Saidinha de presos: 3 argumentos favoráveis e 3 argumentos contrários ao fim do benefício


Alterações na legislação voltaram a ser discutidas após casos recentes de crimes cometidos por pessoas beneficiadas pelas saídas temporárias no fim do ano

Por Ítalo Lo Re
Atualização:

O benefício da saída temporária a presos, medida prevista em lei, tem motivado críticas recentes. A morte de um sargento da Polícia Militar de Minas por um suspeito que tinha sido beneficiado pela “saidinha” neste mês fez o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestar a favor de mudanças na legislação.

O projeto de lei que extingue a medida foi aprovada no ano passado na Câmara e avançou na Comissão de Segurança Pública do Senado, agora sob relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O plenário do Senado Federal prevê analisar nesta terça-feira, 20, o projeto.

Como o Estadão mostrou, uma ala de governadores está pressionando o Senado para aprovar o projeto de lei que acaba com a saída temporária de presos. A mudança divide especialistas.

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  • A favor dessas alterações estão argumentos que citam os crimes cometidos por quem é beneficiado pela medida, como no caso do assassinato do PM. O secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, é uma das vozes mais incisivas pelo endurecimento da legislação, no sentido de extinguir completamente o benefício. A liberação temporária, destacam operadores e especialistas, aprofunda os problemas de violência do País.
  • contra a revisão total das saidinhas há argumentos que apontam que a medida, prevista desde 1984 pela Lei de Execuções Penais, é um mecanismo pensado para melhorar a ressocialização de egressos do sistema penitenciário e pode, em última instância, até mesmo reduzir a reincidência criminal. O endurecimento penal, acrescentam os especialistas, é uma saída já vista pelo Brasil nas últimas décadas e que não apresentou os resultados almejados.

Reportagem do Estadão mostrou que cerca de 4,5% dos detentos liberados pela Justiça de São Paulo para sair provisoriamente da prisão no fim do último ano não retornaram para o sistema penitenciário no período previsto, segundo balanço da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP).

No Rio, ao menos três criminosos líderes do tráfico não retornaram à penitenciária após serem beneficiados com os indultos do Dias das Crianças e do Natal Foto: Fábio Motta/Estadão
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Na prática, agora estão nas ruas 1.566 dos 34.547 presos do Estado que tiveram a saída autorizada pelo Poder Judiciário. A taxa segue em patamar parecido ao que vem sendo observado nos últimos anos, quando oscilou entre 4,44% e 4,91%.

  • A saída temporária foi adotada efetivamente a partir da Lei de Execução Penal, de junho de 1984, que lista os principais requisitos para a autorização da liberação de detentos. O texto prevê que, para ser beneficiado, o preso precisa estar em regime semiaberto e ter cumprido ao menos um sexto da pena, se o condenado for primário, ou um quarto, se reincidente.
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A liberação pode ser autorizada pelo Judiciário por até cinco vezes ao ano. Entre outras obrigações, o detento não pode consumir bebida alcoólica ou outras substâncias entorpecentes e não deve frequentar bares, casas noturnas ou casas de prostituição durante o período em que está nas ruas. Esses incrementos foram incluídos em 2010.

Entenda a seguir quais são os pontos favoráveis e contrários à revisão da “saidinha” de presos.

‘Chegamos ao limite’: quais são os argumentos a favor do endurecimento da ‘saidinha’?

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A morte do sargento da PM Roger Dias da Cunha, baleado à queima-roupa na cabeça durante uma perseguição em Belo Horizonte, fez aumentar os questionamentos sobre a efetividade da saída temporária de presos no Brasil. O homem apontado como o autor dos disparos era um detento, que obteve o benefício e estava no regime semiaberto.

“Chegamos ao limite”, escreveu nas redes sociais o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite. Ex-deputado federal pelo PL, ele tem cobrado a aprovação de projeto de lei que tramita no Senado que prevê o fim das saídas temporárias de presos. A medida foi aprovada na Câmara em agosto de 2022, sob relatoria do próprio Derrite.

“A saída temporária já apresentou diversas provas de que é maléfica para a sociedade, mas dessa vez um policial militar morreu nas mãos de um criminoso que deveria estar atrás das grades, mas estava solto por conta desse benefício que alguns ainda defendem”, comentou Derrite após o assassinato do PM em Minas.

