Por que planos de resgatar Marcola da prisão federal racham o PCC?


Condenado a mais de 300 anos, líder máximo da facção está há pouco mais de um ano na penitenciária de segurança máxima de Brasília

Por Ítalo Lo Re
Atualização:

Integrantes do Comando Vermelho (CV) fizeram nesta semana o que o Primeiro Comando da Capital (PCC) nunca conseguiu: concretizar um plano de fuga de um presídio federal. A facção paulista já elaborou tentativas de resgatar Marcola, levado para o sistema penitenciário federal em 2019, mas nenhuma foi à frente. Segundo investigações de autoridades policiais e do Ministério Público de São Paulo, o foco recorrente no líder máximo da organização é justamente um dos motivos de racha interno que ocorre agora na alta cúpula da facção.

Condenado a mais de 300 anos de prisão, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, está há pouco mais de um ano na Penitenciária de Brasília, uma das cinco unidades federais de segurança máxima do País.

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Os planos para resgatá-lo, todos frustrados até o momento, envolvem desde helicópteros a investimentos expressivos, que chegam a R$ 5 milhões. Como mostrou o Estadão, um dos mais recentes deles monitorava inclusive o ex-ministro da Justiça Sergio Moro – a hipótese é que o PCC planejava um sequestro para usá-lo como “moeda de troca” para libertar seu líder.

Nesta semana, a primeira fuga já registrada no sistema federal foi na unidade de Mossoró (RN). Os dois fugitivos são apontados como matadores do Comando Vermelho, facção carioca que rivaliza com o PCC no domínio das rotas do tráfico de cocaína, mas o episódio levantou dúvidas sobre a segurança do modelo, em vigor desde 2006, quando foi criada o presídio de Catanduvas (PR).

Recém-empossado no cargo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou que a fuga se deve a uma sequência de erros. A polícia também investiga se houve ajuda de algum agente de dentro do presídio. Ele anunciou uma série de medidas para tentar aumentar a segurança em prisões federais, como muralhas em torno das unidades. As medidas valem também para a Penitenciária Federal de Brasília, onde está o líder do PCC.

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Pedido de transferência de Marcola para uma penitenciária federal partiu do promotor de Justiça Lincoln Gakiya Foto: Stephanie Fonseca/Estadão

A tentativa de libertar Marcola está longe de ser unanimidade, segundo o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) em Presidente Prudente, no interior do Estado de São Paulo. “Há dois pesos e duas medidas na preocupação com o Marcola”, disse ao Estadão.

Ele relembra que, muito antes de o líder do PCC ser transferido para a rede federal – em pedido feito pelo próprio Gakiya e finalmente efetivado em 2019 –, outros integrantes da cúpula da organização já haviam sido isolados no sistema federal, em transferências que não ensejaram planos para libertação.

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“Eu mesmo fui um dos responsáveis pelo isolamento do Roberto Soriano, que foi o primeiro líder, que era da Sintonia Final (cúpula mais alta do PCC), que foi para o sistema federal em 2012″, disse Gakiya, que há duas décadas investiga a facção.

Entre outros crimes, Soriano, conhecido como Tiriça, foi condenado pelo assassinato da psicóloga Melissa de Almeida Araújo, de 37 anos, que trabalhava na Penitenciária de Catanduvas. O crime ocorreu em maio de 2017, em Cascavel, no Paraná.

O julgamento, que se deu no ano passado, teve como uma das provas um áudio de Marcola falando sobre o perfil de Tiriça, o que se tornou motivo de insatisfação entre membros da alta cúpula. Além do foco somente nos resgates do líder máximo da prisão.

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“Roberto Soriano já está lá (no sistema federal) há 12 anos e a gente nunca ouviu dizer que houvesse um plano, que o PCC queria sequestrar ou matar autoridades, ou então financiar um plano para libertá-lo”, exemplificou o promotor de Justiça.

As estratégias para libertação de presos do sistema federal só começaram a ganhar mais força com a transferência de Marcola. “Quando pedimos a remoção do Marcola e mais 21 líderes do PCC do primeiro, segundo e uma parte até do terceiro escalão para o sistema prisional, aí sim começaram as preocupações com relação ao resgate do Marcola. Não é o resgate da cúpula”, afirmou Gakiya.

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O promotor afirma que a insistência na libertação do líder máximo da facção tem causado cisões internas na facção, segundo informações coletadas em investigações do MP e de setores de inteligência de outros órgãos, como a Polícia Federal e o Sistema Penitenciário Federal. Entre os nomes que têm apresentado insatisfação, além de Roberto Soriano, estão Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho, Daniel Canônico, o Cego, e Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka.

O racha é agravado por insatisfações quanto ao assassinato de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, apontado como liderança em ascensão dentro do PCC. Como mostrou o Estadão na época, ele foi encontrado morto em fevereiro de 2018 em área de mata de Aquiraz, região metropolitana de Fortaleza. Gegê foi arremessado no local direto de um helicóptero após ser executado a tiros e facadas. No mesmo local, uma reserva indígena, foi localizado o corpo de Fabiano Alves de Souza, o Paca, em um dos episódios mais sangrentos da história do PCC.

“O grupo ligado ao Soriano nunca aceitou e ainda não aceita as mortes do Gegê do Mangue e do Paca, que foram determinadas pelo Gilberto Aparecido dos Santos, o ‘Fuminho’, sócio do Marcola. O Fuminho primeiro foi jurado de morte (’decretado’) por eles, mas depois foi perdoado pelo Marcola. Isso criou um clima que estimula esse racha interno”, disse Gakiya. Na época em que foi morto, Gegê fazia uma espécie de “pente-fino” para apurar os gastos da organização.

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Assim como outros nomes da Baixada Santista, como André do Rap, Fuminho teve papel central para aumentar a expressão internacional do PCC na última década. Ele foi preso em Moçambique, em 2020, após ficar foragido por 20 anos. A hipótese é de que ele estava na África com o objetivo de construir uma rede de distribuição de droga na Europa e, assim, se livrar do pedágio cobrado pela ‘Ndrangheta e pela máfia sérvia: 40% da cocaína enviada pelo PCC fica nas mãos dos mafiosos do Velho Continente.

“Esse racha se dá justamente por isso: eles estão questionando várias ações do PCC, inclusive a de dar toda a prioridade para o Marcola e deixar os outros sem qualquer tipo de importância”, disse Gakiya, que ressaltou que, no sistema federal, há mais dificuldade no “acerto de conta” entre lideranças. “Mas nas ruas têm ocorrido muitas mortes ligadas a essas disputas internas por poder. A situação atual do PCC é esta: passa por uma depuração interna e há um questionamento da liderança do Marcola.”

PCC tem história marcada por rachas sangrentos

Fundado há três décadas na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no Vale do Paraíba, o Primeiro Comando da Capital tem a história marcada por episódios sangrentos, inclusive envolvendo a alta cúpula da organização. “O PCC teve vários rachas, movimentos e conflitos desde o seu início”, disse Márcio Sérgio Christino, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado. Ele afirma que, além da ofensiva que resultou na morte de Gegê do Mangue, houve outras duas grandes rupturas entre lideranças do PCC.

A primeira delas envolveu dois dos principais fundadores da organização, ambos já mortos: Cesar Augusto Roriz, o “Cesinha”, e José Márcio Felício dos Santos, o “Geleião”. Os embates aconteceram em 2001. “Foi numa época em que eles foram mandados para um presídio de fora de São Paulo”, relembra Christino. A dupla, então, designou como lideranças provisórias Idemir Carlos Ambrósio, o “Sombra”, e um outro integrante, em período marcado por grandes rebeliões.

“Eles começaram a desenvolver as atividades de uma maneira um pouco mais agressiva do que faziam Cesinha e Geleião, inclusive explorando outros presos”, disse Christino. Quando Cesinha e Geleião retornaram para o sistema penitenciário paulista, não gostaram do que viram. Houve então uma disputa sangrenta. Sombra foi morto em fevereiro de 2001 após ser atacado por seis detentos no presídio de Taubaté. A morte dele ocorreu em um período de disputas internas, o que também resultou no assassinato de outras lideranças.

O outro grande racha, ocorrido ao longo dos anos seguintes, foi o que marcou justamente a ascensão de Marcola ao poder. “Essa foi, na verdade, a ‘grande guerra’ da organização”, disse. Segundo Christino, após ganhar espaço aos poucos dentro do PCC, o hoje líder máximo da facção fez uma ofensiva contra Cesinha e Geleião, em 2002. “Marcola foi um dos articuladores que permitiu que as operações fossem feitas e que o Cesinha e o Geleião fossem isolados no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes.”

Quando isso ocorreu, instaurou-se um racha generalizado na alta cúpula da organização. Os embates atingiram o ápice com o assassinato da advogada Ana Olivatto, ex-namorada de Marcola que foi morta pelo então cunhado de Cesinha. “Nesse ponto, atribui-se a eles (Cesinha e Geleião) a morte da ex-mulher do Marcola e os dois ficam isolados”, disse. Anos depois, em 2005, há uma rebelião na penitenciária de Presidente Venceslau, que culmina na morte de vários membros aliados aos dois fundadores. Entre eles, Sandro Henrique da Silva Santos, o “Gulu”, apontado como líder na Baixada Santista.

“Nesse momento, Marcola assume sozinho a situação e chama junto dele o Júlio César Guedes de Moraes, conhecido como ‘Julinho Carambola’, que é um cara extremamente inteligente, sequestrador e perigosíssimo”, disse. É nesse momento, segundo Christino, que o PCC passa a investir de forma mais intensa no tráfico de drogas, em movimento que contribui para a organização se tornar o que é hoje. “Começa a haver um processo de divisão de tarefas, com a designação crescente de funções e uma maior organização.”

Após uma série de disputas internas e prisões, atualmente, Sérgio Luiz de Freitas, o “Mijão”, é apontado por investigadores com o principal nome do Primeiro Comando nas ruas. Ele foi condenado pela Justiça de Mato Grosso do Sul a oito anos de prisão em abril por tráfico de drogas, mas recebeu o direito de responder em liberdade. Foragido, Mijão é considerado pelo Ministério Público como a principal voz do PCC fora da prisão. A liderança máxima segue nas mãos de Marcola.

Integrantes do Comando Vermelho (CV) fizeram nesta semana o que o Primeiro Comando da Capital (PCC) nunca conseguiu: concretizar um plano de fuga de um presídio federal. A facção paulista já elaborou tentativas de resgatar Marcola, levado para o sistema penitenciário federal em 2019, mas nenhuma foi à frente. Segundo investigações de autoridades policiais e do Ministério Público de São Paulo, o foco recorrente no líder máximo da organização é justamente um dos motivos de racha interno que ocorre agora na alta cúpula da facção.

Condenado a mais de 300 anos de prisão, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, está há pouco mais de um ano na Penitenciária de Brasília, uma das cinco unidades federais de segurança máxima do País.

Os planos para resgatá-lo, todos frustrados até o momento, envolvem desde helicópteros a investimentos expressivos, que chegam a R$ 5 milhões. Como mostrou o Estadão, um dos mais recentes deles monitorava inclusive o ex-ministro da Justiça Sergio Moro – a hipótese é que o PCC planejava um sequestro para usá-lo como “moeda de troca” para libertar seu líder.

Nesta semana, a primeira fuga já registrada no sistema federal foi na unidade de Mossoró (RN). Os dois fugitivos são apontados como matadores do Comando Vermelho, facção carioca que rivaliza com o PCC no domínio das rotas do tráfico de cocaína, mas o episódio levantou dúvidas sobre a segurança do modelo, em vigor desde 2006, quando foi criada o presídio de Catanduvas (PR).

Recém-empossado no cargo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou que a fuga se deve a uma sequência de erros. A polícia também investiga se houve ajuda de algum agente de dentro do presídio. Ele anunciou uma série de medidas para tentar aumentar a segurança em prisões federais, como muralhas em torno das unidades. As medidas valem também para a Penitenciária Federal de Brasília, onde está o líder do PCC.

Pedido de transferência de Marcola para uma penitenciária federal partiu do promotor de Justiça Lincoln Gakiya Foto: Stephanie Fonseca/Estadão

A tentativa de libertar Marcola está longe de ser unanimidade, segundo o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) em Presidente Prudente, no interior do Estado de São Paulo. “Há dois pesos e duas medidas na preocupação com o Marcola”, disse ao Estadão.

Ele relembra que, muito antes de o líder do PCC ser transferido para a rede federal – em pedido feito pelo próprio Gakiya e finalmente efetivado em 2019 –, outros integrantes da cúpula da organização já haviam sido isolados no sistema federal, em transferências que não ensejaram planos para libertação.

“Eu mesmo fui um dos responsáveis pelo isolamento do Roberto Soriano, que foi o primeiro líder, que era da Sintonia Final (cúpula mais alta do PCC), que foi para o sistema federal em 2012″, disse Gakiya, que há duas décadas investiga a facção.

Entre outros crimes, Soriano, conhecido como Tiriça, foi condenado pelo assassinato da psicóloga Melissa de Almeida Araújo, de 37 anos, que trabalhava na Penitenciária de Catanduvas. O crime ocorreu em maio de 2017, em Cascavel, no Paraná.

O julgamento, que se deu no ano passado, teve como uma das provas um áudio de Marcola falando sobre o perfil de Tiriça, o que se tornou motivo de insatisfação entre membros da alta cúpula. Além do foco somente nos resgates do líder máximo da prisão.

“Roberto Soriano já está lá (no sistema federal) há 12 anos e a gente nunca ouviu dizer que houvesse um plano, que o PCC queria sequestrar ou matar autoridades, ou então financiar um plano para libertá-lo”, exemplificou o promotor de Justiça.

As estratégias para libertação de presos do sistema federal só começaram a ganhar mais força com a transferência de Marcola. “Quando pedimos a remoção do Marcola e mais 21 líderes do PCC do primeiro, segundo e uma parte até do terceiro escalão para o sistema prisional, aí sim começaram as preocupações com relação ao resgate do Marcola. Não é o resgate da cúpula”, afirmou Gakiya.

O promotor afirma que a insistência na libertação do líder máximo da facção tem causado cisões internas na facção, segundo informações coletadas em investigações do MP e de setores de inteligência de outros órgãos, como a Polícia Federal e o Sistema Penitenciário Federal. Entre os nomes que têm apresentado insatisfação, além de Roberto Soriano, estão Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho, Daniel Canônico, o Cego, e Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka.

O racha é agravado por insatisfações quanto ao assassinato de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, apontado como liderança em ascensão dentro do PCC. Como mostrou o Estadão na época, ele foi encontrado morto em fevereiro de 2018 em área de mata de Aquiraz, região metropolitana de Fortaleza. Gegê foi arremessado no local direto de um helicóptero após ser executado a tiros e facadas. No mesmo local, uma reserva indígena, foi localizado o corpo de Fabiano Alves de Souza, o Paca, em um dos episódios mais sangrentos da história do PCC.

