Por que o Museu do Ipiranga traz nova visão sobre bandeirantes paulistas? Entenda


Nessa nova fase, exposições vão abordar controvérsias sobre personagens históricos

Por Ítalo Lo Re
Atualização:

SÃO PAULO – Após nove anos fechado, o Museu do Ipiranga será finalmente reaberto ao público geral no próximo dia 8. De objetos táteis e painéis interativos, serão várias as novidades nessa nova fase do espaço. Uma das principais delas é que, para algumas obras, como no caso das estátuas de bandeirantes como Raposo Tavares e Fernão Dias, ambas dispostas no hall de entrada, a curadoria do museu usou recursos multimídia para abordar controvérsias por trás de representação heroica de algumas figuras.

Há cerca de um ano, uma estátua de Borba Gato, na zona sul de São Paulo, foi incendiada como forma de protesto à representação de figuras históricas do País, episódio que motivou críticas sobre o vandalismo e debates sobre como retratar bandeirantes e outros personagens polêmicos. O ataque à estátua deu continuidade a uma onda de protestos contra monumentos a figuras históricas ligadas ao colonialismo e à escravidão, movimento que ganhou força nos últimos anos, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa.

Hall de entrada do Museu do Ipiranga; esculturas foram feitas para o Centenário da Independência, há 100 anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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“Isso tem sido um tema quente nos últimos dois anos, essas figuras (bandeirantes) têm sido extremamente contestadas por vários setores da nossa sociedade”, diz o historiador Paulo Garcez Marins, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e um dos curadores do museu. Segundo ele, essa foi uma preocupação durante a organização do Museu do Ipiranga para reabertura, o que se manifesta em alguns cuidados, principalmente para retratar as obras que vão do hall de entrada até o Salão Nobre.

“Populações indígenas e populações negras são sempre representadas de maneiras subalternizadas, submissas. E sabemos que a história do Brasil é feita de embates, de confrontos, de lutas e disputas”, explica o historiador. “O conjunto de imagens retrata sempre corpos pacificados, não há combates aqui. Nos museus de história na Europa, ou na América mesmo, na Argentina, México e nos Estados Unidos, é comum haver cenas de batalhas, guerras, corpos e mortes, que mostram a construção desse território nacional a partir das disputas. Aqui, não há essa narrativa.”

Nesse sentido, o historiador define algumas das imagens presentes no Museu do Ipiranga como “muito complicadas”, o que teria motivado a contextualização. “Nós tratamos dessas imagens nos núcleos de multimídia que estão nesse hall, no sentido de abordar historicamente a construção dessas figuras, desses personagens e entender que isso é uma história do Brasil. É muito importante que o público não entre aqui mais entendendo que essa é a narrativa da história brasileira, que era (retratada de forma) muito excludente e muito hierarquizadora. Mas é uma forma que hoje nós debatemos”, explica.

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Diante disso, a curadoria do Museu do Ipiranga buscou contextualizar as obras por meio de alguns dos 333 recursos multissensoriais disponíveis para o público. “Hoje, os bandeirantes podem ser considerados heróis?”, pergunta o recurso de uma tela localizada perto da porta de entrada, após o visitante selecionar uma das opções. Em seguida, é feita uma explicação de como a imagem dos bandeiras foi trabalhada ao longo do tempo e o museu chega à sua conclusão final: “Hoje o museu não concorda com esta imagem heroica dos bandeiras, que simplifica um passado que também foi violento e escravizador.”

Conforme Marins, os curadores do Museu do Ipiranga transformaram em exposição uma área que era de circulação do prédio justamente para poder se aprofundar no tema. A nova exposição abrange desde o hall de entrada do prédio, passa pela escadaria de honra – feita em mármore e com esculturas de bandeirantes como Borba Gato – e termina no Salão Nobre, que era já uma área expositiva. “Transformamos todo esse espaço em uma área expositiva para podermos tratar com o público essa decoração que foi encomendada para o Centenário da Independência.”

Paulo Garcez Marins fala sobre alguns dos paineis interativos dispostos no museu Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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O curador relembra um pouco da história do museu. “Quando esse prédio foi inaugurado, em 1890, não havia decoração nenhuma no prédio”, conta ele, explicando que o espaço permaneceu assim até o início dos anos 1900. Até que Afonso Taunay foi nomeado diretor do museu. “Em 1917, ele foi escolhido para preparar o museu para o centenário.”

