Ao longo da última década, a cada novo começo de ano, as preocupações com a economia mundial quase sempre parecem compor uma lista maior que a de razões para otimismo. As primeiras semanas de 2016 mantiveram a tradição. Vários mercados emergentes se veem às voltas com endividamento excessivo, baixas taxas de crescimento, fortes desvalorizações cambiais e inflação em alta. A China, segunda maior economia do mundo, é fonte de ansiedade peculiarmente incontornável. Caso a expansão do PIB da potência asiática arrefeça, aumentarão as preocupações com as perspectivas de outros países emergentes; caso conserve o vigor, a apreensão se transferirá para o crescimento permanente da dívida que torna esse tipo de façanha possível, ainda que não necessariamente sustentável. Os problemas da área do euro já não são agudos; mas uma situação crônica, a respeito da qual os prognósticos continuam incertos, está longe ser motivo de entusiasmo.
O único horizonte que parecia relativamente róseo era o da economia americana. Alguns de seus indicadores continuam robustos. O mercado imobiliário não dá sinais expressivos de fragilidade. Ainda se assiste à criação de postos de trabalho. Apesar disso, começam a se avolumar indícios de que há uma recessão a caminho. O crescimento parece ter se interrompido no último trimestre de 2015. Os lucros do setor privado estão murchando. Os estoques encontram-se acima do normal. Os critérios para a concessão de empréstimos bancários a grandes empresas tornaram-se mais rígidos, informa o Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Em janeiro, o índice de atividade industrial do Institute for Supply Management (ISM), que os analistas acompanham de perto, caiu pelo quarto mês consecutivo. E o mal-estar não se restringe às fábricas: o índice de atividade não industrial do ISM está em seu nível mais baixo em quase dois anos.
Cada vez mais pronunciado, o nervosismo encontra eco no mercado financeiro. Os índices das bolsas de valores caíram, puxados sobretudo pelas ações dos bancos, que desde o início do ano perderam (nos Estados Unidos) 16% de seu valor. A economia americana não parece sólida o bastante para servir de boia salva-vidas à economia mundial; talvez não seja capaz nem sequer de manter a própria cabeça fora d’água.
O pessimismo entre os investidores não se alimenta apenas de indicadores apontando para a recessão. Há o receio mais fundo de que, se ou quando a recessão vier, sejam escassas as alternativas que as autoridades econômicas dispõem para combatê-la. As taxas de juros de curto prazo estão perto de zero na maioria dos países ricos. Há limites para os estímulos oferecidos por meio do afrouxamento monetário (QE, acrônimo da expressão Quantitative Easing, isto é, a aquisição de títulos públicos com dinheiro do banco central). Os juros de longo prazo já estão baixos; promover nova rodada de QE para reduzi-los ainda mais dificilmente injetaria muito ânimo na demanda agregada. A redução da carga tributária e a expansão dos gastos públicos talvez ainda sejam instrumentos eficazes, mas os investidores temem que não haja espaço ou apetite para financiar estímulos fiscais com ainda mais endividamento. A dívida pública americana, que correspondia a 64% do PIB em 2008, saltou para 104% em 2015. Na área do euro, foi de 66% para 93%; no Japão, de 176% para 237%.
Se as autoridades econômicas parecem indefesas diante de uma nova ameaça à economia mundial, isso se deve, em parte, ao fato de que seus esforços anteriores não se mostraram muito frutíferos. No mundo desenvolvido, os balanços patrimoniais dos principais bancos centrais engordaram tanto com as descargas de QE que hoje representam entre 20% e 25% do PIB. Os ativos do Banco do Japão equivalem a impressionantes 77% do PIB. Mesmo assim, a inflação permanece abaixo da meta de 2% estipulada pelas autoridades monetárias. Nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e no Japão, o desemprego recuou a um patamar próximo ao dos níveis pré-crise. Mas os ganhos de produtividade têm sido pífios, resultando num crescimento moroso da economia. Isso refreia o aumento dos salários reais e da arrecadação de que os governos precisam para pagar o serviço de suas dívidas.
