‘Pais têm de enxergar nos filhos sinais que eu não consegui ver’, diz mãe de jovem que atacou escola


Enfermeira cujo filho entrou com facas, bestas e coquetéis molotov em colégio de Vitória em agosto alerta para mudanças de comportamento de adolescentes e atuação de comunidades na internet que endeusam autores de massacres e estimulam novos ataques

Por Luciana Garbin e Carolina Ercolin
Atualização:
Entrevista comAdrianaEnfermeira e mãe de Henrique, que aos 18 anos atacou escola em Vitória

Na tarde de 19 de agosto de 2022, Adriana tinha acabado de chegar de uma viagem de férias dos Estados Unidos quando recebeu a notícia que mudaria drasticamente a vida de toda a sua família. Seu filho Henrique, de 18 anos, que ela pensava estar no mercado, tinha acabado de invadir a Escola Municipal Éber Louzada Zippinotti, em Vitória (ES), com seis facas ninjas, arco com 59 flechas, três bestas e quatro coquetéis molotov. Após ter acesso negado no portão, ele escalou a grade de seu ex-colégio e chegou a ameaçar estudantes e funcionários, mas acabou detido por policiais e seguranças e ninguém se feriu.

Autuado em flagrante por tentativa de homicídio qualificada por motivo fútil, está preso desde então. Nesta semana, Adriana reviveu todo o drama, ao saber do ataque à Escola Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo, que terminou com a morte de uma professora de 71 anos. E é assim a cada novo ataque. “Sofro muito a cada morte dessas. A vontade que tenho é de abraçar esses familiares dessas vítimas, pedir perdão pelo medo e pavor que meu filho causou”, diz ela, que pediu para não terem o sobrenome divulgado por causa das ameaças.

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Para Adriana, discussões como a da redução da maioridade penal não resolverão o problema, pois os agressores são cada vez mais jovens. Mas os pais precisam ficar alertas para sinais que ela na época enxergou como sendo típicos da adolescência, como ficar horas no quarto com computador ou celular e se tornar mais frio, distante e agressivo, e hoje enxerga que tinham a ver com o processo de radicalização do filho. “Meu filho nunca teve problema de saúde, a gente não tem problema de dinheiro, a gente não tem problema de educação, não tem problema de amor. O que levou meu filho a fazer isso eu não sei. Do mesmo jeito que um monte de mãe e pai aí está achando que esse comportamento (do filho) é normal e ele pode ser o próximo agressor.”

Adriana alerta também para comunidades de ódio na internet que endeusam autores de massacres e estimulam novos ataques. “Eu não sei como que eles capturam esses jovens, eu não sei como que eles seduzem esse jovens, mas parece que eles pescam mesmo essas possíveis vítimas para poderem fazer de soldado deles”, diz. “Não estou tirando a culpa e a responsabilidade do meu filho de jeito nenhum. Ele está respondendo na justiça, ele está preso, mas eu acho que tem muita coisa por trás disso, sabe? Eu não acredito que sejam só jovens que se juntam e ficam planejando isso, tem que ter alguém encabeçando, liderando, alguém ganhando com isso.”

Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Rádio Eldorado.

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Armamento apreendido com o adolescente após a invasão. Foto: Polícia Militar do Espírito Santo

Como tem sido sua vida desde 19 de agosto, quando seu filho atacou a escola em Vitória?

O ataque aconteceu no dia em que eu estava chegando de uma viagem de férias, estava nos Estados Unidos. Exatamente na mesma hora que eu pousei ele entrou na escola. Mais ou menos por volta de duas e meia, três horas da tarde. Eu tenho ele e mais um filho. Na hora que cheguei em casa, ele não estava e eu perguntei para o irmão: “Cadê o Henrique?”. “Ah, mãe, foi no supermercado”. Eu: ”Tá, tudo bem”. Quando minha sogra depois ligou e o pai dele ligou dizendo que ele estava sendo conduzido para a delegacia porque tinha invadido uma escola é que eu fiquei sabendo. Foi um susto, eu não sabia o que fazer direito. Fui para delegacia. É uma situação tão bizarra, tão irreal que você não acredita que está acontecendo com você. Esse é o sentimento, do susto. Depois você vai tentar rever o que houve, o que estava acontecendo, os sinais que ele estava apresentando e eu não percebi. E esse é o objetivo da minha exposição aqui: gostaria de alertar os pais para enxergarem esses sinais que o meu filho deu e eu não consegui enxergar para que outros ataques não aconteçam.

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Você pode detalhar esses sinais?

Eram coisinhas típicas de adolescente que a gente não leva em consideração. O Henrique sempre foi muito tímido. Era difícil até de fazer e manter amizades. Mas as amizades dele eram sempre certinhas. Ele tinha a roda de amigos deles. Quando ele saiu dessa escola e no ensino médio foi para uma escola particular era totalmente diferente. Logo depois veio a pandemia. Acho que ele teve um mês de aula só e fechou tudo. Depois ficou naquele (ensino) híbrido, por escola, computador. Então ele começou a se fechar muito, ficava só dentro do quarto ou no banheiro trancado. Sempre com um computador ou com o celular, sempre. Depois começou a se vestir de preto, só pedia para comprar roupa preta, calça cargo, camisa básica preta. Ele pediu um coturno também que o pai deu, mas eu achava que fosse estilo dele, entendeu? Coisa de adolescente mesmo. Também começou a ficar muito mais introspectivo do que já era. Aí pediu suspensório, pediu cinto preto e, no aniversário de 18 anos, pediu uma capa de couro preta enorme. Eu falei: “Meu filho, eu não vou te dar porque em Vitória não tem frio para usar um negócio desses. É muito bizarro você sair com esse negócio desses, não vou dar não”. Ele pediu o livro do (Adolf) Hitler para ler e eu falei: “Meu filho, nazismo no Brasil é crime. Nem se quisesse eu poderia fornecer esse material para você, porque é proibido. E ele: “Não, mãe, eu queria entender a mente do Hitler. E eu falei: “Ah, então você vai fazer pesquisa, mas o livro eu não vou te dar”.

E as armas?

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A questão das armas é um assunto meio conflitante. Porque eu também gosto, entendeu? Meu pai é militar, o pai deles é militar e eles queriam seguir carreira militar. Então eu meio que incentivei também. Eu levava eles para atirar, não com arma de verdade, mas com aquelas de bolinha, de chumbinho e tal. Mais por conta do desejo deles de seguir a carreira militar. Então a gente sempre teve muito convívio com esse assunto de armas, mas não a ponto de ter uma arma. Então ele começou a andar muito de preto, pedir para comprar muita coisa preta, todas as roupas deles praticamente eram pretas, só andava desse jeito. Mesmo depois que passou o negócio de máscara (da covid), ele continuou usando as máscaras pretas. Enfim, muita introspecção, não saía do quarto para nada. Nos últimos seis meses mais ou menos (antes do ataque) ele começou a ficar agressivo, resposta ríspida, sem nenhum contato afetivo, não dava boa noite, não dava beijo, não se despedia, coisa que a gente sempre teve o costume de fazer.

Como você interpretou isso?

Coisa de adolescente normal. Mas o que eu vejo hoje é a frieza. Ele não sorria mais, nem em foto ele sorria mais, ele não expressava nenhum afeto, nenhum carinho por ninguém. Na época ele estava estudando para o Enem. E eu ficava falando: “Filho, você vai fazer uma prova, é difícil.” O curso que ele queria entrar é mais difícil. “Você tem que estudar. Você não pode ficar no computador, não pode ficar no celular o tempo todo.” E eu achando que (essa frieza dele) fosse por conta da pressão para estudar. Nem precisava porque ele é extremamente inteligente, o QI dele é altíssimo, mas era coisa de mãe, né? “Você precisa estudar, tem prova, tem simulado.” Ele mudou mesmo, nos últimos seis meses (antes do atentado) realmente estava muito frio, não me dava atenção, mas achei que estivesse de birra, que fosse coisa de adolescente. Porque eu também fui adolescente. A gente pintava às vezes o cabelo de papel crepom roxo, usava algumas roupas esquisitas, mas era esse negócio de ter uma turma, uma tribo. Eu achei que fosse isso e respeitei... Infelizmente.

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Quanto você acha que comunidades de ódio da internet incentivaram seu filho no ataque?

Eu nunca conversei com ele sobre esse assunto. Até porque o tempo de visita (na prisão) é muito curto. Eu vejo meu filho uma vez por mês por 30 minutos. Então eu tento valorizar esse tempo que estou com ele. Mas realmente nessas comunidades do submundo da internet, algumas desse Discord principalmente, que depois eu fiquei sabendo que ele frequentava e (onde) até comandava grupos, tem essa alienação que eles fazem desses jovens. Eu não sei como que eles capturam esses jovens, não sei como que eles seduzem esses jovens, mas parece que eles pescam mesmo essas possíveis vítimas para poderem fazer de soldado deles. É isso o que eu vejo hoje. Não estou tirando a culpa e a responsabilidade do meu filho de jeito nenhum. Ele está respondendo na Justiça, ele está preso, mas eu acho que tem muita coisa por trás disso, sabe? Não pode ser só coisa de jovem alienado. Eu não acredito que sejam só jovens que se juntam e ficam planejando isso, tem que ter alguém encabecando, liderando, alguém ganhando com isso. Porque ninguém vai fazer um negócio desses de graça.

Como você vê a indicação de especialistas de que expor imagens de ataques incentiva novos ataques?

