Em decisão histórica, o papa Francisco aprovou formalmente a permissão para sacerdotes abençoarem casais do mesmo sexo. Um novo documento, divulgado nesta segunda-feira, 18 pelo Vaticano, sinaliza uma mudança significativa na política da Igreja Católica, apontando que as pessoas que procuram o amor e a misericórdia de Deus não devem ser sujeitas a “uma análise moral exaustiva” para receber uma bênção.
O documento contém uma carta que Francisco enviou a dois cardeais conservadores e publicada em outubro. Nesta resposta preliminar, Francisco sugeriu que tais bênçãos poderiam ser oferecidas em algumas circunstâncias, contanto que não se confunda o ritual com o sacramento do casamento.
O novo documento desenvolve essa ideia, reafirmando que o casamento é um “sacramento vitalício entre um homem e uma mulher”. Ele sublinha que as bênçãos edevem ser de natureza não litúrgica e não devem ser conferidas ao mesmo tempo que uma união civil, por meio de rituais definidos ou mesmo com as roupas e gestos próprios do casamento. Mas diz que os pedidos de tais bênçãos para casais do mesmo sexo não devem ser negados.
Francisco, que completou 87 anos neste domingo, 17, e tem uma década de pontificado, tem dado acenos para uma maior inclusão de grupos LGBT+ na Igreja Católica. Em entrevista no começo do ano, ele reforçou que “homossexualidade não é crime”.
Em outubro de 2020, circularam trechos de um documentário, que estrearia no fim daquele ano, em que o pontífice defendia leis que previam a união civil entre pessoas do mesmo sexo e o direito de os homossexuais serem acolhidos pelas suas famílias. Semanas depois, porém, ele divulgou um documento reforçando que suas declarações haviam sido tiradas de contexto e que não sinalizavam mudança na doutrina católica.
Em 2008, ainda sob o Papa Bento XVI, o Vaticano havia se recusado até a assinar uma declaração das Nações Unidas pedindo o fim das leis que criminalizam a homossexualidade.
Bênção ajuda a aumentar a confiança em Deus, diz documento
O documento divulgado nesta semana oferece definição extensa e ampla do termo “bênção” nas escrituras católicas para insistir que as pessoas que procuram um relacionamento transcendente com Deus e procuram o seu amor e misericórdia não devem ser sujeitas a “uma análise moral exaustiva” como pré-condição para recebê-la.
“Em última análise, uma bênção oferece às pessoas um meio de aumentar a sua confiança em Deus”, afirma o documento. “O pedido de bênção, portanto, expressa e alimenta a abertura à transcendência, à misericórdia e à proximidade de Deus em mil circunstâncias concretas da vida, o que não é pouca coisa no mundo em que vivemos”. Ele acrescentou: “É uma semente do Espírito Santo que deve ser nutrida, não impedida”.
O Vaticano afirma que o casamento é uma união indissolúvel entre homem e mulher. Como resultado, se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em 2021, a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano disse categoricamente que a Igreja não poderia abençoar as uniões de dois homens ou duas mulheres porque “Deus não pode abençoar o pecado”.
Esse documento criou um clamor – pelo qual parece que até Francisco foi surpreendido, apesar de ter aprovado tecnicamente a sua publicação. Logo após a divulgação, o pontífice demitiu o funcionário responsável por ela e começou a lançar as bases para uma reversão.
No novo documento, o Vaticano disse que a Igreja deve evitar “esquemas doutrinários ou disciplinares, especialmente quando conduzem a um elitismo narcisista e autoritário pelo qual, em vez de evangelizar, se analisa e classifica os outros, e em vez de abrir a porta à graça, esgotamos as nossas energias na inspeção e verificação.”
O texto também sublinhou que as pessoas em uniões “irregulares” – homo, bi ou heterossexuais – estão em um estado de pecado. Mas diz que isso não deveria privá-los do amor ou da misericórdia de Deus. “Assim, quando as pessoas pedem uma bênção, uma análise moral exaustiva não deve ser colocada como pré-condição para concedê-la”, afirma o documento.
‘Grande passo em frente’
O reverendo americano James Martin, que defende maior acolhida para os católicos LGBT+, elogiou o novo documento como um “grande passo em frente” e uma “mudança dramática” na política do Vaticano para 2021.
Ele disse que o novo documento “reconhece o desejo profundo de muitos casais católicos do mesmo sexo pela presença de Deus e pela ajuda nos seus relacionamentos de compromisso”.
“Juntamente com muitos padres católicos, terei agora o prazer de abençoar os meus amigos em casamentos entre pessoas do mesmo sexo”, disse Martin./COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS