O governo de Portugal publicou na terça-feira, 28, no Diário da República (equivalente ao Diário Oficial da União no Brasil), portaria que “aprova o modelo de título administrativo de residência, no âmbito do Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”. O novo texto regulamenta alterações na Lei de Estrangeiros portuguesa (Lei n.º 23/2007) feitas no ano passado que facilitam a imigrantes de países lusófonos pedirem autorização de residência.
Com a publicação, o novo modelo já entra em vigor. A duração inicial dessa nova modalidade de residência, de acordo com a portaria, é de um ano. Além de Portugal e Brasil, fazem parte da comunidade Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.
Segundo a lei, cidadãos de Estados em que o Acordo CPLP esteja em vigor, que sejam titulares de visto de curta duração ou visto de estada temporária ou que tenham entrado legalmente em território nacional, podem requerer em território português, junto ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a autorização de residência CPLP.
A portaria assinada pelo ministro da Administração Interna, José Luís Pereira Carneiro, define qual será o formato do documento e também o valor para emissão dele. O certificado emitido digitalmente custará € 15 e virá acompanhado de QR Code.
Conforme informou a CNN Portugal, na abertura do Fórum das Migrações, organizado pelo Partido Socialista, na segunda quinzena de fevereiro, o ministro Carneiro explicou que os imigrantes de países da CPLP vão se beneficiar de “estatuto de proteção até um ano” semelhante ao que cidadãos que entraram no país fugidos da Guerra da Ucrânia receberam.
“Significará uma resposta para 150 mil pessoas. Cerca de 50% das manifestações de interesse que temos pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteira têm origem nos países da CPLP”, disse, segundo a reportagem da CNN Portugal.
Visão dos especialistas
Especialistas ouvidos pelo Estadão veem com bons olhos a regulamentação, mas dizem que é preciso ver na prática como vai funcionar. “O que esse decreto fez foi tentar diminuir a burocracia para sair com a sua autorização de residência de maneira quase automática. É tentar tornar o negócio menos manual e mais eletrônico”, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Direito Internacional Privado, Gustavo Monaco, professor de Direito Internacional da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade de São Paulo (USP).
Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados e especialista em questões internacionais, afirma que, normalmente, vistos e autorizações de residência estão sujeitos a alguma “burocracia de papel”, que inclui muitas vezes entrevista no consulado. “O que o governo português fez foi falar: ‘o procedimento agora é 100% online”. Você paga € 15, preenche o formulário online e, em tese, já tem autorização pra residir por um ano.”
Godke destaca que, embora a nova regra facilite ainda mais, conseguir a autorização não era tarefa impossível antes. “Em Portugal, só fica ilegal o brasileiro que for muito displicente. Se ele conseguir oferta de emprego de qualquer categoria, de qualquer empresa, consegue autorização para residir. O que essa lei faz é: ‘pode residir aqui por pelo menos um ano sem ter necessidade de ter uma oferta de emprego’.”
A virada de chave da burocracia, porém, pode ser um problema. “Morei dois anos em Portugal. Tem uma burocracia bastante robusta, para não dizer que é quase maçante. Quero ver como eles vão implantar isso. Quero ver se quem vai operar esse sistema vai se desprender do modelo antigo”, pondera Monaco.
O Estadão tentou falar com o SEF, de Portugal, mas não obteve resposta.
‘Entre a cruz e a caldeira’
O professor Monaco conta que já há alguns anos Portugal altera sua legislação para facilitar a migração de pessoas que venham de países que tenham a Língua Portuguesa como idioma oficial, o que, na visão dele, é importante. “A oportunidade de que portugueses venham ao Brasil, moçambicanos venham ao Brasil, angolanos venham ao Brasil, mas também que possamos ir para Portugal é sempre muito positiva, porque mantém vivo aquilo que nos remete a uma cultura comum. Afinal de contas, todos viemos dessa história comum que é a colonização portuguesa”, diz.
Ao contrário de outros países da CPLP, comenta ele, Portugal fica “entre a cruz e a caldeira”. Embora, na avaliação do professor, o país tenha “boa vontade” de facilitar a migração de cidadãos de países lusófonos, fica em uma posição complicada por fazer parte também da União Europeia (permite livre circulação de pessoas do bloco). “A União Europeia começa a pressionar de um lado, para serem mais rígidos na legislação, e (ao mesmo tempo) eles têm o compromisso histórico com os países de Língua Portuguesa”, diz.
Vistos gold
No mês passado, o governo português também anunciou que pararia de conceder os vistos gold, programa de cidadania e residência concedido a investidores no país, na tentativa de aliviar a falta de moradias e frear a especulação imobiliária. No anúncio feito pelo primeiro-ministro António Costa no dia 16, também foi proibida a concessão de novas licenças para apartamentos turísticos.
Portugal começou a emitir “autorizações de residência para investimento” em 2012, quando o país recebia ajuda financeira da União Europeia e buscava capital estrangeiro. Ao todo, 11.600 permissões de residência foram concedidas a candidatos dispostos a comprar imóveis no valor de ao menos € 500 mil (R$ 2,8 milhões), investir ao menos € 1,5 milhão (R$ 8,4 milhões) ou criar 10 empregos no país.
Por meio do programa, os lusitanos captaram cerca de € 6,8 bilhões (aproximadamente R$ 38 bilhões) em uma década – muitos deles, brasileiros. Segundo consultorias especializadas na obtenção desse tipo de visto, os brasileiros são a segunda nacionalidade com mais solicitações aceitas, atrás apenas dos chineses.