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“Que ressocialização é essa que mata? Que ressocialização é essa que deixa o cidadão que não deve nada à Justiça com medo dentro de casa em períodos de festa? Isso é um absurdo”, acrescentou.

  • Evitar crimes cometidos por pessoas beneficiadas pela saidinha é o principal argumento pelo endurecimento da medida.
  • Os que recebem o benefício têm monitoramento precário, já que não há tornozeleiras eletrônicas para serem destinadas a todos. A evasão e a dificuldade de fiscalização são, portanto, riscos da saidinha destacados por críticos.
  • Outro ponto diz respeito a um suposto desvirtuamento da medida. Criada para favorecer a ressocialização, ela seria usada atualmente como meio de atenuar tensões nas cadeias e evitar rebeliões entre os presos, que não aceitariam a revisão do benefício.

Segundo especialistas, desde que a Lei de Execução Penal entrou em vigor, a principal alteração foi feita por meio da Lei 13.964, de 2019, conhecida como pacote anticrime, uma das bandeiras do primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro (PL). Por meio dela, o direito à saída temporária passou a ser proibido para os condenados que cumprem pena por crime hediondo que tenha resultado em morte.

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Desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ivana David relembra que, na primeira versão do pacote anticrime, a ideia era proibir a saída temporária para quem tivesse cometido crimes hediondos, como homicídio qualificado e tortura. “O parlamento mudou o pacote anticrime nesse sentido e colocou que só não tem direito à saída temporária o crime hediondo com resultado morte”, disse.

“Essa remodelação foi um prejuízo à sociedade, porque era um projeto que, ao meu ver, seria o ideal, pelo menos nessa fase de crime que estamos vivendo”, acrescenta. Ela afirma que a quantidade e as datas das saídas temporárias permitidas varia conforme em cada Estado, mas reforça que os pré-requisitos podem ser alterados de forma ampla por meio da Lei de Execução Penal.

“O problema é menos o instituto em si (do benefício) e muito mais o desafio que representa a execução da medida”, disse o promotor de Justiça e professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie Fabio Ramazzini Bechara. Segundo ele, as discussões sobre mudanças devem ser baseadas em evidências que mostram ou não a necessidade de ajustes no modelo atual.

“Primeiro, seria importante revisitar os requisitos atuais, para avaliar o quanto eles se revelam adequados ou não para a atual realidade de 2024, considerando os episódios frequentemente reportados. Segundo, pensar de que maneira a tecnologia poderia permitir que todo aquele que saísse ou que estivesse em saída temporária sofresse algum tipo de vigilância”, acrescentou.

Na avaliação dele, esses dois fatores poderiam gerar efeitos imediatos mais efetivos. “O sistema prisional brasileiro se transformou em um ambiente de captura e de cooptação de criminosos. Esse é o outro grande desafio que a gente tem no que se refere ao gerenciamento da ameaça que o fenômeno do crime organizado representa para o País em termos de segurança nacional”, disse.

Para a diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Raquel Gallinati, a lei previu a medida como tentativa do sistema penal em ressocializar o preso. “No entanto, o sistema de execução penal apresenta distorções, já que muitos indivíduos não cumprem a pena no presídio adequado quando estão no regime semiaberto”, disse.

“A fase que deveria ser de ressocialização torna-se, na prática, uma espécie de pós-graduação no crime, pois os detentos continuam na penitenciária cumprindo pena junto com aqueles em regime fechado”, acrescenta. Segundo Raquel, o benefício foi desvirtuado, sendo utilizado frequentemente para evitar rebeliões e acalmar os presos, desviando-se do propósito original.

Pode ser benéfica: quais são os argumentos contra mudanças radicais na ‘saidinha’?

Para Claudio Langroiva, professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), a medida pode ser considerada benéfica para reinserção de presos na sociedade, “desde que aplicada com a seriedade, a responsabilidade e a tecnicidade que a lei exige e que se espera dos gestores do sistema penitenciário”.

“Quem define as datas de saída temporária é a direção do estabelecimento prisional, em geral respeitando um orientação da secretaria de assuntos penitenciários, em um cronograma que não atende apenas datas comemorativas, mas busca ser uniforme para os presos que têm este direito com objetivo de buscar melhores momentos onde o seu objetivo de ressocialização familiar possa ser atingido”, disse.