É grande a tentação de atribuir o quadro desanimador aos instrumentos empregados com ineditismo por autoridades monetárias que desempenharam papel proeminente no combate à última recessão. Mas essa proeminência, como argumenta o economista Mohamed El-Erian em seu recém-publicado The Only Game in Town lhes foi imposta pela inação que grassava alhures. “Não é que tenha havido uma tomada de poder”, escreve El-Erian; os bancos centrais tiveram de ganhar tempo até que o sistema político reunisse forças para agir - coisa que acabou não acontecendo. Foram extremamente tímidas as tentativas de implementar políticas econômicas que atuassem em consonância com o afrouxamento monetário, de maneira a amplificar seus efeitos. Tais políticas envolvem decisões das quais os governantes preferem se esquivar, implicando seja a reforma da estrutura da economia - e, portanto, a extinção de alguns privilégios arraigados -, seja o aumento dos gastos deficitários.
Se as coisas continuarem assim, os bancos centrais terão de recorrer a ferramentas ainda mais radicais para lidar com a recessão que aparentemente vem por aí. Mesmo que o façam, porém, vão precisar de ajuda adicional. A esperança é que, num mundo de juros baixos, parte dessa ajuda tenha um custo mais palatável para os políticos. E se o problema não se restringir a apenas mais uma fase de retração econômica - se, como receiam o economista de Harvard Larry Summers e outros, os países ricos estiverem condenados a um longo período de baixo crescimento, por conta de uma debilidade persistente na demanda -, a necessidade de instrumentos novos e ousados tornar-se-á ainda maior.
Entrando no negativo. O cardápio de alternativas divide-se em duas seções. A primeira engloba iniciativas que têm por objetivo garantir que as ações das autoridades monetárias se traduzam num empurrão mais vigoroso à atividade econômica. A segunda abrange medidas fiscais bem direcionadas e flexíveis. Reformas estruturais cuidadosamente selecionadas podem complementar esses estímulos no curto prazo e sustentar seus efeitos positivos a longo prazo, contribuindo para que a recuperação seja duradoura. Num caso como no outro, as políticas serão mais consistentes se forem acompanhadas de esforços similares em outros países.
Comecemos pela política monetária. A compra de ativos pelos bancos centrais é, em tese, uma ferramenta que pode ser utilizada ad infinitum. Em crises como a de 2008, o Fed tem a opção de comprar notas promissórias (comercial papers) emitidas por bancos e empresas ou títulos garantidos por hipotecas. Mas o banco central dos EUA, ou de qualquer outro país, também pode ampliar o escopo de suas compras, partindo para a aquisição de títulos especulativos, ou ações, ou mesmo imóveis, caso o mercado financeiro entre em queda livre.
Os manuais de economia dirão que, por criarem dinheiro novo, essas compras acabam produzindo as taxas de inflação que as autoridades monetárias almejam. Mas o que a experiência com o QE mostra, de 2008 para cá, é que esse caminho para a reflação é demorado demais para justificar as consequentes distorções nos preços dos ativos e a perturbação do mercado de câmbio. Os críticos dizem que as principais consequências do QE foram a alta das ações e a inundação dos mercados emergentes com dinheiro barato, gerando um ciclo de endividamento, cuja curva descendente agora prejudica as economias desenvolvidas.
É possível que outras políticas monetárias pouco convencionais tenham resultados mais promissores. No mês passado, o banco central japonês entrou para o time em que já jogavam os bancos centrais de Suíça, Suécia, Dinamarca e Eurolândia, estabelecendo uma taxa de juros negativa — coisa que, no caso do Japão, foi levada a cabo com a imposição de uma cobrança de 0,1% sobre uma parte dos depósitos que os bancos comerciais mantêm junto à autoridade monetária. Na Europa, onde a taxa de depósito mais baixa adotada pelos bancos centrais funciona como um piso para os juros praticados no mercado monetário, determinando assim a remuneração do crédito na economia em geral, a taxa básica aplicada sobre os empréstimos nunca foi tão baixa. Na Alemanha, a rentabilidade dos títulos públicos com prazo de vencimento inferior a oito anos agora é negativa.
