por Vinícius Valfré
Atualização:

BRASÍLIA - O adolescente de 16 anos que atacou a tiros duas escolas no interior do Espírito Santo aprendeu a atirar assistindo a vídeos no YouTube. Depois de alvejar 16 pessoas – quatro morreram e outras 12 ficaram feridas –, ele voltou para casa, almoçou com os pais e ainda seguiu com eles para uma outra propriedade da família, sem tocar no assunto.

As informações são do pai do assassino, um policial militar do Espírito Santo que está sendo acusado nas redes sociais de ter preparado o filho para o atentado. Em entrevista ao Estadão, ele diz ser absurda a alegação e conta que montagens e acusações falsas estão rendendo ameaças de morte contra ele. Por segurança, deixou Aracruz, município de 100 mil habitantes do norte capixaba onde mora.

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O comportamento do atirador mudou drasticamente há cerca de dois anos. Segundo o PM, isso ocorreu depois de ter sofrido bullying em uma escola que frequentou até o 9º ano e que não era nenhuma das duas em que praticou o atentado. O adolescente faz tratamento psiquiátrico e é um menino socialmente recluso. Gosta de ver vídeos sobre armas e sobre a Segunda Guerra Mundial.

O policial pede perdão às famílias das vítimas e diz que o filho precisa ser punido pelo que fez. Ele também diz que não pretende evitar a punição que sofrerá por ter falhado no acautelamento da arma do Estado que mantinha em casa.

“Estão achando que eu sou um grande monstro que treinei meu filho, que dei minha arma para ele, que induzi ele a fazer isso. Estamos arrasados. Se eu pudesse, pediria perdão a cada parente dessas vítimas”, frisou.

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Os nomes do pai e do atirador, tratado aqui como X., não serão publicados na reportagem. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veda a identificação de autores de atos infracionais e de informações que possam identificá-los, como o nome de familiares.

Corpo de vítima de atirador é retirado de escola de Aracruz, norte do Espírito Santo. Foto: Kadija Fernandes/AFP

Confira a íntegra da entrevista:

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O senhor gostaria de falar algo para as famílias das pessoas que seu filho matou?

Meu mais profundo sentimento de pesar. Sei que a tragédia que ceifou várias vidas foi cometida por meu filho, um filho criado com todo amor e carinho. Mas não consigo entender o que o levou a cometer esse atentado. Se eu pudesse, pediria para cada família o perdão para meu filho, apesar de saber que diante de tamanha dor isso é algo impossível. Gostaria de poder pedir o perdão e dar minha explicação para cada parente das vítimas, mesmo que fosse em vão.

Como tem sido para o senhor desde o ataque?

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Tem a dor do acontecimento e a pressão da sociedade que está sendo inflamada com notícias falsas a meu respeito. Estão tomando isso como verdade. É a pior situação que está tendo no presente momento. Estão me ameaçando. Estão me julgando conforme o que estão lendo nas redes sociais sem nem me conhecer direito. Estão escrevendo coisas terríveis a meu respeito, disseminando mais ódio.

O que está sendo postado e que não é verdade a seu respeito?

Quase tudo não é verdade. Estão dizendo que eu fiz postagem nazista, apologia ao nazismo. Sim, eu postei uma foto no meu Instagram, há muito tempo atrás, de um livro que se chama Mein Kampf, que é uma autobiografia do Adolf Hitler, um livro vendido abertamente em livrarias. Não tem censura nenhuma contra o livro. O fato de você ler um livro desse faz você ser nazista? Eu fiz um comentário sobre leitura. Disse que ler causa a expansão da consciência. Estão dizendo que eu sou bolsonarista, que eu gosto que as pessoas andem armadas. Eu não sou bolsonarista nem lulista. Tenho dois projetos sociais aqui na minha cidade voltados para atendimento de psicoterapia totalmente gratuito.

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Por que teve o interesse de ler o livro do Hitler?

Eu sou um estudante, um pesquisador da mente humana. Tenho a minha formação em psicanálise. Conduzo esses projetos sociais e gosto muito de estar entendendo um pouco da mente de alguns grandes personagens da História do mundo. Eu tinha interesse em entender a mente do Hitler. Até comecei o livro, mas nem concluí. Parei para ler um outro que eu achei mais importante. Inclusive, não gostei do livro. Achei que ele ia falar mais das ideias dele, mas estava fazendo uma narrativa histórica de quando ele começou o movimento de revolta na Alemanha. Então eu achei até um livro bobo, idiota.

Como o senhor tomou conhecimento do que o seu filho fez?

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Eu e minha esposa estávamos na rua resolvendo algumas coisas. Nós tomamos conhecimento através de um grupo do WhatsApp da comunidade aqui. Sou o presidente da associação de moradores, pra você ver que não sou nazista como estão pintando aí nas redes sociais. Minha esposa estava por acaso verificando as mensagens no grupo. Ela viu uma postagem referente a um atentado, a uma violência que aconteceu. A gente ligou para o X. porque ficamos preocupados. Tínhamos deixado ele em casa e a gente estava no centro da cidade. Aí a gente ligou para ele avisando e perguntando se estavam trancados os portões. Falamos para deixar o cachorro solto no quintal porque a princípio tinha ocorrido um tiroteio. E era para ele ficar trancado dentro de casa e soltar o cachorro, não abrir as portas para ninguém.

Isso foi algum tempo depois dos ataques. Ele atendeu?

Sim, com toda a tranquilidade na voz. Sem demonstrar qualquer emoção.

E depois vocês seguiram para casa.

Chegamos em casa uns 30 minutos depois disso e nos deparamos com ele. Ele estava bem tranquilo, parecia que nada tinha acontecido. Eu perguntei se tinha aparecido alguém ali, se tinha visto alguma coisa de violência. Ele falou que não. A gente tinha que sair para ir a um lugar próximo, chamado Mar Azul, a uns 5 km de Coqueiral. Era mais ou menos 11 horas e falei: ‘Vamos almoçar logo para a gente ir lá, resolver o que temos que resolver e voltar para casa’. Nós almoçamos, eu, minha esposa e ele. Ele almoçou tranquilamente. Quando a gente chegou em Mar Azul, depois de uns cinco ou dez minutos, uma viatura da Polícia Militar chegou e conversou comigo. Falou que já tinha todas as suspeitas que seria o X. devido ao carro que ele utilizou. Era um outro carro meu, que eu tinha deixado na garagem. E quando eu cheguei em casa o carro estava na garagem, tudo certinho. Aí fui perguntar a ele, disse pra ele falar a verdade. Aí ele pegou e abriu o jogo.

Onde vocês estavam nessa hora em que a polícia chegou?

A gente estava num terreno que a gente tem em Mar Azul, onde criamos umas galinhas. De lá, voltamos a Coqueiral e ele mostrou todo o equipamento que ele usou. As armas eram minhas. Uma estava trancada, mas ele conseguiu abrir. A outra eu realmente não tinha levado porque eu tinha saído rápido e tinha escondido ela. Eu sempre tomava cuidado para esconder em lugares diferentes para justamente não ter esse problema porque ele é jovem, para não ter essa curiosidade de pegar em uma arma.

Ele demonstrava interesse nas suas armas?

Ele nunca demonstrou interesse nenhum nas minhas armas. Ele sempre gostou de ver armas e entendia muito de armas, com vídeos do YouTube. Gostava muito de ver vídeo no YouTube, gostava de ver vídeos de armas e de jogos. Se você me pedir uma prova eu não tenho como te dar, mas eu acredito e tenho forte intuição de que meu filho foi manipulado, foi induzido por bandidos, por pessoas realmente malignas, satânicas, que estão nas redes sociais pescando um jovem ou outro que tenha a mente um pouco fraca. Fisgam esses jovens, trabalham na mente deles e levam eles a cometer esse tipo de atitude. Eu acredito que foi manipulado por pessoas assim, mas eu não posso provar ainda. O celular dele já está com a polícia, o computador dele também.

Ele tem 16 anos. Como aprendeu a atirar?

Foi uma surpresa para mim. Nas redes sociais realmente estão falando que fui eu que ensinei ele a atirar. Teve uma declaração aqui do secretário de Segurança do Estado dizendo que ele atira bem, que tem uma técnica, algo assim. Aí as pessoas começam a fazer correlação. Se ele é treinado, o pai é policial militar, então o pai ensinou o filho. Essa lógica é sem sentido. Ele aprendeu a atirar – e ele falou isso para o delegado – com vídeo no YouTube. Hoje na internet o cara aprende tudo.

Ele falou isso no depoimento oficial?

Sim, ele falou isso, que foi vendo vídeo.

O senhor é psicanalista, não é? Dizia que tem interesse em estudar a mente humana. O que pode me dizer sobre o comportamento do X.? Havia alguma coisa que chamava a atenção ou te preocupava?