  • Assim, a saidinha existe com o objetivo de favorecer a ressocialização com a reintegração paulatina à sociedade.
  • O benefício é aplicado mediante revisão de um juiz de execuções penais, que observa as previsões legais para concessão das saídas temporárias, como o tempo de cumprimento da pena e o bom comportamento.
  • O que especialistas também destacam é que, ao contrário da percepção corrente, a taxa de evasão é relativamente baixa: menos de 5% não regressam ao sistema penitenciário.

“O Brasil adotou o sistema progressivo de cumprimento de penas, visando a ressocialização baseada no cumprimento da pena em etapas sucessivas para que o preso alcance a liberdade plena, vinculada, na maioria das vezes, ao requisito temporal e comportamental do executado, ambos previstos no art. 112 da Lei de Execução Penal”, explicam em artigo o professor Langroiva e Bruno Girade Parise, mestre e doutorando em Processo Penal.

“Os dados empíricos reforçam a ideia de ficção, constatada no discurso alarmista, destinado a sustentar um ‘estado de medo’, um ‘estado de alerta’ e, assim, em consonância com outro discurso, o político que sustenta algumas plataformas eleitorais, baseadas no modelo ‘lei e ordem’”, destacam na publicação.

Para Mauricio Dieter, professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), não há boas razões, do ponto de vista criminológico, para extinguir a saída temporária. “Pelo contrário: a melhor literatura (científica) e as melhores práticas sobre o tema sustentam que é desejável um aumento quantitativo e qualitativo na interação familiar e social do preso”, disse.

Ele reforça que os sistemas penitenciários que adotaram a ressocialização como objetivo oficial tem medidas que promovem a integração social ou diminuem o impacto do isolamento. “Isso é importante para manter a expectativa de vida em liberdade no futuro, preservando os laços, ainda que eventualmente muito frágeis, do condenado, algo essencial em um sistema brutal e superlotado, que tende a produzir subjetividades violentas e ressentidas”, disse.

Na avaliação dele, extinguir a saída temporária no Brasil produziria efeitos em um “sistema em estado crítico”. “No curto-médio prazo, a tendência seria um aumento nas resistências ativas e passivas dos presos e seus familiares, com provável episódios de violência intra e extracárcere. No médio-longo prazo medidas legislativas e judiciais precisariam tentar reequilibrar a situação por meio de mecanismos alternativos, como indulto, comutação etc”, afirmou Dieter.

“É compreensível a consternação em torno do homicídio praticado contra um policial por um condenado em saída temporária. Mas a indignação coletiva e toda a emoção que mobiliza atribuem causalidade ao que foi casuístico: a imensa maioria dos que estão em saída temporária não se envolvem em qualquer tipo de crime”, acrescentou o professor.

Diretora-executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Marina Dias cobra que, em vez de revisar o benefício, seria importante discutir questões estruturais do sistema prisional brasileiro. “O Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária, são mais de 832 mil pessoas cumprindo pena. O aumento da violência corre paralelo ao aumento da população prisional e o fortalecimento do crime organizado”, disse.

“Está mais do que na hora de o Brasil fortalecer a política de alternativas penais garantindo que a pessoa que cometeu um crime tenha capacidade de retomar a sua vida, reconstruir laços familiares e na comunidade a partir de uma política que articule a rede de garantias”, acrescentou a diretora-executiva do IDDD. /COLABOROU JOSÉ MARIA TOMAZELA

O benefício da saída temporária a presos, medida prevista em lei, tem motivado críticas recentes. A morte de um sargento da Polícia Militar de Minas por um suspeito que tinha sido beneficiado pela “saidinha” neste mês fez o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestar a favor de mudanças na legislação.

O projeto de lei que extingue a medida foi aprovada no ano passado na Câmara e avançou na Comissão de Segurança Pública do Senado, agora sob relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O plenário do Senado Federal prevê analisar nesta terça-feira, 20, o projeto.

Como o Estadão mostrou, uma ala de governadores está pressionando o Senado para aprovar o projeto de lei que acaba com a saída temporária de presos. A mudança divide especialistas.

