Em meio a um cenário de perda de beneficiários e queda no número de procedimentos na pandemia, os planos de saúde tiveram os reajustes suspensos até o fim de 2020. Mas o alívio para o bolso do beneficiário é temporário. Os aumentos retroativos devem ser cobrados em 2021. A Agência Nacional de Saúde (ANS), que regula o setor, ainda não definiu as regras, mas já deu sinais de que a cobrança atrasada deve chegar em parcelas.
Reduzir os custos e, com isso, os preços dos planos de saúde é um desafio de longo prazo. As incertezas dos dois lados são grandes. “Com o reajuste suspenso, há um valor acumulado a ser cobrado. Também vai ser feito o reajuste de quem mudou de faixa etária”, diz Alessandro Acayaba, presidente da Associação Nacional das Administradoras de Benefícios. “No cenário atual, não dá para saber se nossos custos vão aumentar ou baratear.”
Os reajustes suspensos se referem à recomposição de custos das operadoras no ano de 2019. A ANS determinou o congelamento após avaliar que as empresas tinham boa reserva. “No início da pandemia, houve apreensão por um possível aumento de custos. Mas conseguimos dados com as operadoras, e elas estavam com folga financeira”, afirma Tatiana Aranovich, assessora da diretoria de Normas e Habilitação das Operadoras da ANS.
Uso menor dos planos na pandemia
Os custos das operadoras caíram na pandemia pois as pessoas deixaram para depois procedimentos não urgentes, acionando menos os planos. “Foi por decisão dos pacientes e médicos. E já estamos tendo uma retomada. A sinistralidade está em 70%. O efeito real a gente só vai entender quando tiver um ano fechado”, diz Vera Valente, diretora executiva da FenaSaúde, federação que reúne 16 dos maiores planos e seguros saúde do País. Sinistralidade é a taxa de uso do sistema. Segundo Vera, a taxa média é de 85%, mas chegou a cair para 64%.
Para reduzir preços, uma das agendas da FenaSaúde é a oferta planos modulares, com uma cartela de serviços reduzida, o que depende de regulação menos rígida da ANS. “É preciso que o consumidor tenha mais opções, para avaliar sua necessidade versus capacidade de pagamento”, diz Vera. Até nos planos ambulatoriais, as operadoras têm de incluir um rol de serviços definidos pelo governo. “Entram imunoterapias, novas tecnologias, procedimentos oncológicos, tudo que eleva muito o custo.”
A representante da ANS explica que um plano ou seguro de saúde deve prezar pela integralidade no cuidado. Também destaca que um incompleto poderia provocar problemas pelo que chama de “assimetria de informação”, a dificuldade de uma pessoa leiga entender as cláusulas contratuais ou de ter a capacidade de avaliar que serviço pode vir a precisar. “Como o beneficiário entenderia as diferenças entre os planos e as limitações? Para nós, o beneficiário tem de estar no centro”, afirma Tatiana.
Ela alerta que cartões com cotas de consultas ou serviços com mensalidade que servem exclusivamente para teleconsultas não são planos de saúde. “Um plano tem de oferecer uma gestão completa da saúde.”
Desafios a vencer para reduzir custos
As regras atuais já preveem que as operadoras ganhem produtividade, para não repassar todos os custos aos segurados, segundo José Cechin, superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar. Mas o caminho é difícil pois há diversas questões estruturais. O envelhecimento populacional, a atual restrição orçamentária e o avanço da tecnologia médica são apontados por Tatiana, da ANS, como fatores que pressionam os preços para cima.
São situações vividas não só no Brasil, mas no mundo todo. “Nossa busca é por um modelo sustentável, porque reajuste acima da inflação ano após ano se torna insustentável”, afirma. A resposta, contudo, pode vir da própria tecnologia. Por muito tempo, a incorporação de tecnologia aumentava os preços da saúde, mas a incorporação dela para a telemedicina deve começar a baratear o cuidado aos pacientes.
“A telessaúde é instrumento importante de prevenção e cuidado continuado. Muitas questões podem ser resolvidas a distância, fora do ambiente hospitalar, que é caro e perigoso”, afirma Vera, da FenaSaúde.
Outra saída também praticada na pandemia é a parceria entre companhias contratantes e operadoras. “As empresas relatam uma aproximação e transparência que não havia antes. Todos se uniram em um projeto comum, unindo promoção da saúde, prevenção e tratamento”, diz Georgia Antony, representante da CNI/SESI. Com bons resultados, ela espera que o novo conceito se mantenha.
Tratamentos novos fazem preço subir
Os pacientes sempre querem ter acesso ao que há de melhor para seus tratamentos. “Todo mundo lê no jornal sobre uma droga nova que saiu e vem no consultório dizendo eu quero isto aqui”, conta Rafael Kaliks, oncologista clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor de Oncologia do Instituto Oncoguia. Porém, há um longo caminho antes de um novo medicamento ficar disponível para os pacientes.
O primeiro passo é a nova droga receber o registro da Anvisa, que aprova se ela tem segurança, eficácia, qualidade. Depois, é necessário que seja submetida a um processo no Sistema Único de Saúde e outro para a saúde suplementar. Na saúde pública, há uma comissão específica. Na suplementar, quem avalia é a ANS. Quando uma medicação oral entra na lista do órgão, os planos de saúde são obrigados a torná-la disponível aos pacientes.
Entretanto, as verbas, tanto no público quanto no privado, são finitas. E as novas drogas, via de regra, chegam ao mercado a preços mais altos do que as anteriores. Por isso, a avaliação de tecnologia em saúde deve sempre levar em conta a comparação com os tratamentos que já estavam disponíveis para o uso. “Depois da aprovação da Anvisa, a segunda etapa é uma decisão sobre gasto. Em um mundo ideal, todos teríamos acesso a tudo. Mas os sistemas precisam levar em conta o orçamento de que dispõem para promover o máximo possível de saúde”, explica Daniel Wang, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
Outro problema atual é que essa lista da ANS é atualizada somente de dois em dois anos. “Na oncologia é muito demorado. Se hoje surgiu uma droga que é boa, a gente não quer esperar dois anos para poder usar”, diz Kaliks. “Essa periodicidade não faz sentido”, reclama o médico.