Sim, há uns dois anos, segundo ele, ele passou por uma situação de bullying na escola. Não foi nada provado, mas ele relatou isso. Foi antes da pandemia mais ou menos. Depois disso a gente percebeu sim uma transformação comportamental nele. A gente viu que ele ficou uma pessoa mais introvertida e ele era bastante extrovertido. Era muito risonho, conversador, e ele se fechou, a partir do final de 2019. Ele se isolou socialmente dos colegas. Devido a esse isolamento, começou a procurar interação nos jogos. A rede social que ele mais usava era o YouTube, com os vídeos. Ele gostava muito do tema da Segunda Guerra Mundial. Não sei como aflorou esse gosto nele. Era muito fissurado em História, em Sociologia, alguma coisa de Filosofia. Apesar da idade precoce, aflorou esse gosto nele.

Sobre o bullying, ele comentou o que foi exatamente?

Não, ele não comentou nem que tipo de bullying que foi. Se foi apelido, se foi outra coisa. Não comentou nada com a gente. Então a gente ficou sem saber ao certo. Apesar de toda mudança drástica comportamental, ele não abriu para a gente. A gente foi até a escola, comentou. Mas não levou o nome de ninguém. Ficou sem solução, vamos dizer assim, ninguém foi responsabilizado.

Esse episódio de bullying foi na Primo Bitti, a escola que ele atacou?

Não, era outra escola. Foi no nono ano. No Primo Bitti ele entrou nesse ano agora.

Ele fazia algum tratamento psiquiátrico ou acompanhamento psicológico?

Sim, há mais ou menos dois anos. Tinha psiquiatria, medicação e psicólogo.

Desde que ele mudou o comportamento.

Sim, ficamos preocupados. Procuramos psiquiatra, reforço com psicólogo, tudo certinho.

Segundo a Polícia Civil, ele estava com uma suástica na roupa durante os ataques. Sabe como ele conseguiu isso? Ele tinha outras referências ao nazismo?

Eu acompanhei tudo, da minha casa até a saída dele para a unidade em que ele foi apreendido. Não vi nos materiais nada referente a nazismo. Apenas o que ele usou no dia do atentado, uma suástica nazista que ele falou que desenhou e colou com fita crepe no braço.

Nas coisas dele não tinha nenhum outro item nesse sentido, que fazia referência?

Pelo que eu vi, não. A polícia recolheu bastante coisa, até coisas que eram objetos meus. Mas não tem problema. Eu quero contribuir o máximo possível para que a justiça seja feita. Eu não quero nenhum tipo de impunidade. Eu não quero que o meu filho fique impune não. Quero que a justiça seja feita. Não quero que seja feita vingança, quero que a justiça seja feita. Então eu contribuí completamente. Até com materiais que estavam deixando passar e eu achava importante eu falava: ‘Leva, esse computador é o que ele usa para jogar, pode tirar aquilo, leva, por favor, e procurem investigar’. Tenho tanta intuição que é uma quadrilha que tem pessoas malignas nas redes sociais que pegam jovens como meu filho e manipulam eles para tragédias como essa. Vai acontecer mais se a polícia não fizer um trabalho e descobrir quem são eles.

Sabe se ele tomou emprestado e leu o livro do Hitler que o senhor tinha?

Ele pegou para ler, mas também não gostou, assim como eu. O livro foi uma decepção, um desperdício de dinheiro. O X. começou a ler, vi ele com o livro algumas vezes. Mas o livro ficou abandonado lá. Essa foto que pegaram na internet é bem antiga (o post é de 18 de junho). No Instagram, as pessoas fizeram montagem da minha foto com o livro e escreveram um monte de coisas. Estão inflamando a sociedade contra mim. Eu sou o oposto de tudo o que estão falando de mim. Sou uma pessoa do bem, uma pessoa que toda vida defendeu a vida, defendeu a saúde das pessoas, que trabalha com bem-estar, com a minha psicoterapia nos projetos sociais gratuitos. Recebi muitas ameaças de pessoas estranhas. Jogaram meu número na internet. Mas a gente está na presença do Senhor e não cai fácil.

As quatro vítimas do atirador do Espírito Santo: três professoras e uma aluna de 12 anos. Foto: Reprodução/Facebook

Onde ele conseguiu a roupa camuflada? Ele a usava em alguma atividade?

Não, a roupa era dele, ele gosta desse tema de militarismo. Pelo fato de eu ser militar, de alguma forma aflorou isso nele. Eu nunca induzi. Ele quis uma roupa do Exército. O sonho dele é ir para o Exército. Ele falava que no período de alistamento ele ia se alistar no lugar em que as pessoas eram chamadas para servir, no 38.º Batalhão de Infantaria, porque em Aracruz são dispensadas. Ele quis a roupa e a gente comprou. O que ele pedia, por ser filho único, a gente fazia das tripas coração para atender. A roupa do Exército nós compramos. O coturno era meu, eu tinha sobrando e dei para ele. A gente ia pra roça em algum lugar e ele ia todo vestido, ficava andando no mato. Era um gosto dele. Eu não via nada de errado nisso.

Como foi a abordagem da polícia depois que descobriram onde ele estava?

Ele estava super tranquilo, não demonstrou suspeitas, não demonstrou nada. Antes de sair de casa, a gente almoçou. A gente achava que tinha ocorrido um assalto, algo assim. Fomos para Mar Azul. Lá logo chegou a viatura, os colegas conversaram comigo e explicaram a situação. Aí eu chamei o X. Eu perguntei se ele tinha feito aquilo. Ele disse que não, ‘vocês estão me acusando, eu não fiz nada não’. Nesse momento ele ficou meio exaltado. Era uma tranquilidade gelada. Mas aí depois ele admitiu. Não teve nenhuma tortura psicológica nem nada assim. Fomos conversando e ele falou que realmente tinha sido ele.

Ficou claro para o senhor o motivo de ele ter feito isso?

Não. Não me convenceu. Ele falou que foi por causa do bullying que ele sofreu dois anos atrás mais ou menos. Mas a gente que tem um pouco de experiência nessa área de segurança sabe muito bem que ele está mentindo. Ele tá querendo cobrir alguma outra coisa maior. Eu acredito que ele esteja querendo encobrir as pessoas que o manipularam. Eu ainda não consegui entender a motivação para ir na escola e fazer aquela brutalidade. O bullying não justificaria. O delegado ainda perguntou se ele tinha alguns amigos nisso. Ele falou que foi ele sozinho. Mas a gente não acredita.

Nessa hora da prisão, como foi a reação da sua esposa e como ela está agora?

Na hora ela teve um princípio de desmaio. Agora estamos pior ainda. Nós estamos vivendo escondido por causa desse monte de notícias falsas, dessa disseminação de ódio de forma totalmente criminosa. Saímos da cidade. Pegaram minhas fotos, fizeram montagens. A sociedade inteira está com ódio de mim. Estão achando que eu sou um grande monstro que treinei meu filho, que dei minha arma para ele, que induzi ele a fazer isso. Estamos arrasados. Se eu pudesse pediria perdão a cada parente dessas vítimas.

Ele usou uma arma do Estado, sob sua cautela, para matar pessoas. O senhor pode vir a responder por isso.

Eu já tenho noção que vou responder por omissão de cautela, que é o crime quando você se omite dos cuidados da arma sob sua cautela e alguém utiliza de forma indevida. Foi o que aconteceu com a arma da corporação que estava comigo. Eu sei que vou responder, mas é como te falei: não quero nenhum tipo de impunidade. Foi um erro meu, que eu responda. Não quero livrar nem minha cara não. Vou ser punido, sim. Não vou ficar inventando defesa mirabolante com advogado não. Assim como quero que meu filho seja punido dentro dos rigores da lei.

Quando o senhor voltou para casa e o seu filho lá estava tranquilo, as armas estavam nos locais que o senhor as deixou?

Não sei te dar essa informação. Quando nós chegamos para recolher o material, quem entrou na casa foram os policiais que estavam a serviço lá na operação. Entraram com ele. Eu fiquei um pouco mais atrás. Foi entrando bastante policial e eu fiquei um pouco atrás. Então eu não sei exatamente onde foram colocadas essas armas.

O senhor usava cofre ou algo assim para guardá-las?

Usava um cadeado no revólver. O revólver era minha arma particular. Eu abria o tambor e travava com um cadeado, aí a arma ficava inoperante. De alguma forma ele descobriu onde estava a chave e abriu. A outra arma não estava no cadeado, era a arma da polícia. Estava escondida. Eu sempre coloco em locais diferentes, mas ele descobriu. Eu tinha sempre o cuidado quando chegava em casa de nem mostrar minha arma. Eu entrava no quarto e lá dentro eu tirava do coldre e escondia. Ele nunca demonstrou interesse pelas minhas armas.