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Eu observei que tem um padrão de método. Por exemplo: todos escrevem tipo um diário antes, mais ou menos umas 30 páginas justificando o ato. Tem um intervalo de tempo entre um ataque e outro. E um estimula o outro. Cada ataque desses estimula o próximo porque eles criam um score, vamos dizer assim, eles têm uma pontuação: quanto mais eles matam, mais a nota é alta. E, se eles morrem em confronto, aí sim viram heróis. O de Suzano (que matou sete pessoas em 2019) é venerado, os dois de Columbine (que mataram 12 alunos e um professor em 1999 nos Estados Unidos) também são idolatrados. Então esses que conseguem matar e morrer são os heróis deles, são os ídolos, e eles tentam atingir esse patamar. Por isso que falar de (redução da) maioridade penal ou de (restrição ao) acesso a armas não vai adiantar porque matar e morrer é o que vão fazer eles se sentirem bem, entendeu? Por exemplo, meu filho entrou com uma besta que ele comprou na internet e entrou com faca que ele comprou na internet. O coquetel molotov ele fez em casa. Não vai ser restringindo o acesso a arma de fogo que vai diminuir isso e a maioridade penal também não cabe nesse caso. Porque, quanto mais novo (o assassino) e mais vítimas morrerem, melhor para eles.

Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Éber Louzada Zipinotti, alvo do adolescente no ano passado. Foto: Prefeitura de Vitória

Seu filho está passando por tratamento psicológico?

Infelizmente eu não posso falar sobre o processo dele, porque está em segredo, tem uma questão de avaliação psiquiátrica. Ele está em prisão preventiva, o caso ainda não foi julgado. Hoje eu o vejo lúcido, a fase aguda da psicose (já passou). Eu entendo um pouco porque sou enfermeira há 22 anos, já lidei com esse tipo de paciente. Então a fase aguda passou, ele está lúcido, mas não tem acompanhamento psiquiátrico. Ele passou por uma avaliação inicial quando foi preso. Se não me engano, foram duas consultas só para medicar e agora a gente conseguiu uma ajuda da psiquiatria para poder laudar ele e diagnosticar porque ele não tem diagnóstico. Então a gente desconfia, a gente supõe pela minha experiência, mas ele não tem acesso a nenhum tratamento psiquiátrico. Naquela hora que ele cometeu aquilo, realmente tinha que ser preso porque ia tentar consumar a ideia dele. Concordo plenamente em ter sido preso. Só que depois ele precisa de tratamento psiquiátrico. Todos os meus pedidos foram negados: clínica, psiquiatria, medicamento.

E como é para você quando acontecem esses outros ataques?

É muito difícil. Primeiro porque eu revivo aquele dia. Graças a Deus meu filho não machucou ninguém, mas esses outros estão matando. Eu sou enfermeira, estudei para salvar vidas, nunca passaria um ensinamento para o meu filho de matar ou machucar alguém. Até porque ele me viu salvando vidas a vida inteira dele. Cada morte dessas é muito difícil. Eu falo: “Gente, isso aqui não é uma série de Hollywood”. Isso não pode continuar. Não sei se as pessoas estão romantizando isso ou não. A realidade é que pessoas estão morrendo, pessoas inocentes. É muito difícil. Toda vez eu revivo aquele dia e sofro muito a cada morte dessas. A vontade que eu tenho é de abraçar esses familiares dessas vítimas, pedir perdão pelo medo e pavor que meu filho causou. A sensação é de impotência, de não poder fazer nada.

Como você tem conseguido administrar essa culpa e o que tem sentido desde o ano passado?

Estou em acompanhamento psiquiátrico e psicológico, tomo medicação e tento ocupar meu tempo. Eu me dedico mais ao meu outro filho. Até porque a vida não pode parar, né? O mundo não vai dar uma pausa para eu poder resolver meus problemas. Eu tenho alguns empregos. Sou concursada e trabalho à noite num hospital federal. Durante o dia, presto serviço como enfermeira.

Você sofreu ameaças?

Sim, no dia do ataque a gente recebeu algumas ameaças de morte. Eu e meu filho. Tenho a sensação de que a gente às vezes é perseguido. Na época, ficou bastante gente meio que estacionada na porta do prédio. Eu nem moro mais lá, tive que me mudar. E tem as ameaças veladas que a gente ouve. Falam que meu filho tinha que ter sido morto, que meu filho tem que ser decapitado, que tem que acontecer com o outro (filho) também, que a causa fui eu. É pesado.

O que você acha de quem diz que os pais dos autores de atentados são culpados?

Olha só: meu filho foi extremamente educado, ele tem todo o carinho do mundo dentro da casa dele, não é um lar de desajustados, ele não é largado. Ele recebeu muito amor, muito carinho de toda a família. Ele teve boa educação, a escola lá é uma excelente escola, é uma das melhores do município. Então não é uma questão de lar desajustado. É o que eu falei: não sei a causa e não sei a cura, mas o que eu consigo fazer é alertar os pais para poderem ver esses sinais de introspecção, de agressividade. Não que todos os meninos que vistam preto e sejam agressivos serão invasores. Mas que (os pais) valorizem as queixas das escolas, principalmente de comportamento, de desenho que eles podem fazer e estar ligado a esse movimento. Meu filho nunca teve problema de saúde, a gente não tem problema de dinheiro, a gente não tem problema de educação, não tem problema de amor. O que levou meu filho a fazer isso eu não sei. Do mesmo jeito que um monte de mãe e pai aí está achando que o comportamento (do filho) é normal e ele pode ser o próximo agressor.

Tem algo mais que você gostaria de acrescentar?

O que esses meninos fizeram são coisas horríveis. Mas que eles não sejam sacrificados. Eu não estou dizendo que eles são vítimas da sociedade não, mas esses meninos estão doentes, a juventude está doente. A questão de saúde mental hoje é importantíssima. Quando eles chegam a cometer um ato desses é porque já chegaram ao ápice do desequilíbrio. O mal que eles estão fazendo é um reflexo de alguma coisa na sociedade que está dando errado. Os especialistas podem falar mais sobre isso, mas não massacrem esses meninos. Eles são vítimas também do ambiente tóxico em que estão imersos. O ideal seria evitar contato com esse tipo de ambiente, mas esses meninos estão doentes. Se depois desta entrevista eu conseguir evitar um ataque, já vou estar realizada.

Na tarde de 19 de agosto de 2022, Adriana tinha acabado de chegar de uma viagem de férias dos Estados Unidos quando recebeu a notícia que mudaria drasticamente a vida de toda a sua família. Seu filho Henrique, de 18 anos, que ela pensava estar no mercado, tinha acabado de invadir a Escola Municipal Éber Louzada Zippinotti, em Vitória (ES), com seis facas ninjas, arco com 59 flechas, três bestas e quatro coquetéis molotov. Após ter acesso negado no portão, ele escalou a grade de seu ex-colégio e chegou a ameaçar estudantes e funcionários, mas acabou detido por policiais e seguranças e ninguém se feriu.

Autuado em flagrante por tentativa de homicídio qualificada por motivo fútil, está preso desde então. Nesta semana, Adriana reviveu todo o drama, ao saber do ataque à Escola Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo, que terminou com a morte de uma professora de 71 anos. E é assim a cada novo ataque. “Sofro muito a cada morte dessas. A vontade que tenho é de abraçar esses familiares dessas vítimas, pedir perdão pelo medo e pavor que meu filho causou”, diz ela, que pediu para não terem o sobrenome divulgado por causa das ameaças.

Para Adriana, discussões como a da redução da maioridade penal não resolverão o problema, pois os agressores são cada vez mais jovens. Mas os pais precisam ficar alertas para sinais que ela na época enxergou como sendo típicos da adolescência, como ficar horas no quarto com computador ou celular e se tornar mais frio, distante e agressivo, e hoje enxerga que tinham a ver com o processo de radicalização do filho. “Meu filho nunca teve problema de saúde, a gente não tem problema de dinheiro, a gente não tem problema de educação, não tem problema de amor. O que levou meu filho a fazer isso eu não sei. Do mesmo jeito que um monte de mãe e pai aí está achando que esse comportamento (do filho) é normal e ele pode ser o próximo agressor.”

Adriana alerta também para comunidades de ódio na internet que endeusam autores de massacres e estimulam novos ataques. “Eu não sei como que eles capturam esses jovens, eu não sei como que eles seduzem esse jovens, mas parece que eles pescam mesmo essas possíveis vítimas para poderem fazer de soldado deles”, diz. “Não estou tirando a culpa e a responsabilidade do meu filho de jeito nenhum. Ele está respondendo na justiça, ele está preso, mas eu acho que tem muita coisa por trás disso, sabe? Eu não acredito que sejam só jovens que se juntam e ficam planejando isso, tem que ter alguém encabeçando, liderando, alguém ganhando com isso.”

Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Rádio Eldorado.

Armamento apreendido com o adolescente após a invasão. Foto: Polícia Militar do Espírito Santo

Como tem sido sua vida desde 19 de agosto, quando seu filho atacou a escola em Vitória?

O ataque aconteceu no dia em que eu estava chegando de uma viagem de férias, estava nos Estados Unidos. Exatamente na mesma hora que eu pousei ele entrou na escola. Mais ou menos por volta de duas e meia, três horas da tarde. Eu tenho ele e mais um filho. Na hora que cheguei em casa, ele não estava e eu perguntei para o irmão: “Cadê o Henrique?”. “Ah, mãe, foi no supermercado”. Eu: ”Tá, tudo bem”. Quando minha sogra depois ligou e o pai dele ligou dizendo que ele estava sendo conduzido para a delegacia porque tinha invadido uma escola é que eu fiquei sabendo. Foi um susto, eu não sabia o que fazer direito. Fui para delegacia. É uma situação tão bizarra, tão irreal que você não acredita que está acontecendo com você. Esse é o sentimento, do susto. Depois você vai tentar rever o que houve, o que estava acontecendo, os sinais que ele estava apresentando e eu não percebi. E esse é o objetivo da minha exposição aqui: gostaria de alertar os pais para enxergarem esses sinais que o meu filho deu e eu não consegui enxergar para que outros ataques não aconteçam.

