Após ser expulso da favela pelo tráfico, Francisco, um negro de 17 anos, conhece um cientista. Após várias peripécias, o garoto adquire superpoderes e passa a se dividir entre os estudos e o combate a vilões. Essa é a história do Chama Negra, personagem criado pelo professor de Educação Física Julio Cesar Paladino, de 32 anos. O educador decidiu contar em histórias em quadrinhos a desafiante rotina das comunidades.
Atualmente residindo no Flamengo, zona sul carioca, Paladino viveu, desde a infância, nos arredores do Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho, no subúrbio do Rio. E foi a partir dessa estreita convivência que surgiu a ideia de criar o Chama Negra. “Quando era mais novo, fazia tudo com o pessoal da favela, íamos às festas, à Igreja, e ao shopping”, conta. “Com pequenas adaptações, tudo que escrevi foram histórias que ouvi dos meus amigos que moram no Juramento. A primeira referência é o nosso mundo real.”
Consumidor assíduo do universo nerd, o escritor partilha que utilizou apenas duas referências para criar o Chama Negra. Uma é o Homem-Aranha, pela conturbada trajetória de vida, e outro é o Super Choque, por ser negro. O autor afirma, porém, que um personagem cheio de inspirações estrangeiras poderia não dar conta de exprimir a realidade da exclusão social.
“Queria um personagem bem brasileiro”, afirma. “Reconheço que não é fácil falar de certos temas, mas queria que todos pudessem ver a dura vida de quem mora nessa região, pois quem vive longe não entende.”
Francisco, o Chama Negra, vive as aventuras com dois grandes amigos, Gabriel e Bruna, por quem nutre uma secreta paixão. O protagonista é o único negro do trio. Paladino, por ser branco, contou que teve que entender os dilemas dos negros para tornar a obra mais representativa.
“Para escrever, pesquisei bastante, além de buscar pessoas com mais propriedade sobre o assunto, como por exemplo alguns influencers negros que me explicaram algumas questões”, diz. “O retorno que tive dos leitores negros é que realmente eles se sentiam representados, principalmente o pessoal de comunidade. E isso me deixou realizado.”
Escritor independente, Julio Paladino lançou o primeiro volume em julho 2020, e o segundo em setembro do ano seguinte. “Nunca tive lucro. Cobro um valor baixo, só para cobrir os gastos e eu não ficar no prejuízo. Eu não quero lançar o livro por nenhuma editora que vai cobrar um valor exorbitante. Não faz sentido, porque os pobres não vão poder comprar.”