BRASÍLIA - O adolescente de 16 anos que atacou a tiros duas escolas no interior do Espírito Santo aprendeu a atirar assistindo a vídeos no YouTube. Depois de alvejar 16 pessoas – quatro morreram e outras 12 ficaram feridas –, ele voltou para casa, almoçou com os pais e ainda seguiu com eles para uma outra propriedade da família, sem tocar no assunto.

As informações são do pai do assassino, um policial militar do Espírito Santo que está sendo acusado nas redes sociais de ter preparado o filho para o atentado. Em entrevista ao Estadão, ele diz ser absurda a alegação e conta que montagens e acusações falsas estão rendendo ameaças de morte contra ele. Por segurança, deixou Aracruz, município de 100 mil habitantes do norte capixaba onde mora.

O comportamento do atirador mudou drasticamente há cerca de dois anos. Segundo o PM, isso ocorreu depois de ter sofrido bullying em uma escola que frequentou até o 9º ano e que não era nenhuma das duas em que praticou o atentado. O adolescente faz tratamento psiquiátrico e é um menino socialmente recluso. Gosta de ver vídeos sobre armas e sobre a Segunda Guerra Mundial.

O policial pede perdão às famílias das vítimas e diz que o filho precisa ser punido pelo que fez. Ele também diz que não pretende evitar a punição que sofrerá por ter falhado no acautelamento da arma do Estado que mantinha em casa.

“Estão achando que eu sou um grande monstro que treinei meu filho, que dei minha arma para ele, que induzi ele a fazer isso. Estamos arrasados. Se eu pudesse, pediria perdão a cada parente dessas vítimas”, frisou.

Os nomes do pai e do atirador, tratado aqui como X., não serão publicados na reportagem. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veda a identificação de autores de atos infracionais e de informações que possam identificá-los, como o nome de familiares.

Corpo de vítima de atirador é retirado de escola de Aracruz, norte do Espírito Santo. Foto: Kadija Fernandes/AFP

Confira a íntegra da entrevista:

O senhor gostaria de falar algo para as famílias das pessoas que seu filho matou?

Meu mais profundo sentimento de pesar. Sei que a tragédia que ceifou várias vidas foi cometida por meu filho, um filho criado com todo amor e carinho. Mas não consigo entender o que o levou a cometer esse atentado. Se eu pudesse, pediria para cada família o perdão para meu filho, apesar de saber que diante de tamanha dor isso é algo impossível. Gostaria de poder pedir o perdão e dar minha explicação para cada parente das vítimas, mesmo que fosse em vão.

Como tem sido para o senhor desde o ataque?

Tem a dor do acontecimento e a pressão da sociedade que está sendo inflamada com notícias falsas a meu respeito. Estão tomando isso como verdade. É a pior situação que está tendo no presente momento. Estão me ameaçando. Estão me julgando conforme o que estão lendo nas redes sociais sem nem me conhecer direito. Estão escrevendo coisas terríveis a meu respeito, disseminando mais ódio.

O que está sendo postado e que não é verdade a seu respeito?

Quase tudo não é verdade. Estão dizendo que eu fiz postagem nazista, apologia ao nazismo. Sim, eu postei uma foto no meu Instagram, há muito tempo atrás, de um livro que se chama Mein Kampf, que é uma autobiografia do Adolf Hitler, um livro vendido abertamente em livrarias. Não tem censura nenhuma contra o livro. O fato de você ler um livro desse faz você ser nazista? Eu fiz um comentário sobre leitura. Disse que ler causa a expansão da consciência. Estão dizendo que eu sou bolsonarista, que eu gosto que as pessoas andem armadas. Eu não sou bolsonarista nem lulista. Tenho dois projetos sociais aqui na minha cidade voltados para atendimento de psicoterapia totalmente gratuito.

Por que teve o interesse de ler o livro do Hitler?

Eu sou um estudante, um pesquisador da mente humana. Tenho a minha formação em psicanálise. Conduzo esses projetos sociais e gosto muito de estar entendendo um pouco da mente de alguns grandes personagens da História do mundo. Eu tinha interesse em entender a mente do Hitler. Até comecei o livro, mas nem concluí. Parei para ler um outro que eu achei mais importante. Inclusive, não gostei do livro. Achei que ele ia falar mais das ideias dele, mas estava fazendo uma narrativa histórica de quando ele começou o movimento de revolta na Alemanha. Então eu achei até um livro bobo, idiota.

Como o senhor tomou conhecimento do que o seu filho fez?

Eu e minha esposa estávamos na rua resolvendo algumas coisas. Nós tomamos conhecimento através de um grupo do WhatsApp da comunidade aqui. Sou o presidente da associação de moradores, pra você ver que não sou nazista como estão pintando aí nas redes sociais. Minha esposa estava por acaso verificando as mensagens no grupo. Ela viu uma postagem referente a um atentado, a uma violência que aconteceu. A gente ligou para o X. porque ficamos preocupados. Tínhamos deixado ele em casa e a gente estava no centro da cidade. Aí a gente ligou para ele avisando e perguntando se estavam trancados os portões. Falamos para deixar o cachorro solto no quintal porque a princípio tinha ocorrido um tiroteio. E era para ele ficar trancado dentro de casa e soltar o cachorro, não abrir as portas para ninguém.

Isso foi algum tempo depois dos ataques. Ele atendeu?

Sim, com toda a tranquilidade na voz. Sem demonstrar qualquer emoção.

E depois vocês seguiram para casa.

Chegamos em casa uns 30 minutos depois disso e nos deparamos com ele. Ele estava bem tranquilo, parecia que nada tinha acontecido. Eu perguntei se tinha aparecido alguém ali, se tinha visto alguma coisa de violência. Ele falou que não. A gente tinha que sair para ir a um lugar próximo, chamado Mar Azul, a uns 5 km de Coqueiral. Era mais ou menos 11 horas e falei: ‘Vamos almoçar logo para a gente ir lá, resolver o que temos que resolver e voltar para casa’. Nós almoçamos, eu, minha esposa e ele. Ele almoçou tranquilamente. Quando a gente chegou em Mar Azul, depois de uns cinco ou dez minutos, uma viatura da Polícia Militar chegou e conversou comigo. Falou que já tinha todas as suspeitas que seria o X. devido ao carro que ele utilizou. Era um outro carro meu, que eu tinha deixado na garagem. E quando eu cheguei em casa o carro estava na garagem, tudo certinho. Aí fui perguntar a ele, disse pra ele falar a verdade. Aí ele pegou e abriu o jogo.

Onde vocês estavam nessa hora em que a polícia chegou?

A gente estava num terreno que a gente tem em Mar Azul, onde criamos umas galinhas. De lá, voltamos a Coqueiral e ele mostrou todo o equipamento que ele usou. As armas eram minhas. Uma estava trancada, mas ele conseguiu abrir. A outra eu realmente não tinha levado porque eu tinha saído rápido e tinha escondido ela. Eu sempre tomava cuidado para esconder em lugares diferentes para justamente não ter esse problema porque ele é jovem, para não ter essa curiosidade de pegar em uma arma.

Ele demonstrava interesse nas suas armas?

Ele nunca demonstrou interesse nenhum nas minhas armas. Ele sempre gostou de ver armas e entendia muito de armas, com vídeos do YouTube. Gostava muito de ver vídeo no YouTube, gostava de ver vídeos de armas e de jogos. Se você me pedir uma prova eu não tenho como te dar, mas eu acredito e tenho forte intuição de que meu filho foi manipulado, foi induzido por bandidos, por pessoas realmente malignas, satânicas, que estão nas redes sociais pescando um jovem ou outro que tenha a mente um pouco fraca. Fisgam esses jovens, trabalham na mente deles e levam eles a cometer esse tipo de atitude. Eu acredito que foi manipulado por pessoas assim, mas eu não posso provar ainda. O celular dele já está com a polícia, o computador dele também.

Ele tem 16 anos. Como aprendeu a atirar?

Foi uma surpresa para mim. Nas redes sociais realmente estão falando que fui eu que ensinei ele a atirar. Teve uma declaração aqui do secretário de Segurança do Estado dizendo que ele atira bem, que tem uma técnica, algo assim. Aí as pessoas começam a fazer correlação. Se ele é treinado, o pai é policial militar, então o pai ensinou o filho. Essa lógica é sem sentido. Ele aprendeu a atirar – e ele falou isso para o delegado – com vídeo no YouTube. Hoje na internet o cara aprende tudo.

Ele falou isso no depoimento oficial?

Sim, ele falou isso, que foi vendo vídeo.

O senhor é psicanalista, não é? Dizia que tem interesse em estudar a mente humana. O que pode me dizer sobre o comportamento do X.? Havia alguma coisa que chamava a atenção ou te preocupava?

