SÃO PAULO - Com presos que custam mais do que em outros Estados, as unidades prisionais administradas pela empresa Umanizzare no Amazonas apresentam “descontrole de segurança” e “ineficiência de gestão”, segundo relatório do Ministério Público de Contas do Estado do Amazonas (MPC-AM). Por isso, o órgão pediu nesta quarta-feira, 4, que o governo do Estado rescinda os contratos. Integrantes dos governos estadual e federal também criticam a gestão da empresa.
Em 2016, o pagamento à Umanizzare chegou ao dobro do ano anterior. Segundo relatório da Secretaria de Estado da Fazenda do Amazonas, publicado no Portal da Transparência, foram destinados R$ 429,4 milhões para a Umanizzare no ano passado. O valor é 115% superior ao de 2015, quando o repasse foi de R$ 199,5 milhões. Entre as unidades administradas pela empresa está o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), onde 56 detentos foram mortos em um dos maiores massacres da história dos presídios no País. Em nota, o governo do Amazonas contestou o dado da Fazenda, alegando que pagou R$ 302,2 milhões em 2016.
O secretário de Segurança, Sérgio Fontes, também avaliou a gestão terceirizada das cadeias do Amazonas, pedindo uma revisão contratual. “Essas relações contratuais realmente têm de ser revistas”, disse nesta quarta.
referenceLevantamento feito pela reportagem a partir do relatório da Fazenda aponta que o valor médio mensal gasto com cada um dos 6.099 presos nas seis unidades concedidas à empresa é de R$ 5.867 em 2016. Se considerar o valor informado pelo governo, o custo cairia para R$ 4.129 por mês. Na Grande São Paulo, a proporção de orçamento e população carcerária foi de R$ 2,1 mil por preso. De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP), porém, a média no Estado é de R$ 1.450.
Além do alto custo, a ineficiência da gestão foi um dos motivos pelos quais o procurador do MPC-AM Ruy Marcelo Alencar pediu que os contratos fossem encerrados. “O quadro atual nas unidades prisionais é de absoluto descontrole”, afirma no relatório. Ele ressalta os registros fotográficos em que são vistas “várias armas, aparelhos celulares e dezenas de túneis de fuga” nos estabelecimentos. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, também acredita que houve falha da administração do complexo. “Porque, senão, não teriam entrado facão, armamento pesado, bebida, celular.”
Gestão. Além do Compaj, a Umanizzare é responsável por administrar o Centro de Detenção Provisória Feminino (CDPF), o Centro de Detenção Provisória Masculino (CDPM), o Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), a Unidade Prisional de Itacoatiara (UPI) e a Unidade Prisional do Puraquequara (UPP). No modelo de gestão privada, as unidades são construídas com dinheiro público, dirigidas por agentes públicos, mas os demais serviços, de vigilância a escolta interna, são feitos por agentes terceirizados.
O formato é criticado por um órgão do Ministério da Justiça, em relatório do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que aponta que os funcionários fazem “apenas um breve curso preparatório na Escola de Administração Penitenciária do Amazonas, de modo que não dispõem de conhecimento técnico suficiente para exercer efetivamente o acompanhamento da execução penal”.
Outra crítica é que o trabalho tem as condições de risco agravadas pela possibilidade de demissão, ausência de plano de carreira e baixa remuneração dos profissionais (em torno de R$ 1.700), o que pode facilitar suborno de agentes por presos. Também é mencionada a alta rotatividade de funcionários, o que “favorece a ocorrência de tortura e maus-tratos”, segundo o relatório. A empresa diz a falta de concurso é "vantagem, e não distorção", já que há "maior agilidade de substituição e reposição de funcionários quando há problemas e omissões no trabalho".
