‘Pôr Forças Armadas nas ruas é dar férias para bandidos’


Para ministro, modelo de uso das tropas federais adotado na ocupação do Complexo do Alemão ficou no passado

Por Marcelo Godoy

SÃO PAULO - O modelo das Forças Armadas ocupando uma área, como o Complexo do Alemão ou da Maré, está enterrado. Ao menos na atual gestão. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que os militares continuarão a atuar “sob demanda”, usando seu grande contingente para o cerco de áreas em apoio às polícias e na área de inteligência. O modelo anterior, segundo ele, tinha como único resultado “dar férias para os bandidos”. Aqui ele faz seu balanço sobre o uso das ações dos militares em missões de Garantia de Lei e Ordem no País. 

'A formação do militar é para a defesa da soberania nacional', diz ministro Foto: NUNO GUIMARÃES/FRAMEPHOTO/

Há um crescimento de década para década da participação das Forças Armadas em ações contra o crime organizado nos Estados. Essa tendência é sustentável a longo prazo, ministro?

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O que eu tenho observado é que predominam no caso das GLOS as ações ligadas à greve de polícia, que é uma questão de segurança pública, e de combate à violência urbana. Somando os dois dados chega-se a 36% (o ministro refere-se à consolidação dos dados feitos pelo Ministério da Defesa), o que representa a emergência na área da segurança pública do País nas últimas duas décadas. Representa também uma opção do constituinte, que deixou 80% das responsabilidades da segurança pública com os Estados. A União ficou com 20%, com o combate ao tráfico internacional de drogas e armas. E não se criou nenhum corpo intermediário entre as Forças Armadas e as forças regulares da segurança pública para que atuasse nas situações extraordinárias, excepcionais, aonde você tem a falência ou incapacidade dos governos estaduais de manter a segurança. O que eu quero dizer com isso? Estou pensando nos Estados Unidos, que têm a Guarda Nacional que é exatamente esse corpo que desempenha esse papel.

O senhor quer dizer que não existe uma Polícia Militar Federal?

O que nós temos é um arremedo, que é a Força Nacional, que cumpre sua função, mas precisa ser permanente. Se não, você tem a banalização da GLO. E essa banalização da GLO não é boa para as Forças, e não é boa para o próprio País. Por ela ser extraordinária, localizada no tempo e no espaço, é a limitação que você tem. As Forças Armadas não têm capacitação e treinamento e muito menos vocação para substituir as polícias. Sem nenhum demérito ao papel importante que têm as polícias, mas a formação do militar é para a defesa da soberania nacional.

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O senhor quer dizer que não se pode vulgarizar esse emprego?

Evidentemente não é conveniente.

Por exemplo, empregar as Forças Armadas para revista em presídios, como está sendo feito? Certamente quando se criou o modelo de GLO não se pensava que a falência na área de segurança chegasse ao ponto de exigir a presença do Exército para revistar penitenciárias, não é?

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Vou lhe dar um dado que corrobora isso que você está dizendo. Um em cada três presos – e nós já fizemos mais de 30 varreduras – está armado. Ou seja, os nossos presídios e penitenciárias são peneiras e são home office do crime organizado. Esse é um dos problemas centrais da nossa segurança: nós não somos capazes de cortar o comando de quem está preso e, aliás, grande parte dessas gangues surgiram no sistema penitenciário, que é uma espécie de incubadora do crime organizado. Marcinho VP está há 15 anos em Mossoró e continua mantendo o controle sobre sua organização. Marcola está mais ou menos o mesmo tempo preso. Ele mantém a estrutura e há uma não disposição de enfrentar esse problema. O que você verifica é que essa não é uma atribuição das Forças Armadas. Mas as Forças Armadas no Brasil cumprem funções extra centrais. É segurança difícil encontrar outras Forças Armadas que cumpram tantas funções.

Não se corre o risco de uma mexicanização?