Sim, há uns dois anos, segundo ele, ele passou por uma situação de bullying na escola. Não foi nada provado, mas ele relatou isso. Foi antes da pandemia mais ou menos. Depois disso a gente percebeu sim uma transformação comportamental nele. A gente viu que ele ficou uma pessoa mais introvertida e ele era bastante extrovertido. Era muito risonho, conversador, e ele se fechou, a partir do final de 2019. Ele se isolou socialmente dos colegas. Devido a esse isolamento, começou a procurar interação nos jogos. A rede social que ele mais usava era o YouTube, com os vídeos. Ele gostava muito do tema da Segunda Guerra Mundial. Não sei como aflorou esse gosto nele. Era muito fissurado em História, em Sociologia, alguma coisa de Filosofia. Apesar da idade precoce, aflorou esse gosto nele.

Sobre o bullying, ele comentou o que foi exatamente?

Não, ele não comentou nem que tipo de bullying que foi. Se foi apelido, se foi outra coisa. Não comentou nada com a gente. Então a gente ficou sem saber ao certo. Apesar de toda mudança drástica comportamental, ele não abriu para a gente. A gente foi até a escola, comentou. Mas não levou o nome de ninguém. Ficou sem solução, vamos dizer assim, ninguém foi responsabilizado.

Esse episódio de bullying foi na Primo Bitti, a escola que ele atacou?

Não, era outra escola. Foi no nono ano. No Primo Bitti ele entrou nesse ano agora.

Ele fazia algum tratamento psiquiátrico ou acompanhamento psicológico?

Sim, há mais ou menos dois anos. Tinha psiquiatria, medicação e psicólogo.

Desde que ele mudou o comportamento.

Sim, ficamos preocupados. Procuramos psiquiatra, reforço com psicólogo, tudo certinho.

Segundo a Polícia Civil, ele estava com uma suástica na roupa durante os ataques. Sabe como ele conseguiu isso? Ele tinha outras referências ao nazismo?

Eu acompanhei tudo, da minha casa até a saída dele para a unidade em que ele foi apreendido. Não vi nos materiais nada referente a nazismo. Apenas o que ele usou no dia do atentado, uma suástica nazista que ele falou que desenhou e colou com fita crepe no braço.

Nas coisas dele não tinha nenhum outro item nesse sentido, que fazia referência?

Pelo que eu vi, não. A polícia recolheu bastante coisa, até coisas que eram objetos meus. Mas não tem problema. Eu quero contribuir o máximo possível para que a justiça seja feita. Eu não quero nenhum tipo de impunidade. Eu não quero que o meu filho fique impune não. Quero que a justiça seja feita. Não quero que seja feita vingança, quero que a justiça seja feita. Então eu contribuí completamente. Até com materiais que estavam deixando passar e eu achava importante eu falava: ‘Leva, esse computador é o que ele usa para jogar, pode tirar aquilo, leva, por favor, e procurem investigar’. Tenho tanta intuição que é uma quadrilha que tem pessoas malignas nas redes sociais que pegam jovens como meu filho e manipulam eles para tragédias como essa. Vai acontecer mais se a polícia não fizer um trabalho e descobrir quem são eles.

Sabe se ele tomou emprestado e leu o livro do Hitler que o senhor tinha?

Ele pegou para ler, mas também não gostou, assim como eu. O livro foi uma decepção, um desperdício de dinheiro. O X. começou a ler, vi ele com o livro algumas vezes. Mas o livro ficou abandonado lá. Essa foto que pegaram na internet é bem antiga (o post é de 18 de junho). No Instagram, as pessoas fizeram montagem da minha foto com o livro e escreveram um monte de coisas. Estão inflamando a sociedade contra mim. Eu sou o oposto de tudo o que estão falando de mim. Sou uma pessoa do bem, uma pessoa que toda vida defendeu a vida, defendeu a saúde das pessoas, que trabalha com bem-estar, com a minha psicoterapia nos projetos sociais gratuitos. Recebi muitas ameaças de pessoas estranhas. Jogaram meu número na internet. Mas a gente está na presença do Senhor e não cai fácil.

As quatro vítimas do atirador do Espírito Santo: três professoras e uma aluna de 12 anos. Foto: Reprodução/Facebook

Onde ele conseguiu a roupa camuflada? Ele a usava em alguma atividade?

Não, a roupa era dele, ele gosta desse tema de militarismo. Pelo fato de eu ser militar, de alguma forma aflorou isso nele. Eu nunca induzi. Ele quis uma roupa do Exército. O sonho dele é ir para o Exército. Ele falava que no período de alistamento ele ia se alistar no lugar em que as pessoas eram chamadas para servir, no 38.º Batalhão de Infantaria, porque em Aracruz são dispensadas. Ele quis a roupa e a gente comprou. O que ele pedia, por ser filho único, a gente fazia das tripas coração para atender. A roupa do Exército nós compramos. O coturno era meu, eu tinha sobrando e dei para ele. A gente ia pra roça em algum lugar e ele ia todo vestido, ficava andando no mato. Era um gosto dele. Eu não via nada de errado nisso.

Como foi a abordagem da polícia depois que descobriram onde ele estava?

Ele estava super tranquilo, não demonstrou suspeitas, não demonstrou nada. Antes de sair de casa, a gente almoçou. A gente achava que tinha ocorrido um assalto, algo assim. Fomos para Mar Azul. Lá logo chegou a viatura, os colegas conversaram comigo e explicaram a situação. Aí eu chamei o X. Eu perguntei se ele tinha feito aquilo. Ele disse que não, ‘vocês estão me acusando, eu não fiz nada não’. Nesse momento ele ficou meio exaltado. Era uma tranquilidade gelada. Mas aí depois ele admitiu. Não teve nenhuma tortura psicológica nem nada assim. Fomos conversando e ele falou que realmente tinha sido ele.

Ficou claro para o senhor o motivo de ele ter feito isso?

Não. Não me convenceu. Ele falou que foi por causa do bullying que ele sofreu dois anos atrás mais ou menos. Mas a gente que tem um pouco de experiência nessa área de segurança sabe muito bem que ele está mentindo. Ele tá querendo cobrir alguma outra coisa maior. Eu acredito que ele esteja querendo encobrir as pessoas que o manipularam. Eu ainda não consegui entender a motivação para ir na escola e fazer aquela brutalidade. O bullying não justificaria. O delegado ainda perguntou se ele tinha alguns amigos nisso. Ele falou que foi ele sozinho. Mas a gente não acredita.

Nessa hora da prisão, como foi a reação da sua esposa e como ela está agora?

Na hora ela teve um princípio de desmaio. Agora estamos pior ainda. Nós estamos vivendo escondido por causa desse monte de notícias falsas, dessa disseminação de ódio de forma totalmente criminosa. Saímos da cidade. Pegaram minhas fotos, fizeram montagens. A sociedade inteira está com ódio de mim. Estão achando que eu sou um grande monstro que treinei meu filho, que dei minha arma para ele, que induzi ele a fazer isso. Estamos arrasados. Se eu pudesse pediria perdão a cada parente dessas vítimas.

Ele usou uma arma do Estado, sob sua cautela, para matar pessoas. O senhor pode vir a responder por isso.

Eu já tenho noção que vou responder por omissão de cautela, que é o crime quando você se omite dos cuidados da arma sob sua cautela e alguém utiliza de forma indevida. Foi o que aconteceu com a arma da corporação que estava comigo. Eu sei que vou responder, mas é como te falei: não quero nenhum tipo de impunidade. Foi um erro meu, que eu responda. Não quero livrar nem minha cara não. Vou ser punido, sim. Não vou ficar inventando defesa mirabolante com advogado não. Assim como quero que meu filho seja punido dentro dos rigores da lei.

Quando o senhor voltou para casa e o seu filho lá estava tranquilo, as armas estavam nos locais que o senhor as deixou?

Não sei te dar essa informação. Quando nós chegamos para recolher o material, quem entrou na casa foram os policiais que estavam a serviço lá na operação. Entraram com ele. Eu fiquei um pouco mais atrás. Foi entrando bastante policial e eu fiquei um pouco atrás. Então eu não sei exatamente onde foram colocadas essas armas.

O senhor usava cofre ou algo assim para guardá-las?

Usava um cadeado no revólver. O revólver era minha arma particular. Eu abria o tambor e travava com um cadeado, aí a arma ficava inoperante. De alguma forma ele descobriu onde estava a chave e abriu. A outra arma não estava no cadeado, era a arma da polícia. Estava escondida. Eu sempre coloco em locais diferentes, mas ele descobriu. Eu tinha sempre o cuidado quando chegava em casa de nem mostrar minha arma. Eu entrava no quarto e lá dentro eu tirava do coldre e escondia. Ele nunca demonstrou interesse pelas minhas armas.