No entanto, mesmo que, diferentemente do que as pessoas costumavam imaginar, o limite para a queda dos juros não seja zero, o fato é que eles não têm como ficar muito abaixo de zero. Se as taxas de juros se tornassem excessivamente negativas, os depositantes iriam preferir ter dinheiro em espécie, que não paga juros, mas também não cobra por eles. E as taxas de juros negativas tampouco fazem bem aos bancos: não há como derrubar as taxas de depósito do mesmo jeito que se faz com as taxas de empréstimo, pois há o risco de que os pequenos depositantes acabem por sacar seus recursos. Isso tem provocado a queda dos lucros das instituições bancárias europeias, impedindo-as de recompor as camadas de capital de que precisam para absorver eventuais choques e garantir a solidez.
Como a existência de papel-moeda impede que os juros sejam demasiadamente negativos, Andy Haldane, economista-chefe do Banco da Inglaterra, e Ken Rogoff, da Universidade de Harvard, propõem sua extinção pura e simples. No entanto, ainda que uma medida tão radical se mostrasse viável em alguns países, é provável que seus efeitos fossem limitados. Os poupadores acabariam encontrando reservas de valor alternativas, como metais preciosos ou dinheiro emitido por outros países, ou antecipariam seus pagamentos de maneira a repassar a terceiros o custo com a manutenção de recursos em contas bancárias.
Se as políticas dos bancos centrais se mostraram menos efetivas do que gostariam as autoridades foi porque, entre outras coisas, os juros baixos não produziram uma expansão do crédito e do consumo. Fora dos EUA, o crescimento da concessão de empréstimos bancários para o setor privado tem sido muito pequeno. Os bancos centrais tentaram lidar com isso. O Funding for Lending Scheme, lançado em julho de 2012 pelo Banco da Inglaterra, condicionou o acesso a suas baixas taxas de juros ao aumento nos empréstimos concedidos pelas instituições bancárias a pessoas físicas e jurídicas. O Banco Central Europeu (BCE) adotou mecanismos semelhantes com o intuito de induzir os bancos a emprestar mais. Mas nenhuma das tentativas foi bem-sucedida.
***Fortalecendo os bancos.*** Enquanto sua solidez for motivo de preocupação, os bancos da área do euro continuarão enfrentando dificuldades para ampliar a concessão de crédito, por mais barato que seja o dinheiro oferecido pelo BCE. Quando se trata de levantar capital novo, as instituições bancárias da Eurolândia não se saem tão bem quanto suas congêneres americanas, e também deixam a desejar no quesito lucratividade. Não bastasse isso, os bancos europeus estão se descapitalizando, observa Hyun Song Shin, chefe de pesquisas do Banco Internacional de Compensações, que funciona como uma câmara de compensação para os bancos centrais. A maioria das instituições bancárias europeias continua a pagar dividendos, e foram poucas as que reduziram suficientemente seus custos. Daí a dificuldade em aumentar o capital por conta própria.
Os bancos americanos têm desempenho melhor porque em 2009 foram postos diante da seguinte alternativa: ou aumentavam seu capital por si mesmos ou aceitavam que o governo injetasse capital neles — ficando sujeitos, nesse caso, à imposição de limites ao pagamento de bônus a seus principais executivos. O resultado foi impressionante: entre 2008 e 2009, os bancos americanos realizaram aumentos de capital equivalentes a aproximadamente 0,9% do total de seus ativos, ao passo que entre as instituições europeias a capitalização foi de cerca de 0,1% apenas. O economista Luigi Zingales, da Chicago Booth School of Business, propõe que estratégia semelhante seja adotada na área do euro. A captação de recursos poderia ser feita por meio do Mecanismo Europeu de Estabilidade, um fundo de emergência da eurozona; o BCE poderia desempenhar o papel de árbitro. Outra opção é liberar capital expurgando os empréstimos problemáticos dos balanços dos bancos, ou forçando-os a realizar sua baixa contábil. Mas esse seria um procedimento mais complexo, demorado e — se os governos pagarem um valor exagerado pelos créditos duvidosos — poderia infringir as normas da União Europeia sobre socorro estatal.
