Pronomes neutros ganham espaço nas ruas, redes sociais e até em empresas


O uso prevê a substituição dos artigos 'a/ela/dela' ou 'o/ele/dele' por 'x/ile/dile'; desafio da linguagem neutra é superar a lógica do Português

Por Rafael Moraes Moura

BRASÍLIA - "Bom dia a todos, a todas e a todes." Foi assim que a escritora Conceição Evaristo se dirigiu no último dia 7 ao público que lotou a Bienal do Rio. A saudação inclusiva, que acolhe não apenas homens e mulheres, mas também pessoas não binárias (que não se identificam nem com o gênero masculino nem o feminino), levou ao delírio o público do evento, marcado pela tentativa do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), de censurar uma história em quadrinhos com beijo gay. A referência a "todes" também lançou luz sobre a vida cada vez mais visível dos pronomes neutros no vocabulário utilizado no dia a dia - seja nas redes sociais, nas ruas ou na rotina empresarial. Na sexta-feira, 13, a questão voltou a ganhar o debate internacional: o cantor Sam Smith pediu em suas redes sociais para que as pessoas passem a usar os pronomes de gênero neutro da língua inglesa “they” e “them” para se referirem a ele.

O uso de uma linguagem neutra é uma das principais batalhas de Pri Bertucci, um dos poucos CEOs trans do País, que comanda a Diversity BBox, consultoria voltada para questões de gênero e sexualidade. "Você gostaria que alguém te chamasse de um gênero que não te representa? Você, homem, gostaria de ser chamado de 'ela'? É isso que eu experimento todos os dias. As pessoas podem achar que (a questão da linguagem) é um capricho, mas não é", diz Pri. "Vivemos em uma sociedade que não pensa em gênero para além de genital e que vê apenas duas possibilidades de existência: a caixinha rosa e a caixinha azul. É um paradigma de 2 mil anos, não dá para quebrar em uma palestra ou em uma semana de diversidade. Tem de ser um esforço constante", afirma.

Pri Bertucci, CEO da Diversity Bbox, presta consultoria para questões de diversidade e lançou manifestou de comunicação inclusiva Foto: Nilton Fukuda/Estadão
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Em 2015, Pri lançou um manifesto para uma comunicação "radicalmente inclusiva". "Nossa língua não é flexível o suficiente pra designar alguém que não se sente nem homem, nem mulher. Ou melhor, pra designar alguém que se sente ora um, ora outra. Ou melhor, pra designar quem não se conforma com as normas de gênero. Ou melhor, pra falar de quem vive seu gênero de uma forma que é fora da caixa", dizia o texto.

Um dos desafios para a disseminação de uma linguagem neutra é "superar" a lógica da língua portuguesa, apontada como "sexista" por alguns. Por exemplo: você pode ter 10 mulheres e um homem numa sala, mas para fazer menção ao conjunto de pessoas, vai optar por um pronome masculino - "eles". Na linguagem neutra, usada para se referir a pessoas sem delimitar o gênero, "amigues" substitui "amigos", por exemplo. "Brasileires" é usado no lugar de "brasileiros" ou "brasileiras". O 'Estado' montou um quiz para você testar seu conhecimento sobre pronomes neutros. 

Preconceito

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Outra barreira a ser superada é a do preconceito. Da sopa de letrinhas que une a comunidade LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, queer, pessoas intersexo, assexuais e outras orientações e identidades), o 'T' é um dos mais "invisibilizados" e alvo de agressões mundo afora. Um relatório da ONG Transgender Europe apontou que 868 transgêneros foram assassinados no Brasil entre 2008 e 2016, mais que o triplo do México, segundo colocado no ranking (259 mortes).

De acordo com Pri, as empresas fugiam do assunto diversidade quando eram confrontadas com o tema no início desta década. Hoje, a Diversity Box é procurada, em média, por dez clientes a cada semana. "As empresas descobriram que não vai ter inovação sem diversidade. Ou por conveniência ou convicção, perceberam que têm de falar de diversidade", diz.