A medida ainda vai na contramão de resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que recomenda “a rejeição de quaisquer propostas tendentes à privatização do Sistema Penitenciário Brasileiro”. Para o coordenador do Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da Universidade de São Paulo (Gecap-USP), Cláudio Amaral, a iniciativa privada deve operar de forma “alternativa”, e em casos “pontuais”. “O importante é que os agentes tenham a mesma preparação, seja na iniciativa pública ou privada”, disse, citando o exemplo da Associação de Proteção e Amparo aos Condenados (Apac), em Minas, que entende como bom exemplo de gestão privada.
Atividade-fim. Em nota, a Umanizzare destacou que só responde por limpeza e assistência social e jurídica dos presos, além da vigilância eletrônica. “O Estado cuida de todas as atividades-fim”, incluindo “todo o comando da unidade, sendo sua direção executada por servidor público indicado pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária; disciplina, uso de força, segurança e vigilância armada dos detentos (exercício do poder de polícia, função exclusiva do Estado).”
A empresa informou aindaque as unidades em regime de cogestão com o Estado executam "uma série de programas e projetos" além do previsto em lei, que buscam a reeducação e ressocialização dos presos. Destacou ainda que a estrutura oferecida pela empresa, "bem como os programas desenvolvidos nas suas unidades, não permitem comparação com valores praticados nos presídios geridos exclusivamente pelo poder público, já que nessas unidades o preso geralmente não dispõe de tais atividades e estrutura".Destaca ainda que "cada unidade prisional possui um custo específico, variando de acordo com o tamanho da unidade e o tipo de regime: aberto, semiaberto e fechado".
A Umanizzare também contestou os valores obtidos pelareportagem e diz que houve compensações no ano passado em repasses que não tinham sido realizados referentes à prestação dos serviços em anos anteriores, como 2015. "Assim o cálculo meramente proporcional causa distorção das curvas financeira e do atendimento". Destacou ainda que o governo do Estado interditou a Cadeia Pública Raimundo Vidal, o que levou à transferência de detentos para unidades da Umanizzare, aumentando em cerca de 20% a população carcerária em 2016.
Apesar da explicação, a comparação feita pelo Estado seguiu o mesmo molde para o caso de São Paulo: valor recebido e população carcerária. Além disso,o contrato original firmado entre o Estado do Amazonas e a Umanizzare, com duração de 30 meses,já previa repasses mensais de R$ 4,6 milhões para uma população de 1.072 presos no caso do Compaj, por exemplo, uma média de R$ 4.325 por preso - mais do que o dobro do Estado de São Paulo.
Oito túneis foram cavados em 2016 em cadeias concedidas
A Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas (Seap) registrou a fuga de pelo menos 53 presos e a escavação de ao menos oito túneis em presídios administrados pelas empresas privadas no Estado no ano de 2016. Em dezembro do ano passado, o Compaj teve registro da fuga de 14 presos no pavilhão 1. Os internos serraram as grades que davam acesso à muralha. Houve troca de tiros entre o grupo e um policial que fazia a guarda do local. Eles saíram utilizando uma corda feita de lençóis. Também nesta unidade foram encontrados ao menos sete túneis feitos pelos presos. Outra cadeia que registrou tentativa de fuga, por um buraco de dez metros, foi a Unidade Prisional do Puraquequara (UPP).
Em maio, houve fuga de 39 internos do Centro de Detenção Provisória de Manaus (CDPM), que escaparam por um túnel cavado em uma cela. A pasta abriu um processo administrativo para apurar se houve facilitação dos agentes penitenciários para o crime. A unidade também teve registro de grades serradas.
Balanço feito pela secretaria apontou ainda que foram apreendidos 1.285 objetos ilícitos durante as revistas entre janeiro e dezembro do ano passado. Entre os itens estavam 360 estoques (arma branca) e facas, 316 carregadores de celular, 202 celulares, 109 chips de celular, 78 garrafas de bebidas alcoólicas, 70 baterias de celular, 65 ferramentas diversas, 38 porções de drogas, 30 cartões de memória e pen drives, 3 armas de fogo e outros 14 itens diversos. Parte das apreensões aconteceu nas unidades privadas, como o Compaj e o Ipat.