Você pode detalhar esses sinais?

Eram coisinhas típicas de adolescente que a gente não leva em consideração. O Henrique sempre foi muito tímido. Era difícil até de fazer e manter amizades. Mas as amizades dele eram sempre certinhas. Ele tinha a roda de amigos deles. Quando ele saiu dessa escola e no ensino médio foi para uma escola particular era totalmente diferente. Logo depois veio a pandemia. Acho que ele teve um mês de aula só e fechou tudo. Depois ficou naquele (ensino) híbrido, por escola, computador. Então ele começou a se fechar muito, ficava só dentro do quarto ou no banheiro trancado. Sempre com um computador ou com o celular, sempre. Depois começou a se vestir de preto, só pedia para comprar roupa preta, calça cargo, camisa básica preta. Ele pediu um coturno também que o pai deu, mas eu achava que fosse estilo dele, entendeu? Coisa de adolescente mesmo. Também começou a ficar muito mais introspectivo do que já era. Aí pediu suspensório, pediu cinto preto e, no aniversário de 18 anos, pediu uma capa de couro preta enorme. Eu falei: “Meu filho, eu não vou te dar porque em Vitória não tem frio para usar um negócio desses. É muito bizarro você sair com esse negócio desses, não vou dar não”. Ele pediu o livro do (Adolf) Hitler para ler e eu falei: “Meu filho, nazismo no Brasil é crime. Nem se quisesse eu poderia fornecer esse material para você, porque é proibido. E ele: “Não, mãe, eu queria entender a mente do Hitler. E eu falei: “Ah, então você vai fazer pesquisa, mas o livro eu não vou te dar”.

E as armas?

A questão das armas é um assunto meio conflitante. Porque eu também gosto, entendeu? Meu pai é militar, o pai deles é militar e eles queriam seguir carreira militar. Então eu meio que incentivei também. Eu levava eles para atirar, não com arma de verdade, mas com aquelas de bolinha, de chumbinho e tal. Mais por conta do desejo deles de seguir a carreira militar. Então a gente sempre teve muito convívio com esse assunto de armas, mas não a ponto de ter uma arma. Então ele começou a andar muito de preto, pedir para comprar muita coisa preta, todas as roupas deles praticamente eram pretas, só andava desse jeito. Mesmo depois que passou o negócio de máscara (da covid), ele continuou usando as máscaras pretas. Enfim, muita introspecção, não saía do quarto para nada. Nos últimos seis meses mais ou menos (antes do ataque) ele começou a ficar agressivo, resposta ríspida, sem nenhum contato afetivo, não dava boa noite, não dava beijo, não se despedia, coisa que a gente sempre teve o costume de fazer.

Como você interpretou isso?

Coisa de adolescente normal. Mas o que eu vejo hoje é a frieza. Ele não sorria mais, nem em foto ele sorria mais, ele não expressava nenhum afeto, nenhum carinho por ninguém. Na época ele estava estudando para o Enem. E eu ficava falando: “Filho, você vai fazer uma prova, é difícil.” O curso que ele queria entrar é mais difícil. “Você tem que estudar. Você não pode ficar no computador, não pode ficar no celular o tempo todo.” E eu achando que (essa frieza dele) fosse por conta da pressão para estudar. Nem precisava porque ele é extremamente inteligente, o QI dele é altíssimo, mas era coisa de mãe, né? “Você precisa estudar, tem prova, tem simulado.” Ele mudou mesmo, nos últimos seis meses (antes do atentado) realmente estava muito frio, não me dava atenção, mas achei que estivesse de birra, que fosse coisa de adolescente. Porque eu também fui adolescente. A gente pintava às vezes o cabelo de papel crepom roxo, usava algumas roupas esquisitas, mas era esse negócio de ter uma turma, uma tribo. Eu achei que fosse isso e respeitei... Infelizmente.

Quanto você acha que comunidades de ódio da internet incentivaram seu filho no ataque?

Eu nunca conversei com ele sobre esse assunto. Até porque o tempo de visita (na prisão) é muito curto. Eu vejo meu filho uma vez por mês por 30 minutos. Então eu tento valorizar esse tempo que estou com ele. Mas realmente nessas comunidades do submundo da internet, algumas desse Discord principalmente, que depois eu fiquei sabendo que ele frequentava e (onde) até comandava grupos, tem essa alienação que eles fazem desses jovens. Eu não sei como que eles capturam esses jovens, não sei como que eles seduzem esses jovens, mas parece que eles pescam mesmo essas possíveis vítimas para poderem fazer de soldado deles. É isso o que eu vejo hoje. Não estou tirando a culpa e a responsabilidade do meu filho de jeito nenhum. Ele está respondendo na Justiça, ele está preso, mas eu acho que tem muita coisa por trás disso, sabe? Não pode ser só coisa de jovem alienado. Eu não acredito que sejam só jovens que se juntam e ficam planejando isso, tem que ter alguém encabecando, liderando, alguém ganhando com isso. Porque ninguém vai fazer um negócio desses de graça.

Como você vê a indicação de especialistas de que expor imagens de ataques incentiva novos ataques?

Eu observei que tem um padrão de método. Por exemplo: todos escrevem tipo um diário antes, mais ou menos umas 30 páginas justificando o ato. Tem um intervalo de tempo entre um ataque e outro. E um estimula o outro. Cada ataque desses estimula o próximo porque eles criam um score, vamos dizer assim, eles têm uma pontuação: quanto mais eles matam, mais a nota é alta. E, se eles morrem em confronto, aí sim viram heróis. O de Suzano (que matou sete pessoas em 2019) é venerado, os dois de Columbine (que mataram 12 alunos e um professor em 1999 nos Estados Unidos) também são idolatrados. Então esses que conseguem matar e morrer são os heróis deles, são os ídolos, e eles tentam atingir esse patamar. Por isso que falar de (redução da) maioridade penal ou de (restrição ao) acesso a armas não vai adiantar porque matar e morrer é o que vão fazer eles se sentirem bem, entendeu? Por exemplo, meu filho entrou com uma besta que ele comprou na internet e entrou com faca que ele comprou na internet. O coquetel molotov ele fez em casa. Não vai ser restringindo o acesso a arma de fogo que vai diminuir isso e a maioridade penal também não cabe nesse caso. Porque, quanto mais novo (o assassino) e mais vítimas morrerem, melhor para eles.

Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Éber Louzada Zipinotti, alvo do adolescente no ano passado. Foto: Prefeitura de Vitória

Seu filho está passando por tratamento psicológico?

Infelizmente eu não posso falar sobre o processo dele, porque está em segredo, tem uma questão de avaliação psiquiátrica. Ele está em prisão preventiva, o caso ainda não foi julgado. Hoje eu o vejo lúcido, a fase aguda da psicose (já passou). Eu entendo um pouco porque sou enfermeira há 22 anos, já lidei com esse tipo de paciente. Então a fase aguda passou, ele está lúcido, mas não tem acompanhamento psiquiátrico. Ele passou por uma avaliação inicial quando foi preso. Se não me engano, foram duas consultas só para medicar e agora a gente conseguiu uma ajuda da psiquiatria para poder laudar ele e diagnosticar porque ele não tem diagnóstico. Então a gente desconfia, a gente supõe pela minha experiência, mas ele não tem acesso a nenhum tratamento psiquiátrico. Naquela hora que ele cometeu aquilo, realmente tinha que ser preso porque ia tentar consumar a ideia dele. Concordo plenamente em ter sido preso. Só que depois ele precisa de tratamento psiquiátrico. Todos os meus pedidos foram negados: clínica, psiquiatria, medicamento.

E como é para você quando acontecem esses outros ataques?

É muito difícil. Primeiro porque eu revivo aquele dia. Graças a Deus meu filho não machucou ninguém, mas esses outros estão matando. Eu sou enfermeira, estudei para salvar vidas, nunca passaria um ensinamento para o meu filho de matar ou machucar alguém. Até porque ele me viu salvando vidas a vida inteira dele. Cada morte dessas é muito difícil. Eu falo: “Gente, isso aqui não é uma série de Hollywood”. Isso não pode continuar. Não sei se as pessoas estão romantizando isso ou não. A realidade é que pessoas estão morrendo, pessoas inocentes. É muito difícil. Toda vez eu revivo aquele dia e sofro muito a cada morte dessas. A vontade que eu tenho é de abraçar esses familiares dessas vítimas, pedir perdão pelo medo e pavor que meu filho causou. A sensação é de impotência, de não poder fazer nada.

Como você tem conseguido administrar essa culpa e o que tem sentido desde o ano passado?

Estou em acompanhamento psiquiátrico e psicológico, tomo medicação e tento ocupar meu tempo. Eu me dedico mais ao meu outro filho. Até porque a vida não pode parar, né? O mundo não vai dar uma pausa para eu poder resolver meus problemas. Eu tenho alguns empregos. Sou concursada e trabalho à noite num hospital federal. Durante o dia, presto serviço como enfermeira.

Você sofreu ameaças?

Sim, no dia do ataque a gente recebeu algumas ameaças de morte. Eu e meu filho. Tenho a sensação de que a gente às vezes é perseguido. Na época, ficou bastante gente meio que estacionada na porta do prédio. Eu nem moro mais lá, tive que me mudar. E tem as ameaças veladas que a gente ouve. Falam que meu filho tinha que ter sido morto, que meu filho tem que ser decapitado, que tem que acontecer com o outro (filho) também, que a causa fui eu. É pesado.