Uma das maiores companhias do setor petroquímico, a Braskem lançou no ano passado um guia de 'comunicação inclusiva' para melhorar o relacionamento entre funcionários no ambiente de trabalho. O material, por exemplo, orienta os funcionários a evitarem expressões como "homossexualismo" (o sufixo "ismo" indica doença) e "opção sexual" e a utilizarem, por outro lado, os termos "homossexualidade" e "orientação sexual".

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Para falar com pessoas de gêneros "não-binários", o guia recomenda o uso dos artigos "x/ile/dile", ao invés de "a/ela/dela" ou "o/ele/dele". "Respeite sempre o nome social das pessoas trans e nunca pergunte 'qual o seu nome 'verdadeiro'? Isso é indelicado e causa um constrangimento desnecessário", recomenda o documento.

Para Debora Gepp, responsável pelo programa de diversidade e inclusão da Braskem, a iniciativa representa uma quebra de paradigmas em uma indústria vista como formal e heteronormativa. Uma das metas da empresa é aumentar o número de funcionários trans, o que já vem ocorrendo. "Aqui é um local de respeito. Sê você tem uma crença que diverge disso, da Braskem pra fora você pode ter a sua opinião, mas aqui dentro a gente preza o respeito", frisa Debora.

Disseminar uma linguagem neutra requer ainda um trabalho de conscientização entre líderes e funcionários da empresa. "É uma transformação. Temos passos para dar, está caminhando ainda", diz Debora, que inicia treinamentos e palestras desejando bom dia para "todes".

BRASÍLIA - "Bom dia a todos, a todas e a todes." Foi assim que a escritora Conceição Evaristo se dirigiu no último dia 7 ao público que lotou a Bienal do Rio. A saudação inclusiva, que acolhe não apenas homens e mulheres, mas também pessoas não binárias (que não se identificam nem com o gênero masculino nem o feminino), levou ao delírio o público do evento, marcado pela tentativa do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), de censurar uma história em quadrinhos com beijo gay. A referência a "todes" também lançou luz sobre a vida cada vez mais visível dos pronomes neutros no vocabulário utilizado no dia a dia - seja nas redes sociais, nas ruas ou na rotina empresarial. Na sexta-feira, 13, a questão voltou a ganhar o debate internacional: o cantor Sam Smith pediu em suas redes sociais para que as pessoas passem a usar os pronomes de gênero neutro da língua inglesa “they” e “them” para se referirem a ele.

O uso de uma linguagem neutra é uma das principais batalhas de Pri Bertucci, um dos poucos CEOs trans do País, que comanda a Diversity BBox, consultoria voltada para questões de gênero e sexualidade. "Você gostaria que alguém te chamasse de um gênero que não te representa? Você, homem, gostaria de ser chamado de 'ela'? É isso que eu experimento todos os dias. As pessoas podem achar que (a questão da linguagem) é um capricho, mas não é", diz Pri. "Vivemos em uma sociedade que não pensa em gênero para além de genital e que vê apenas duas possibilidades de existência: a caixinha rosa e a caixinha azul. É um paradigma de 2 mil anos, não dá para quebrar em uma palestra ou em uma semana de diversidade. Tem de ser um esforço constante", afirma.

Pri Bertucci, CEO da Diversity Bbox, presta consultoria para questões de diversidade e lançou manifestou de comunicação inclusiva Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Em 2015, Pri lançou um manifesto para uma comunicação "radicalmente inclusiva". "Nossa língua não é flexível o suficiente pra designar alguém que não se sente nem homem, nem mulher. Ou melhor, pra designar alguém que se sente ora um, ora outra. Ou melhor, pra designar quem não se conforma com as normas de gênero. Ou melhor, pra falar de quem vive seu gênero de uma forma que é fora da caixa", dizia o texto.