“O grupo ligado ao Soriano nunca aceitou e ainda não aceita as mortes do Gegê do Mangue e do Paca, que foram determinadas pelo Gilberto Aparecido dos Santos, o ‘Fuminho’, sócio do Marcola. O Fuminho primeiro foi jurado de morte (’decretado’) por eles, mas depois foi perdoado pelo Marcola. Isso criou um clima que estimula esse racha interno”, disse Gakiya. Na época em que foi morto, Gegê fazia uma espécie de “pente-fino” para apurar os gastos da organização.

Assim como outros nomes da Baixada Santista, como André do Rap, Fuminho teve papel central para aumentar a expressão internacional do PCC na última década. Ele foi preso em Moçambique, em 2020, após ficar foragido por 20 anos. A hipótese é de que ele estava na África com o objetivo de construir uma rede de distribuição de droga na Europa e, assim, se livrar do pedágio cobrado pela ‘Ndrangheta e pela máfia sérvia: 40% da cocaína enviada pelo PCC fica nas mãos dos mafiosos do Velho Continente.

“Esse racha se dá justamente por isso: eles estão questionando várias ações do PCC, inclusive a de dar toda a prioridade para o Marcola e deixar os outros sem qualquer tipo de importância”, disse Gakiya, que ressaltou que, no sistema federal, há mais dificuldade no “acerto de conta” entre lideranças. “Mas nas ruas têm ocorrido muitas mortes ligadas a essas disputas internas por poder. A situação atual do PCC é esta: passa por uma depuração interna e há um questionamento da liderança do Marcola.”

PCC tem história marcada por rachas sangrentos

Fundado há três décadas na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no Vale do Paraíba, o Primeiro Comando da Capital tem a história marcada por episódios sangrentos, inclusive envolvendo a alta cúpula da organização. “O PCC teve vários rachas, movimentos e conflitos desde o seu início”, disse Márcio Sérgio Christino, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado. Ele afirma que, além da ofensiva que resultou na morte de Gegê do Mangue, houve outras duas grandes rupturas entre lideranças do PCC.

A primeira delas envolveu dois dos principais fundadores da organização, ambos já mortos: Cesar Augusto Roriz, o “Cesinha”, e José Márcio Felício dos Santos, o “Geleião”. Os embates aconteceram em 2001. “Foi numa época em que eles foram mandados para um presídio de fora de São Paulo”, relembra Christino. A dupla, então, designou como lideranças provisórias Idemir Carlos Ambrósio, o “Sombra”, e um outro integrante, em período marcado por grandes rebeliões.

“Eles começaram a desenvolver as atividades de uma maneira um pouco mais agressiva do que faziam Cesinha e Geleião, inclusive explorando outros presos”, disse Christino. Quando Cesinha e Geleião retornaram para o sistema penitenciário paulista, não gostaram do que viram. Houve então uma disputa sangrenta. Sombra foi morto em fevereiro de 2001 após ser atacado por seis detentos no presídio de Taubaté. A morte dele ocorreu em um período de disputas internas, o que também resultou no assassinato de outras lideranças.

O outro grande racha, ocorrido ao longo dos anos seguintes, foi o que marcou justamente a ascensão de Marcola ao poder. “Essa foi, na verdade, a ‘grande guerra’ da organização”, disse. Segundo Christino, após ganhar espaço aos poucos dentro do PCC, o hoje líder máximo da facção fez uma ofensiva contra Cesinha e Geleião, em 2002. “Marcola foi um dos articuladores que permitiu que as operações fossem feitas e que o Cesinha e o Geleião fossem isolados no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes.”

Quando isso ocorreu, instaurou-se um racha generalizado na alta cúpula da organização. Os embates atingiram o ápice com o assassinato da advogada Ana Olivatto, ex-namorada de Marcola que foi morta pelo então cunhado de Cesinha. “Nesse ponto, atribui-se a eles (Cesinha e Geleião) a morte da ex-mulher do Marcola e os dois ficam isolados”, disse. Anos depois, em 2005, há uma rebelião na penitenciária de Presidente Venceslau, que culmina na morte de vários membros aliados aos dois fundadores. Entre eles, Sandro Henrique da Silva Santos, o “Gulu”, apontado como líder na Baixada Santista.

“Nesse momento, Marcola assume sozinho a situação e chama junto dele o Júlio César Guedes de Moraes, conhecido como ‘Julinho Carambola’, que é um cara extremamente inteligente, sequestrador e perigosíssimo”, disse. É nesse momento, segundo Christino, que o PCC passa a investir de forma mais intensa no tráfico de drogas, em movimento que contribui para a organização se tornar o que é hoje. “Começa a haver um processo de divisão de tarefas, com a designação crescente de funções e uma maior organização.”

Após uma série de disputas internas e prisões, atualmente, Sérgio Luiz de Freitas, o “Mijão”, é apontado por investigadores com o principal nome do Primeiro Comando nas ruas. Ele foi condenado pela Justiça de Mato Grosso do Sul a oito anos de prisão em abril por tráfico de drogas, mas recebeu o direito de responder em liberdade. Foragido, Mijão é considerado pelo Ministério Público como a principal voz do PCC fora da prisão. A liderança máxima segue nas mãos de Marcola.