O que você acha de quem diz que os pais dos autores de atentados são culpados?

Olha só: meu filho foi extremamente educado, ele tem todo o carinho do mundo dentro da casa dele, não é um lar de desajustados, ele não é largado. Ele recebeu muito amor, muito carinho de toda a família. Ele teve boa educação, a escola lá é uma excelente escola, é uma das melhores do município. Então não é uma questão de lar desajustado. É o que eu falei: não sei a causa e não sei a cura, mas o que eu consigo fazer é alertar os pais para poderem ver esses sinais de introspecção, de agressividade. Não que todos os meninos que vistam preto e sejam agressivos serão invasores. Mas que (os pais) valorizem as queixas das escolas, principalmente de comportamento, de desenho que eles podem fazer e estar ligado a esse movimento. Meu filho nunca teve problema de saúde, a gente não tem problema de dinheiro, a gente não tem problema de educação, não tem problema de amor. O que levou meu filho a fazer isso eu não sei. Do mesmo jeito que um monte de mãe e pai aí está achando que o comportamento (do filho) é normal e ele pode ser o próximo agressor.

Tem algo mais que você gostaria de acrescentar?

O que esses meninos fizeram são coisas horríveis. Mas que eles não sejam sacrificados. Eu não estou dizendo que eles são vítimas da sociedade não, mas esses meninos estão doentes, a juventude está doente. A questão de saúde mental hoje é importantíssima. Quando eles chegam a cometer um ato desses é porque já chegaram ao ápice do desequilíbrio. O mal que eles estão fazendo é um reflexo de alguma coisa na sociedade que está dando errado. Os especialistas podem falar mais sobre isso, mas não massacrem esses meninos. Eles são vítimas também do ambiente tóxico em que estão imersos. O ideal seria evitar contato com esse tipo de ambiente, mas esses meninos estão doentes. Se depois desta entrevista eu conseguir evitar um ataque, já vou estar realizada.

Na tarde de 19 de agosto de 2022, Adriana tinha acabado de chegar de uma viagem de férias dos Estados Unidos quando recebeu a notícia que mudaria drasticamente a vida de toda a sua família. Seu filho Henrique, de 18 anos, que ela pensava estar no mercado, tinha acabado de invadir a Escola Municipal Éber Louzada Zippinotti, em Vitória (ES), com seis facas ninjas, arco com 59 flechas, três bestas e quatro coquetéis molotov. Após ter acesso negado no portão, ele escalou a grade de seu ex-colégio e chegou a ameaçar estudantes e funcionários, mas acabou detido por policiais e seguranças e ninguém se feriu.

Autuado em flagrante por tentativa de homicídio qualificada por motivo fútil, está preso desde então. Nesta semana, Adriana reviveu todo o drama, ao saber do ataque à Escola Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo, que terminou com a morte de uma professora de 71 anos. E é assim a cada novo ataque. “Sofro muito a cada morte dessas. A vontade que tenho é de abraçar esses familiares dessas vítimas, pedir perdão pelo medo e pavor que meu filho causou”, diz ela, que pediu para não terem o sobrenome divulgado por causa das ameaças.

Para Adriana, discussões como a da redução da maioridade penal não resolverão o problema, pois os agressores são cada vez mais jovens. Mas os pais precisam ficar alertas para sinais que ela na época enxergou como sendo típicos da adolescência, como ficar horas no quarto com computador ou celular e se tornar mais frio, distante e agressivo, e hoje enxerga que tinham a ver com o processo de radicalização do filho. “Meu filho nunca teve problema de saúde, a gente não tem problema de dinheiro, a gente não tem problema de educação, não tem problema de amor. O que levou meu filho a fazer isso eu não sei. Do mesmo jeito que um monte de mãe e pai aí está achando que esse comportamento (do filho) é normal e ele pode ser o próximo agressor.”

Adriana alerta também para comunidades de ódio na internet que endeusam autores de massacres e estimulam novos ataques. “Eu não sei como que eles capturam esses jovens, eu não sei como que eles seduzem esse jovens, mas parece que eles pescam mesmo essas possíveis vítimas para poderem fazer de soldado deles”, diz. “Não estou tirando a culpa e a responsabilidade do meu filho de jeito nenhum. Ele está respondendo na justiça, ele está preso, mas eu acho que tem muita coisa por trás disso, sabe? Eu não acredito que sejam só jovens que se juntam e ficam planejando isso, tem que ter alguém encabeçando, liderando, alguém ganhando com isso.”

Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Rádio Eldorado.

Armamento apreendido com o adolescente após a invasão. Foto: Polícia Militar do Espírito Santo

Como tem sido sua vida desde 19 de agosto, quando seu filho atacou a escola em Vitória?

O ataque aconteceu no dia em que eu estava chegando de uma viagem de férias, estava nos Estados Unidos. Exatamente na mesma hora que eu pousei ele entrou na escola. Mais ou menos por volta de duas e meia, três horas da tarde. Eu tenho ele e mais um filho. Na hora que cheguei em casa, ele não estava e eu perguntei para o irmão: “Cadê o Henrique?”. “Ah, mãe, foi no supermercado”. Eu: ”Tá, tudo bem”. Quando minha sogra depois ligou e o pai dele ligou dizendo que ele estava sendo conduzido para a delegacia porque tinha invadido uma escola é que eu fiquei sabendo. Foi um susto, eu não sabia o que fazer direito. Fui para delegacia. É uma situação tão bizarra, tão irreal que você não acredita que está acontecendo com você. Esse é o sentimento, do susto. Depois você vai tentar rever o que houve, o que estava acontecendo, os sinais que ele estava apresentando e eu não percebi. E esse é o objetivo da minha exposição aqui: gostaria de alertar os pais para enxergarem esses sinais que o meu filho deu e eu não consegui enxergar para que outros ataques não aconteçam.

Você pode detalhar esses sinais?

Eram coisinhas típicas de adolescente que a gente não leva em consideração. O Henrique sempre foi muito tímido. Era difícil até de fazer e manter amizades. Mas as amizades dele eram sempre certinhas. Ele tinha a roda de amigos deles. Quando ele saiu dessa escola e no ensino médio foi para uma escola particular era totalmente diferente. Logo depois veio a pandemia. Acho que ele teve um mês de aula só e fechou tudo. Depois ficou naquele (ensino) híbrido, por escola, computador. Então ele começou a se fechar muito, ficava só dentro do quarto ou no banheiro trancado. Sempre com um computador ou com o celular, sempre. Depois começou a se vestir de preto, só pedia para comprar roupa preta, calça cargo, camisa básica preta. Ele pediu um coturno também que o pai deu, mas eu achava que fosse estilo dele, entendeu? Coisa de adolescente mesmo. Também começou a ficar muito mais introspectivo do que já era. Aí pediu suspensório, pediu cinto preto e, no aniversário de 18 anos, pediu uma capa de couro preta enorme. Eu falei: “Meu filho, eu não vou te dar porque em Vitória não tem frio para usar um negócio desses. É muito bizarro você sair com esse negócio desses, não vou dar não”. Ele pediu o livro do (Adolf) Hitler para ler e eu falei: “Meu filho, nazismo no Brasil é crime. Nem se quisesse eu poderia fornecer esse material para você, porque é proibido. E ele: “Não, mãe, eu queria entender a mente do Hitler. E eu falei: “Ah, então você vai fazer pesquisa, mas o livro eu não vou te dar”.

E as armas?

A questão das armas é um assunto meio conflitante. Porque eu também gosto, entendeu? Meu pai é militar, o pai deles é militar e eles queriam seguir carreira militar. Então eu meio que incentivei também. Eu levava eles para atirar, não com arma de verdade, mas com aquelas de bolinha, de chumbinho e tal. Mais por conta do desejo deles de seguir a carreira militar. Então a gente sempre teve muito convívio com esse assunto de armas, mas não a ponto de ter uma arma. Então ele começou a andar muito de preto, pedir para comprar muita coisa preta, todas as roupas deles praticamente eram pretas, só andava desse jeito. Mesmo depois que passou o negócio de máscara (da covid), ele continuou usando as máscaras pretas. Enfim, muita introspecção, não saía do quarto para nada. Nos últimos seis meses mais ou menos (antes do ataque) ele começou a ficar agressivo, resposta ríspida, sem nenhum contato afetivo, não dava boa noite, não dava beijo, não se despedia, coisa que a gente sempre teve o costume de fazer.

Como você interpretou isso?

Coisa de adolescente normal. Mas o que eu vejo hoje é a frieza. Ele não sorria mais, nem em foto ele sorria mais, ele não expressava nenhum afeto, nenhum carinho por ninguém. Na época ele estava estudando para o Enem. E eu ficava falando: “Filho, você vai fazer uma prova, é difícil.” O curso que ele queria entrar é mais difícil. “Você tem que estudar. Você não pode ficar no computador, não pode ficar no celular o tempo todo.” E eu achando que (essa frieza dele) fosse por conta da pressão para estudar. Nem precisava porque ele é extremamente inteligente, o QI dele é altíssimo, mas era coisa de mãe, né? “Você precisa estudar, tem prova, tem simulado.” Ele mudou mesmo, nos últimos seis meses (antes do atentado) realmente estava muito frio, não me dava atenção, mas achei que estivesse de birra, que fosse coisa de adolescente. Porque eu também fui adolescente. A gente pintava às vezes o cabelo de papel crepom roxo, usava algumas roupas esquisitas, mas era esse negócio de ter uma turma, uma tribo. Eu achei que fosse isso e respeitei... Infelizmente.