A partir de então, Marins explica que foram encomendadas pinturas e esculturas a artistas brasileiros para narrar uma história do Brasil. “E esse é o nome dessa exposição: Uma História do Brasil. Não entendemos isso como a história do Brasil”, explica. Nesse cenário, o próprio nome de uma das 11 exposições abertas no próximo dia 8 no Museu do Ipiranga, continua, seria um exercício de reflexão para o público.

Ele explica que a preparação do Ipiranga para o Centenário da Independência, em 1922, era uma proposta de valorizar o lugar de São Paulo no nascimento da nação e de fortalecer a imagem do Estado como um espaço simbólico. “Isso poderia ser feito de várias maneiras, mas Taunay escolhe uma maneira: narrar essa história com pinturas que aludem à criação da capitania de São Vicente e quando começa o povoamento português no Brasil.”

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Esse entendimento fica claro pelas obras que vão do hall de entrada até o Salão Nobre do museu. “Taunay constrói essa sequência de imagens para terminar no Salão Nobre com o Independência ou Morte, que já existia aqui no prédio desde 1895 e que é o fim de um processo de formação. Para Taunay, o começo e o fim da formação brasileira estão atrelados a São Paulo. Para isso, ele vai pontuar esse caminho com pinturas e esculturas que reforçam esse protagonismo paulista. E a figura-chave para a construção desse protagonismo, na concepção do Taunay, é a figura do bandeirante.”

Ao entrar pela porta principal do museu, algumas das primeiras obras que podem ser vistas são duas esculturas em mármore dos bandeirantes Raposo Tavares e Fernão Dias, ambas com mais de quatro metros de altura. À medida em que se anda para a escada, outras figuras, como Borba Gato, passam a ser retratadas em monumentos realistas.

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“Taunay batiza a entrada dizendo que a construção da riqueza brasileira e a construção do território brasileiro era devido aos bandeirantes. Ao percorrer a escada, vemos seis esculturas de bandeirantes, representando seis Estados que se separaram de São Paulo”, diz Marins. “Embaixo de cada bandeirante existe o nome de um Estado e a data que esse Estado se separou de São Paulo. São eles: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, ao sul, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, ao norte.”

O historiador explica que, na época do Centenário da Independência, o então diretor do museu construiu essa decoração para reforçar que a construção do território brasileiro estava intimamente ligada com esta expansão dos paulistas. Além dos bandeirantes, as escadarias contam ainda com quadros e 16 ânforas com vasos com água de rios que cortam o território brasileiro, como São Francisco e o Paraguai.

“Os vasos, que contêm as águas dos rios brasileiros, reforçam a criação desse território nacional, que, para ele, se deve a processos como ciclo do ouro, o ciclo dos criadores de gado, um nome extremamente difícil hoje, que é o ciclo da caça ao índio, uma terminologia evidentemente racista dos anos 1920, e a posse da Amazônia”, aponta Marins.

SÃO PAULO – Após nove anos fechado, o Museu do Ipiranga será finalmente reaberto ao público geral no próximo dia 8. De objetos táteis e painéis interativos, serão várias as novidades nessa nova fase do espaço. Uma das principais delas é que, para algumas obras, como no caso das estátuas de bandeirantes como Raposo Tavares e Fernão Dias, ambas dispostas no hall de entrada, a curadoria do museu usou recursos multimídia para abordar controvérsias por trás de representação heroica de algumas figuras.

Há cerca de um ano, uma estátua de Borba Gato, na zona sul de São Paulo, foi incendiada como forma de protesto à representação de figuras históricas do País, episódio que motivou críticas sobre o vandalismo e debates sobre como retratar bandeirantes e outros personagens polêmicos. O ataque à estátua deu continuidade a uma onda de protestos contra monumentos a figuras históricas ligadas ao colonialismo e à escravidão, movimento que ganhou força nos últimos anos, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa.

Hall de entrada do Museu do Ipiranga; esculturas foram feitas para o Centenário da Independência, há 100 anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Isso tem sido um tema quente nos últimos dois anos, essas figuras (bandeirantes) têm sido extremamente contestadas por vários setores da nossa sociedade”, diz o historiador Paulo Garcez Marins, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e um dos curadores do museu. Segundo ele, essa foi uma preocupação durante a organização do Museu do Ipiranga para reabertura, o que se manifesta em alguns cuidados, principalmente para retratar as obras que vão do hall de entrada até o Salão Nobre.