BRASÍLIA - O adolescente de 16 anos que atacou a tiros duas escolas no interior do Espírito Santo aprendeu a atirar assistindo a vídeos no YouTube. Depois de alvejar 16 pessoas – quatro morreram e outras 12 ficaram feridas –, ele voltou para casa, almoçou com os pais e ainda seguiu com eles para uma outra propriedade da família, sem tocar no assunto.

As informações são do pai do assassino, um policial militar do Espírito Santo que está sendo acusado nas redes sociais de ter preparado o filho para o atentado. Em entrevista ao Estadão, ele diz ser absurda a alegação e conta que montagens e acusações falsas estão rendendo ameaças de morte contra ele. Por segurança, deixou Aracruz, município de 100 mil habitantes do norte capixaba onde mora.

O comportamento do atirador mudou drasticamente há cerca de dois anos. Segundo o PM, isso ocorreu depois de ter sofrido bullying em uma escola que frequentou até o 9º ano e que não era nenhuma das duas em que praticou o atentado. O adolescente faz tratamento psiquiátrico e é um menino socialmente recluso. Gosta de ver vídeos sobre armas e sobre a Segunda Guerra Mundial.

O policial pede perdão às famílias das vítimas e diz que o filho precisa ser punido pelo que fez. Ele também diz que não pretende evitar a punição que sofrerá por ter falhado no acautelamento da arma do Estado que mantinha em casa.

“Estão achando que eu sou um grande monstro que treinei meu filho, que dei minha arma para ele, que induzi ele a fazer isso. Estamos arrasados. Se eu pudesse, pediria perdão a cada parente dessas vítimas”, frisou.

Os nomes do pai e do atirador, tratado aqui como X., não serão publicados na reportagem. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veda a identificação de autores de atos infracionais e de informações que possam identificá-los, como o nome de familiares.

Corpo de vítima de atirador é retirado de escola de Aracruz, norte do Espírito Santo. Foto: Kadija Fernandes/AFP

Confira a íntegra da entrevista:

O senhor gostaria de falar algo para as famílias das pessoas que seu filho matou?

Meu mais profundo sentimento de pesar. Sei que a tragédia que ceifou várias vidas foi cometida por meu filho, um filho criado com todo amor e carinho. Mas não consigo entender o que o levou a cometer esse atentado. Se eu pudesse, pediria para cada família o perdão para meu filho, apesar de saber que diante de tamanha dor isso é algo impossível. Gostaria de poder pedir o perdão e dar minha explicação para cada parente das vítimas, mesmo que fosse em vão.

Como tem sido para o senhor desde o ataque?

Tem a dor do acontecimento e a pressão da sociedade que está sendo inflamada com notícias falsas a meu respeito. Estão tomando isso como verdade. É a pior situação que está tendo no presente momento. Estão me ameaçando. Estão me julgando conforme o que estão lendo nas redes sociais sem nem me conhecer direito. Estão escrevendo coisas terríveis a meu respeito, disseminando mais ódio.

O que está sendo postado e que não é verdade a seu respeito?

Quase tudo não é verdade. Estão dizendo que eu fiz postagem nazista, apologia ao nazismo. Sim, eu postei uma foto no meu Instagram, há muito tempo atrás, de um livro que se chama Mein Kampf, que é uma autobiografia do Adolf Hitler, um livro vendido abertamente em livrarias. Não tem censura nenhuma contra o livro. O fato de você ler um livro desse faz você ser nazista? Eu fiz um comentário sobre leitura. Disse que ler causa a expansão da consciência. Estão dizendo que eu sou bolsonarista, que eu gosto que as pessoas andem armadas. Eu não sou bolsonarista nem lulista. Tenho dois projetos sociais aqui na minha cidade voltados para atendimento de psicoterapia totalmente gratuito.

Por que teve o interesse de ler o livro do Hitler?

Eu sou um estudante, um pesquisador da mente humana. Tenho a minha formação em psicanálise. Conduzo esses projetos sociais e gosto muito de estar entendendo um pouco da mente de alguns grandes personagens da História do mundo. Eu tinha interesse em entender a mente do Hitler. Até comecei o livro, mas nem concluí. Parei para ler um outro que eu achei mais importante. Inclusive, não gostei do livro. Achei que ele ia falar mais das ideias dele, mas estava fazendo uma narrativa histórica de quando ele começou o movimento de revolta na Alemanha. Então eu achei até um livro bobo, idiota.

Como o senhor tomou conhecimento do que o seu filho fez?

Eu e minha esposa estávamos na rua resolvendo algumas coisas. Nós tomamos conhecimento através de um grupo do WhatsApp da comunidade aqui. Sou o presidente da associação de moradores, pra você ver que não sou nazista como estão pintando aí nas redes sociais. Minha esposa estava por acaso verificando as mensagens no grupo. Ela viu uma postagem referente a um atentado, a uma violência que aconteceu. A gente ligou para o X. porque ficamos preocupados. Tínhamos deixado ele em casa e a gente estava no centro da cidade. Aí a gente ligou para ele avisando e perguntando se estavam trancados os portões. Falamos para deixar o cachorro solto no quintal porque a princípio tinha ocorrido um tiroteio. E era para ele ficar trancado dentro de casa e soltar o cachorro, não abrir as portas para ninguém.

Isso foi algum tempo depois dos ataques. Ele atendeu?

Sim, com toda a tranquilidade na voz. Sem demonstrar qualquer emoção.

E depois vocês seguiram para casa.

Chegamos em casa uns 30 minutos depois disso e nos deparamos com ele. Ele estava bem tranquilo, parecia que nada tinha acontecido. Eu perguntei se tinha aparecido alguém ali, se tinha visto alguma coisa de violência. Ele falou que não. A gente tinha que sair para ir a um lugar próximo, chamado Mar Azul, a uns 5 km de Coqueiral. Era mais ou menos 11 horas e falei: ‘Vamos almoçar logo para a gente ir lá, resolver o que temos que resolver e voltar para casa’. Nós almoçamos, eu, minha esposa e ele. Ele almoçou tranquilamente. Quando a gente chegou em Mar Azul, depois de uns cinco ou dez minutos, uma viatura da Polícia Militar chegou e conversou comigo. Falou que já tinha todas as suspeitas que seria o X. devido ao carro que ele utilizou. Era um outro carro meu, que eu tinha deixado na garagem. E quando eu cheguei em casa o carro estava na garagem, tudo certinho. Aí fui perguntar a ele, disse pra ele falar a verdade. Aí ele pegou e abriu o jogo.

Onde vocês estavam nessa hora em que a polícia chegou?

A gente estava num terreno que a gente tem em Mar Azul, onde criamos umas galinhas. De lá, voltamos a Coqueiral e ele mostrou todo o equipamento que ele usou. As armas eram minhas. Uma estava trancada, mas ele conseguiu abrir. A outra eu realmente não tinha levado porque eu tinha saído rápido e tinha escondido ela. Eu sempre tomava cuidado para esconder em lugares diferentes para justamente não ter esse problema porque ele é jovem, para não ter essa curiosidade de pegar em uma arma.

Ele demonstrava interesse nas suas armas?

Ele nunca demonstrou interesse nenhum nas minhas armas. Ele sempre gostou de ver armas e entendia muito de armas, com vídeos do YouTube. Gostava muito de ver vídeo no YouTube, gostava de ver vídeos de armas e de jogos. Se você me pedir uma prova eu não tenho como te dar, mas eu acredito e tenho forte intuição de que meu filho foi manipulado, foi induzido por bandidos, por pessoas realmente malignas, satânicas, que estão nas redes sociais pescando um jovem ou outro que tenha a mente um pouco fraca. Fisgam esses jovens, trabalham na mente deles e levam eles a cometer esse tipo de atitude. Eu acredito que foi manipulado por pessoas assim, mas eu não posso provar ainda. O celular dele já está com a polícia, o computador dele também.

Ele tem 16 anos. Como aprendeu a atirar?

Foi uma surpresa para mim. Nas redes sociais realmente estão falando que fui eu que ensinei ele a atirar. Teve uma declaração aqui do secretário de Segurança do Estado dizendo que ele atira bem, que tem uma técnica, algo assim. Aí as pessoas começam a fazer correlação. Se ele é treinado, o pai é policial militar, então o pai ensinou o filho. Essa lógica é sem sentido. Ele aprendeu a atirar – e ele falou isso para o delegado – com vídeo no YouTube. Hoje na internet o cara aprende tudo.

Ele falou isso no depoimento oficial?

Sim, ele falou isso, que foi vendo vídeo.

O senhor é psicanalista, não é? Dizia que tem interesse em estudar a mente humana. O que pode me dizer sobre o comportamento do X.? Havia alguma coisa que chamava a atenção ou te preocupava?