Quanto você acha que comunidades de ódio da internet incentivaram seu filho no ataque?

Eu nunca conversei com ele sobre esse assunto. Até porque o tempo de visita (na prisão) é muito curto. Eu vejo meu filho uma vez por mês por 30 minutos. Então eu tento valorizar esse tempo que estou com ele. Mas realmente nessas comunidades do submundo da internet, algumas desse Discord principalmente, que depois eu fiquei sabendo que ele frequentava e (onde) até comandava grupos, tem essa alienação que eles fazem desses jovens. Eu não sei como que eles capturam esses jovens, não sei como que eles seduzem esses jovens, mas parece que eles pescam mesmo essas possíveis vítimas para poderem fazer de soldado deles. É isso o que eu vejo hoje. Não estou tirando a culpa e a responsabilidade do meu filho de jeito nenhum. Ele está respondendo na Justiça, ele está preso, mas eu acho que tem muita coisa por trás disso, sabe? Não pode ser só coisa de jovem alienado. Eu não acredito que sejam só jovens que se juntam e ficam planejando isso, tem que ter alguém encabecando, liderando, alguém ganhando com isso. Porque ninguém vai fazer um negócio desses de graça.

Como você vê a indicação de especialistas de que expor imagens de ataques incentiva novos ataques?

Eu observei que tem um padrão de método. Por exemplo: todos escrevem tipo um diário antes, mais ou menos umas 30 páginas justificando o ato. Tem um intervalo de tempo entre um ataque e outro. E um estimula o outro. Cada ataque desses estimula o próximo porque eles criam um score, vamos dizer assim, eles têm uma pontuação: quanto mais eles matam, mais a nota é alta. E, se eles morrem em confronto, aí sim viram heróis. O de Suzano (que matou sete pessoas em 2019) é venerado, os dois de Columbine (que mataram 12 alunos e um professor em 1999 nos Estados Unidos) também são idolatrados. Então esses que conseguem matar e morrer são os heróis deles, são os ídolos, e eles tentam atingir esse patamar. Por isso que falar de (redução da) maioridade penal ou de (restrição ao) acesso a armas não vai adiantar porque matar e morrer é o que vão fazer eles se sentirem bem, entendeu? Por exemplo, meu filho entrou com uma besta que ele comprou na internet e entrou com faca que ele comprou na internet. O coquetel molotov ele fez em casa. Não vai ser restringindo o acesso a arma de fogo que vai diminuir isso e a maioridade penal também não cabe nesse caso. Porque, quanto mais novo (o assassino) e mais vítimas morrerem, melhor para eles.

Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Éber Louzada Zipinotti, alvo do adolescente no ano passado. Foto: Prefeitura de Vitória

Seu filho está passando por tratamento psicológico?

Infelizmente eu não posso falar sobre o processo dele, porque está em segredo, tem uma questão de avaliação psiquiátrica. Ele está em prisão preventiva, o caso ainda não foi julgado. Hoje eu o vejo lúcido, a fase aguda da psicose (já passou). Eu entendo um pouco porque sou enfermeira há 22 anos, já lidei com esse tipo de paciente. Então a fase aguda passou, ele está lúcido, mas não tem acompanhamento psiquiátrico. Ele passou por uma avaliação inicial quando foi preso. Se não me engano, foram duas consultas só para medicar e agora a gente conseguiu uma ajuda da psiquiatria para poder laudar ele e diagnosticar porque ele não tem diagnóstico. Então a gente desconfia, a gente supõe pela minha experiência, mas ele não tem acesso a nenhum tratamento psiquiátrico. Naquela hora que ele cometeu aquilo, realmente tinha que ser preso porque ia tentar consumar a ideia dele. Concordo plenamente em ter sido preso. Só que depois ele precisa de tratamento psiquiátrico. Todos os meus pedidos foram negados: clínica, psiquiatria, medicamento.

E como é para você quando acontecem esses outros ataques?

É muito difícil. Primeiro porque eu revivo aquele dia. Graças a Deus meu filho não machucou ninguém, mas esses outros estão matando. Eu sou enfermeira, estudei para salvar vidas, nunca passaria um ensinamento para o meu filho de matar ou machucar alguém. Até porque ele me viu salvando vidas a vida inteira dele. Cada morte dessas é muito difícil. Eu falo: “Gente, isso aqui não é uma série de Hollywood”. Isso não pode continuar. Não sei se as pessoas estão romantizando isso ou não. A realidade é que pessoas estão morrendo, pessoas inocentes. É muito difícil. Toda vez eu revivo aquele dia e sofro muito a cada morte dessas. A vontade que eu tenho é de abraçar esses familiares dessas vítimas, pedir perdão pelo medo e pavor que meu filho causou. A sensação é de impotência, de não poder fazer nada.

Como você tem conseguido administrar essa culpa e o que tem sentido desde o ano passado?

Estou em acompanhamento psiquiátrico e psicológico, tomo medicação e tento ocupar meu tempo. Eu me dedico mais ao meu outro filho. Até porque a vida não pode parar, né? O mundo não vai dar uma pausa para eu poder resolver meus problemas. Eu tenho alguns empregos. Sou concursada e trabalho à noite num hospital federal. Durante o dia, presto serviço como enfermeira.

Você sofreu ameaças?

Sim, no dia do ataque a gente recebeu algumas ameaças de morte. Eu e meu filho. Tenho a sensação de que a gente às vezes é perseguido. Na época, ficou bastante gente meio que estacionada na porta do prédio. Eu nem moro mais lá, tive que me mudar. E tem as ameaças veladas que a gente ouve. Falam que meu filho tinha que ter sido morto, que meu filho tem que ser decapitado, que tem que acontecer com o outro (filho) também, que a causa fui eu. É pesado.

O que você acha de quem diz que os pais dos autores de atentados são culpados?

Olha só: meu filho foi extremamente educado, ele tem todo o carinho do mundo dentro da casa dele, não é um lar de desajustados, ele não é largado. Ele recebeu muito amor, muito carinho de toda a família. Ele teve boa educação, a escola lá é uma excelente escola, é uma das melhores do município. Então não é uma questão de lar desajustado. É o que eu falei: não sei a causa e não sei a cura, mas o que eu consigo fazer é alertar os pais para poderem ver esses sinais de introspecção, de agressividade. Não que todos os meninos que vistam preto e sejam agressivos serão invasores. Mas que (os pais) valorizem as queixas das escolas, principalmente de comportamento, de desenho que eles podem fazer e estar ligado a esse movimento. Meu filho nunca teve problema de saúde, a gente não tem problema de dinheiro, a gente não tem problema de educação, não tem problema de amor. O que levou meu filho a fazer isso eu não sei. Do mesmo jeito que um monte de mãe e pai aí está achando que o comportamento (do filho) é normal e ele pode ser o próximo agressor.

Tem algo mais que você gostaria de acrescentar?

O que esses meninos fizeram são coisas horríveis. Mas que eles não sejam sacrificados. Eu não estou dizendo que eles são vítimas da sociedade não, mas esses meninos estão doentes, a juventude está doente. A questão de saúde mental hoje é importantíssima. Quando eles chegam a cometer um ato desses é porque já chegaram ao ápice do desequilíbrio. O mal que eles estão fazendo é um reflexo de alguma coisa na sociedade que está dando errado. Os especialistas podem falar mais sobre isso, mas não massacrem esses meninos. Eles são vítimas também do ambiente tóxico em que estão imersos. O ideal seria evitar contato com esse tipo de ambiente, mas esses meninos estão doentes. Se depois desta entrevista eu conseguir evitar um ataque, já vou estar realizada.

Na tarde de 19 de agosto de 2022, Adriana tinha acabado de chegar de uma viagem de férias dos Estados Unidos quando recebeu a notícia que mudaria drasticamente a vida de toda a sua família. Seu filho Henrique, de 18 anos, que ela pensava estar no mercado, tinha acabado de invadir a Escola Municipal Éber Louzada Zippinotti, em Vitória (ES), com seis facas ninjas, arco com 59 flechas, três bestas e quatro coquetéis molotov. Após ter acesso negado no portão, ele escalou a grade de seu ex-colégio e chegou a ameaçar estudantes e funcionários, mas acabou detido por policiais e seguranças e ninguém se feriu.

Autuado em flagrante por tentativa de homicídio qualificada por motivo fútil, está preso desde então. Nesta semana, Adriana reviveu todo o drama, ao saber do ataque à Escola Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo, que terminou com a morte de uma professora de 71 anos. E é assim a cada novo ataque. “Sofro muito a cada morte dessas. A vontade que tenho é de abraçar esses familiares dessas vítimas, pedir perdão pelo medo e pavor que meu filho causou”, diz ela, que pediu para não terem o sobrenome divulgado por causa das ameaças.

Para Adriana, discussões como a da redução da maioridade penal não resolverão o problema, pois os agressores são cada vez mais jovens. Mas os pais precisam ficar alertas para sinais que ela na época enxergou como sendo típicos da adolescência, como ficar horas no quarto com computador ou celular e se tornar mais frio, distante e agressivo, e hoje enxerga que tinham a ver com o processo de radicalização do filho. “Meu filho nunca teve problema de saúde, a gente não tem problema de dinheiro, a gente não tem problema de educação, não tem problema de amor. O que levou meu filho a fazer isso eu não sei. Do mesmo jeito que um monte de mãe e pai aí está achando que esse comportamento (do filho) é normal e ele pode ser o próximo agressor.”