“Populações indígenas e populações negras são sempre representadas de maneiras subalternizadas, submissas. E sabemos que a história do Brasil é feita de embates, de confrontos, de lutas e disputas”, explica o historiador. “O conjunto de imagens retrata sempre corpos pacificados, não há combates aqui. Nos museus de história na Europa, ou na América mesmo, na Argentina, México e nos Estados Unidos, é comum haver cenas de batalhas, guerras, corpos e mortes, que mostram a construção desse território nacional a partir das disputas. Aqui, não há essa narrativa.”

Nesse sentido, o historiador define algumas das imagens presentes no Museu do Ipiranga como “muito complicadas”, o que teria motivado a contextualização. “Nós tratamos dessas imagens nos núcleos de multimídia que estão nesse hall, no sentido de abordar historicamente a construção dessas figuras, desses personagens e entender que isso é uma história do Brasil. É muito importante que o público não entre aqui mais entendendo que essa é a narrativa da história brasileira, que era (retratada de forma) muito excludente e muito hierarquizadora. Mas é uma forma que hoje nós debatemos”, explica.

Diante disso, a curadoria do Museu do Ipiranga buscou contextualizar as obras por meio de alguns dos 333 recursos multissensoriais disponíveis para o público. “Hoje, os bandeirantes podem ser considerados heróis?”, pergunta o recurso de uma tela localizada perto da porta de entrada, após o visitante selecionar uma das opções. Em seguida, é feita uma explicação de como a imagem dos bandeiras foi trabalhada ao longo do tempo e o museu chega à sua conclusão final: “Hoje o museu não concorda com esta imagem heroica dos bandeiras, que simplifica um passado que também foi violento e escravizador.”

Conforme Marins, os curadores do Museu do Ipiranga transformaram em exposição uma área que era de circulação do prédio justamente para poder se aprofundar no tema. A nova exposição abrange desde o hall de entrada do prédio, passa pela escadaria de honra – feita em mármore e com esculturas de bandeirantes como Borba Gato – e termina no Salão Nobre, que era já uma área expositiva. “Transformamos todo esse espaço em uma área expositiva para podermos tratar com o público essa decoração que foi encomendada para o Centenário da Independência.”

Paulo Garcez Marins fala sobre alguns dos paineis interativos dispostos no museu Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O curador relembra um pouco da história do museu. “Quando esse prédio foi inaugurado, em 1890, não havia decoração nenhuma no prédio”, conta ele, explicando que o espaço permaneceu assim até o início dos anos 1900. Até que Afonso Taunay foi nomeado diretor do museu. “Em 1917, ele foi escolhido para preparar o museu para o centenário.”

A partir de então, Marins explica que foram encomendadas pinturas e esculturas a artistas brasileiros para narrar uma história do Brasil. “E esse é o nome dessa exposição: Uma História do Brasil. Não entendemos isso como a história do Brasil”, explica. Nesse cenário, o próprio nome de uma das 11 exposições abertas no próximo dia 8 no Museu do Ipiranga, continua, seria um exercício de reflexão para o público.

Ele explica que a preparação do Ipiranga para o Centenário da Independência, em 1922, era uma proposta de valorizar o lugar de São Paulo no nascimento da nação e de fortalecer a imagem do Estado como um espaço simbólico. “Isso poderia ser feito de várias maneiras, mas Taunay escolhe uma maneira: narrar essa história com pinturas que aludem à criação da capitania de São Vicente e quando começa o povoamento português no Brasil.”

Esse entendimento fica claro pelas obras que vão do hall de entrada até o Salão Nobre do museu. “Taunay constrói essa sequência de imagens para terminar no Salão Nobre com o Independência ou Morte, que já existia aqui no prédio desde 1895 e que é o fim de um processo de formação. Para Taunay, o começo e o fim da formação brasileira estão atrelados a São Paulo. Para isso, ele vai pontuar esse caminho com pinturas e esculturas que reforçam esse protagonismo paulista. E a figura-chave para a construção desse protagonismo, na concepção do Taunay, é a figura do bandeirante.”

Ao entrar pela porta principal do museu, algumas das primeiras obras que podem ser vistas são duas esculturas em mármore dos bandeirantes Raposo Tavares e Fernão Dias, ambas com mais de quatro metros de altura. À medida em que se anda para a escada, outras figuras, como Borba Gato, passam a ser retratadas em monumentos realistas.