Sim, há uns dois anos, segundo ele, ele passou por uma situação de bullying na escola. Não foi nada provado, mas ele relatou isso. Foi antes da pandemia mais ou menos. Depois disso a gente percebeu sim uma transformação comportamental nele. A gente viu que ele ficou uma pessoa mais introvertida e ele era bastante extrovertido. Era muito risonho, conversador, e ele se fechou, a partir do final de 2019. Ele se isolou socialmente dos colegas. Devido a esse isolamento, começou a procurar interação nos jogos. A rede social que ele mais usava era o YouTube, com os vídeos. Ele gostava muito do tema da Segunda Guerra Mundial. Não sei como aflorou esse gosto nele. Era muito fissurado em História, em Sociologia, alguma coisa de Filosofia. Apesar da idade precoce, aflorou esse gosto nele.

Sobre o bullying, ele comentou o que foi exatamente?

Não, ele não comentou nem que tipo de bullying que foi. Se foi apelido, se foi outra coisa. Não comentou nada com a gente. Então a gente ficou sem saber ao certo. Apesar de toda mudança drástica comportamental, ele não abriu para a gente. A gente foi até a escola, comentou. Mas não levou o nome de ninguém. Ficou sem solução, vamos dizer assim, ninguém foi responsabilizado.

Esse episódio de bullying foi na Primo Bitti, a escola que ele atacou?

Não, era outra escola. Foi no nono ano. No Primo Bitti ele entrou nesse ano agora.

Ele fazia algum tratamento psiquiátrico ou acompanhamento psicológico?

Sim, há mais ou menos dois anos. Tinha psiquiatria, medicação e psicólogo.

Desde que ele mudou o comportamento.

Sim, ficamos preocupados. Procuramos psiquiatra, reforço com psicólogo, tudo certinho.

Segundo a Polícia Civil, ele estava com uma suástica na roupa durante os ataques. Sabe como ele conseguiu isso? Ele tinha outras referências ao nazismo?

Eu acompanhei tudo, da minha casa até a saída dele para a unidade em que ele foi apreendido. Não vi nos materiais nada referente a nazismo. Apenas o que ele usou no dia do atentado, uma suástica nazista que ele falou que desenhou e colou com fita crepe no braço.

Nas coisas dele não tinha nenhum outro item nesse sentido, que fazia referência?

Pelo que eu vi, não. A polícia recolheu bastante coisa, até coisas que eram objetos meus. Mas não tem problema. Eu quero contribuir o máximo possível para que a justiça seja feita. Eu não quero nenhum tipo de impunidade. Eu não quero que o meu filho fique impune não. Quero que a justiça seja feita. Não quero que seja feita vingança, quero que a justiça seja feita. Então eu contribuí completamente. Até com materiais que estavam deixando passar e eu achava importante eu falava: ‘Leva, esse computador é o que ele usa para jogar, pode tirar aquilo, leva, por favor, e procurem investigar’. Tenho tanta intuição que é uma quadrilha que tem pessoas malignas nas redes sociais que pegam jovens como meu filho e manipulam eles para tragédias como essa. Vai acontecer mais se a polícia não fizer um trabalho e descobrir quem são eles.

Sabe se ele tomou emprestado e leu o livro do Hitler que o senhor tinha?

Ele pegou para ler, mas também não gostou, assim como eu. O livro foi uma decepção, um desperdício de dinheiro. O X. começou a ler, vi ele com o livro algumas vezes. Mas o livro ficou abandonado lá. Essa foto que pegaram na internet é bem antiga (o post é de 18 de junho). No Instagram, as pessoas fizeram montagem da minha foto com o livro e escreveram um monte de coisas. Estão inflamando a sociedade contra mim. Eu sou o oposto de tudo o que estão falando de mim. Sou uma pessoa do bem, uma pessoa que toda vida defendeu a vida, defendeu a saúde das pessoas, que trabalha com bem-estar, com a minha psicoterapia nos projetos sociais gratuitos. Recebi muitas ameaças de pessoas estranhas. Jogaram meu número na internet. Mas a gente está na presença do Senhor e não cai fácil.

As quatro vítimas do atirador do Espírito Santo: três professoras e uma aluna de 12 anos. Foto: Reprodução/Facebook

Onde ele conseguiu a roupa camuflada? Ele a usava em alguma atividade?

Não, a roupa era dele, ele gosta desse tema de militarismo. Pelo fato de eu ser militar, de alguma forma aflorou isso nele. Eu nunca induzi. Ele quis uma roupa do Exército. O sonho dele é ir para o Exército. Ele falava que no período de alistamento ele ia se alistar no lugar em que as pessoas eram chamadas para servir, no 38.º Batalhão de Infantaria, porque em Aracruz são dispensadas. Ele quis a roupa e a gente comprou. O que ele pedia, por ser filho único, a gente fazia das tripas coração para atender. A roupa do Exército nós compramos. O coturno era meu, eu tinha sobrando e dei para ele. A gente ia pra roça em algum lugar e ele ia todo vestido, ficava andando no mato. Era um gosto dele. Eu não via nada de errado nisso.

Como foi a abordagem da polícia depois que descobriram onde ele estava?

Ele estava super tranquilo, não demonstrou suspeitas, não demonstrou nada. Antes de sair de casa, a gente almoçou. A gente achava que tinha ocorrido um assalto, algo assim. Fomos para Mar Azul. Lá logo chegou a viatura, os colegas conversaram comigo e explicaram a situação. Aí eu chamei o X. Eu perguntei se ele tinha feito aquilo. Ele disse que não, ‘vocês estão me acusando, eu não fiz nada não’. Nesse momento ele ficou meio exaltado. Era uma tranquilidade gelada. Mas aí depois ele admitiu. Não teve nenhuma tortura psicológica nem nada assim. Fomos conversando e ele falou que realmente tinha sido ele.

Ficou claro para o senhor o motivo de ele ter feito isso?

Não. Não me convenceu. Ele falou que foi por causa do bullying que ele sofreu dois anos atrás mais ou menos. Mas a gente que tem um pouco de experiência nessa área de segurança sabe muito bem que ele está mentindo. Ele tá querendo cobrir alguma outra coisa maior. Eu acredito que ele esteja querendo encobrir as pessoas que o manipularam. Eu ainda não consegui entender a motivação para ir na escola e fazer aquela brutalidade. O bullying não justificaria. O delegado ainda perguntou se ele tinha alguns amigos nisso. Ele falou que foi ele sozinho. Mas a gente não acredita.

Nessa hora da prisão, como foi a reação da sua esposa e como ela está agora?

Na hora ela teve um princípio de desmaio. Agora estamos pior ainda. Nós estamos vivendo escondido por causa desse monte de notícias falsas, dessa disseminação de ódio de forma totalmente criminosa. Saímos da cidade. Pegaram minhas fotos, fizeram montagens. A sociedade inteira está com ódio de mim. Estão achando que eu sou um grande monstro que treinei meu filho, que dei minha arma para ele, que induzi ele a fazer isso. Estamos arrasados. Se eu pudesse pediria perdão a cada parente dessas vítimas.

Ele usou uma arma do Estado, sob sua cautela, para matar pessoas. O senhor pode vir a responder por isso.

Eu já tenho noção que vou responder por omissão de cautela, que é o crime quando você se omite dos cuidados da arma sob sua cautela e alguém utiliza de forma indevida. Foi o que aconteceu com a arma da corporação que estava comigo. Eu sei que vou responder, mas é como te falei: não quero nenhum tipo de impunidade. Foi um erro meu, que eu responda. Não quero livrar nem minha cara não. Vou ser punido, sim. Não vou ficar inventando defesa mirabolante com advogado não. Assim como quero que meu filho seja punido dentro dos rigores da lei.

Quando o senhor voltou para casa e o seu filho lá estava tranquilo, as armas estavam nos locais que o senhor as deixou?

Não sei te dar essa informação. Quando nós chegamos para recolher o material, quem entrou na casa foram os policiais que estavam a serviço lá na operação. Entraram com ele. Eu fiquei um pouco mais atrás. Foi entrando bastante policial e eu fiquei um pouco atrás. Então eu não sei exatamente onde foram colocadas essas armas.

O senhor usava cofre ou algo assim para guardá-las?

Usava um cadeado no revólver. O revólver era minha arma particular. Eu abria o tambor e travava com um cadeado, aí a arma ficava inoperante. De alguma forma ele descobriu onde estava a chave e abriu. A outra arma não estava no cadeado, era a arma da polícia. Estava escondida. Eu sempre coloco em locais diferentes, mas ele descobriu. Eu tinha sempre o cuidado quando chegava em casa de nem mostrar minha arma. Eu entrava no quarto e lá dentro eu tirava do coldre e escondia. Ele nunca demonstrou interesse pelas minhas armas.

