O acidente de avião que matou 14 pessoas, no sábado, 16, em Barcelos (AM), chamou a atenção para a pesca esportiva, atividade em crescente expansão na Amazônia. Doze das vítimas eram pescadores. Na Bacia do Rio Negro, um dos formadores do Rio Amazonas, Barcelos é um dos principais destinos de turistas brasileiros e estrangeiros em busca da emoção de fisgar um dos grandes peixes do bioma.
Segundo o Ministério de Turismo, a atividade tem 6 milhões de praticantes no País e estima-se que movimente R$ 1 bilhão por ano, tendo como principais destinos o Pantanal e a Amazônia. Só no Amazonas, a pesca esportiva gera receita de R$ 400 milhões por temporada, conforme o Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico de Manaus.
No período da pesca, de agosto a fevereiro, 40 mil pescadores esportivos, em grande parte vindos do exterior, visitam o Estado. Os principais destinos finais são municípios banhados por grandes rios ou lagos, como Barcelos, Presidente Figueiredo, Careiro da Várzea, Itacoatiara e São Sebastião do Uatumã. Recentemente, surgiram outras opções, como Vitória do Xingu e Novo Aripuanã.
O avião que caiu em Barcelos levava 12 pescadores de vários Estados, piloto e copiloto. Não houve sobreviventes. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a aeronave estava em situação regular. Entre as vítimas, estão empresários de Minas, Goiás e São Paulo, além de um médico do Distrito Federal. Eles viajavam para pescar no Rio Negro. O acidente causa preocupação com a segurança da atividade, mas operadores dizem que o movimento de turistas não caiu.
A operadora de turismo Pesca Sem Fronteiras oferece expedições a bordo de um iate e as reservas são feitas com até um ano e meio de antecedência. Segundo o diretor João Carlos Pinto da Silva, o ‘Pescador de Jaú’, os clientes são na maioria estrangeiros, principalmente americanos, canadenses e argentinos, mas tem recebido até turistas da África.
Nascido no Pantanal sul-mato-grossense, Silva é pescador desde 1994 e um dos maiores especialistas na captura do jaú, um dos gigantes dos rios brasileiros.
Nesta terça-feira, 19, ele navegava com seu iate Amazônia pelas águas do Rio Branco, afluente do Negro, em Roraima. “Tenho a bordo dois americanos, dez argentinos e três brasileiros, e eles estão pegando muito peixe”, disse. Os argentinos Rafael Geier e Emmanuel Noli conseguiram fisgar tucunarés-açu de mais de dez quilos.
O brasileiro Dione Sandro Silva tirou da água um pirarucu com mais de 50 quilos. Até um adolescente americano, que estava com o pai, se deu bem: uma pirarara de 20 quilos. Peixes grandes, mas menores que o recorde do próprio Silva, que já fisgou, em outra pescaria, um jaú de 120 quilos.
O operador turístico reconhece que a pesca esportiva na Amazônia se torna mais cara devido à dificuldade de acesso às regiões preservadas e com maior variedade de espécies, que exigem deslocamento aéreo.
“Um pacote de alto nível de 8 dias, sendo 6 de pesca, custa de R$ 10 mil a R$ 25 mil por pessoa, sem a parte aérea. Normalmente, o turista desembarca em Manaus e pega outro voo para Barcelos, na bacia do Negro, ou Santa Isabel do Rio Negro, cidades que têm aeroportos. Também é possível sair de iate de Manaus e navegar 800 quilômetros para contemplação e pescaria”, explica.
Na Amazônia, a temporada de pesca varia conforme a região. Na bacia do Rio Negro, no Amazonas, vai de agosto a março. “Já estamos sob a influência do El Niño (fenômeno climático) e os rios estão baixando, o que pode tornar a temporada mais interessante. Rio com menos água facilita a pesca”, diz o pescador. Nos lagos e em rios com corredeiras, é possível pescar o ano todo.
Silva já navegava com o iate quando o avião que transportava os pescadores caiu, em Barcelos. “Pegamos a mesma tempestade e depois soubemos do acidente. Um dos clientes ficou bem assustado e disse que vai evitar os voos, mas acho que o impacto não será grande no turismo de pesca”, diz.