“Taunay batiza a entrada dizendo que a construção da riqueza brasileira e a construção do território brasileiro era devido aos bandeirantes. Ao percorrer a escada, vemos seis esculturas de bandeirantes, representando seis Estados que se separaram de São Paulo”, diz Marins. “Embaixo de cada bandeirante existe o nome de um Estado e a data que esse Estado se separou de São Paulo. São eles: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, ao sul, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, ao norte.”

O historiador explica que, na época do Centenário da Independência, o então diretor do museu construiu essa decoração para reforçar que a construção do território brasileiro estava intimamente ligada com esta expansão dos paulistas. Além dos bandeirantes, as escadarias contam ainda com quadros e 16 ânforas com vasos com água de rios que cortam o território brasileiro, como São Francisco e o Paraguai.

“Os vasos, que contêm as águas dos rios brasileiros, reforçam a criação desse território nacional, que, para ele, se deve a processos como ciclo do ouro, o ciclo dos criadores de gado, um nome extremamente difícil hoje, que é o ciclo da caça ao índio, uma terminologia evidentemente racista dos anos 1920, e a posse da Amazônia”, aponta Marins.

SÃO PAULO – Após nove anos fechado, o Museu do Ipiranga será finalmente reaberto ao público geral no próximo dia 8. De objetos táteis e painéis interativos, serão várias as novidades nessa nova fase do espaço. Uma das principais delas é que, para algumas obras, como no caso das estátuas de bandeirantes como Raposo Tavares e Fernão Dias, ambas dispostas no hall de entrada, a curadoria do museu usou recursos multimídia para abordar controvérsias por trás de representação heroica de algumas figuras.

Há cerca de um ano, uma estátua de Borba Gato, na zona sul de São Paulo, foi incendiada como forma de protesto à representação de figuras históricas do País, episódio que motivou críticas sobre o vandalismo e debates sobre como retratar bandeirantes e outros personagens polêmicos. O ataque à estátua deu continuidade a uma onda de protestos contra monumentos a figuras históricas ligadas ao colonialismo e à escravidão, movimento que ganhou força nos últimos anos, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa.

Hall de entrada do Museu do Ipiranga; esculturas foram feitas para o Centenário da Independência, há 100 anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Isso tem sido um tema quente nos últimos dois anos, essas figuras (bandeirantes) têm sido extremamente contestadas por vários setores da nossa sociedade”, diz o historiador Paulo Garcez Marins, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e um dos curadores do museu. Segundo ele, essa foi uma preocupação durante a organização do Museu do Ipiranga para reabertura, o que se manifesta em alguns cuidados, principalmente para retratar as obras que vão do hall de entrada até o Salão Nobre.

“Populações indígenas e populações negras são sempre representadas de maneiras subalternizadas, submissas. E sabemos que a história do Brasil é feita de embates, de confrontos, de lutas e disputas”, explica o historiador. “O conjunto de imagens retrata sempre corpos pacificados, não há combates aqui. Nos museus de história na Europa, ou na América mesmo, na Argentina, México e nos Estados Unidos, é comum haver cenas de batalhas, guerras, corpos e mortes, que mostram a construção desse território nacional a partir das disputas. Aqui, não há essa narrativa.”

Nesse sentido, o historiador define algumas das imagens presentes no Museu do Ipiranga como “muito complicadas”, o que teria motivado a contextualização. “Nós tratamos dessas imagens nos núcleos de multimídia que estão nesse hall, no sentido de abordar historicamente a construção dessas figuras, desses personagens e entender que isso é uma história do Brasil. É muito importante que o público não entre aqui mais entendendo que essa é a narrativa da história brasileira, que era (retratada de forma) muito excludente e muito hierarquizadora. Mas é uma forma que hoje nós debatemos”, explica.

Diante disso, a curadoria do Museu do Ipiranga buscou contextualizar as obras por meio de alguns dos 333 recursos multissensoriais disponíveis para o público. “Hoje, os bandeirantes podem ser considerados heróis?”, pergunta o recurso de uma tela localizada perto da porta de entrada, após o visitante selecionar uma das opções. Em seguida, é feita uma explicação de como a imagem dos bandeiras foi trabalhada ao longo do tempo e o museu chega à sua conclusão final: “Hoje o museu não concorda com esta imagem heroica dos bandeiras, que simplifica um passado que também foi violento e escravizador.”