Com uma situação mais sólida, os bancos estariam em condições de oferecer mais empréstimos; com juros mais baixos, as pessoas e as empresas ficariam mais dispostas a se endividar. Na essência do dilema atual está o fato de que as taxas de juros nominais não têm como cair mais do que já caíram. Mas os juros reais, sim: basta que os tomadores se convençam de que a inflação futura será superior à projetada por suas expectativas atuais. Infelizmente, pelo que se observa do comportamento dos preços dos títulos de crédito — que são um indicador reconhecidamente imperfeito dessas expectativas —, elas são declinantes, e não ascendentes: nos EUA, há dois anos, o mercado projetava uma inflação de 2,2%; agora prevê um índice de apenas 1,3%. Pode-se tentar empurrar para cima as expectativas inflacionárias estabelecendo uma meta de inflação mais alta. Mas, com a inflação tão persistentemente abaixo das metas atuais, seriam necessárias ações concretas, e não apenas palavras, para convencer as pessoas de que metas mais elevadas produzirão taxas de inflação mais altas.
Uma ação coordenada entre autoridades monetárias e fazendárias, resultando na emissão de dinheiro para financiar os gastos públicos (ou eventuais cortes nos impostos), também pode elevar as expectativas de inflação e estimular a demanda agregada. Na área do euro, esse tipo de manobra é inviável, pois o BCE está sujeito a normas que o impedem de comprar títulos públicos diretamente dos governos da região. Em outros lugares, a coisa funcionaria da seguinte maneira: o governo anuncia uma restituição de impostos e emite títulos para financiar a medida, mas, em vez de vendê-los a investidores privados, troca-os por depósitos junto ao banco central. Então o banco central cancela os títulos e o governo saca o dinheiro dos depósitos e o distribui entre os cidadãos. Esse tipo de “dinheiro de helicóptero” — designação em homenagem a uma parábola contada pelo célebre economista Milton Friedman — é o mais perto que se consegue chegar de fazer dinheiro chover, um maná caído diretamente dos céus, sem passar pelos bancos e pelo mercado financeiro.
Tal generosidade nada mais é que política fiscal financiada com papel-moeda, e não com títulos públicos. É plausível imaginar que sairia mais barato financiar uma redução de impostos com a emissão de títulos: embora o papel-moeda não pague juros, a rentabilidade dos títulos de médio prazo no Japão e em grande parte da Europa atualmente é negativa. Mas, com seu caráter dramático e extraordinário — o desatino mesmo da coisa —, o dinheiro de helicóptero poderia elevar as expectativas de inflação, animando os contribuintes a gastar, em vez de poupar a dádiva recebida. Não é uma medida pela qual se deva decidir atabalhoadamente, nem algo a ser tentado com intuitos profiláticos; mas, em meio a uma crise financeira global, ou a uma recessão profunda, valeria a pena experimentá-la. Se estivesse sob a coordenação de um grupo de países ricos, tanto melhor.
Uma ideia de inspiração contígua seria cancelar uma parte dos títulos soberanos comprados pelos bancos centrais, reduzindo a dívida pública com uma, por assim dizer, canetada. Isso teria a desvantagem, compartilhada pelo dinheiro de helicóptero, de deixar a autoridade monetária tecnicamente falida, uma vez que seu passivo (dinheiro) excederia seus ativos (títulos). Mas, como a maioria dos bancos centrais tem um tesouro nacional na retaguarda, provavelmente não haveria grandes problemas aí. Uma dificuldade maior é que seria difícil prever os efeitos da monetização. No mercado de títulos, os investidores poderiam entrar em pânico, preocupados com uma eventual disparada da inflação, o que empurraria a rentabilidade dos papéis ladeira acima. Ou poderiam simplesmente dar de ombros. Afinal, se as coisas saíssem de controle, o banco central só precisaria emitir novos títulos para enxugar o excesso de liquidez.