Um dos desafios para a disseminação de uma linguagem neutra é "superar" a lógica da língua portuguesa, apontada como "sexista" por alguns. Por exemplo: você pode ter 10 mulheres e um homem numa sala, mas para fazer menção ao conjunto de pessoas, vai optar por um pronome masculino - "eles". Na linguagem neutra, usada para se referir a pessoas sem delimitar o gênero, "amigues" substitui "amigos", por exemplo. "Brasileires" é usado no lugar de "brasileiros" ou "brasileiras". O 'Estado' montou um quiz para você testar seu conhecimento sobre pronomes neutros. 

Preconceito

Outra barreira a ser superada é a do preconceito. Da sopa de letrinhas que une a comunidade LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, queer, pessoas intersexo, assexuais e outras orientações e identidades), o 'T' é um dos mais "invisibilizados" e alvo de agressões mundo afora. Um relatório da ONG Transgender Europe apontou que 868 transgêneros foram assassinados no Brasil entre 2008 e 2016, mais que o triplo do México, segundo colocado no ranking (259 mortes).

De acordo com Pri, as empresas fugiam do assunto diversidade quando eram confrontadas com o tema no início desta década. Hoje, a Diversity Box é procurada, em média, por dez clientes a cada semana. "As empresas descobriram que não vai ter inovação sem diversidade. Ou por conveniência ou convicção, perceberam que têm de falar de diversidade", diz.

Uma das maiores companhias do setor petroquímico, a Braskem lançou no ano passado um guia de 'comunicação inclusiva' para melhorar o relacionamento entre funcionários no ambiente de trabalho. O material, por exemplo, orienta os funcionários a evitarem expressões como "homossexualismo" (o sufixo "ismo" indica doença) e "opção sexual" e a utilizarem, por outro lado, os termos "homossexualidade" e "orientação sexual".

Para falar com pessoas de gêneros "não-binários", o guia recomenda o uso dos artigos "x/ile/dile", ao invés de "a/ela/dela" ou "o/ele/dele". "Respeite sempre o nome social das pessoas trans e nunca pergunte 'qual o seu nome 'verdadeiro'? Isso é indelicado e causa um constrangimento desnecessário", recomenda o documento.

Para Debora Gepp, responsável pelo programa de diversidade e inclusão da Braskem, a iniciativa representa uma quebra de paradigmas em uma indústria vista como formal e heteronormativa. Uma das metas da empresa é aumentar o número de funcionários trans, o que já vem ocorrendo. "Aqui é um local de respeito. Sê você tem uma crença que diverge disso, da Braskem pra fora você pode ter a sua opinião, mas aqui dentro a gente preza o respeito", frisa Debora.

Disseminar uma linguagem neutra requer ainda um trabalho de conscientização entre líderes e funcionários da empresa. "É uma transformação. Temos passos para dar, está caminhando ainda", diz Debora, que inicia treinamentos e palestras desejando bom dia para "todes".

BRASÍLIA - "Bom dia a todos, a todas e a todes." Foi assim que a escritora Conceição Evaristo se dirigiu no último dia 7 ao público que lotou a Bienal do Rio. A saudação inclusiva, que acolhe não apenas homens e mulheres, mas também pessoas não binárias (que não se identificam nem com o gênero masculino nem o feminino), levou ao delírio o público do evento, marcado pela tentativa do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), de censurar uma história em quadrinhos com beijo gay. A referência a "todes" também lançou luz sobre a vida cada vez mais visível dos pronomes neutros no vocabulário utilizado no dia a dia - seja nas redes sociais, nas ruas ou na rotina empresarial. Na sexta-feira, 13, a questão voltou a ganhar o debate internacional: o cantor Sam Smith pediu em suas redes sociais para que as pessoas passem a usar os pronomes de gênero neutro da língua inglesa “they” e “them” para se referirem a ele.