Integrantes do Comando Vermelho (CV) fizeram nesta semana o que o Primeiro Comando da Capital (PCC) nunca conseguiu: concretizar um plano de fuga de um presídio federal. A facção paulista já elaborou tentativas de resgatar Marcola, levado para o sistema penitenciário federal em 2019, mas nenhuma foi à frente. Segundo investigações de autoridades policiais e do Ministério Público de São Paulo, o foco recorrente no líder máximo da organização é justamente um dos motivos de racha interno que ocorre agora na alta cúpula da facção.

Condenado a mais de 300 anos de prisão, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, está há pouco mais de um ano na Penitenciária de Brasília, uma das cinco unidades federais de segurança máxima do País.

Os planos para resgatá-lo, todos frustrados até o momento, envolvem desde helicópteros a investimentos expressivos, que chegam a R$ 5 milhões. Como mostrou o Estadão, um dos mais recentes deles monitorava inclusive o ex-ministro da Justiça Sergio Moro – a hipótese é que o PCC planejava um sequestro para usá-lo como “moeda de troca” para libertar seu líder.

Nesta semana, a primeira fuga já registrada no sistema federal foi na unidade de Mossoró (RN). Os dois fugitivos são apontados como matadores do Comando Vermelho, facção carioca que rivaliza com o PCC no domínio das rotas do tráfico de cocaína, mas o episódio levantou dúvidas sobre a segurança do modelo, em vigor desde 2006, quando foi criada o presídio de Catanduvas (PR).

Recém-empossado no cargo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou que a fuga se deve a uma sequência de erros. A polícia também investiga se houve ajuda de algum agente de dentro do presídio. Ele anunciou uma série de medidas para tentar aumentar a segurança em prisões federais, como muralhas em torno das unidades. As medidas valem também para a Penitenciária Federal de Brasília, onde está o líder do PCC.

Pedido de transferência de Marcola para uma penitenciária federal partiu do promotor de Justiça Lincoln Gakiya Foto: Stephanie Fonseca/Estadão

A tentativa de libertar Marcola está longe de ser unanimidade, segundo o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) em Presidente Prudente, no interior do Estado de São Paulo. “Há dois pesos e duas medidas na preocupação com o Marcola”, disse ao Estadão.

Ele relembra que, muito antes de o líder do PCC ser transferido para a rede federal – em pedido feito pelo próprio Gakiya e finalmente efetivado em 2019 –, outros integrantes da cúpula da organização já haviam sido isolados no sistema federal, em transferências que não ensejaram planos para libertação.

“Eu mesmo fui um dos responsáveis pelo isolamento do Roberto Soriano, que foi o primeiro líder, que era da Sintonia Final (cúpula mais alta do PCC), que foi para o sistema federal em 2012″, disse Gakiya, que há duas décadas investiga a facção.

Entre outros crimes, Soriano, conhecido como Tiriça, foi condenado pelo assassinato da psicóloga Melissa de Almeida Araújo, de 37 anos, que trabalhava na Penitenciária de Catanduvas. O crime ocorreu em maio de 2017, em Cascavel, no Paraná.

O julgamento, que se deu no ano passado, teve como uma das provas um áudio de Marcola falando sobre o perfil de Tiriça, o que se tornou motivo de insatisfação entre membros da alta cúpula. Além do foco somente nos resgates do líder máximo da prisão.

“Roberto Soriano já está lá (no sistema federal) há 12 anos e a gente nunca ouviu dizer que houvesse um plano, que o PCC queria sequestrar ou matar autoridades, ou então financiar um plano para libertá-lo”, exemplificou o promotor de Justiça.

As estratégias para libertação de presos do sistema federal só começaram a ganhar mais força com a transferência de Marcola. “Quando pedimos a remoção do Marcola e mais 21 líderes do PCC do primeiro, segundo e uma parte até do terceiro escalão para o sistema prisional, aí sim começaram as preocupações com relação ao resgate do Marcola. Não é o resgate da cúpula”, afirmou Gakiya.

O promotor afirma que a insistência na libertação do líder máximo da facção tem causado cisões internas na facção, segundo informações coletadas em investigações do MP e de setores de inteligência de outros órgãos, como a Polícia Federal e o Sistema Penitenciário Federal. Entre os nomes que têm apresentado insatisfação, além de Roberto Soriano, estão Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho, Daniel Canônico, o Cego, e Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka.

O racha é agravado por insatisfações quanto ao assassinato de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, apontado como liderança em ascensão dentro do PCC. Como mostrou o Estadão na época, ele foi encontrado morto em fevereiro de 2018 em área de mata de Aquiraz, região metropolitana de Fortaleza. Gegê foi arremessado no local direto de um helicóptero após ser executado a tiros e facadas. No mesmo local, uma reserva indígena, foi localizado o corpo de Fabiano Alves de Souza, o Paca, em um dos episódios mais sangrentos da história do PCC.