Conforme Marins, os curadores do Museu do Ipiranga transformaram em exposição uma área que era de circulação do prédio justamente para poder se aprofundar no tema. A nova exposição abrange desde o hall de entrada do prédio, passa pela escadaria de honra – feita em mármore e com esculturas de bandeirantes como Borba Gato – e termina no Salão Nobre, que era já uma área expositiva. “Transformamos todo esse espaço em uma área expositiva para podermos tratar com o público essa decoração que foi encomendada para o Centenário da Independência.”

Paulo Garcez Marins fala sobre alguns dos paineis interativos dispostos no museu Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O curador relembra um pouco da história do museu. “Quando esse prédio foi inaugurado, em 1890, não havia decoração nenhuma no prédio”, conta ele, explicando que o espaço permaneceu assim até o início dos anos 1900. Até que Afonso Taunay foi nomeado diretor do museu. “Em 1917, ele foi escolhido para preparar o museu para o centenário.”

A partir de então, Marins explica que foram encomendadas pinturas e esculturas a artistas brasileiros para narrar uma história do Brasil. “E esse é o nome dessa exposição: Uma História do Brasil. Não entendemos isso como a história do Brasil”, explica. Nesse cenário, o próprio nome de uma das 11 exposições abertas no próximo dia 8 no Museu do Ipiranga, continua, seria um exercício de reflexão para o público.

Ele explica que a preparação do Ipiranga para o Centenário da Independência, em 1922, era uma proposta de valorizar o lugar de São Paulo no nascimento da nação e de fortalecer a imagem do Estado como um espaço simbólico. “Isso poderia ser feito de várias maneiras, mas Taunay escolhe uma maneira: narrar essa história com pinturas que aludem à criação da capitania de São Vicente e quando começa o povoamento português no Brasil.”

Esse entendimento fica claro pelas obras que vão do hall de entrada até o Salão Nobre do museu. “Taunay constrói essa sequência de imagens para terminar no Salão Nobre com o Independência ou Morte, que já existia aqui no prédio desde 1895 e que é o fim de um processo de formação. Para Taunay, o começo e o fim da formação brasileira estão atrelados a São Paulo. Para isso, ele vai pontuar esse caminho com pinturas e esculturas que reforçam esse protagonismo paulista. E a figura-chave para a construção desse protagonismo, na concepção do Taunay, é a figura do bandeirante.”

Ao entrar pela porta principal do museu, algumas das primeiras obras que podem ser vistas são duas esculturas em mármore dos bandeirantes Raposo Tavares e Fernão Dias, ambas com mais de quatro metros de altura. À medida em que se anda para a escada, outras figuras, como Borba Gato, passam a ser retratadas em monumentos realistas.

“Taunay batiza a entrada dizendo que a construção da riqueza brasileira e a construção do território brasileiro era devido aos bandeirantes. Ao percorrer a escada, vemos seis esculturas de bandeirantes, representando seis Estados que se separaram de São Paulo”, diz Marins. “Embaixo de cada bandeirante existe o nome de um Estado e a data que esse Estado se separou de São Paulo. São eles: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, ao sul, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, ao norte.”

O historiador explica que, na época do Centenário da Independência, o então diretor do museu construiu essa decoração para reforçar que a construção do território brasileiro estava intimamente ligada com esta expansão dos paulistas. Além dos bandeirantes, as escadarias contam ainda com quadros e 16 ânforas com vasos com água de rios que cortam o território brasileiro, como São Francisco e o Paraguai.

“Os vasos, que contêm as águas dos rios brasileiros, reforçam a criação desse território nacional, que, para ele, se deve a processos como ciclo do ouro, o ciclo dos criadores de gado, um nome extremamente difícil hoje, que é o ciclo da caça ao índio, uma terminologia evidentemente racista dos anos 1920, e a posse da Amazônia”, aponta Marins.

SÃO PAULO – Após nove anos fechado, o Museu do Ipiranga será finalmente reaberto ao público geral no próximo dia 8. De objetos táteis e painéis interativos, serão várias as novidades nessa nova fase do espaço. Uma das principais delas é que, para algumas obras, como no caso das estátuas de bandeirantes como Raposo Tavares e Fernão Dias, ambas dispostas no hall de entrada, a curadoria do museu usou recursos multimídia para abordar controvérsias por trás de representação heroica de algumas figuras.

Há cerca de um ano, uma estátua de Borba Gato, na zona sul de São Paulo, foi incendiada como forma de protesto à representação de figuras históricas do País, episódio que motivou críticas sobre o vandalismo e debates sobre como retratar bandeirantes e outros personagens polêmicos. O ataque à estátua deu continuidade a uma onda de protestos contra monumentos a figuras históricas ligadas ao colonialismo e à escravidão, movimento que ganhou força nos últimos anos, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa.