Adriana alerta também para comunidades de ódio na internet que endeusam autores de massacres e estimulam novos ataques. “Eu não sei como que eles capturam esses jovens, eu não sei como que eles seduzem esse jovens, mas parece que eles pescam mesmo essas possíveis vítimas para poderem fazer de soldado deles”, diz. “Não estou tirando a culpa e a responsabilidade do meu filho de jeito nenhum. Ele está respondendo na justiça, ele está preso, mas eu acho que tem muita coisa por trás disso, sabe? Eu não acredito que sejam só jovens que se juntam e ficam planejando isso, tem que ter alguém encabeçando, liderando, alguém ganhando com isso.”

Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Rádio Eldorado.

Armamento apreendido com o adolescente após a invasão. Foto: Polícia Militar do Espírito Santo

Como tem sido sua vida desde 19 de agosto, quando seu filho atacou a escola em Vitória?

O ataque aconteceu no dia em que eu estava chegando de uma viagem de férias, estava nos Estados Unidos. Exatamente na mesma hora que eu pousei ele entrou na escola. Mais ou menos por volta de duas e meia, três horas da tarde. Eu tenho ele e mais um filho. Na hora que cheguei em casa, ele não estava e eu perguntei para o irmão: “Cadê o Henrique?”. “Ah, mãe, foi no supermercado”. Eu: ”Tá, tudo bem”. Quando minha sogra depois ligou e o pai dele ligou dizendo que ele estava sendo conduzido para a delegacia porque tinha invadido uma escola é que eu fiquei sabendo. Foi um susto, eu não sabia o que fazer direito. Fui para delegacia. É uma situação tão bizarra, tão irreal que você não acredita que está acontecendo com você. Esse é o sentimento, do susto. Depois você vai tentar rever o que houve, o que estava acontecendo, os sinais que ele estava apresentando e eu não percebi. E esse é o objetivo da minha exposição aqui: gostaria de alertar os pais para enxergarem esses sinais que o meu filho deu e eu não consegui enxergar para que outros ataques não aconteçam.

Você pode detalhar esses sinais?

Eram coisinhas típicas de adolescente que a gente não leva em consideração. O Henrique sempre foi muito tímido. Era difícil até de fazer e manter amizades. Mas as amizades dele eram sempre certinhas. Ele tinha a roda de amigos deles. Quando ele saiu dessa escola e no ensino médio foi para uma escola particular era totalmente diferente. Logo depois veio a pandemia. Acho que ele teve um mês de aula só e fechou tudo. Depois ficou naquele (ensino) híbrido, por escola, computador. Então ele começou a se fechar muito, ficava só dentro do quarto ou no banheiro trancado. Sempre com um computador ou com o celular, sempre. Depois começou a se vestir de preto, só pedia para comprar roupa preta, calça cargo, camisa básica preta. Ele pediu um coturno também que o pai deu, mas eu achava que fosse estilo dele, entendeu? Coisa de adolescente mesmo. Também começou a ficar muito mais introspectivo do que já era. Aí pediu suspensório, pediu cinto preto e, no aniversário de 18 anos, pediu uma capa de couro preta enorme. Eu falei: “Meu filho, eu não vou te dar porque em Vitória não tem frio para usar um negócio desses. É muito bizarro você sair com esse negócio desses, não vou dar não”. Ele pediu o livro do (Adolf) Hitler para ler e eu falei: “Meu filho, nazismo no Brasil é crime. Nem se quisesse eu poderia fornecer esse material para você, porque é proibido. E ele: “Não, mãe, eu queria entender a mente do Hitler. E eu falei: “Ah, então você vai fazer pesquisa, mas o livro eu não vou te dar”.

E as armas?

A questão das armas é um assunto meio conflitante. Porque eu também gosto, entendeu? Meu pai é militar, o pai deles é militar e eles queriam seguir carreira militar. Então eu meio que incentivei também. Eu levava eles para atirar, não com arma de verdade, mas com aquelas de bolinha, de chumbinho e tal. Mais por conta do desejo deles de seguir a carreira militar. Então a gente sempre teve muito convívio com esse assunto de armas, mas não a ponto de ter uma arma. Então ele começou a andar muito de preto, pedir para comprar muita coisa preta, todas as roupas deles praticamente eram pretas, só andava desse jeito. Mesmo depois que passou o negócio de máscara (da covid), ele continuou usando as máscaras pretas. Enfim, muita introspecção, não saía do quarto para nada. Nos últimos seis meses mais ou menos (antes do ataque) ele começou a ficar agressivo, resposta ríspida, sem nenhum contato afetivo, não dava boa noite, não dava beijo, não se despedia, coisa que a gente sempre teve o costume de fazer.

Como você interpretou isso?

Coisa de adolescente normal. Mas o que eu vejo hoje é a frieza. Ele não sorria mais, nem em foto ele sorria mais, ele não expressava nenhum afeto, nenhum carinho por ninguém. Na época ele estava estudando para o Enem. E eu ficava falando: “Filho, você vai fazer uma prova, é difícil.” O curso que ele queria entrar é mais difícil. “Você tem que estudar. Você não pode ficar no computador, não pode ficar no celular o tempo todo.” E eu achando que (essa frieza dele) fosse por conta da pressão para estudar. Nem precisava porque ele é extremamente inteligente, o QI dele é altíssimo, mas era coisa de mãe, né? “Você precisa estudar, tem prova, tem simulado.” Ele mudou mesmo, nos últimos seis meses (antes do atentado) realmente estava muito frio, não me dava atenção, mas achei que estivesse de birra, que fosse coisa de adolescente. Porque eu também fui adolescente. A gente pintava às vezes o cabelo de papel crepom roxo, usava algumas roupas esquisitas, mas era esse negócio de ter uma turma, uma tribo. Eu achei que fosse isso e respeitei... Infelizmente.

Quanto você acha que comunidades de ódio da internet incentivaram seu filho no ataque?

Eu nunca conversei com ele sobre esse assunto. Até porque o tempo de visita (na prisão) é muito curto. Eu vejo meu filho uma vez por mês por 30 minutos. Então eu tento valorizar esse tempo que estou com ele. Mas realmente nessas comunidades do submundo da internet, algumas desse Discord principalmente, que depois eu fiquei sabendo que ele frequentava e (onde) até comandava grupos, tem essa alienação que eles fazem desses jovens. Eu não sei como que eles capturam esses jovens, não sei como que eles seduzem esses jovens, mas parece que eles pescam mesmo essas possíveis vítimas para poderem fazer de soldado deles. É isso o que eu vejo hoje. Não estou tirando a culpa e a responsabilidade do meu filho de jeito nenhum. Ele está respondendo na Justiça, ele está preso, mas eu acho que tem muita coisa por trás disso, sabe? Não pode ser só coisa de jovem alienado. Eu não acredito que sejam só jovens que se juntam e ficam planejando isso, tem que ter alguém encabecando, liderando, alguém ganhando com isso. Porque ninguém vai fazer um negócio desses de graça.

Como você vê a indicação de especialistas de que expor imagens de ataques incentiva novos ataques?

Eu observei que tem um padrão de método. Por exemplo: todos escrevem tipo um diário antes, mais ou menos umas 30 páginas justificando o ato. Tem um intervalo de tempo entre um ataque e outro. E um estimula o outro. Cada ataque desses estimula o próximo porque eles criam um score, vamos dizer assim, eles têm uma pontuação: quanto mais eles matam, mais a nota é alta. E, se eles morrem em confronto, aí sim viram heróis. O de Suzano (que matou sete pessoas em 2019) é venerado, os dois de Columbine (que mataram 12 alunos e um professor em 1999 nos Estados Unidos) também são idolatrados. Então esses que conseguem matar e morrer são os heróis deles, são os ídolos, e eles tentam atingir esse patamar. Por isso que falar de (redução da) maioridade penal ou de (restrição ao) acesso a armas não vai adiantar porque matar e morrer é o que vão fazer eles se sentirem bem, entendeu? Por exemplo, meu filho entrou com uma besta que ele comprou na internet e entrou com faca que ele comprou na internet. O coquetel molotov ele fez em casa. Não vai ser restringindo o acesso a arma de fogo que vai diminuir isso e a maioridade penal também não cabe nesse caso. Porque, quanto mais novo (o assassino) e mais vítimas morrerem, melhor para eles.

Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Éber Louzada Zipinotti, alvo do adolescente no ano passado. Foto: Prefeitura de Vitória

Seu filho está passando por tratamento psicológico?

Infelizmente eu não posso falar sobre o processo dele, porque está em segredo, tem uma questão de avaliação psiquiátrica. Ele está em prisão preventiva, o caso ainda não foi julgado. Hoje eu o vejo lúcido, a fase aguda da psicose (já passou). Eu entendo um pouco porque sou enfermeira há 22 anos, já lidei com esse tipo de paciente. Então a fase aguda passou, ele está lúcido, mas não tem acompanhamento psiquiátrico. Ele passou por uma avaliação inicial quando foi preso. Se não me engano, foram duas consultas só para medicar e agora a gente conseguiu uma ajuda da psiquiatria para poder laudar ele e diagnosticar porque ele não tem diagnóstico. Então a gente desconfia, a gente supõe pela minha experiência, mas ele não tem acesso a nenhum tratamento psiquiátrico. Naquela hora que ele cometeu aquilo, realmente tinha que ser preso porque ia tentar consumar a ideia dele. Concordo plenamente em ter sido preso. Só que depois ele precisa de tratamento psiquiátrico. Todos os meus pedidos foram negados: clínica, psiquiatria, medicamento.

E como é para você quando acontecem esses outros ataques?