“É um segmento muito consolidado e o risco é baixo. Usamos muito os aviões devido à economia de tempo, fazendo em três horas um percurso de que pela água levaria 30.”, prossegue.
Conforme a Federação Amazonense de Pesca Esportiva, no Estado já são cinco grandes competições anuais de pesca esportiva. No Pará, são outros 7 torneios de grande porte. Há ainda a feira de pesca esportiva e ecoturismo de Manaus que atraiu, no ano passado, 175 expositores.
No início do mês, a federação assinou convênio com o governo estadual para criar cursos de capacitação para ribeirinhos atuarem como pilotos de embarcações. Serão contemplados pescadores e ribeirinhas em situação de vulnerabilidade social na Grande Manaus.
A pesca esportiva gera empregos para os ribeirinhos, segundo o diretor da Pesca Sem Fronteiras. “Nós, operadores, trabalhamos com as comunidades ribeirinhas, contratando pessoas que antes viviam da pesca de subsistência para embarcar com a gente, cuidar dos petrechos de pesca, ou dar suporte em outras operações, como a manutenção dos barcos”, diz. Além dos ribeirinhos, muitos indígenas trabalham em hotéis e pousadas que recebem pescadores.
A pousada Personal Pishing, em Barcelos, tem estrutura hoteleira na margem direita do Rio Negro para atender grupos de até 12 pescadores. O engenheiro Otacílio Marcondes, de Campinas (SP), frequenta o local há quatro anos com um grupo de amigos.
“As instalações têm muito conforto em um cenário maravilhoso, com ilhas, pois fica em frente ao arquipélago Mariuá, que dizem ser um dos maiores do mundo. Ficamos no hotel e usamos barcos muito bons para a pescaria. Já peguei alguns tucunarés-açu de dar gosto”, disse. Uma semana custa, em média, a R$ 12 mil por pessoa.
Torneios têm regras e precisam de autorização
O tucunaré é um dos peixes amazônicos preferidos pelos pescadores por sua característica de resistir à captura. Entre as várias espécies do peixe, o tucunaré-açu se destaca pelo porte, podendo chegar a um metro e pesar até 15 quilos. Em Manaus, uma lei municipal tornou o tucunaré-açu o peixe símbolo de Manaus.
É um peixe de escama, como o dourado, outro espécime cobiçado. Entre os peixes de couro, além do jaú, a pirara chega a 1,5 metro e 60 quilos. O cachara e a piraíba também são apreciados para pesca.
A pesca esportiva movimenta a economia de Vitória do Xingu, município de 15 mil habitantes na região central do Pará. No dia 10, um torneio de pesca do tucunaré levou mais de cinco mil turistas à cidade. Segundo a secretária de Turismo e Lazer, Hellen Luana, os peixes capturados foram soltos. “Ao unir amantes da pesca esportiva daqui com visitantes, valorizamos a preservação das espécies e incentivamos uma atividade sustentável, que posiciona Vitória do Xingu no mapa turístico do Estado.”
O agente turístico Helisson Veras dá suporte às operadores fazendo o embarque de passageiros de Manaus a Barcelos. Nessa terça, ele oferecia vagas em táxi aéreo a R$ 899 por pessoa na ida e R$ 350 no retorno. “Por causa do acidente em Barcelos, muita gente está resistente em pegar o voo, mas ainda não tivemos desistência dos que já fecharam”, diz.
Ele esperava completar a lotação da aeronave, que deve levar 33 pescadores na sexta-feira, 23. “Temos também aviões de 14 lugares. Estamos recebendo muitos japoneses e americanos”, conta.
Conforme o Ministério de Pesca, a pesca esportiva está abarcada pela Lei de Pesca, que prevê medidas como a indicação do tipo de embarcação que será usada e a exigência de autorização do poder público para torneios e gincanas que envolvem a pesca. Há também restrições, como limites de captura de certas espécies, tamanhos mínimos do exemplar e, em caso de competições, a obrigação de devolver o peixe à água.