Hall de entrada do Museu do Ipiranga; esculturas foram feitas para o Centenário da Independência, há 100 anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Isso tem sido um tema quente nos últimos dois anos, essas figuras (bandeirantes) têm sido extremamente contestadas por vários setores da nossa sociedade”, diz o historiador Paulo Garcez Marins, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e um dos curadores do museu. Segundo ele, essa foi uma preocupação durante a organização do Museu do Ipiranga para reabertura, o que se manifesta em alguns cuidados, principalmente para retratar as obras que vão do hall de entrada até o Salão Nobre.

“Populações indígenas e populações negras são sempre representadas de maneiras subalternizadas, submissas. E sabemos que a história do Brasil é feita de embates, de confrontos, de lutas e disputas”, explica o historiador. “O conjunto de imagens retrata sempre corpos pacificados, não há combates aqui. Nos museus de história na Europa, ou na América mesmo, na Argentina, México e nos Estados Unidos, é comum haver cenas de batalhas, guerras, corpos e mortes, que mostram a construção desse território nacional a partir das disputas. Aqui, não há essa narrativa.”

Nesse sentido, o historiador define algumas das imagens presentes no Museu do Ipiranga como “muito complicadas”, o que teria motivado a contextualização. “Nós tratamos dessas imagens nos núcleos de multimídia que estão nesse hall, no sentido de abordar historicamente a construção dessas figuras, desses personagens e entender que isso é uma história do Brasil. É muito importante que o público não entre aqui mais entendendo que essa é a narrativa da história brasileira, que era (retratada de forma) muito excludente e muito hierarquizadora. Mas é uma forma que hoje nós debatemos”, explica.

Diante disso, a curadoria do Museu do Ipiranga buscou contextualizar as obras por meio de alguns dos 333 recursos multissensoriais disponíveis para o público. “Hoje, os bandeirantes podem ser considerados heróis?”, pergunta o recurso de uma tela localizada perto da porta de entrada, após o visitante selecionar uma das opções. Em seguida, é feita uma explicação de como a imagem dos bandeiras foi trabalhada ao longo do tempo e o museu chega à sua conclusão final: “Hoje o museu não concorda com esta imagem heroica dos bandeiras, que simplifica um passado que também foi violento e escravizador.”

Conforme Marins, os curadores do Museu do Ipiranga transformaram em exposição uma área que era de circulação do prédio justamente para poder se aprofundar no tema. A nova exposição abrange desde o hall de entrada do prédio, passa pela escadaria de honra – feita em mármore e com esculturas de bandeirantes como Borba Gato – e termina no Salão Nobre, que era já uma área expositiva. “Transformamos todo esse espaço em uma área expositiva para podermos tratar com o público essa decoração que foi encomendada para o Centenário da Independência.”

Paulo Garcez Marins fala sobre alguns dos paineis interativos dispostos no museu Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O curador relembra um pouco da história do museu. “Quando esse prédio foi inaugurado, em 1890, não havia decoração nenhuma no prédio”, conta ele, explicando que o espaço permaneceu assim até o início dos anos 1900. Até que Afonso Taunay foi nomeado diretor do museu. “Em 1917, ele foi escolhido para preparar o museu para o centenário.”

A partir de então, Marins explica que foram encomendadas pinturas e esculturas a artistas brasileiros para narrar uma história do Brasil. “E esse é o nome dessa exposição: Uma História do Brasil. Não entendemos isso como a história do Brasil”, explica. Nesse cenário, o próprio nome de uma das 11 exposições abertas no próximo dia 8 no Museu do Ipiranga, continua, seria um exercício de reflexão para o público.

Ele explica que a preparação do Ipiranga para o Centenário da Independência, em 1922, era uma proposta de valorizar o lugar de São Paulo no nascimento da nação e de fortalecer a imagem do Estado como um espaço simbólico. “Isso poderia ser feito de várias maneiras, mas Taunay escolhe uma maneira: narrar essa história com pinturas que aludem à criação da capitania de São Vicente e quando começa o povoamento português no Brasil.”

