Paolo Gabriele sempre foi um homem reservado, quase tímido, como exigia seu trabalho. Ele tinha acesso aos aposentos mais privados no Palácio Apostólico do Vaticano - o apartamento do papa Bento 16. Mas o que teria levado o mordomo do papa, que no sábado foi acusado formalmente pelos magistrados do Vaticano de posse ilegal de documentos secretos, a trair o homem que confiava nele? Foi por dinheiro? Provavelmente não. Gianluigi Nuzzi, o jornalista italiano que revelou parte dos documentos vazados que alegam corrupção no Vaticano e conflito interno sobre o papel do Banco do Vaticano, recusa-se a revelar suas fontes, mas insiste que não lhes deu dinheiro. Nuzzi, um jornalista respeitado com um bom histórico, cujo livro "Sua Santidade" contém parte das acusações, diz que os que lhe deram os documentos eram pessoas devotas, "genuinamente preocupadas com a Igreja Católica" e que queriam expor a corrupção. Gabriele, de 46 anos, que pode pegar até 30 anos de prisão se for condenado, vive em um apartamento confortável no Vaticano com sua mulher e três filhos, e todos que o conhecem dizem que ele é muito religioso. Embora os empregados do Vaticano não recebam altos salários, eles desfrutam de benefícios como aluguel baixo, isenção de impostos e comida e combustível subsidiados nos comissariados da cidade-estado de 43,7 hectares. Nas viagens do papa, o bonito e sempre polido Gabriele raramente aparecia na área da imprensa. Quando o fazia, era educado com os jornalistas, mas resistia a qualquer tentativa de divulgar informações. Um padre que conhece Gabriele disse ao jornal La Stampa no sábado que ele era um "homem simples", que não teria sido capaz de organizar uma campanha de vazamentos. "Por que ele poria em risco a boa vida familiar que ele construiu?", disse o padre, que não quis ser identificado, ao repórter Andrea Tornielli, do jornal do Vaticano. MISTÉRIO Realmente, como em qualquer bom mistério, a questão que muitas pessoas fazem é: qual foi o motivo? Se o denunciante realmente é o homem que ajudou a vestir o papa e servir suas refeições, ele poderia ter feito isso por conta própria? Muitos comentaristas duvidam, e alguns especulam que ele pode ter sido um peão em uma grande luta pelo poder interno, um "bode expiatório". Alguns comentaristas disseram que tramas maquiavélicas que têm vindo à tona recentemente são parte de uma disputa entre aliados e inimigos do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone. "Este não é apenas um vazamento de documentos que pode ser definido como uma traição", disse o historiador da Igreja Alberto Melloni, dizendo que o caso é parte de uma luta de poder entre os cardeais da Cúria, a administração central do Vaticano. "Esta é uma estratégia de tensão, uma orgia de vinganças que já saiu do controle daqueles que pensaram que poderiam controlar a situação," disse Melloni. Outro historiador da Igreja, Vittorio Messori, que escreveu livros com Bento antes de ser eleito papa em 2005, disse ao La Stampa: "A Cúria sempre foi um ninho de víboras". Resta ver se o mordomo papal, se ele é culpado, era um solitário denunciante idealista, ou uma vítima daquele ninho.