BRASÍLIA - O adolescente de 16 anos que atacou a tiros duas escolas no interior do Espírito Santo aprendeu a atirar assistindo a vídeos no YouTube. Depois de alvejar 16 pessoas – quatro morreram e outras 12 ficaram feridas –, ele voltou para casa, almoçou com os pais e ainda seguiu com eles para uma outra propriedade da família, sem tocar no assunto.

As informações são do pai do assassino, um policial militar do Espírito Santo que está sendo acusado nas redes sociais de ter preparado o filho para o atentado. Em entrevista ao Estadão, ele diz ser absurda a alegação e conta que montagens e acusações falsas estão rendendo ameaças de morte contra ele. Por segurança, deixou Aracruz, município de 100 mil habitantes do norte capixaba onde mora.

O comportamento do atirador mudou drasticamente há cerca de dois anos. Segundo o PM, isso ocorreu depois de ter sofrido bullying em uma escola que frequentou até o 9º ano e que não era nenhuma das duas em que praticou o atentado. O adolescente faz tratamento psiquiátrico e é um menino socialmente recluso. Gosta de ver vídeos sobre armas e sobre a Segunda Guerra Mundial.

O policial pede perdão às famílias das vítimas e diz que o filho precisa ser punido pelo que fez. Ele também diz que não pretende evitar a punição que sofrerá por ter falhado no acautelamento da arma do Estado que mantinha em casa.

“Estão achando que eu sou um grande monstro que treinei meu filho, que dei minha arma para ele, que induzi ele a fazer isso. Estamos arrasados. Se eu pudesse, pediria perdão a cada parente dessas vítimas”, frisou.

Os nomes do pai e do atirador, tratado aqui como X., não serão publicados na reportagem. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veda a identificação de autores de atos infracionais e de informações que possam identificá-los, como o nome de familiares.

Corpo de vítima de atirador é retirado de escola de Aracruz, norte do Espírito Santo. Foto: Kadija Fernandes/AFP

Confira a íntegra da entrevista:

O senhor gostaria de falar algo para as famílias das pessoas que seu filho matou?

Meu mais profundo sentimento de pesar. Sei que a tragédia que ceifou várias vidas foi cometida por meu filho, um filho criado com todo amor e carinho. Mas não consigo entender o que o levou a cometer esse atentado. Se eu pudesse, pediria para cada família o perdão para meu filho, apesar de saber que diante de tamanha dor isso é algo impossível. Gostaria de poder pedir o perdão e dar minha explicação para cada parente das vítimas, mesmo que fosse em vão.

Como tem sido para o senhor desde o ataque?

Tem a dor do acontecimento e a pressão da sociedade que está sendo inflamada com notícias falsas a meu respeito. Estão tomando isso como verdade. É a pior situação que está tendo no presente momento. Estão me ameaçando. Estão me julgando conforme o que estão lendo nas redes sociais sem nem me conhecer direito. Estão escrevendo coisas terríveis a meu respeito, disseminando mais ódio.

O que está sendo postado e que não é verdade a seu respeito?

Quase tudo não é verdade. Estão dizendo que eu fiz postagem nazista, apologia ao nazismo. Sim, eu postei uma foto no meu Instagram, há muito tempo atrás, de um livro que se chama Mein Kampf, que é uma autobiografia do Adolf Hitler, um livro vendido abertamente em livrarias. Não tem censura nenhuma contra o livro. O fato de você ler um livro desse faz você ser nazista? Eu fiz um comentário sobre leitura. Disse que ler causa a expansão da consciência. Estão dizendo que eu sou bolsonarista, que eu gosto que as pessoas andem armadas. Eu não sou bolsonarista nem lulista. Tenho dois projetos sociais aqui na minha cidade voltados para atendimento de psicoterapia totalmente gratuito.

Por que teve o interesse de ler o livro do Hitler?

Eu sou um estudante, um pesquisador da mente humana. Tenho a minha formação em psicanálise. Conduzo esses projetos sociais e gosto muito de estar entendendo um pouco da mente de alguns grandes personagens da História do mundo. Eu tinha interesse em entender a mente do Hitler. Até comecei o livro, mas nem concluí. Parei para ler um outro que eu achei mais importante. Inclusive, não gostei do livro. Achei que ele ia falar mais das ideias dele, mas estava fazendo uma narrativa histórica de quando ele começou o movimento de revolta na Alemanha. Então eu achei até um livro bobo, idiota.

Como o senhor tomou conhecimento do que o seu filho fez?

Eu e minha esposa estávamos na rua resolvendo algumas coisas. Nós tomamos conhecimento através de um grupo do WhatsApp da comunidade aqui. Sou o presidente da associação de moradores, pra você ver que não sou nazista como estão pintando aí nas redes sociais. Minha esposa estava por acaso verificando as mensagens no grupo. Ela viu uma postagem referente a um atentado, a uma violência que aconteceu. A gente ligou para o X. porque ficamos preocupados. Tínhamos deixado ele em casa e a gente estava no centro da cidade. Aí a gente ligou para ele avisando e perguntando se estavam trancados os portões. Falamos para deixar o cachorro solto no quintal porque a princípio tinha ocorrido um tiroteio. E era para ele ficar trancado dentro de casa e soltar o cachorro, não abrir as portas para ninguém.

Isso foi algum tempo depois dos ataques. Ele atendeu?

Sim, com toda a tranquilidade na voz. Sem demonstrar qualquer emoção.

E depois vocês seguiram para casa.

Chegamos em casa uns 30 minutos depois disso e nos deparamos com ele. Ele estava bem tranquilo, parecia que nada tinha acontecido. Eu perguntei se tinha aparecido alguém ali, se tinha visto alguma coisa de violência. Ele falou que não. A gente tinha que sair para ir a um lugar próximo, chamado Mar Azul, a uns 5 km de Coqueiral. Era mais ou menos 11 horas e falei: ‘Vamos almoçar logo para a gente ir lá, resolver o que temos que resolver e voltar para casa’. Nós almoçamos, eu, minha esposa e ele. Ele almoçou tranquilamente. Quando a gente chegou em Mar Azul, depois de uns cinco ou dez minutos, uma viatura da Polícia Militar chegou e conversou comigo. Falou que já tinha todas as suspeitas que seria o X. devido ao carro que ele utilizou. Era um outro carro meu, que eu tinha deixado na garagem. E quando eu cheguei em casa o carro estava na garagem, tudo certinho. Aí fui perguntar a ele, disse pra ele falar a verdade. Aí ele pegou e abriu o jogo.

Onde vocês estavam nessa hora em que a polícia chegou?

A gente estava num terreno que a gente tem em Mar Azul, onde criamos umas galinhas. De lá, voltamos a Coqueiral e ele mostrou todo o equipamento que ele usou. As armas eram minhas. Uma estava trancada, mas ele conseguiu abrir. A outra eu realmente não tinha levado porque eu tinha saído rápido e tinha escondido ela. Eu sempre tomava cuidado para esconder em lugares diferentes para justamente não ter esse problema porque ele é jovem, para não ter essa curiosidade de pegar em uma arma.

Ele demonstrava interesse nas suas armas?

Ele nunca demonstrou interesse nenhum nas minhas armas. Ele sempre gostou de ver armas e entendia muito de armas, com vídeos do YouTube. Gostava muito de ver vídeo no YouTube, gostava de ver vídeos de armas e de jogos. Se você me pedir uma prova eu não tenho como te dar, mas eu acredito e tenho forte intuição de que meu filho foi manipulado, foi induzido por bandidos, por pessoas realmente malignas, satânicas, que estão nas redes sociais pescando um jovem ou outro que tenha a mente um pouco fraca. Fisgam esses jovens, trabalham na mente deles e levam eles a cometer esse tipo de atitude. Eu acredito que foi manipulado por pessoas assim, mas eu não posso provar ainda. O celular dele já está com a polícia, o computador dele também.

Ele tem 16 anos. Como aprendeu a atirar?

Foi uma surpresa para mim. Nas redes sociais realmente estão falando que fui eu que ensinei ele a atirar. Teve uma declaração aqui do secretário de Segurança do Estado dizendo que ele atira bem, que tem uma técnica, algo assim. Aí as pessoas começam a fazer correlação. Se ele é treinado, o pai é policial militar, então o pai ensinou o filho. Essa lógica é sem sentido. Ele aprendeu a atirar – e ele falou isso para o delegado – com vídeo no YouTube. Hoje na internet o cara aprende tudo.

Ele falou isso no depoimento oficial?

Sim, ele falou isso, que foi vendo vídeo.

O senhor é psicanalista, não é? Dizia que tem interesse em estudar a mente humana. O que pode me dizer sobre o comportamento do X.? Havia alguma coisa que chamava a atenção ou te preocupava?