Esse entendimento fica claro pelas obras que vão do hall de entrada até o Salão Nobre do museu. “Taunay constrói essa sequência de imagens para terminar no Salão Nobre com o Independência ou Morte, que já existia aqui no prédio desde 1895 e que é o fim de um processo de formação. Para Taunay, o começo e o fim da formação brasileira estão atrelados a São Paulo. Para isso, ele vai pontuar esse caminho com pinturas e esculturas que reforçam esse protagonismo paulista. E a figura-chave para a construção desse protagonismo, na concepção do Taunay, é a figura do bandeirante.”

Ao entrar pela porta principal do museu, algumas das primeiras obras que podem ser vistas são duas esculturas em mármore dos bandeirantes Raposo Tavares e Fernão Dias, ambas com mais de quatro metros de altura. À medida em que se anda para a escada, outras figuras, como Borba Gato, passam a ser retratadas em monumentos realistas.

“Taunay batiza a entrada dizendo que a construção da riqueza brasileira e a construção do território brasileiro era devido aos bandeirantes. Ao percorrer a escada, vemos seis esculturas de bandeirantes, representando seis Estados que se separaram de São Paulo”, diz Marins. “Embaixo de cada bandeirante existe o nome de um Estado e a data que esse Estado se separou de São Paulo. São eles: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, ao sul, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, ao norte.”

O historiador explica que, na época do Centenário da Independência, o então diretor do museu construiu essa decoração para reforçar que a construção do território brasileiro estava intimamente ligada com esta expansão dos paulistas. Além dos bandeirantes, as escadarias contam ainda com quadros e 16 ânforas com vasos com água de rios que cortam o território brasileiro, como São Francisco e o Paraguai.

“Os vasos, que contêm as águas dos rios brasileiros, reforçam a criação desse território nacional, que, para ele, se deve a processos como ciclo do ouro, o ciclo dos criadores de gado, um nome extremamente difícil hoje, que é o ciclo da caça ao índio, uma terminologia evidentemente racista dos anos 1920, e a posse da Amazônia”, aponta Marins.

SÃO PAULO – Após nove anos fechado, o Museu do Ipiranga será finalmente reaberto ao público geral no próximo dia 8. De objetos táteis e painéis interativos, serão várias as novidades nessa nova fase do espaço. Uma das principais delas é que, para algumas obras, como no caso das estátuas de bandeirantes como Raposo Tavares e Fernão Dias, ambas dispostas no hall de entrada, a curadoria do museu usou recursos multimídia para abordar controvérsias por trás de representação heroica de algumas figuras.

Há cerca de um ano, uma estátua de Borba Gato, na zona sul de São Paulo, foi incendiada como forma de protesto à representação de figuras históricas do País, episódio que motivou críticas sobre o vandalismo e debates sobre como retratar bandeirantes e outros personagens polêmicos. O ataque à estátua deu continuidade a uma onda de protestos contra monumentos a figuras históricas ligadas ao colonialismo e à escravidão, movimento que ganhou força nos últimos anos, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa.

Hall de entrada do Museu do Ipiranga; esculturas foram feitas para o Centenário da Independência, há 100 anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Isso tem sido um tema quente nos últimos dois anos, essas figuras (bandeirantes) têm sido extremamente contestadas por vários setores da nossa sociedade”, diz o historiador Paulo Garcez Marins, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e um dos curadores do museu. Segundo ele, essa foi uma preocupação durante a organização do Museu do Ipiranga para reabertura, o que se manifesta em alguns cuidados, principalmente para retratar as obras que vão do hall de entrada até o Salão Nobre.

“Populações indígenas e populações negras são sempre representadas de maneiras subalternizadas, submissas. E sabemos que a história do Brasil é feita de embates, de confrontos, de lutas e disputas”, explica o historiador. “O conjunto de imagens retrata sempre corpos pacificados, não há combates aqui. Nos museus de história na Europa, ou na América mesmo, na Argentina, México e nos Estados Unidos, é comum haver cenas de batalhas, guerras, corpos e mortes, que mostram a construção desse território nacional a partir das disputas. Aqui, não há essa narrativa.”

Nesse sentido, o historiador define algumas das imagens presentes no Museu do Ipiranga como “muito complicadas”, o que teria motivado a contextualização. “Nós tratamos dessas imagens nos núcleos de multimídia que estão nesse hall, no sentido de abordar historicamente a construção dessas figuras, desses personagens e entender que isso é uma história do Brasil. É muito importante que o público não entre aqui mais entendendo que essa é a narrativa da história brasileira, que era (retratada de forma) muito excludente e muito hierarquizadora. Mas é uma forma que hoje nós debatemos”, explica.