O uso de uma linguagem neutra é uma das principais batalhas de Pri Bertucci, um dos poucos CEOs trans do País, que comanda a Diversity BBox, consultoria voltada para questões de gênero e sexualidade. "Você gostaria que alguém te chamasse de um gênero que não te representa? Você, homem, gostaria de ser chamado de 'ela'? É isso que eu experimento todos os dias. As pessoas podem achar que (a questão da linguagem) é um capricho, mas não é", diz Pri. "Vivemos em uma sociedade que não pensa em gênero para além de genital e que vê apenas duas possibilidades de existência: a caixinha rosa e a caixinha azul. É um paradigma de 2 mil anos, não dá para quebrar em uma palestra ou em uma semana de diversidade. Tem de ser um esforço constante", afirma.

Pri Bertucci, CEO da Diversity Bbox, presta consultoria para questões de diversidade e lançou manifestou de comunicação inclusiva Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Em 2015, Pri lançou um manifesto para uma comunicação "radicalmente inclusiva". "Nossa língua não é flexível o suficiente pra designar alguém que não se sente nem homem, nem mulher. Ou melhor, pra designar alguém que se sente ora um, ora outra. Ou melhor, pra designar quem não se conforma com as normas de gênero. Ou melhor, pra falar de quem vive seu gênero de uma forma que é fora da caixa", dizia o texto.

Um dos desafios para a disseminação de uma linguagem neutra é "superar" a lógica da língua portuguesa, apontada como "sexista" por alguns. Por exemplo: você pode ter 10 mulheres e um homem numa sala, mas para fazer menção ao conjunto de pessoas, vai optar por um pronome masculino - "eles". Na linguagem neutra, usada para se referir a pessoas sem delimitar o gênero, "amigues" substitui "amigos", por exemplo. "Brasileires" é usado no lugar de "brasileiros" ou "brasileiras". O 'Estado' montou um quiz para você testar seu conhecimento sobre pronomes neutros. 

Preconceito

Outra barreira a ser superada é a do preconceito. Da sopa de letrinhas que une a comunidade LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, queer, pessoas intersexo, assexuais e outras orientações e identidades), o 'T' é um dos mais "invisibilizados" e alvo de agressões mundo afora. Um relatório da ONG Transgender Europe apontou que 868 transgêneros foram assassinados no Brasil entre 2008 e 2016, mais que o triplo do México, segundo colocado no ranking (259 mortes).

De acordo com Pri, as empresas fugiam do assunto diversidade quando eram confrontadas com o tema no início desta década. Hoje, a Diversity Box é procurada, em média, por dez clientes a cada semana. "As empresas descobriram que não vai ter inovação sem diversidade. Ou por conveniência ou convicção, perceberam que têm de falar de diversidade", diz.

Uma das maiores companhias do setor petroquímico, a Braskem lançou no ano passado um guia de 'comunicação inclusiva' para melhorar o relacionamento entre funcionários no ambiente de trabalho. O material, por exemplo, orienta os funcionários a evitarem expressões como "homossexualismo" (o sufixo "ismo" indica doença) e "opção sexual" e a utilizarem, por outro lado, os termos "homossexualidade" e "orientação sexual".

Para falar com pessoas de gêneros "não-binários", o guia recomenda o uso dos artigos "x/ile/dile", ao invés de "a/ela/dela" ou "o/ele/dele". "Respeite sempre o nome social das pessoas trans e nunca pergunte 'qual o seu nome 'verdadeiro'? Isso é indelicado e causa um constrangimento desnecessário", recomenda o documento.

Para Debora Gepp, responsável pelo programa de diversidade e inclusão da Braskem, a iniciativa representa uma quebra de paradigmas em uma indústria vista como formal e heteronormativa. Uma das metas da empresa é aumentar o número de funcionários trans, o que já vem ocorrendo. "Aqui é um local de respeito. Sê você tem uma crença que diverge disso, da Braskem pra fora você pode ter a sua opinião, mas aqui dentro a gente preza o respeito", frisa Debora.

Disseminar uma linguagem neutra requer ainda um trabalho de conscientização entre líderes e funcionários da empresa. "É uma transformação. Temos passos para dar, está caminhando ainda", diz Debora, que inicia treinamentos e palestras desejando bom dia para "todes".

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