“O grupo ligado ao Soriano nunca aceitou e ainda não aceita as mortes do Gegê do Mangue e do Paca, que foram determinadas pelo Gilberto Aparecido dos Santos, o ‘Fuminho’, sócio do Marcola. O Fuminho primeiro foi jurado de morte (’decretado’) por eles, mas depois foi perdoado pelo Marcola. Isso criou um clima que estimula esse racha interno”, disse Gakiya. Na época em que foi morto, Gegê fazia uma espécie de “pente-fino” para apurar os gastos da organização.

Assim como outros nomes da Baixada Santista, como André do Rap, Fuminho teve papel central para aumentar a expressão internacional do PCC na última década. Ele foi preso em Moçambique, em 2020, após ficar foragido por 20 anos. A hipótese é de que ele estava na África com o objetivo de construir uma rede de distribuição de droga na Europa e, assim, se livrar do pedágio cobrado pela ‘Ndrangheta e pela máfia sérvia: 40% da cocaína enviada pelo PCC fica nas mãos dos mafiosos do Velho Continente.

“Esse racha se dá justamente por isso: eles estão questionando várias ações do PCC, inclusive a de dar toda a prioridade para o Marcola e deixar os outros sem qualquer tipo de importância”, disse Gakiya, que ressaltou que, no sistema federal, há mais dificuldade no “acerto de conta” entre lideranças. “Mas nas ruas têm ocorrido muitas mortes ligadas a essas disputas internas por poder. A situação atual do PCC é esta: passa por uma depuração interna e há um questionamento da liderança do Marcola.”

PCC tem história marcada por rachas sangrentos

Fundado há três décadas na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no Vale do Paraíba, o Primeiro Comando da Capital tem a história marcada por episódios sangrentos, inclusive envolvendo a alta cúpula da organização. “O PCC teve vários rachas, movimentos e conflitos desde o seu início”, disse Márcio Sérgio Christino, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado. Ele afirma que, além da ofensiva que resultou na morte de Gegê do Mangue, houve outras duas grandes rupturas entre lideranças do PCC.

A primeira delas envolveu dois dos principais fundadores da organização, ambos já mortos: Cesar Augusto Roriz, o “Cesinha”, e José Márcio Felício dos Santos, o “Geleião”. Os embates aconteceram em 2001. “Foi numa época em que eles foram mandados para um presídio de fora de São Paulo”, relembra Christino. A dupla, então, designou como lideranças provisórias Idemir Carlos Ambrósio, o “Sombra”, e um outro integrante, em período marcado por grandes rebeliões.

“Eles começaram a desenvolver as atividades de uma maneira um pouco mais agressiva do que faziam Cesinha e Geleião, inclusive explorando outros presos”, disse Christino. Quando Cesinha e Geleião retornaram para o sistema penitenciário paulista, não gostaram do que viram. Houve então uma disputa sangrenta. Sombra foi morto em fevereiro de 2001 após ser atacado por seis detentos no presídio de Taubaté. A morte dele ocorreu em um período de disputas internas, o que também resultou no assassinato de outras lideranças.

O outro grande racha, ocorrido ao longo dos anos seguintes, foi o que marcou justamente a ascensão de Marcola ao poder. “Essa foi, na verdade, a ‘grande guerra’ da organização”, disse. Segundo Christino, após ganhar espaço aos poucos dentro do PCC, o hoje líder máximo da facção fez uma ofensiva contra Cesinha e Geleião, em 2002. “Marcola foi um dos articuladores que permitiu que as operações fossem feitas e que o Cesinha e o Geleião fossem isolados no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes.”

Quando isso ocorreu, instaurou-se um racha generalizado na alta cúpula da organização. Os embates atingiram o ápice com o assassinato da advogada Ana Olivatto, ex-namorada de Marcola que foi morta pelo então cunhado de Cesinha. “Nesse ponto, atribui-se a eles (Cesinha e Geleião) a morte da ex-mulher do Marcola e os dois ficam isolados”, disse. Anos depois, em 2005, há uma rebelião na penitenciária de Presidente Venceslau, que culmina na morte de vários membros aliados aos dois fundadores. Entre eles, Sandro Henrique da Silva Santos, o “Gulu”, apontado como líder na Baixada Santista.

“Nesse momento, Marcola assume sozinho a situação e chama junto dele o Júlio César Guedes de Moraes, conhecido como ‘Julinho Carambola’, que é um cara extremamente inteligente, sequestrador e perigosíssimo”, disse. É nesse momento, segundo Christino, que o PCC passa a investir de forma mais intensa no tráfico de drogas, em movimento que contribui para a organização se tornar o que é hoje. “Começa a haver um processo de divisão de tarefas, com a designação crescente de funções e uma maior organização.”

Após uma série de disputas internas e prisões, atualmente, Sérgio Luiz de Freitas, o “Mijão”, é apontado por investigadores com o principal nome do Primeiro Comando nas ruas. Ele foi condenado pela Justiça de Mato Grosso do Sul a oito anos de prisão em abril por tráfico de drogas, mas recebeu o direito de responder em liberdade. Foragido, Mijão é considerado pelo Ministério Público como a principal voz do PCC fora da prisão. A liderança máxima segue nas mãos de Marcola.