***Botando (mais) lenha na fogueira.*** Em países atolados na areia movediça da deflação talvez seja necessário ser mais radical ainda. Olivier Blanchard e Adam Posen, do Peterson Institute for International Economics, dizem que uma alternativa para o Japão seria adotar uma política de preços e salários. A proposta dos dois economistas é estipular um aumento salarial de 5% a 10%, válido para o conjunto da economia, a fim de desencadear uma espiral em que os salários altos empurram os preços para cima, que, por sua vez, fazem os salários subir ainda mais, de modo a deixar rapidamente a deflação para trás.
Uma ideia tão radical certamente suscitaria oposição ferrenha. O Banco do Japão teria de operar com uma meta de inflação temporariamente mais elevada. Os detentores de títulos não iriam gostar nem um pouco. Mas, como observam Blanchard e Posen, os anos de deflação permitiram que esses investidores enriquecessem às custas dos contribuintes japoneses. Não parece de todo despropositado fazer a balança pender um pouco para o outro lado agora. Em economias mais abertas, como a americana, onde as empresas enfrentam concorrência externa e é maior a probabilidade de que os detentores de títulos migrem para outros mercados, os obstáculos a superar seriam maiores ― isso supondo que a ideia de o governo promover uma alta salarial chegasse mesmo a ser aceita.
Os que têm idade para se lembrar do fracasso retumbante das políticas de preços e salários dos anos 70 (na época aplicadas com o intuito de conter, e não atiçar a inflação) sentirão um frio na espinha só de ouvir que tal coisa esteja sendo novamente cogitada. Acontece que, naquela altura, no mais das vezes os empresários encontravam maneiras de contornar a obrigatoriedade das correções salariais. Agora, argumentam os defensores da proposta, as empresas seriam incentivadas a arcar com o custo dos aumentos salariais aumentando seus preços ― de fato, a ideia é justamente essa. Na década de 70, os juros reais baixos solapavam os limites impostos aos reajustes salariais. Agora, a política monetária e a política de preços e salários caminhariam no mesmo sentido.
Não havendo desejo ou condições de se ter tesouros nacionais e bancos centrais operando em cada vez mais estreita e intricada colaboração, ou governos impondo aumentos salariais, o jeito é partir para a segunda seção do cardápio de alternativas e enfrentar a debilidade da demanda com políticas fiscais. Aumentar os gastos públicos ou reduzir os impostos tende a ser mais efetivo do que cortar o pouco de juros que ainda há para cortar ou pôr o banco central para comprar ainda mais títulos. Mas o relaxamento da política fiscal tem consequências negativas, tanto de ordem política, como econômica.
A política fiscal é, por natureza, menos ágil que a monetária: em tempos normais, é possível aumentar ou reduzir as taxas de juros de acordo com o vaivém do ciclo econômico. A política tributária é bem menos flexível, mas ainda é capaz de acompanhar minimamente as variações da taxa de crescimento, comportando a introdução e a reversão de mudanças. Os gastos públicos, por sua vez, apresentam rigidez maior. Depois que se promove um aumento nas despesas com itens como salários e pensões, é difícil reduzi-las; os gastos de capital com equipamentos de infraestrutura exigem planejamento, de modo que é complicado mobilizá-los com rapidez.
Assim, os cortes de impostos são instrumentos mais adequados para estimular rapidamente a demanda. Mas, para que seu impacto seja maximizado, eles precisam ser formulados com cautela. Reduções no imposto sobre a renda ou aumentos nas deduções tributárias devem privilegiar os indivíduos (tipicamente os de renda mais baixa) com maior propensão a gastá-los. Em geral, os impostos não devem interferir sobremaneira nas decisões sobre o que comprar ou produzir; é melhor confiar nos sinais do mercado. Numa recessão, porém, esse princípio pode ser abandonado. São os gastos discricionários que sofrem mais com as retrações econômicas. Por isso, promover uma redução temporária na tributação de bens duráveis ― automóveis, cozinhas, televisões, etc. ― costuma ter um impacto maior do que aplicar cortes menores em impostos que incidem sobre todos os bens e serviços, incluindo itens que atendem necessidades básicas, como vestuário e serviços de utilidade pública.