É muito difícil. Primeiro porque eu revivo aquele dia. Graças a Deus meu filho não machucou ninguém, mas esses outros estão matando. Eu sou enfermeira, estudei para salvar vidas, nunca passaria um ensinamento para o meu filho de matar ou machucar alguém. Até porque ele me viu salvando vidas a vida inteira dele. Cada morte dessas é muito difícil. Eu falo: “Gente, isso aqui não é uma série de Hollywood”. Isso não pode continuar. Não sei se as pessoas estão romantizando isso ou não. A realidade é que pessoas estão morrendo, pessoas inocentes. É muito difícil. Toda vez eu revivo aquele dia e sofro muito a cada morte dessas. A vontade que eu tenho é de abraçar esses familiares dessas vítimas, pedir perdão pelo medo e pavor que meu filho causou. A sensação é de impotência, de não poder fazer nada.

Como você tem conseguido administrar essa culpa e o que tem sentido desde o ano passado?

Estou em acompanhamento psiquiátrico e psicológico, tomo medicação e tento ocupar meu tempo. Eu me dedico mais ao meu outro filho. Até porque a vida não pode parar, né? O mundo não vai dar uma pausa para eu poder resolver meus problemas. Eu tenho alguns empregos. Sou concursada e trabalho à noite num hospital federal. Durante o dia, presto serviço como enfermeira.

Você sofreu ameaças?

Sim, no dia do ataque a gente recebeu algumas ameaças de morte. Eu e meu filho. Tenho a sensação de que a gente às vezes é perseguido. Na época, ficou bastante gente meio que estacionada na porta do prédio. Eu nem moro mais lá, tive que me mudar. E tem as ameaças veladas que a gente ouve. Falam que meu filho tinha que ter sido morto, que meu filho tem que ser decapitado, que tem que acontecer com o outro (filho) também, que a causa fui eu. É pesado.

O que você acha de quem diz que os pais dos autores de atentados são culpados?

Olha só: meu filho foi extremamente educado, ele tem todo o carinho do mundo dentro da casa dele, não é um lar de desajustados, ele não é largado. Ele recebeu muito amor, muito carinho de toda a família. Ele teve boa educação, a escola lá é uma excelente escola, é uma das melhores do município. Então não é uma questão de lar desajustado. É o que eu falei: não sei a causa e não sei a cura, mas o que eu consigo fazer é alertar os pais para poderem ver esses sinais de introspecção, de agressividade. Não que todos os meninos que vistam preto e sejam agressivos serão invasores. Mas que (os pais) valorizem as queixas das escolas, principalmente de comportamento, de desenho que eles podem fazer e estar ligado a esse movimento. Meu filho nunca teve problema de saúde, a gente não tem problema de dinheiro, a gente não tem problema de educação, não tem problema de amor. O que levou meu filho a fazer isso eu não sei. Do mesmo jeito que um monte de mãe e pai aí está achando que o comportamento (do filho) é normal e ele pode ser o próximo agressor.

Tem algo mais que você gostaria de acrescentar?

O que esses meninos fizeram são coisas horríveis. Mas que eles não sejam sacrificados. Eu não estou dizendo que eles são vítimas da sociedade não, mas esses meninos estão doentes, a juventude está doente. A questão de saúde mental hoje é importantíssima. Quando eles chegam a cometer um ato desses é porque já chegaram ao ápice do desequilíbrio. O mal que eles estão fazendo é um reflexo de alguma coisa na sociedade que está dando errado. Os especialistas podem falar mais sobre isso, mas não massacrem esses meninos. Eles são vítimas também do ambiente tóxico em que estão imersos. O ideal seria evitar contato com esse tipo de ambiente, mas esses meninos estão doentes. Se depois desta entrevista eu conseguir evitar um ataque, já vou estar realizada.

Na tarde de 19 de agosto de 2022, Adriana tinha acabado de chegar de uma viagem de férias dos Estados Unidos quando recebeu a notícia que mudaria drasticamente a vida de toda a sua família. Seu filho Henrique, de 18 anos, que ela pensava estar no mercado, tinha acabado de invadir a Escola Municipal Éber Louzada Zippinotti, em Vitória (ES), com seis facas ninjas, arco com 59 flechas, três bestas e quatro coquetéis molotov. Após ter acesso negado no portão, ele escalou a grade de seu ex-colégio e chegou a ameaçar estudantes e funcionários, mas acabou detido por policiais e seguranças e ninguém se feriu.

Autuado em flagrante por tentativa de homicídio qualificada por motivo fútil, está preso desde então. Nesta semana, Adriana reviveu todo o drama, ao saber do ataque à Escola Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo, que terminou com a morte de uma professora de 71 anos. E é assim a cada novo ataque. “Sofro muito a cada morte dessas. A vontade que tenho é de abraçar esses familiares dessas vítimas, pedir perdão pelo medo e pavor que meu filho causou”, diz ela, que pediu para não terem o sobrenome divulgado por causa das ameaças.

Para Adriana, discussões como a da redução da maioridade penal não resolverão o problema, pois os agressores são cada vez mais jovens. Mas os pais precisam ficar alertas para sinais que ela na época enxergou como sendo típicos da adolescência, como ficar horas no quarto com computador ou celular e se tornar mais frio, distante e agressivo, e hoje enxerga que tinham a ver com o processo de radicalização do filho. “Meu filho nunca teve problema de saúde, a gente não tem problema de dinheiro, a gente não tem problema de educação, não tem problema de amor. O que levou meu filho a fazer isso eu não sei. Do mesmo jeito que um monte de mãe e pai aí está achando que esse comportamento (do filho) é normal e ele pode ser o próximo agressor.”

Adriana alerta também para comunidades de ódio na internet que endeusam autores de massacres e estimulam novos ataques. “Eu não sei como que eles capturam esses jovens, eu não sei como que eles seduzem esse jovens, mas parece que eles pescam mesmo essas possíveis vítimas para poderem fazer de soldado deles”, diz. “Não estou tirando a culpa e a responsabilidade do meu filho de jeito nenhum. Ele está respondendo na justiça, ele está preso, mas eu acho que tem muita coisa por trás disso, sabe? Eu não acredito que sejam só jovens que se juntam e ficam planejando isso, tem que ter alguém encabeçando, liderando, alguém ganhando com isso.”

Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Rádio Eldorado.

Armamento apreendido com o adolescente após a invasão. Foto: Polícia Militar do Espírito Santo

Como tem sido sua vida desde 19 de agosto, quando seu filho atacou a escola em Vitória?

O ataque aconteceu no dia em que eu estava chegando de uma viagem de férias, estava nos Estados Unidos. Exatamente na mesma hora que eu pousei ele entrou na escola. Mais ou menos por volta de duas e meia, três horas da tarde. Eu tenho ele e mais um filho. Na hora que cheguei em casa, ele não estava e eu perguntei para o irmão: “Cadê o Henrique?”. “Ah, mãe, foi no supermercado”. Eu: ”Tá, tudo bem”. Quando minha sogra depois ligou e o pai dele ligou dizendo que ele estava sendo conduzido para a delegacia porque tinha invadido uma escola é que eu fiquei sabendo. Foi um susto, eu não sabia o que fazer direito. Fui para delegacia. É uma situação tão bizarra, tão irreal que você não acredita que está acontecendo com você. Esse é o sentimento, do susto. Depois você vai tentar rever o que houve, o que estava acontecendo, os sinais que ele estava apresentando e eu não percebi. E esse é o objetivo da minha exposição aqui: gostaria de alertar os pais para enxergarem esses sinais que o meu filho deu e eu não consegui enxergar para que outros ataques não aconteçam.

Você pode detalhar esses sinais?

Eram coisinhas típicas de adolescente que a gente não leva em consideração. O Henrique sempre foi muito tímido. Era difícil até de fazer e manter amizades. Mas as amizades dele eram sempre certinhas. Ele tinha a roda de amigos deles. Quando ele saiu dessa escola e no ensino médio foi para uma escola particular era totalmente diferente. Logo depois veio a pandemia. Acho que ele teve um mês de aula só e fechou tudo. Depois ficou naquele (ensino) híbrido, por escola, computador. Então ele começou a se fechar muito, ficava só dentro do quarto ou no banheiro trancado. Sempre com um computador ou com o celular, sempre. Depois começou a se vestir de preto, só pedia para comprar roupa preta, calça cargo, camisa básica preta. Ele pediu um coturno também que o pai deu, mas eu achava que fosse estilo dele, entendeu? Coisa de adolescente mesmo. Também começou a ficar muito mais introspectivo do que já era. Aí pediu suspensório, pediu cinto preto e, no aniversário de 18 anos, pediu uma capa de couro preta enorme. Eu falei: “Meu filho, eu não vou te dar porque em Vitória não tem frio para usar um negócio desses. É muito bizarro você sair com esse negócio desses, não vou dar não”. Ele pediu o livro do (Adolf) Hitler para ler e eu falei: “Meu filho, nazismo no Brasil é crime. Nem se quisesse eu poderia fornecer esse material para você, porque é proibido. E ele: “Não, mãe, eu queria entender a mente do Hitler. E eu falei: “Ah, então você vai fazer pesquisa, mas o livro eu não vou te dar”.

E as armas?

A questão das armas é um assunto meio conflitante. Porque eu também gosto, entendeu? Meu pai é militar, o pai deles é militar e eles queriam seguir carreira militar. Então eu meio que incentivei também. Eu levava eles para atirar, não com arma de verdade, mas com aquelas de bolinha, de chumbinho e tal. Mais por conta do desejo deles de seguir a carreira militar. Então a gente sempre teve muito convívio com esse assunto de armas, mas não a ponto de ter uma arma. Então ele começou a andar muito de preto, pedir para comprar muita coisa preta, todas as roupas deles praticamente eram pretas, só andava desse jeito. Mesmo depois que passou o negócio de máscara (da covid), ele continuou usando as máscaras pretas. Enfim, muita introspecção, não saía do quarto para nada. Nos últimos seis meses mais ou menos (antes do ataque) ele começou a ficar agressivo, resposta ríspida, sem nenhum contato afetivo, não dava boa noite, não dava beijo, não se despedia, coisa que a gente sempre teve o costume de fazer.

