Acatando proposta da prefeitura, a Câmara de Vereadores de Balneário Camboriú, um dos principais destinos turísticos de Santa Catarina, revogou na semana passada uma lei que impedia a discussão do Plano Diretor durante o período eleitoral.
O projeto de revogação foi enviado no último dia 7 pelo prefeito Fabrício Oliveira (PL) com pedido de urgência na votação. Representantes da sociedade civil e especialistas afirmam que as alterações exigem debate amplo com participação de setores técnicos e produtivos da cidade, além do envolvimento dos moradores.
A cidade, conhecida como “capital dos arranha-céus” por ter alguns dos prédios mais altos e caros do País, passa por forte pressão imobiliária.
- A prefeitura alega que a revisão do plano foi discutida com a sociedade e que o envio do projeto à Câmara atende a uma determinação judicial, após ação do Ministério Público de Santa Catarina. Já o MP afirma que a ação civil pública ainda não teve julgamento definitivo.
Um manifesto assinado por 21 representantes da sociedade civil que integram os grupos de discussão do novo plano diretor coloca em dúvida a oportunidade da revisão. “É no mínimo curiosa a intenção, uma vez que já se passaram 7 anos e meio do atual governo sem a priorização do Plano Diretor e agora decide-se empurrá-lo ‘goela abaixo’ nas vésperas das eleições, evidenciando desrespeito à sociedade e à inteligência alheia”, diz o manifesto.
Conforme o colegiado, o processo não avançou por falta de apresentação do diagnóstico socioambiental da cidade para leitura técnica em audiência pública.
“O plano diretor é eminentemente técnico e não temos como avançar numa discussão tão fundamental para a cidade com esse ambiente de paixão que o período eleitoral desperta. A cidade não pode ficar dependente da construção civil. Os bairros reclamam que no último plano diretor apenas o centro foi privilegiado e esse processo de discussão ainda não está maduro”, disse o advogado Rafael Pierozan, representante da OAB no colegiado.
Aprovação sob protestos
Durante a sessão que aprovou o projeto, manifestantes que ocupavam todo o plenário protestaram com cartazes e palavras de ordem contra a medida. A sessão chegou a ser suspensa e retomada no dia seguinte, quando a proposta do prefeito foi aprovada na quarta-feira, 12.
Com a mudança na lei, está liberada a tramitação e discussão do plano diretor nos períodos eleitorais (180 dias antes das eleições). Uma emenda acrescentada ao projeto, porém, só permite que eventuais mudanças sejam votadas após as eleições de 7 de outubro deste ano.
Para a vereadora Juliana Pavan (PSD), que votou contra a proposta do prefeito, mudanças no Plano Diretor não deveriam ser propostas em período eleitoral numa cidade onde a construção civil é mola mestra da economia.
Para ela, a proposta deveria ser debatida em detalhes com todos os delegados, OAB, lojistas, comitê da bacia hidrográfica do Rio Camboriú, entidades que representam a sociedade, mas as reuniões do Plano Diretor estavam suspensas desde o início do ano – em 2024 foram só duas reuniões.
“Um projeto protocolado no apagar das luzes, sem ouvir a população, sem respeitar os vereadores, não sei se por desespero ou despreparo. Mesmo com a mobilização, infelizmente mais uma vez os moradores de Balneário Camboriú ficarão à margem das decisões”, disse a vereadora, pré-candidata à prefeitura.
Em nota, o presidente da Câmara, David LaBarrica (PRD) disse que a sessão foi suspensa “devido a reiteradas manifestações” que impediam o andamento dos trabalhos legislativos. “Diante da persistência das manifestações, e em conformidade com o Regimento Interno, vi-me obrigado a suspender a sessão”, disse. Segundo ele, a tramitação do projeto também obedeceu o regimento.
O que diz a prefeitura?
A prefeitura de Balneário Camboriú divulgou nota de esclarecimento alegando que as manifestações contrárias à revisão do plano estão na contramão da transparência de todo o processo.
Segundo o município, foram realizadas quatro reuniões nos bairros, 33 reuniões públicas na Câmara de Vereadores e outras reuniões com as câmaras técnicas, envolvendo técnicos da prefeitura e os indicados pela sociedade civil.
Ainda segundo a nota, uma decisão judicial em ação civil pública movida pelo Ministério Público de Santa Catarina obriga o município a promover a revisão do plano diretor.
O envio do projeto de lei, a fim de revogar a lei que proíbe a tramitação de qualquer projeto que visa alterações no plano diretor em ano de pleito eleitoral vem ao encontro do cumprimento da decisão judicial. Importante destacar que a votação final do Plano Diretor pela Câmara ocorrerá apenas após as eleições, disse o município.
Ao Estadão, o prefeito disse que a tentativa de barrar o avanço das discussões do Plano Diretor é claramente eleitoreira.
“A proposta que enviei à Câmara na semana passada partiu dos delegados que discutem a proposta há meses. Se o município interrompe o processo de revisão e não permite mais as discussões, estaremos descumprindo uma determinação judicial. Balneário Camboriú precisa seguir seu ritmo de crescimento e não pode ser freada por críticas com motivações eleitoreiras. É fundamental que continuemos a trabalhar pelo desenvolvimento ordenado e sustentável de nossa cidade, respeitando a participação da sociedade civil e cumprindo as decisões judiciais que nos orientam”, disse.
O que diz o Ministério Público?
Em nota, o Ministério Público de Santa Catarina informou que a ação movida para obrigar o município de Balneário Camboriú a revisar o Plano Diretor, com contratação e realização de audiências públicas, como determina a Lei Federal 10.257/2001, foi proposta em junho de 2019. Até o momento, porém, devido aos sucessivos recursos promovidos pela prefeitura, a ação civil pública não teve julgamento definitivo, conforme apontou o MPSC.
A ação foi proposta em 14 de junho de 2019, dando prazo de 20 dias para que a prefeitura iniciasse a elaboração do plano. No dia 15 de junho do mesmo ano, a tutela coletiva pleiteada pelo MP foi julgada improcedente em juízo de primeiro grau. O órgão interpôs recurso de apelação e, em 9 de agosto de 2022, obteve decisão favorável do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina para reformar a decisão.
O TJ apontou “evidenciada inércia do Município de Camboriú”, dando prazo de 120 dias para a revisão, sob pena de multa diária por descumprimento.
A prefeitura entrou com embargos de declaração e, em 31 de janeiro de 2023, o recurso foi negado pela 3ª Câmara de Direito Público do TJSC. Na sequência, o município interpôs recurso especial, que não foi admitido.
A prefeitura recorreu novamente para que a ação fosse remetida ao Superior Tribunal de Justiça, o que aconteceu em 4 de setembro de 2023. Assim, segundo o MPSC, o acórdão inicial que determinou a revisão do plano diretor não transitou em julgado. “Até o presente momento não houve o retorno dos autos do STJ e, portanto, o recurso interposto pelo município, contrário à tutela coletiva ajuizada pelo Ministério Público, ainda não foi julgado”, disse o MPSC.