Aos ajustes das alíquotas tributárias a fim de estimular a economia, seria prudente que os governos acrescentassem a reformulação de toda a base sobre a qual elas recaem. Um sistema tributário ideal se caracteriza por três aspectos: deve ser simples; deve ser progressivo (fazendo com que os ricos arquem com uma carga maior); e não deve influenciar exageradamente as decisões de indivíduos e empresas sobre o que produzir ou consumir e com quanto afinco se dedicar ao trabalho. Entre os países ricos são poucos os códigos tributários que correspondem a esse ideal. Promover uma adequação maior a ele ajudaria a impulsionar tanto o crescimento econômico, como, no longo prazo, as finanças públicas.
***Pontes enferrujadas.*** Há maneiras úteis de aumentar os gastos numa recessão. Alguns países, como Dinamarca e Austrália, mantêm estruturas financiadas pelo Estado para requalificar e recolocar quem perde o emprego. Outros fariam bem em seguir o exemplo: “políticas ativas para o mercado de trabalho” desse tipo são particularmente urgentes na Europa, por conta do influxo de refugiados provenientes da Síria. Mas o estímulo fiscal mais efetivo é o que resulta de gastos de capital com novos equipamentos de infraestrutura ou com a manutenção dos já existentes. Diferentemente dos recursos injetados na economia com o corte de impostos, que podem ser economizados ou usados na aquisição de produtos importados, o que faz com que tenham um impacto menor sobre o PIB, os recursos investidos em estradas, escolas, hospitais e coisas do tipo vêm para ficar. E, mais que qualquer outro tipo de intervenção, as despesas de capital induzem gastos complementares em outros segmentos da economia.
Apesar dos benefícios proporcionados pelos investimentos em infraestrutura, os governos têm notória dificuldade em fazer com que eles funcionem como estímulos efetivos. Por um lado, numa recessão, quando as finanças públicas estão sob pressão, a primeira reação é justamente cortar as despesas de capital. Por outro, o fato é que às vezes esses cortes são uma excelente ideia: boa parte dos investimentos em infraestrutura na realidade representam desperdício. A China tem estradas impecáveis, pelas quais muito pouca gente tem interesse em transitar. No Alasca, há pontes que não levam a lugar nenhum. Os governos tendem a escolher projetos politicamente rentáveis, mas que nem sempre se justificam em termos econômicos. É em parte por causa disso que décadas de gastos de capital no Japão não tiveram um impacto maior sobre o crescimento.
Ainda assim, muitos países precisam de mais e melhores equipamentos de infraestrutura, em especial os Estados Unidos. Com frequência, Summers usa como exemplo o aeroporto John F. Kennedy, um dilapidado meio de acesso a Nova York, cujo sistema de controle aéreo está para lá de ultrapassado. Estudo conduzido no ano passado pelo centro de pesquisas Trip, especializado no setor de transportes, mostra que as ruas esburacadas de 25 cidades americanas elevam em mais de US$ 700 por veículo os gastos anuais de manutenção dos proprietários de automóveis. Em 2013, uma análise realizada pela Sociedade Americana de Engenheiros Civis revelou que um terço das principais rodovias americanas estava em condições insatisfatórias ou precárias e que uma em cada nove pontes do país apresentava problemas estruturais.
