Uma operação policial deixou ao menos 22 mortos e 7 feridos na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, zona norte do Rio, na manhã desta terça-feira, 24. Foi a terceira ação mais letal da polícia na história do Rio, atrás apenas das chacinas do Jacarezinho, no ano passado, que deixou 28 vítimas, e da Vila Operária, em 1998, com 23. O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ) abriram procedimentos investigatórios para apurar a conduta dos policiais na operação. Defensores públicos estiveram na comunidade.
A ação envolveu agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, com apoio de blindados e de um helicóptero. De acordo com a PM, a operação tinha como objetivo prender chefes do Comando Vermelho de diferentes Estados. Eles estariam escondidos na Vila Cruzeiro, de onde comandariam o crime organizado pelo País. Ninguém foi preso. Foram apreendidos 13 fuzis, 4 pistolas, 12 granadas e 20 veículos supostamente de criminosos.
Segundo o secretário da Polícia Militar, coronel Luiz Henrique Marinho, a operação ainda estava em planejamento. Surgiu, porém, a suspeita de que os traficantes estariam preparando a invasão de outra comunidade. Por isso, decidiu-se pela “operação emergencial”. Segundo ele, a polícia foi recebida a tiros e “houve confronto”. O secretário disse que a migração de traficantes de outros Estados e de outras favelas, como Jacarezinho, Mangueira, Providência e Salgueiro, estaria ligada à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que limita operações policiais em comunidades do Estado por causa da pandemia.
“A gente começa a perceber essa movimentação, essa tendência de ligação com o Rio de Janeiro, a partir da decisão do STF”, afirmou Marinho. “Isso vem se acentuando nos últimos meses e essa tendência, esses esconderijos nas nossas comunidades, é fruto da decisão do STF, que limitou as ações das forças policiais.” Procurado, o STF disse que não se pronunciaria sobre a declaração.
Na ação, uma bala matou Gabriele Ferreira da Cunha, de 41 anos. Ela foi atingida dentro de casa, na comunidade da Chatuba, vizinha da Vila Cruzeiro. Todos os demais mortos, de acordo com a polícia, seriam “bandidos”. Seus nomes não foram divulgados. Entre os feridos, quatro estão em estado grave. Outros três têm quadro estável, incluindo um policial atingido por estilhaços. Foi o único agente ferido.
“Se era uma operação para prender traficantes e terminou sem prender ninguém e com 22 mortos, essa operação deu muito errado; que diacho de planejamento é esse?”, indagou o procurador Eduardo Benones, titular do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial do MPF no Rio.
O promotor lembrou que, em fevereiro, outra operação na Vila Cruzeiro já havia deixado oito mortos. “Se a lógica é matar quem tem ficha, isso é a negação de todo o sistema judicial. Vinte e dois mortos até agora, menos de três meses depois (d a outra operação), não podem ser tratados como simples saldo de operações policiais. Um morto em confronto dá para engolir; mas 22?”
O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos e a Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio afirmaram que “a alta letalidade da operação levanta suspeita de que uma chacina possa ter sido cometida”. “O eventual envolvimento de algumas vítimas com o crime não autoriza, por si só, o homicídio por agentes do Estado.”
Segundo moradores, a operação começou pouco depois das 4h, com o apoio de um helicóptero blindado. Dezenove escolas da região não tiveram aulas. O comércio ficou parcialmente fechado e muita gente não conseguiu sair para trabalhar. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram a troca de tiros e moradores levando feridos ao hospital por conta própria.
ESTATÍSTICA
Os 22 mortos na operação desta terça na Penha representam quatro vezes o número de vítimas de tiroteios na mesma região em todo o ano passado, segundo o Instituto Fogo Cruzado. Em 2021, foram cinco mortos em ao menos 64 confrontos naquela área. Só neste ano, foram registradas 21 chacinas no Rio. Dezesseis delas foram provocadas por operações policiais, que deixaram 82 mortos. “Desde 2019, vemos o aprofundamento dessa política e com participação forte das polícias federais nas operações, participando ativamente dessas chacinas”, afirma o cientista político Pablo Nunes, coordenador das Redes do Observatório de Segurança. /COLABOROU RAYANDERSON GUERRA