Diante disso, a curadoria do Museu do Ipiranga buscou contextualizar as obras por meio de alguns dos 333 recursos multissensoriais disponíveis para o público. “Hoje, os bandeirantes podem ser considerados heróis?”, pergunta o recurso de uma tela localizada perto da porta de entrada, após o visitante selecionar uma das opções. Em seguida, é feita uma explicação de como a imagem dos bandeiras foi trabalhada ao longo do tempo e o museu chega à sua conclusão final: “Hoje o museu não concorda com esta imagem heroica dos bandeiras, que simplifica um passado que também foi violento e escravizador.”

Conforme Marins, os curadores do Museu do Ipiranga transformaram em exposição uma área que era de circulação do prédio justamente para poder se aprofundar no tema. A nova exposição abrange desde o hall de entrada do prédio, passa pela escadaria de honra – feita em mármore e com esculturas de bandeirantes como Borba Gato – e termina no Salão Nobre, que era já uma área expositiva. “Transformamos todo esse espaço em uma área expositiva para podermos tratar com o público essa decoração que foi encomendada para o Centenário da Independência.”

Paulo Garcez Marins fala sobre alguns dos paineis interativos dispostos no museu Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O curador relembra um pouco da história do museu. “Quando esse prédio foi inaugurado, em 1890, não havia decoração nenhuma no prédio”, conta ele, explicando que o espaço permaneceu assim até o início dos anos 1900. Até que Afonso Taunay foi nomeado diretor do museu. “Em 1917, ele foi escolhido para preparar o museu para o centenário.”

A partir de então, Marins explica que foram encomendadas pinturas e esculturas a artistas brasileiros para narrar uma história do Brasil. “E esse é o nome dessa exposição: Uma História do Brasil. Não entendemos isso como a história do Brasil”, explica. Nesse cenário, o próprio nome de uma das 11 exposições abertas no próximo dia 8 no Museu do Ipiranga, continua, seria um exercício de reflexão para o público.

Ele explica que a preparação do Ipiranga para o Centenário da Independência, em 1922, era uma proposta de valorizar o lugar de São Paulo no nascimento da nação e de fortalecer a imagem do Estado como um espaço simbólico. “Isso poderia ser feito de várias maneiras, mas Taunay escolhe uma maneira: narrar essa história com pinturas que aludem à criação da capitania de São Vicente e quando começa o povoamento português no Brasil.”

Esse entendimento fica claro pelas obras que vão do hall de entrada até o Salão Nobre do museu. “Taunay constrói essa sequência de imagens para terminar no Salão Nobre com o Independência ou Morte, que já existia aqui no prédio desde 1895 e que é o fim de um processo de formação. Para Taunay, o começo e o fim da formação brasileira estão atrelados a São Paulo. Para isso, ele vai pontuar esse caminho com pinturas e esculturas que reforçam esse protagonismo paulista. E a figura-chave para a construção desse protagonismo, na concepção do Taunay, é a figura do bandeirante.”

Ao entrar pela porta principal do museu, algumas das primeiras obras que podem ser vistas são duas esculturas em mármore dos bandeirantes Raposo Tavares e Fernão Dias, ambas com mais de quatro metros de altura. À medida em que se anda para a escada, outras figuras, como Borba Gato, passam a ser retratadas em monumentos realistas.

“Taunay batiza a entrada dizendo que a construção da riqueza brasileira e a construção do território brasileiro era devido aos bandeirantes. Ao percorrer a escada, vemos seis esculturas de bandeirantes, representando seis Estados que se separaram de São Paulo”, diz Marins. “Embaixo de cada bandeirante existe o nome de um Estado e a data que esse Estado se separou de São Paulo. São eles: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, ao sul, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, ao norte.”

O historiador explica que, na época do Centenário da Independência, o então diretor do museu construiu essa decoração para reforçar que a construção do território brasileiro estava intimamente ligada com esta expansão dos paulistas. Além dos bandeirantes, as escadarias contam ainda com quadros e 16 ânforas com vasos com água de rios que cortam o território brasileiro, como São Francisco e o Paraguai.

“Os vasos, que contêm as águas dos rios brasileiros, reforçam a criação desse território nacional, que, para ele, se deve a processos como ciclo do ouro, o ciclo dos criadores de gado, um nome extremamente difícil hoje, que é o ciclo da caça ao índio, uma terminologia evidentemente racista dos anos 1920, e a posse da Amazônia”, aponta Marins.

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