Não vejo isso. No caso específico do México foi feita uma atribuição para as Forças Armadas de combate ao crime organizado. Eu não acredito que se passe isso, embora exista o desejo. De um lado, o País não se sente ameaçado. A elite brasileira se desobriga de pensar e de se preocupar sobre o Exército, não entendendo que, se você cai abaixo de um certo limite de dissuasão, as ameaças aparecem e elas obstruem, constrangem o País. Isso faz com que a elite – e aqui falo também da elite congressual – ela se desobriga de entender e aplicar na questão da defesa. Mas isso não quer dizer que você pode chegar onde o chegou o México. Primeiro porque temos uma grau de profissionalização das nossas Forças Armadas e de formação entre as melhores do mundo. Podemos não ter os equipamentos, mas em termos de formação nós temos. E em segundo lugar eu não acredito que tenhamos a capacidade de colocar em risco esse profissionalismo e capacidade dissuasória aplicando Forças Armadas de forma permanente, até porque seria extremamente nocivo como já demonstraram outros países, particularmente o México. É algo que ninguém se dispõe a passar. Estive no México recentemente  e me disse o nosso embaixador lá que você tinha 3 mil desaparecidos e um elevado grau de deserção nas Forças Armadas. Então, isso aí é o que cabe evitar a todo custo. O problema da segurança nós não vamos resolver na Defesa, nós vamos resolver na segurança e temos de enfrentá-lo. Não vai ser fazendo uma transposição que vamos resolver. É capaz que, em vez de um problema, passemos a ter dois grandes problemas. Então isso de fato é algo que não pode e nem deve acontecer.

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O senhor percebe o desejo de governos estaduais de transmitir o ônus da segurança pública para o Exército?

É uma tentação. É uma tentação porque governos estaduais com a crise fiscal - tem Estado que pede GLO e há 12 anos não faz concurso para a polícia -, com sistemas prisionais saturados e convivendo com problemas de opinião pública, é evidente que é uma tentação de usar as Forças Armadas. Se nós vamos, como é o objeto do desejo, por as Forças Armadas para policiamento nas ruas, isso isoladamente é dar féria aos bandidos. Quando você põe as tropas nas ruas, o crime se retrai. Porque ele sabe que nós não podemos ficar lá muito tempo. Seja porque ele sabe que a lei não permite, seja porque é muito caro. Quando nós sairmos, eles voltam. Ou seja, você não golpeia a capacidade operacional do crime.

Ao mesmo tempo os Estados se sentem desobrigados... Claro que há uma certa desobrigação. De fato isso se comprovou. Nós tivemos durante um bom tempo no Alemão e na Maré, As quadrilhas saíram, ganhamos a confiança das comunidades, mas como o Estado não entrou fazendo a complementação social disso: emprego, renda, saúde e educação, quando nós saímos tudo voltou a ser como antes. E os militares se sentem nesse sentido, corretamente, usados. Pois fizemos todo o trabalho, o trabalho mais duro, mas não houve complementação. O sentimento é que nós enxugamos gelo. Nós cumprimos missão, mas não fizeram outra parte. O custo no Alemão foi de R$ 400 milhões, praticamente R$ 1 milhões por dia para depois olhar para esse resultado e não trazer o esperado, isso reforça a percepção no interior das forças e também de nós é que nós podemos ter um papel coadjuvante, de apoiar, mas nós não vamos assumir o combate à criminalidade. Às vezes escuto: ‘Por que vocês não subiram na Rocinha e fizeram o combate ao crime? Porque se nós subíssemos para valer e fizemos o combate, de acordo com é treinado e com a capacidade do Exército, nós poderíamos destruir a Rocinha e isso ninguém quer. Poderíamos gerar um número tal de mortes que jamais poderia ser assumido por um exército nacional.

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Qual será então o papel das Forças Armadas nessas ações? Nós estamos atuando no Rio de Janeiro dentro da seguinte lógica: não ocupamos permanentemente nenhuma área. Segundo: atuamos por demanda, em apoio às forças policiais que lideram o processo. Então por exemplo, você tem uma comunidade. Nosso papel é de fechar, de blindar. Só nós temos massa para fechar por exemplo todas as entradas e acessos de uma grande comunidade como a Rocinha, que tem 80 mil pessoas. Isso libera o pessoal lá dentro para fazer busca e apreensão. Terceiro: nós atuamos integradamente por meio da inteligência e estamos à disposição para fazer varreduras e apoio logístico. Isso decorre da compreensão de que a ocupação abaixa a temperatura, mas não combate nem elimina a infecção. A infecção tem de ser combate com a inteligência, com os policiais e a capacidade do Judiciário. E nós não somos agentes para fazer isso. Por isso no início gerou tanta confusão e tanto desentendimento. Mas quem lidera o processos são as polícias e por isso as polícias precisam se reforçar. Precisam ter melhores condições de trabalho e salário, precisam ter um sistema de correição que elimine os ligados ao crime organizado e os que estão de alguma forma ligados à corrupção e (as polícias) precisam ser despolitizadas. Essas são as questões centrais.