Integrantes do Comando Vermelho (CV) fizeram nesta semana o que o Primeiro Comando da Capital (PCC) nunca conseguiu: concretizar um plano de fuga de um presídio federal. A facção paulista já elaborou tentativas de resgatar Marcola, levado para o sistema penitenciário federal em 2019, mas nenhuma foi à frente. Segundo investigações de autoridades policiais e do Ministério Público de São Paulo, o foco recorrente no líder máximo da organização é justamente um dos motivos de racha interno que ocorre agora na alta cúpula da facção.

Condenado a mais de 300 anos de prisão, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, está há pouco mais de um ano na Penitenciária de Brasília, uma das cinco unidades federais de segurança máxima do País.

Os planos para resgatá-lo, todos frustrados até o momento, envolvem desde helicópteros a investimentos expressivos, que chegam a R$ 5 milhões. Como mostrou o Estadão, um dos mais recentes deles monitorava inclusive o ex-ministro da Justiça Sergio Moro – a hipótese é que o PCC planejava um sequestro para usá-lo como “moeda de troca” para libertar seu líder.

Nesta semana, a primeira fuga já registrada no sistema federal foi na unidade de Mossoró (RN). Os dois fugitivos são apontados como matadores do Comando Vermelho, facção carioca que rivaliza com o PCC no domínio das rotas do tráfico de cocaína, mas o episódio levantou dúvidas sobre a segurança do modelo, em vigor desde 2006, quando foi criada o presídio de Catanduvas (PR).

Recém-empossado no cargo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou que a fuga se deve a uma sequência de erros. A polícia também investiga se houve ajuda de algum agente de dentro do presídio. Ele anunciou uma série de medidas para tentar aumentar a segurança em prisões federais, como muralhas em torno das unidades. As medidas valem também para a Penitenciária Federal de Brasília, onde está o líder do PCC.

Pedido de transferência de Marcola para uma penitenciária federal partiu do promotor de Justiça Lincoln Gakiya Foto: Stephanie Fonseca/Estadão

A tentativa de libertar Marcola está longe de ser unanimidade, segundo o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) em Presidente Prudente, no interior do Estado de São Paulo. “Há dois pesos e duas medidas na preocupação com o Marcola”, disse ao Estadão.

Ele relembra que, muito antes de o líder do PCC ser transferido para a rede federal – em pedido feito pelo próprio Gakiya e finalmente efetivado em 2019 –, outros integrantes da cúpula da organização já haviam sido isolados no sistema federal, em transferências que não ensejaram planos para libertação.

“Eu mesmo fui um dos responsáveis pelo isolamento do Roberto Soriano, que foi o primeiro líder, que era da Sintonia Final (cúpula mais alta do PCC), que foi para o sistema federal em 2012″, disse Gakiya, que há duas décadas investiga a facção.

Entre outros crimes, Soriano, conhecido como Tiriça, foi condenado pelo assassinato da psicóloga Melissa de Almeida Araújo, de 37 anos, que trabalhava na Penitenciária de Catanduvas. O crime ocorreu em maio de 2017, em Cascavel, no Paraná.

O julgamento, que se deu no ano passado, teve como uma das provas um áudio de Marcola falando sobre o perfil de Tiriça, o que se tornou motivo de insatisfação entre membros da alta cúpula. Além do foco somente nos resgates do líder máximo da prisão.

“Roberto Soriano já está lá (no sistema federal) há 12 anos e a gente nunca ouviu dizer que houvesse um plano, que o PCC queria sequestrar ou matar autoridades, ou então financiar um plano para libertá-lo”, exemplificou o promotor de Justiça.

As estratégias para libertação de presos do sistema federal só começaram a ganhar mais força com a transferência de Marcola. “Quando pedimos a remoção do Marcola e mais 21 líderes do PCC do primeiro, segundo e uma parte até do terceiro escalão para o sistema prisional, aí sim começaram as preocupações com relação ao resgate do Marcola. Não é o resgate da cúpula”, afirmou Gakiya.

O promotor afirma que a insistência na libertação do líder máximo da facção tem causado cisões internas na facção, segundo informações coletadas em investigações do MP e de setores de inteligência de outros órgãos, como a Polícia Federal e o Sistema Penitenciário Federal. Entre os nomes que têm apresentado insatisfação, além de Roberto Soriano, estão Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho, Daniel Canônico, o Cego, e Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka.

O racha é agravado por insatisfações quanto ao assassinato de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, apontado como liderança em ascensão dentro do PCC. Como mostrou o Estadão na época, ele foi encontrado morto em fevereiro de 2018 em área de mata de Aquiraz, região metropolitana de Fortaleza. Gegê foi arremessado no local direto de um helicóptero após ser executado a tiros e facadas. No mesmo local, uma reserva indígena, foi localizado o corpo de Fabiano Alves de Souza, o Paca, em um dos episódios mais sangrentos da história do PCC.