Como você interpretou isso?

Coisa de adolescente normal. Mas o que eu vejo hoje é a frieza. Ele não sorria mais, nem em foto ele sorria mais, ele não expressava nenhum afeto, nenhum carinho por ninguém. Na época ele estava estudando para o Enem. E eu ficava falando: “Filho, você vai fazer uma prova, é difícil.” O curso que ele queria entrar é mais difícil. “Você tem que estudar. Você não pode ficar no computador, não pode ficar no celular o tempo todo.” E eu achando que (essa frieza dele) fosse por conta da pressão para estudar. Nem precisava porque ele é extremamente inteligente, o QI dele é altíssimo, mas era coisa de mãe, né? “Você precisa estudar, tem prova, tem simulado.” Ele mudou mesmo, nos últimos seis meses (antes do atentado) realmente estava muito frio, não me dava atenção, mas achei que estivesse de birra, que fosse coisa de adolescente. Porque eu também fui adolescente. A gente pintava às vezes o cabelo de papel crepom roxo, usava algumas roupas esquisitas, mas era esse negócio de ter uma turma, uma tribo. Eu achei que fosse isso e respeitei... Infelizmente.

Quanto você acha que comunidades de ódio da internet incentivaram seu filho no ataque?

Eu nunca conversei com ele sobre esse assunto. Até porque o tempo de visita (na prisão) é muito curto. Eu vejo meu filho uma vez por mês por 30 minutos. Então eu tento valorizar esse tempo que estou com ele. Mas realmente nessas comunidades do submundo da internet, algumas desse Discord principalmente, que depois eu fiquei sabendo que ele frequentava e (onde) até comandava grupos, tem essa alienação que eles fazem desses jovens. Eu não sei como que eles capturam esses jovens, não sei como que eles seduzem esses jovens, mas parece que eles pescam mesmo essas possíveis vítimas para poderem fazer de soldado deles. É isso o que eu vejo hoje. Não estou tirando a culpa e a responsabilidade do meu filho de jeito nenhum. Ele está respondendo na Justiça, ele está preso, mas eu acho que tem muita coisa por trás disso, sabe? Não pode ser só coisa de jovem alienado. Eu não acredito que sejam só jovens que se juntam e ficam planejando isso, tem que ter alguém encabecando, liderando, alguém ganhando com isso. Porque ninguém vai fazer um negócio desses de graça.

Como você vê a indicação de especialistas de que expor imagens de ataques incentiva novos ataques?

Eu observei que tem um padrão de método. Por exemplo: todos escrevem tipo um diário antes, mais ou menos umas 30 páginas justificando o ato. Tem um intervalo de tempo entre um ataque e outro. E um estimula o outro. Cada ataque desses estimula o próximo porque eles criam um score, vamos dizer assim, eles têm uma pontuação: quanto mais eles matam, mais a nota é alta. E, se eles morrem em confronto, aí sim viram heróis. O de Suzano (que matou sete pessoas em 2019) é venerado, os dois de Columbine (que mataram 12 alunos e um professor em 1999 nos Estados Unidos) também são idolatrados. Então esses que conseguem matar e morrer são os heróis deles, são os ídolos, e eles tentam atingir esse patamar. Por isso que falar de (redução da) maioridade penal ou de (restrição ao) acesso a armas não vai adiantar porque matar e morrer é o que vão fazer eles se sentirem bem, entendeu? Por exemplo, meu filho entrou com uma besta que ele comprou na internet e entrou com faca que ele comprou na internet. O coquetel molotov ele fez em casa. Não vai ser restringindo o acesso a arma de fogo que vai diminuir isso e a maioridade penal também não cabe nesse caso. Porque, quanto mais novo (o assassino) e mais vítimas morrerem, melhor para eles.

Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Éber Louzada Zipinotti, alvo do adolescente no ano passado. Foto: Prefeitura de Vitória

Seu filho está passando por tratamento psicológico?

Infelizmente eu não posso falar sobre o processo dele, porque está em segredo, tem uma questão de avaliação psiquiátrica. Ele está em prisão preventiva, o caso ainda não foi julgado. Hoje eu o vejo lúcido, a fase aguda da psicose (já passou). Eu entendo um pouco porque sou enfermeira há 22 anos, já lidei com esse tipo de paciente. Então a fase aguda passou, ele está lúcido, mas não tem acompanhamento psiquiátrico. Ele passou por uma avaliação inicial quando foi preso. Se não me engano, foram duas consultas só para medicar e agora a gente conseguiu uma ajuda da psiquiatria para poder laudar ele e diagnosticar porque ele não tem diagnóstico. Então a gente desconfia, a gente supõe pela minha experiência, mas ele não tem acesso a nenhum tratamento psiquiátrico. Naquela hora que ele cometeu aquilo, realmente tinha que ser preso porque ia tentar consumar a ideia dele. Concordo plenamente em ter sido preso. Só que depois ele precisa de tratamento psiquiátrico. Todos os meus pedidos foram negados: clínica, psiquiatria, medicamento.

E como é para você quando acontecem esses outros ataques?

É muito difícil. Primeiro porque eu revivo aquele dia. Graças a Deus meu filho não machucou ninguém, mas esses outros estão matando. Eu sou enfermeira, estudei para salvar vidas, nunca passaria um ensinamento para o meu filho de matar ou machucar alguém. Até porque ele me viu salvando vidas a vida inteira dele. Cada morte dessas é muito difícil. Eu falo: “Gente, isso aqui não é uma série de Hollywood”. Isso não pode continuar. Não sei se as pessoas estão romantizando isso ou não. A realidade é que pessoas estão morrendo, pessoas inocentes. É muito difícil. Toda vez eu revivo aquele dia e sofro muito a cada morte dessas. A vontade que eu tenho é de abraçar esses familiares dessas vítimas, pedir perdão pelo medo e pavor que meu filho causou. A sensação é de impotência, de não poder fazer nada.

Como você tem conseguido administrar essa culpa e o que tem sentido desde o ano passado?

Estou em acompanhamento psiquiátrico e psicológico, tomo medicação e tento ocupar meu tempo. Eu me dedico mais ao meu outro filho. Até porque a vida não pode parar, né? O mundo não vai dar uma pausa para eu poder resolver meus problemas. Eu tenho alguns empregos. Sou concursada e trabalho à noite num hospital federal. Durante o dia, presto serviço como enfermeira.

Você sofreu ameaças?

Sim, no dia do ataque a gente recebeu algumas ameaças de morte. Eu e meu filho. Tenho a sensação de que a gente às vezes é perseguido. Na época, ficou bastante gente meio que estacionada na porta do prédio. Eu nem moro mais lá, tive que me mudar. E tem as ameaças veladas que a gente ouve. Falam que meu filho tinha que ter sido morto, que meu filho tem que ser decapitado, que tem que acontecer com o outro (filho) também, que a causa fui eu. É pesado.

O que você acha de quem diz que os pais dos autores de atentados são culpados?

Olha só: meu filho foi extremamente educado, ele tem todo o carinho do mundo dentro da casa dele, não é um lar de desajustados, ele não é largado. Ele recebeu muito amor, muito carinho de toda a família. Ele teve boa educação, a escola lá é uma excelente escola, é uma das melhores do município. Então não é uma questão de lar desajustado. É o que eu falei: não sei a causa e não sei a cura, mas o que eu consigo fazer é alertar os pais para poderem ver esses sinais de introspecção, de agressividade. Não que todos os meninos que vistam preto e sejam agressivos serão invasores. Mas que (os pais) valorizem as queixas das escolas, principalmente de comportamento, de desenho que eles podem fazer e estar ligado a esse movimento. Meu filho nunca teve problema de saúde, a gente não tem problema de dinheiro, a gente não tem problema de educação, não tem problema de amor. O que levou meu filho a fazer isso eu não sei. Do mesmo jeito que um monte de mãe e pai aí está achando que o comportamento (do filho) é normal e ele pode ser o próximo agressor.

Tem algo mais que você gostaria de acrescentar?

O que esses meninos fizeram são coisas horríveis. Mas que eles não sejam sacrificados. Eu não estou dizendo que eles são vítimas da sociedade não, mas esses meninos estão doentes, a juventude está doente. A questão de saúde mental hoje é importantíssima. Quando eles chegam a cometer um ato desses é porque já chegaram ao ápice do desequilíbrio. O mal que eles estão fazendo é um reflexo de alguma coisa na sociedade que está dando errado. Os especialistas podem falar mais sobre isso, mas não massacrem esses meninos. Eles são vítimas também do ambiente tóxico em que estão imersos. O ideal seria evitar contato com esse tipo de ambiente, mas esses meninos estão doentes. Se depois desta entrevista eu conseguir evitar um ataque, já vou estar realizada.

Entrevista por Luciana Garbin

Editora executiva no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos

Carolina Ercolin

Apresentadora e editora do Jornal Eldorado, da Rádio Eldorado, em São Paulo. Jornalista, mestranda em Comunicação pela ECA-USP. Foi âncora e repórter da Rádio Bandeirantes e Jovem Pan. Vencedora dos prêmios CNT, Longevidade, Troféu Mulher Imprensa e Estadão.

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