BOA VISTA - Com dois filhos pequenos para criar e grávida do terceiro, a atendente de loja Silvia (nome fictício), de 24 anos, viajou da Venezuela para o Brasil no mês passado em busca de um emprego e de uma fonte de renda que permitisse a ela enviar dinheiro à família. Ao chegar a Boa Vista, o que encontrou foram milhares de conterrâneos desempregados e nenhuma oportunidade. Foi então que passou a fazer parte do grupo de centenas de jovens venezuelanas que, sem emprego, começaram em 2017 a se prostituir nas ruas da capital de Roraima.
As garotas de programa estrangeiras se concentram no bairro Caimbé, principalmente na Rua Leôncio Barbosa, que passou a ser chamada pelos moradores da cidade de Rua Ochenta (oitenta, em espanhol), em referência ao valor médio cobrado por uma hora de programa com as venezuelanas. Há, porém, aquelas que, por desespero, cobram de R$ 30 a R$ 50.
Nas duas visitas que fez ao local, uma no período da noite e outra de dia, a reportagem do Estado contou dezenas de mulheres. A maioria aparentava 20 e poucos anos e estava distribuída pelas diversas esquinas.
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Moradores contam que a presença de garotas de programa nas calçadas se intensificou com o aumento da imigração venezuelana na cidade. Antes, dizem eles, duas ou três casas noturnas do bairro reuniam garotas de programa brasileiras, mas elas trabalhavam apenas dentro dos estabelecimentos. “Agora são dez quarteirões tomados. Tem gente que faz sexo ao ar livre, tem tráfico de drogas. Minha mulher e minhas filhas não podem sair na rua porque são confundidas com prostitutas. A gente está preso dentro da própria casa”, diz um servidor público de 48 anos que mora no bairro há 12.
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Medo. Amiga de Silvia, Jessica (nome fictício), de 29 anos, confirma que praticamente todas as jovens que trabalham na rua são venezuelanas, mas conta que a condição de imigrante traz mais insegurança a elas. “Tem clientes que são agressivos, que nos xingam, que não querem pagar. Sabem que estamos com menos direitos aqui”, comenta ela, que era professora na Venezuela. Assim como muitas jovens, Silvia deixou uma criança em seu país.
Diante da insegurança, as venezuelanas tentam criar uma rede de proteção. Silvia e Jessica moram em uma casa alugada com outras oito garotas de programa. Cada uma paga cerca de R$ 100 por mês por uma cama em quartos coletivos. Elas também têm uma espécie de convênio com uma pousada do bairro para onde costumam ir com os clientes. “A gente nunca aceita ir para a casa deles, é muito perigoso. E na pousada, os donos conhecem a gente e brigam com os clientes que não querem pagar”, diz Silvia.
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Eles chegam a percorrer 200 quilômetros a pé até a capital do Estado, Boa Vista, onde se amontoam em praças sem banheiro e água potável
No caso dela, a condição de imigrante ainda trouxe outro receio: o de ser deportada caso busque um serviço de saúde para o acompanhamento da gravidez. “Preciso começar o pré-natal porque não fiz nenhum exame ainda, mas tenho medo de procurar um hospital e descobrirem que não tenho documentação correta”, diz ela. Os postos de saúde brasileiros, porém, estão prestando atendimento independentemente da condição do imigrante.
Silvia e Jessica fazem companhia uma a outra durante as cerca de 12 horas que passam na rua à espera de clientes. O movimento de carros, embora intenso, não indica muita oferta de trabalho. Com a grande concorrência de profissionais na rua, as jovens contam que fazem no máximo dois programas por dia. Elas dizem que pretendem, assim que possível, encontrar outro tipo de trabalho, para poder deixar as ruas de Boa Vista. “A verdade é que me sinto horrível fazendo isso, mas quando vejo que aquele dinheiro vai comprar comida para o meu filho na Venezuela, a sensação é um pouco melhor”, conclui Jessica.