SÃO PAULO - O modelo das Forças Armadas ocupando uma área, como o Complexo do Alemão ou da Maré, está enterrado. Ao menos na atual gestão. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que os militares continuarão a atuar “sob demanda”, usando seu grande contingente para o cerco de áreas em apoio às polícias e na área de inteligência. O modelo anterior, segundo ele, tinha como único resultado “dar férias para os bandidos”. Aqui ele faz seu balanço sobre o uso das ações dos militares em missões de Garantia de Lei e Ordem no País. 

'A formação do militar é para a defesa da soberania nacional', diz ministro Foto: NUNO GUIMARÃES/FRAMEPHOTO/

Há um crescimento de década para década da participação das Forças Armadas em ações contra o crime organizado nos Estados. Essa tendência é sustentável a longo prazo, ministro?

O que eu tenho observado é que predominam no caso das GLOS as ações ligadas à greve de polícia, que é uma questão de segurança pública, e de combate à violência urbana. Somando os dois dados chega-se a 36% (o ministro refere-se à consolidação dos dados feitos pelo Ministério da Defesa), o que representa a emergência na área da segurança pública do País nas últimas duas décadas. Representa também uma opção do constituinte, que deixou 80% das responsabilidades da segurança pública com os Estados. A União ficou com 20%, com o combate ao tráfico internacional de drogas e armas. E não se criou nenhum corpo intermediário entre as Forças Armadas e as forças regulares da segurança pública para que atuasse nas situações extraordinárias, excepcionais, aonde você tem a falência ou incapacidade dos governos estaduais de manter a segurança. O que eu quero dizer com isso? Estou pensando nos Estados Unidos, que têm a Guarda Nacional que é exatamente esse corpo que desempenha esse papel.

O senhor quer dizer que não existe uma Polícia Militar Federal?

O que nós temos é um arremedo, que é a Força Nacional, que cumpre sua função, mas precisa ser permanente. Se não, você tem a banalização da GLO. E essa banalização da GLO não é boa para as Forças, e não é boa para o próprio País. Por ela ser extraordinária, localizada no tempo e no espaço, é a limitação que você tem. As Forças Armadas não têm capacitação e treinamento e muito menos vocação para substituir as polícias. Sem nenhum demérito ao papel importante que têm as polícias, mas a formação do militar é para a defesa da soberania nacional.

O senhor quer dizer que não se pode vulgarizar esse emprego?

Evidentemente não é conveniente.

Por exemplo, empregar as Forças Armadas para revista em presídios, como está sendo feito? Certamente quando se criou o modelo de GLO não se pensava que a falência na área de segurança chegasse ao ponto de exigir a presença do Exército para revistar penitenciárias, não é?

Vou lhe dar um dado que corrobora isso que você está dizendo. Um em cada três presos – e nós já fizemos mais de 30 varreduras – está armado. Ou seja, os nossos presídios e penitenciárias são peneiras e são home office do crime organizado. Esse é um dos problemas centrais da nossa segurança: nós não somos capazes de cortar o comando de quem está preso e, aliás, grande parte dessas gangues surgiram no sistema penitenciário, que é uma espécie de incubadora do crime organizado. Marcinho VP está há 15 anos em Mossoró e continua mantendo o controle sobre sua organização. Marcola está mais ou menos o mesmo tempo preso. Ele mantém a estrutura e há uma não disposição de enfrentar esse problema. O que você verifica é que essa não é uma atribuição das Forças Armadas. Mas as Forças Armadas no Brasil cumprem funções extra centrais. É segurança difícil encontrar outras Forças Armadas que cumpram tantas funções.

Não se corre o risco de uma mexicanização?