Sim, há uns dois anos, segundo ele, ele passou por uma situação de bullying na escola. Não foi nada provado, mas ele relatou isso. Foi antes da pandemia mais ou menos. Depois disso a gente percebeu sim uma transformação comportamental nele. A gente viu que ele ficou uma pessoa mais introvertida e ele era bastante extrovertido. Era muito risonho, conversador, e ele se fechou, a partir do final de 2019. Ele se isolou socialmente dos colegas. Devido a esse isolamento, começou a procurar interação nos jogos. A rede social que ele mais usava era o YouTube, com os vídeos. Ele gostava muito do tema da Segunda Guerra Mundial. Não sei como aflorou esse gosto nele. Era muito fissurado em História, em Sociologia, alguma coisa de Filosofia. Apesar da idade precoce, aflorou esse gosto nele.

Sobre o bullying, ele comentou o que foi exatamente?

Não, ele não comentou nem que tipo de bullying que foi. Se foi apelido, se foi outra coisa. Não comentou nada com a gente. Então a gente ficou sem saber ao certo. Apesar de toda mudança drástica comportamental, ele não abriu para a gente. A gente foi até a escola, comentou. Mas não levou o nome de ninguém. Ficou sem solução, vamos dizer assim, ninguém foi responsabilizado.

Esse episódio de bullying foi na Primo Bitti, a escola que ele atacou?

Não, era outra escola. Foi no nono ano. No Primo Bitti ele entrou nesse ano agora.

Ele fazia algum tratamento psiquiátrico ou acompanhamento psicológico?

Sim, há mais ou menos dois anos. Tinha psiquiatria, medicação e psicólogo.

Desde que ele mudou o comportamento.

Sim, ficamos preocupados. Procuramos psiquiatra, reforço com psicólogo, tudo certinho.

Segundo a Polícia Civil, ele estava com uma suástica na roupa durante os ataques. Sabe como ele conseguiu isso? Ele tinha outras referências ao nazismo?

Eu acompanhei tudo, da minha casa até a saída dele para a unidade em que ele foi apreendido. Não vi nos materiais nada referente a nazismo. Apenas o que ele usou no dia do atentado, uma suástica nazista que ele falou que desenhou e colou com fita crepe no braço.

Nas coisas dele não tinha nenhum outro item nesse sentido, que fazia referência?

Pelo que eu vi, não. A polícia recolheu bastante coisa, até coisas que eram objetos meus. Mas não tem problema. Eu quero contribuir o máximo possível para que a justiça seja feita. Eu não quero nenhum tipo de impunidade. Eu não quero que o meu filho fique impune não. Quero que a justiça seja feita. Não quero que seja feita vingança, quero que a justiça seja feita. Então eu contribuí completamente. Até com materiais que estavam deixando passar e eu achava importante eu falava: ‘Leva, esse computador é o que ele usa para jogar, pode tirar aquilo, leva, por favor, e procurem investigar’. Tenho tanta intuição que é uma quadrilha que tem pessoas malignas nas redes sociais que pegam jovens como meu filho e manipulam eles para tragédias como essa. Vai acontecer mais se a polícia não fizer um trabalho e descobrir quem são eles.

Sabe se ele tomou emprestado e leu o livro do Hitler que o senhor tinha?

Ele pegou para ler, mas também não gostou, assim como eu. O livro foi uma decepção, um desperdício de dinheiro. O X. começou a ler, vi ele com o livro algumas vezes. Mas o livro ficou abandonado lá. Essa foto que pegaram na internet é bem antiga (o post é de 18 de junho). No Instagram, as pessoas fizeram montagem da minha foto com o livro e escreveram um monte de coisas. Estão inflamando a sociedade contra mim. Eu sou o oposto de tudo o que estão falando de mim. Sou uma pessoa do bem, uma pessoa que toda vida defendeu a vida, defendeu a saúde das pessoas, que trabalha com bem-estar, com a minha psicoterapia nos projetos sociais gratuitos. Recebi muitas ameaças de pessoas estranhas. Jogaram meu número na internet. Mas a gente está na presença do Senhor e não cai fácil.

As quatro vítimas do atirador do Espírito Santo: três professoras e uma aluna de 12 anos. Foto: Reprodução/Facebook

Onde ele conseguiu a roupa camuflada? Ele a usava em alguma atividade?

Não, a roupa era dele, ele gosta desse tema de militarismo. Pelo fato de eu ser militar, de alguma forma aflorou isso nele. Eu nunca induzi. Ele quis uma roupa do Exército. O sonho dele é ir para o Exército. Ele falava que no período de alistamento ele ia se alistar no lugar em que as pessoas eram chamadas para servir, no 38.º Batalhão de Infantaria, porque em Aracruz são dispensadas. Ele quis a roupa e a gente comprou. O que ele pedia, por ser filho único, a gente fazia das tripas coração para atender. A roupa do Exército nós compramos. O coturno era meu, eu tinha sobrando e dei para ele. A gente ia pra roça em algum lugar e ele ia todo vestido, ficava andando no mato. Era um gosto dele. Eu não via nada de errado nisso.

Como foi a abordagem da polícia depois que descobriram onde ele estava?

Ele estava super tranquilo, não demonstrou suspeitas, não demonstrou nada. Antes de sair de casa, a gente almoçou. A gente achava que tinha ocorrido um assalto, algo assim. Fomos para Mar Azul. Lá logo chegou a viatura, os colegas conversaram comigo e explicaram a situação. Aí eu chamei o X. Eu perguntei se ele tinha feito aquilo. Ele disse que não, ‘vocês estão me acusando, eu não fiz nada não’. Nesse momento ele ficou meio exaltado. Era uma tranquilidade gelada. Mas aí depois ele admitiu. Não teve nenhuma tortura psicológica nem nada assim. Fomos conversando e ele falou que realmente tinha sido ele.

Ficou claro para o senhor o motivo de ele ter feito isso?

Não. Não me convenceu. Ele falou que foi por causa do bullying que ele sofreu dois anos atrás mais ou menos. Mas a gente que tem um pouco de experiência nessa área de segurança sabe muito bem que ele está mentindo. Ele tá querendo cobrir alguma outra coisa maior. Eu acredito que ele esteja querendo encobrir as pessoas que o manipularam. Eu ainda não consegui entender a motivação para ir na escola e fazer aquela brutalidade. O bullying não justificaria. O delegado ainda perguntou se ele tinha alguns amigos nisso. Ele falou que foi ele sozinho. Mas a gente não acredita.

Nessa hora da prisão, como foi a reação da sua esposa e como ela está agora?

Na hora ela teve um princípio de desmaio. Agora estamos pior ainda. Nós estamos vivendo escondido por causa desse monte de notícias falsas, dessa disseminação de ódio de forma totalmente criminosa. Saímos da cidade. Pegaram minhas fotos, fizeram montagens. A sociedade inteira está com ódio de mim. Estão achando que eu sou um grande monstro que treinei meu filho, que dei minha arma para ele, que induzi ele a fazer isso. Estamos arrasados. Se eu pudesse pediria perdão a cada parente dessas vítimas.

Ele usou uma arma do Estado, sob sua cautela, para matar pessoas. O senhor pode vir a responder por isso.

Eu já tenho noção que vou responder por omissão de cautela, que é o crime quando você se omite dos cuidados da arma sob sua cautela e alguém utiliza de forma indevida. Foi o que aconteceu com a arma da corporação que estava comigo. Eu sei que vou responder, mas é como te falei: não quero nenhum tipo de impunidade. Foi um erro meu, que eu responda. Não quero livrar nem minha cara não. Vou ser punido, sim. Não vou ficar inventando defesa mirabolante com advogado não. Assim como quero que meu filho seja punido dentro dos rigores da lei.

Quando o senhor voltou para casa e o seu filho lá estava tranquilo, as armas estavam nos locais que o senhor as deixou?

Não sei te dar essa informação. Quando nós chegamos para recolher o material, quem entrou na casa foram os policiais que estavam a serviço lá na operação. Entraram com ele. Eu fiquei um pouco mais atrás. Foi entrando bastante policial e eu fiquei um pouco atrás. Então eu não sei exatamente onde foram colocadas essas armas.

O senhor usava cofre ou algo assim para guardá-las?

Usava um cadeado no revólver. O revólver era minha arma particular. Eu abria o tambor e travava com um cadeado, aí a arma ficava inoperante. De alguma forma ele descobriu onde estava a chave e abriu. A outra arma não estava no cadeado, era a arma da polícia. Estava escondida. Eu sempre coloco em locais diferentes, mas ele descobriu. Eu tinha sempre o cuidado quando chegava em casa de nem mostrar minha arma. Eu entrava no quarto e lá dentro eu tirava do coldre e escondia. Ele nunca demonstrou interesse pelas minhas armas.

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