Pelo menos 9,3% da população brasileira se identifica como integrante da comunidade LGBT+ - formada por pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans, queer, intersexo, assexuadas, pansexuais, não binárias e mais. O porcentual pode ser ainda maior, porque 8% não quiseram responder, enquanto 81% disseram não fazer parte do grupo. Os números fazem parte da Pesquisa do Orgulho divulgada esta semana pelo Instituto Datafolha.
Com metodologia semelhante à das pesquisas eleitorais, o trabalho foi realizado com 3.674 pessoas em 120 municípios das cinco regiões do País – representativos da população total – entre maio e junho deste ano. A margem de erro é de dois pontos porcentuais para mais ou para menos. O trabalho foi contratado pela ONG All Out e pela marca Havaianas.
A pesquisa revela que a proporção de pessoas que se identifica com alguma das letras da sigla LGBTQIAPN+ é bem maior entre os jovens do que entre os mais velhos. Dos 16 aos 24 anos, o porcentual de pessoas que se identifica como integrante da comunidade é de 18%. Cai para 13% na faixa dos 25 aos 34 anos. E segue caindo progressivamente até chegar a 5,3% entre aqueles com mais de 60 anos.
O número alto de pessoas que não quiseram responder pode indicar tanto um receio de conversar com o entrevistador, quanto simplesmente a não compreensão das opções.
“A questão de gênero tem pautado muitos debates”, constata Paulo Alves, do Datafolha, responsável pela pesquisa. “Dimensionar essa comunidade é importante para orientar políticas públicas e também as ações das empresas e dos cidadãos. É natural que o porcentual seja maior entre os mais jovens, tem a ver com a liberdade de ser, de se expressar, de falar. Os mais velhos não tiveram sequer a chance de pensar nessas possibilidades. A sociedade brasileira mudou muito nos últimos anos.”
Gerente de campanhas da ONG All Out, Ana Andrade concorda como colega: “O dimensionamento nos dá mais assertividade para cobrar politicas públicas e cobrar de forma específica: nessa região o problema maior é de violência; nessa outra, é saúde. Esse é um avanço importante”.
A comunidade tende a ser mais presente nas regiões metropolitanas (10,9%) do que nas cidades do interior (8,2%). O mesmo ocorre entre as pessoas com maior nível de escolaridade (11% das que têm curso superior). A maioria é solteira (59%) e não tem filhos (70%). A variação entre as diferentes regiões do País também é significativa. São 10,1% no Centro-Oeste, 9,9% no Sudeste, 9,8% no Norte, 8,7% no Sul e 8,5% no Nordeste.
Mais preconceito
O trabalho mostrou também que 62% da população LGBTQIAPN+ economicamente ativa não costumam falar sobre sua orientação sexual ou identidade de gênero no trabalho. A hostilidade ou preconceito dentro da família é 16 pontos porcentuais mais alta do que entre o restante da população. Além disso, 17% dizem sofrer discriminação contra 9% dos demais.
Para os 81% que disseram não fazer parte da comunidade, o Datafolha perguntou a opinião sobre a população LGBTQIAPN+. Segundo a pesquisa, 85% afirmaram respeitar as pessoas LGBTQIAPN+. O porcentual cai para 79% quando a pergunta é se a comunidade deve ter os mesmos direitos da população heteronormativa. E cai ainda mais, para 53%, quando o Datafolha indagou se os LGBTQIAPN+ têm direito de realizar demonstrações públicas de afeto.
“Sabíamos que encontraríamos discriminação e visões preconceituosas, mas alguns números são muito fortes, sobretudo nesse momento em que o tema é tão conversado, tão discutido”, diz Paulo Alves, do Datafolha. “Por outro lado, estamos vivendo num cenário de retrocesso conservador nos costumes, e talvez as pessoas se sintam mais a vontade para falar.”
Casais relatam rotina de medo
Para o servidor público Bruno Ferreira, de 27 anos, que mora em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, não foi uma surpresa. “Existe esse mito de que a sociedade brasileira acolhe bem a diversidade”, afirmou Ferreira, que já foi abordado na fila do cinema por estar de mãos dadas com o namorado.
“Acho que no discurso sim, mas não quando ameaça privilégios de outras pessoas. Isso vem de uma percepção equivocada de que quando uma população minoritária ganha direitos, o outro grupo está perdendo direitos. E não é isso que acontece. Ninguém está perdendo nada. E outra: se você respeita mas apenas se eu me comportar da maneira que você acha correta, você não está me respeitando na prática.”
A designer Luiza Ribeiro, de 28 anos, que vive em Belém, no Pará, concorda com a visão de Ferreira. “Eu não tenho vergonha de andar de mãos dadas com a minha namorada, mas tenho receio”, afirma. “Principalmente por ser mulher. Já fomos questionadas dentro de um Uber, o motorista começou a tratar a gente de forma diferente, ficou um clima tenso no carro... Aquela agonia de estar com uma pessoa que não gosta da gente.”
A violência é real e vem aumentando. Em maio deste ano, levantamento do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTQIAPN+ mostrou que pelo menos cinco pessoas da comunidade tinham sido vítimas de homicídio por semana no País. Ao todo, foram 262 assassinatos, um aumento de 21,9% em relação ao ano anterior. Os alvos mais comuns foram os gays (48,9%) e mulheres transexuais e travestis (43,9%).
IBGE também mapeou perfil
Também em maio deste ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou pela primeira vez dados oficiais sobre a orientação sexual da população brasileira. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), 1,9% da população se declara homossexual ou bissexual, enquanto outros 3,4% não quiseram responder ou não sabiam.
A pesquisa não propôs questões sobre identidade de gênero e os números foram considerados subestimados. No lançamento, a coordenadora do trabalho, Maria Lúcia Franca Pontes Vieira, elogiou a iniciativa.
“Ainda que os números estejam subnotificados, considero um passo importante para podermos, de alguma forma, entender as características sociodemográficas desse grupo e dar alguma visibilidade às estatísticas para que recebam atenção específica em termos de políticas públicas”, declarou.
De acordo com o IBGE, os números aferidos no Brasil eram compatíveis com os verificados em inquéritos domiciliares de outros países. Na Colômbia é 1,2%; no Chile, 1,8%; no Reino Unido, 2,2%; na Austrália, 2,7%, nos Estados Unidos, 2,9% e no Canadá, 3,3%. Vale lembrar que, enquanto a pesquisa Datafolha é feita por amostragem, a do IBGE é de porta em porta.
“Os resultados não são tão diferentes assim”, sustenta a pesquisadora Regina Facchini, do Núcleo de Gênero Pagu, da Unicamp.
“As tendências apontadas são as mesmas que, por sua vez, são parecidas com as que aferimos nas pesquisas feitas nas paradas gays nos anos 2000. Os jovens se colocam mais do que os mais velhos, da mesma forma que os que têm mais escolaridade e vivem em centros urbanos. A PNS achou um percentual menor, é verdade. Mas vale lembrar que 2019 (ano de referência da pesquisa) foi um momento político para sair perguntando se as pessoas são gays ou lésbicas. A campanha presidencial tinha acirrado muito o estigma e o preconceito. E é diferente também quando chega um órgão do governo batendo na sua porta ou quando você é abordado por um instituto de pesquisa apoiado por uma organização de direitos. As pessoas se sentem mais à vontade.”
Para a especialista, as pesquisas são igualmente importantes, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.
“Precisamos investir mais no aprimoramento das metodologias e também em campanhas para aumentar a confiança da população LGBTQIAPN+ para responder as pesquisas.”