Examinada pelos critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a situação financeira da maioria dos Estados é muito ruim. No ano passado, 17 deles, além do Distrito Federal, registraram gastos com pessoal superiores aos limites de prudência estabelecidos pela legislação. Mas, na prática, em muitos Estados a situação pode ser ainda pior do que aparenta, pois, por meio de interpretação criativa, despesas que devem ser lançadas como gastos com pessoal são contabilizadas em outras rubricas. O resultado é que, se já parecia escasso, o volume de recursos de que os governos estaduais podem dispor para aplicar na melhoria, modernização e expansão dos serviços públicos é menor do que se imaginava.
Benefícios conhecidos dos servidores públicos, como auxílio-paletó (este utilizado sobretudo por parlamentares), auxílio-combustível, auxílio-moradia, precatórios relativos a alimentação, além de pensões e aposentadorias estão entre os gastos não contabilizados como despesas com pessoal. Também estão fora da lista os pagamentos a terceirizados e a prestadores de serviços contratados por meio de organização social.
Para especialistas em finanças públicas, não é simples caracterizar essas práticas como ilegais. Algumas foram aprovadas por Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) e outras, reconhecidas pela Justiça como legítimas. Assim, as demonstrações contábeis e financeiras que os governos estaduais precisam enviar regularmente para o Tesouro Nacional, para comprovar o cumprimento dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, excluem diversas despesas dos gastos com pessoal.
“O que temos nos Estados é a pior das contabilidades criativas”, disse ao Estado o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas. Isso porque práticas que distorcem as demonstrações são referendadas pelos TCEs ou pela justiça – em alguns, o próprio Tesouro Nacional as autoriza.
A LRF estabelece que os gastos com a folha de pessoal não podem ultrapassar determinada porcentagem da receita corrente líquida. O limite é de 50% para o governo federal e de 60% para Estados e municípios. Como medida para evitar que esses limites sejam alcançados, a lei criou dois outros limites inferiores, considerados prudenciais, que, se superados, exigem a adoção de medidas de correção. O primeiro desses limites corresponde a 90% do teto; o segundo, a 95%.
A lei também estabelece limites para cada um dos Poderes. No caso do Poder Executivo federal, o teto para gastos com pessoal é de 40,9% da receita corrente líquida; para os Executivos estaduais, de 49%; e para as prefeituras, de 54%. Desse modo, para o Poder Executivo estadual, o primeiro limite de gastos com pessoal (de 90% do teto) é de 44,1% da receita líquida e o segundo (95% do teto), de 46,55%.
Considerados os gastos dos Três Poderes, já no ano passado seis Estados – Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Goiás e Rio de Janeiro – romperam o limite de 60% de despesas com o funcionalismo, de acordo com relatório elaborado há algum tempo pelo Ministério da Fazenda. O estudo mostra que, nos últimos anos, os gastos com pessoal nos Estados sempre cresceram mais do que a arrecadação tributária.
A soma dos gastos normalmente contabilizados com a folha com aqueles que continuam ocultos nas demonstrações financeiras certamente mostraria uma situação muito mais dramática do que aquela que aparece nos relatórios convencionais. A secretária da Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão Costa – que busca apresentar ao público demonstrações financeiras mais confiáveis –, estima que os gastos com o pessoal podem superar 80% da receita líquida. Sobra muito pouco para outras atividades.
Excessos de contratações e de generosidade na concessão de aumentos e benefícios armaram uma bomba-relógio nas contas dos Estados. Mas, por causa das falhas de registro dessas despesas, não há certeza sobre o potencial destrutivo do artefato.