Não vejo isso. No caso específico do México foi feita uma atribuição para as Forças Armadas de combate ao crime organizado. Eu não acredito que se passe isso, embora exista o desejo. De um lado, o País não se sente ameaçado. A elite brasileira se desobriga de pensar e de se preocupar sobre o Exército, não entendendo que, se você cai abaixo de um certo limite de dissuasão, as ameaças aparecem e elas obstruem, constrangem o País. Isso faz com que a elite – e aqui falo também da elite congressual – ela se desobriga de entender e aplicar na questão da defesa. Mas isso não quer dizer que você pode chegar onde o chegou o México. Primeiro porque temos uma grau de profissionalização das nossas Forças Armadas e de formação entre as melhores do mundo. Podemos não ter os equipamentos, mas em termos de formação nós temos. E em segundo lugar eu não acredito que tenhamos a capacidade de colocar em risco esse profissionalismo e capacidade dissuasória aplicando Forças Armadas de forma permanente, até porque seria extremamente nocivo como já demonstraram outros países, particularmente o México. É algo que ninguém se dispõe a passar. Estive no México recentemente  e me disse o nosso embaixador lá que você tinha 3 mil desaparecidos e um elevado grau de deserção nas Forças Armadas. Então, isso aí é o que cabe evitar a todo custo. O problema da segurança nós não vamos resolver na Defesa, nós vamos resolver na segurança e temos de enfrentá-lo. Não vai ser fazendo uma transposição que vamos resolver. É capaz que, em vez de um problema, passemos a ter dois grandes problemas. Então isso de fato é algo que não pode e nem deve acontecer.

O senhor percebe o desejo de governos estaduais de transmitir o ônus da segurança pública para o Exército?

É uma tentação. É uma tentação porque governos estaduais com a crise fiscal - tem Estado que pede GLO e há 12 anos não faz concurso para a polícia -, com sistemas prisionais saturados e convivendo com problemas de opinião pública, é evidente que é uma tentação de usar as Forças Armadas. Se nós vamos, como é o objeto do desejo, por as Forças Armadas para policiamento nas ruas, isso isoladamente é dar féria aos bandidos. Quando você põe as tropas nas ruas, o crime se retrai. Porque ele sabe que nós não podemos ficar lá muito tempo. Seja porque ele sabe que a lei não permite, seja porque é muito caro. Quando nós sairmos, eles voltam. Ou seja, você não golpeia a capacidade operacional do crime.

Ao mesmo tempo os Estados se sentem desobrigados... Claro que há uma certa desobrigação. De fato isso se comprovou. Nós tivemos durante um bom tempo no Alemão e na Maré, As quadrilhas saíram, ganhamos a confiança das comunidades, mas como o Estado não entrou fazendo a complementação social disso: emprego, renda, saúde e educação, quando nós saímos tudo voltou a ser como antes. E os militares se sentem nesse sentido, corretamente, usados. Pois fizemos todo o trabalho, o trabalho mais duro, mas não houve complementação. O sentimento é que nós enxugamos gelo. Nós cumprimos missão, mas não fizeram outra parte. O custo no Alemão foi de R$ 400 milhões, praticamente R$ 1 milhões por dia para depois olhar para esse resultado e não trazer o esperado, isso reforça a percepção no interior das forças e também de nós é que nós podemos ter um papel coadjuvante, de apoiar, mas nós não vamos assumir o combate à criminalidade. Às vezes escuto: ‘Por que vocês não subiram na Rocinha e fizeram o combate ao crime? Porque se nós subíssemos para valer e fizemos o combate, de acordo com é treinado e com a capacidade do Exército, nós poderíamos destruir a Rocinha e isso ninguém quer. Poderíamos gerar um número tal de mortes que jamais poderia ser assumido por um exército nacional.

Qual será então o papel das Forças Armadas nessas ações? Nós estamos atuando no Rio de Janeiro dentro da seguinte lógica: não ocupamos permanentemente nenhuma área. Segundo: atuamos por demanda, em apoio às forças policiais que lideram o processo. Então por exemplo, você tem uma comunidade. Nosso papel é de fechar, de blindar. Só nós temos massa para fechar por exemplo todas as entradas e acessos de uma grande comunidade como a Rocinha, que tem 80 mil pessoas. Isso libera o pessoal lá dentro para fazer busca e apreensão. Terceiro: nós atuamos integradamente por meio da inteligência e estamos à disposição para fazer varreduras e apoio logístico. Isso decorre da compreensão de que a ocupação abaixa a temperatura, mas não combate nem elimina a infecção. A infecção tem de ser combate com a inteligência, com os policiais e a capacidade do Judiciário. E nós não somos agentes para fazer isso. Por isso no início gerou tanta confusão e tanto desentendimento. Mas quem lidera o processos são as polícias e por isso as polícias precisam se reforçar. Precisam ter melhores condições de trabalho e salário, precisam ter um sistema de correição que elimine os ligados ao crime organizado e os que estão de alguma forma ligados à corrupção e (as polícias) precisam ser despolitizadas. Essas são as questões centrais.