“O grupo ligado ao Soriano nunca aceitou e ainda não aceita as mortes do Gegê do Mangue e do Paca, que foram determinadas pelo Gilberto Aparecido dos Santos, o ‘Fuminho’, sócio do Marcola. O Fuminho primeiro foi jurado de morte (’decretado’) por eles, mas depois foi perdoado pelo Marcola. Isso criou um clima que estimula esse racha interno”, disse Gakiya. Na época em que foi morto, Gegê fazia uma espécie de “pente-fino” para apurar os gastos da organização.

Assim como outros nomes da Baixada Santista, como André do Rap, Fuminho teve papel central para aumentar a expressão internacional do PCC na última década. Ele foi preso em Moçambique, em 2020, após ficar foragido por 20 anos. A hipótese é de que ele estava na África com o objetivo de construir uma rede de distribuição de droga na Europa e, assim, se livrar do pedágio cobrado pela ‘Ndrangheta e pela máfia sérvia: 40% da cocaína enviada pelo PCC fica nas mãos dos mafiosos do Velho Continente.

“Esse racha se dá justamente por isso: eles estão questionando várias ações do PCC, inclusive a de dar toda a prioridade para o Marcola e deixar os outros sem qualquer tipo de importância”, disse Gakiya, que ressaltou que, no sistema federal, há mais dificuldade no “acerto de conta” entre lideranças. “Mas nas ruas têm ocorrido muitas mortes ligadas a essas disputas internas por poder. A situação atual do PCC é esta: passa por uma depuração interna e há um questionamento da liderança do Marcola.”

PCC tem história marcada por rachas sangrentos

Fundado há três décadas na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no Vale do Paraíba, o Primeiro Comando da Capital tem a história marcada por episódios sangrentos, inclusive envolvendo a alta cúpula da organização. “O PCC teve vários rachas, movimentos e conflitos desde o seu início”, disse Márcio Sérgio Christino, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado. Ele afirma que, além da ofensiva que resultou na morte de Gegê do Mangue, houve outras duas grandes rupturas entre lideranças do PCC.

A primeira delas envolveu dois dos principais fundadores da organização, ambos já mortos: Cesar Augusto Roriz, o “Cesinha”, e José Márcio Felício dos Santos, o “Geleião”. Os embates aconteceram em 2001. “Foi numa época em que eles foram mandados para um presídio de fora de São Paulo”, relembra Christino. A dupla, então, designou como lideranças provisórias Idemir Carlos Ambrósio, o “Sombra”, e um outro integrante, em período marcado por grandes rebeliões.

“Eles começaram a desenvolver as atividades de uma maneira um pouco mais agressiva do que faziam Cesinha e Geleião, inclusive explorando outros presos”, disse Christino. Quando Cesinha e Geleião retornaram para o sistema penitenciário paulista, não gostaram do que viram. Houve então uma disputa sangrenta. Sombra foi morto em fevereiro de 2001 após ser atacado por seis detentos no presídio de Taubaté. A morte dele ocorreu em um período de disputas internas, o que também resultou no assassinato de outras lideranças.

O outro grande racha, ocorrido ao longo dos anos seguintes, foi o que marcou justamente a ascensão de Marcola ao poder. “Essa foi, na verdade, a ‘grande guerra’ da organização”, disse. Segundo Christino, após ganhar espaço aos poucos dentro do PCC, o hoje líder máximo da facção fez uma ofensiva contra Cesinha e Geleião, em 2002. “Marcola foi um dos articuladores que permitiu que as operações fossem feitas e que o Cesinha e o Geleião fossem isolados no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes.”

Quando isso ocorreu, instaurou-se um racha generalizado na alta cúpula da organização. Os embates atingiram o ápice com o assassinato da advogada Ana Olivatto, ex-namorada de Marcola que foi morta pelo então cunhado de Cesinha. “Nesse ponto, atribui-se a eles (Cesinha e Geleião) a morte da ex-mulher do Marcola e os dois ficam isolados”, disse. Anos depois, em 2005, há uma rebelião na penitenciária de Presidente Venceslau, que culmina na morte de vários membros aliados aos dois fundadores. Entre eles, Sandro Henrique da Silva Santos, o “Gulu”, apontado como líder na Baixada Santista.

“Nesse momento, Marcola assume sozinho a situação e chama junto dele o Júlio César Guedes de Moraes, conhecido como ‘Julinho Carambola’, que é um cara extremamente inteligente, sequestrador e perigosíssimo”, disse. É nesse momento, segundo Christino, que o PCC passa a investir de forma mais intensa no tráfico de drogas, em movimento que contribui para a organização se tornar o que é hoje. “Começa a haver um processo de divisão de tarefas, com a designação crescente de funções e uma maior organização.”

Após uma série de disputas internas e prisões, atualmente, Sérgio Luiz de Freitas, o “Mijão”, é apontado por investigadores com o principal nome do Primeiro Comando nas ruas. Ele foi condenado pela Justiça de Mato Grosso do Sul a oito anos de prisão em abril por tráfico de drogas, mas recebeu o direito de responder em liberdade. Foragido, Mijão é considerado pelo Ministério Público como a principal voz do PCC fora da prisão. A liderança máxima segue nas mãos de Marcola.

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