Um homem na faixa dos 30, bem vestido, de boa aparência, entrou no escritório da Manchete em NY, se apresentou como engenheiro, abriu uma pasta e me disse: inventei o motor a água. Como eu sei que jamais serei o jornalista que vai receber um furo destes de mão beijada, estas revelações não me animam. O primeiro pensamento é: "como tiro este maluco daqui". -E como funciona seu motor? -Isto eu não posso contar, porque se contar as multinacionais vão roubar. -O sr. pode me mostrar o motor funcionando? -Também não, porque ainda não está pronto. Depois de mais de uma hora, finalmente, se mancou. Disse a ele: "quando ficar pronto não deixe de me procurar". Isto foi há uns 30 anos. Vai ver que ele vendeu a invenção para o Clarity da Honda, movido a hidrogênio. Há menos tempo um empresário rico e visionário me telefonou do Brasil. Precisava de tudo que a ONU tinha sobre água - tratados, pesquisas, vídeos. Urgente, para ontem. Até minha amiga Sonia Nolasco, que trabalhava ONU, entrou na corrida da água. O material foi enviado via Fedex e até hoje nem um vapor de agradecimento. Sorry, Sonia. Na beira de um precioso, transparente e histórico riacho - o Beaverkill River - a duas horas de Manhattan, eu e o cinegrafista Paulo Zero estávamos tentando pescar uma das enormes trutas perfeitamente visíveis a menos de dois metros de profundidade. Elas chegavam, davam voltas nas minhocas e nem beliscavam. Gordas e preguiçosas. Apareceram quatro homens, nos deram boa tarde e um deles perguntou como ia a pescaria. -Péssima. -Ainda bem porque se vocês tivessem tirado uma truta iriam para a prisão. No mínimo pagariam uma multa. Este rio é meu e dos meus três sócios. -Mesmo se vocês tivessem comprado licença de pescar, aqui é proibido. Não é público. Nós compramos não só o rio como colocamos as trutas. -Somos hóspedes do dono da terra. -A terra é dele, o rio é meu. -E porque as trutas não comem as minhocas? -Porque a época das minhocas já passou. Agora, só mordem isca artificial. -Desculpem. No Brasil é diferente - e, sem argumentos, recolhemos a tralha. Tanta história para dizer que água é o novo petróleo, o ouro azul, e T. Boone Pickens é o Rockefeller moderno. Ficou bilionário com petróleo, gás e comprando empresas que não estavam à venda. Mereceu capa do Time em 85 como mestre no jogo da pirataria empresarial, aquisições agressivas. Em 71, Pickens tinha comprado um pedaço de terra no Texas para caçar codornas. Depois comprou tudo que estava em volta, comprou mais e mais e também o que estava embaixo da terra, sempre em busca de água numa região árida. Acumulou 275 mil quilômetros quadrados. Hoje é o maior proprietário de água dos Estados Unidos, tem 280 bilhões de litros por ano para vender e negocia com Dallas, carente de água. Para Pickens, a era da energia fóssil chegou ao fim. Um litro de água de torneira custa hoje 0.1 centavo de dólar no mercado, nas cidades onde é subsidiada pelas prefeituras, mas esta mamata vai acabar. Em Nova York já acabou. A conta de água do meu prédio, uma cooperativa , era menos de 200 dólares por ano. A nova é de 1.600 e ainda está barata comparada com histórias da vizinhança. Os fiscais batem na porta, deixam avisos e ameaçam com multas. Vão instalar novos medidores. T. Boone Pickens tem 80 anos, não tem pressa e nada a perder. O barril dele está cheio e vale ouro. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.