SÃO PAULO - O modelo das Forças Armadas ocupando uma área, como o Complexo do Alemão ou da Maré, está enterrado. Ao menos na atual gestão. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que os militares continuarão a atuar “sob demanda”, usando seu grande contingente para o cerco de áreas em apoio às polícias e na área de inteligência. O modelo anterior, segundo ele, tinha como único resultado “dar férias para os bandidos”. Aqui ele faz seu balanço sobre o uso das ações dos militares em missões de Garantia de Lei e Ordem no País. 

'A formação do militar é para a defesa da soberania nacional', diz ministro Foto: NUNO GUIMARÃES/FRAMEPHOTO/

Há um crescimento de década para década da participação das Forças Armadas em ações contra o crime organizado nos Estados. Essa tendência é sustentável a longo prazo, ministro?

O que eu tenho observado é que predominam no caso das GLOS as ações ligadas à greve de polícia, que é uma questão de segurança pública, e de combate à violência urbana. Somando os dois dados chega-se a 36% (o ministro refere-se à consolidação dos dados feitos pelo Ministério da Defesa), o que representa a emergência na área da segurança pública do País nas últimas duas décadas. Representa também uma opção do constituinte, que deixou 80% das responsabilidades da segurança pública com os Estados. A União ficou com 20%, com o combate ao tráfico internacional de drogas e armas. E não se criou nenhum corpo intermediário entre as Forças Armadas e as forças regulares da segurança pública para que atuasse nas situações extraordinárias, excepcionais, aonde você tem a falência ou incapacidade dos governos estaduais de manter a segurança. O que eu quero dizer com isso? Estou pensando nos Estados Unidos, que têm a Guarda Nacional que é exatamente esse corpo que desempenha esse papel.

O senhor quer dizer que não existe uma Polícia Militar Federal?

O que nós temos é um arremedo, que é a Força Nacional, que cumpre sua função, mas precisa ser permanente. Se não, você tem a banalização da GLO. E essa banalização da GLO não é boa para as Forças, e não é boa para o próprio País. Por ela ser extraordinária, localizada no tempo e no espaço, é a limitação que você tem. As Forças Armadas não têm capacitação e treinamento e muito menos vocação para substituir as polícias. Sem nenhum demérito ao papel importante que têm as polícias, mas a formação do militar é para a defesa da soberania nacional.

O senhor quer dizer que não se pode vulgarizar esse emprego?

Evidentemente não é conveniente.

Por exemplo, empregar as Forças Armadas para revista em presídios, como está sendo feito? Certamente quando se criou o modelo de GLO não se pensava que a falência na área de segurança chegasse ao ponto de exigir a presença do Exército para revistar penitenciárias, não é?

Vou lhe dar um dado que corrobora isso que você está dizendo. Um em cada três presos – e nós já fizemos mais de 30 varreduras – está armado. Ou seja, os nossos presídios e penitenciárias são peneiras e são home office do crime organizado. Esse é um dos problemas centrais da nossa segurança: nós não somos capazes de cortar o comando de quem está preso e, aliás, grande parte dessas gangues surgiram no sistema penitenciário, que é uma espécie de incubadora do crime organizado. Marcinho VP está há 15 anos em Mossoró e continua mantendo o controle sobre sua organização. Marcola está mais ou menos o mesmo tempo preso. Ele mantém a estrutura e há uma não disposição de enfrentar esse problema. O que você verifica é que essa não é uma atribuição das Forças Armadas. Mas as Forças Armadas no Brasil cumprem funções extra centrais. É segurança difícil encontrar outras Forças Armadas que cumpram tantas funções.

Não se corre o risco de uma mexicanização?