Em 2010, Barack Obama tentou romper o imobilismo: propôs a criação de um banco de investimentos em infraestrutura, a ser administrado por tecnocratas que avaliariam os custos e benefícios de cada projeto, destinando aos que fossem aprovados uma parte dos recursos necessários a seu financiamento. A proposta não passou no Senado, que simultaneamente rejeitou a ideia de investir US$ 50 bilhões na reforma de estradas, ferrovias e aeroportos. Faz décadas que a criação de um banco de investimentos em infraestrutura conta, em princípio, com o apoio de republicanos e democratas. Hillary Clinton foi só a última de uma lista interminável de políticos que declararam seu apoio ao projeto. Mas todas as tentativas de tirá-lo do papel sucumbem às picuinhas partidárias.
Na Austrália, parece promissora uma iniciativa que combina investimentos em infraestrutura com privatizações. Em 2013, o Estado de Nova Gales do Sul vendeu os portos de Botany e Kembla por US$ 5,3 bilhões, um múltiplo substancial de seus lucros. A receita do negócio irá para um fundo estatal, cujos recursos serão usados na realização de reinvestimentos em outros equipamentos de infraestrutura. Esse modelo de “privatização social” deveria ser copiado por outros países, diz Brett Himbury, CEO do IFM, um fundo que realiza investimentos em ativos de infraestrutura em nome de fundos de pensão. Os depauperados Estados americanos poderiam fazer algo semelhante com seus aeroportos, usando os recursos para tapar os buracos de suas vias públicas. Nas mãos de empresas privadas, a situação dos aeroportos também tenderia a melhorar.
***Pensando grande.*** Himbury também tem ideias sobre como organizar o financiamento e a construção de novos equipamentos de infraestrutura. O envolvimento de parceiros do setor privado em obras de infraestrutura tem se mostrado, muitas vezes, uma enganação. Em vez de incutir nos projetos a racionalidade fria e realista do mercado, as parcerias público-privadas frequentemente descambam em ocultação e aumento exponencial de custos: basta lembrar os graves problemas com as obras de modernização do metrô de Londres (que resultaram em atrasos e aumentos de preços e acabaram levando à falência de uma das duas concessionárias envolvidas e à estatização da outra). Mas há fundos de pensão no mundo inteiro desesperadamente à procura de ativos de vida longa, capazes de gerar o tipo de renda ajustada à inflação que eles precisam garantir aos clientes que se aposentam. Os fundos setoriais que administram esses ativos têm grande expertise na avaliação de projetos: quando se trata de construir uma rodovia pedagiada, com frequência adotam uma visão mais sóbria que as autoridades governamentais nas projeções que fazem sobre o potencial de tráfego da via.
Himbury sugere envolver essas fontes de capital “paciente” desde o início dos projetos, para que elas possam contribuir com a avaliação de seus méritos e exercer controle de custos sobre as construtoras. As empreiteiras selecionadas seriam recompensadas quando as coisas saíssem a contento, mas teriam de dispor de musculatura financeira para arcar com multas quando as obras atrasam. Os sócios privados teriam de concordar em embolsar os retornos dentro de determinada faixa e dividir lucros adicionais, ou prejuízos, com o governo.
A escolha das alternativas e o grau de radicalismo deve variar de país para país e acompanhar a natureza da ameaça. Uma recessão comezinha, em que o PIB recua e os estoques tornam a desinchar exigiria uma resposta menos drástica do que um grande choque sistêmico, como o “pouso forçado” da economia chinesa. Seria prudente que os governos se empenhassem mais em melhorar os equipamentos de infraestrutura ou em reformar seus sistemas tributários mesmo em tempos menos incertos.
Mas, com as limitações crescentes a que a política monetária está sujeita, a adoção de refrigérios fiscais e reformas estruturais que atuem em consonância com os estímulos monetários é mais urgente que nunca. Programas de investimentos públicos de grande porte e longa-duração aumentariam a confiança do setor privado na demanda futura e tornariam uma recuperação sustentável mais provável. Códigos tributários mais simples forneceriam uma base mais adequada para o tipo de variações na carga de impostos que no futuro se farão necessárias para enfrentar os ciclos econômicos. Os bancos centrais fizeram sua parte. Ainda que sua colaboração continue a ser de fundamental importância, está na hora de os governantes serem mais ousados.