Não vejo isso. No caso específico do México foi feita uma atribuição para as Forças Armadas de combate ao crime organizado. Eu não acredito que se passe isso, embora exista o desejo. De um lado, o País não se sente ameaçado. A elite brasileira se desobriga de pensar e de se preocupar sobre o Exército, não entendendo que, se você cai abaixo de um certo limite de dissuasão, as ameaças aparecem e elas obstruem, constrangem o País. Isso faz com que a elite – e aqui falo também da elite congressual – ela se desobriga de entender e aplicar na questão da defesa. Mas isso não quer dizer que você pode chegar onde o chegou o México. Primeiro porque temos uma grau de profissionalização das nossas Forças Armadas e de formação entre as melhores do mundo. Podemos não ter os equipamentos, mas em termos de formação nós temos. E em segundo lugar eu não acredito que tenhamos a capacidade de colocar em risco esse profissionalismo e capacidade dissuasória aplicando Forças Armadas de forma permanente, até porque seria extremamente nocivo como já demonstraram outros países, particularmente o México. É algo que ninguém se dispõe a passar. Estive no México recentemente  e me disse o nosso embaixador lá que você tinha 3 mil desaparecidos e um elevado grau de deserção nas Forças Armadas. Então, isso aí é o que cabe evitar a todo custo. O problema da segurança nós não vamos resolver na Defesa, nós vamos resolver na segurança e temos de enfrentá-lo. Não vai ser fazendo uma transposição que vamos resolver. É capaz que, em vez de um problema, passemos a ter dois grandes problemas. Então isso de fato é algo que não pode e nem deve acontecer.

O senhor percebe o desejo de governos estaduais de transmitir o ônus da segurança pública para o Exército?

É uma tentação. É uma tentação porque governos estaduais com a crise fiscal - tem Estado que pede GLO e há 12 anos não faz concurso para a polícia -, com sistemas prisionais saturados e convivendo com problemas de opinião pública, é evidente que é uma tentação de usar as Forças Armadas. Se nós vamos, como é o objeto do desejo, por as Forças Armadas para policiamento nas ruas, isso isoladamente é dar féria aos bandidos. Quando você põe as tropas nas ruas, o crime se retrai. Porque ele sabe que nós não podemos ficar lá muito tempo. Seja porque ele sabe que a lei não permite, seja porque é muito caro. Quando nós sairmos, eles voltam. Ou seja, você não golpeia a capacidade operacional do crime.

Ao mesmo tempo os Estados se sentem desobrigados... Claro que há uma certa desobrigação. De fato isso se comprovou. Nós tivemos durante um bom tempo no Alemão e na Maré, As quadrilhas saíram, ganhamos a confiança das comunidades, mas como o Estado não entrou fazendo a complementação social disso: emprego, renda, saúde e educação, quando nós saímos tudo voltou a ser como antes. E os militares se sentem nesse sentido, corretamente, usados. Pois fizemos todo o trabalho, o trabalho mais duro, mas não houve complementação. O sentimento é que nós enxugamos gelo. Nós cumprimos missão, mas não fizeram outra parte. O custo no Alemão foi de R$ 400 milhões, praticamente R$ 1 milhões por dia para depois olhar para esse resultado e não trazer o esperado, isso reforça a percepção no interior das forças e também de nós é que nós podemos ter um papel coadjuvante, de apoiar, mas nós não vamos assumir o combate à criminalidade. Às vezes escuto: ‘Por que vocês não subiram na Rocinha e fizeram o combate ao crime? Porque se nós subíssemos para valer e fizemos o combate, de acordo com é treinado e com a capacidade do Exército, nós poderíamos destruir a Rocinha e isso ninguém quer. Poderíamos gerar um número tal de mortes que jamais poderia ser assumido por um exército nacional.

Qual será então o papel das Forças Armadas nessas ações? Nós estamos atuando no Rio de Janeiro dentro da seguinte lógica: não ocupamos permanentemente nenhuma área. Segundo: atuamos por demanda, em apoio às forças policiais que lideram o processo. Então por exemplo, você tem uma comunidade. Nosso papel é de fechar, de blindar. Só nós temos massa para fechar por exemplo todas as entradas e acessos de uma grande comunidade como a Rocinha, que tem 80 mil pessoas. Isso libera o pessoal lá dentro para fazer busca e apreensão. Terceiro: nós atuamos integradamente por meio da inteligência e estamos à disposição para fazer varreduras e apoio logístico. Isso decorre da compreensão de que a ocupação abaixa a temperatura, mas não combate nem elimina a infecção. A infecção tem de ser combate com a inteligência, com os policiais e a capacidade do Judiciário. E nós não somos agentes para fazer isso. Por isso no início gerou tanta confusão e tanto desentendimento. Mas quem lidera o processos são as polícias e por isso as polícias precisam se reforçar. Precisam ter melhores condições de trabalho e salário, precisam ter um sistema de correição que elimine os ligados ao crime organizado e os que estão de alguma forma ligados à corrupção e (as polícias) precisam ser despolitizadas. Essas são as questões centrais.

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