  • A favor dessas alterações estão argumentos que citam os crimes cometidos por quem é beneficiado pela medida, como no caso do assassinato do PM. O secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, é uma das vozes mais incisivas pelo endurecimento da legislação, no sentido de extinguir completamente o benefício. A liberação temporária, destacam operadores e especialistas, aprofunda os problemas de violência do País.
  • contra a revisão total das saidinhas há argumentos que apontam que a medida, prevista desde 1984 pela Lei de Execuções Penais, é um mecanismo pensado para melhorar a ressocialização de egressos do sistema penitenciário e pode, em última instância, até mesmo reduzir a reincidência criminal. O endurecimento penal, acrescentam os especialistas, é uma saída já vista pelo Brasil nas últimas décadas e que não apresentou os resultados almejados.

Reportagem do Estadão mostrou que cerca de 4,5% dos detentos liberados pela Justiça de São Paulo para sair provisoriamente da prisão no fim do último ano não retornaram para o sistema penitenciário no período previsto, segundo balanço da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP).

No Rio, ao menos três criminosos líderes do tráfico não retornaram à penitenciária após serem beneficiados com os indultos do Dias das Crianças e do Natal Foto: Fábio Motta/Estadão

Na prática, agora estão nas ruas 1.566 dos 34.547 presos do Estado que tiveram a saída autorizada pelo Poder Judiciário. A taxa segue em patamar parecido ao que vem sendo observado nos últimos anos, quando oscilou entre 4,44% e 4,91%.

  • A saída temporária foi adotada efetivamente a partir da Lei de Execução Penal, de junho de 1984, que lista os principais requisitos para a autorização da liberação de detentos. O texto prevê que, para ser beneficiado, o preso precisa estar em regime semiaberto e ter cumprido ao menos um sexto da pena, se o condenado for primário, ou um quarto, se reincidente.

A liberação pode ser autorizada pelo Judiciário por até cinco vezes ao ano. Entre outras obrigações, o detento não pode consumir bebida alcoólica ou outras substâncias entorpecentes e não deve frequentar bares, casas noturnas ou casas de prostituição durante o período em que está nas ruas. Esses incrementos foram incluídos em 2010.

Entenda a seguir quais são os pontos favoráveis e contrários à revisão da “saidinha” de presos.

‘Chegamos ao limite’: quais são os argumentos a favor do endurecimento da ‘saidinha’?

A morte do sargento da PM Roger Dias da Cunha, baleado à queima-roupa na cabeça durante uma perseguição em Belo Horizonte, fez aumentar os questionamentos sobre a efetividade da saída temporária de presos no Brasil. O homem apontado como o autor dos disparos era um detento, que obteve o benefício e estava no regime semiaberto.

“Chegamos ao limite”, escreveu nas redes sociais o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite. Ex-deputado federal pelo PL, ele tem cobrado a aprovação de projeto de lei que tramita no Senado que prevê o fim das saídas temporárias de presos. A medida foi aprovada na Câmara em agosto de 2022, sob relatoria do próprio Derrite.

“A saída temporária já apresentou diversas provas de que é maléfica para a sociedade, mas dessa vez um policial militar morreu nas mãos de um criminoso que deveria estar atrás das grades, mas estava solto por conta desse benefício que alguns ainda defendem”, comentou Derrite após o assassinato do PM em Minas.

“Que ressocialização é essa que mata? Que ressocialização é essa que deixa o cidadão que não deve nada à Justiça com medo dentro de casa em períodos de festa? Isso é um absurdo”, acrescentou.

  • Evitar crimes cometidos por pessoas beneficiadas pela saidinha é o principal argumento pelo endurecimento da medida.
  • Os que recebem o benefício têm monitoramento precário, já que não há tornozeleiras eletrônicas para serem destinadas a todos. A evasão e a dificuldade de fiscalização são, portanto, riscos da saidinha destacados por críticos.
  • Outro ponto diz respeito a um suposto desvirtuamento da medida. Criada para favorecer a ressocialização, ela seria usada atualmente como meio de atenuar tensões nas cadeias e evitar rebeliões entre os presos, que não aceitariam a revisão do benefício.

Segundo especialistas, desde que a Lei de Execução Penal entrou em vigor, a principal alteração foi feita por meio da Lei 13.964, de 2019, conhecida como pacote anticrime, uma das bandeiras do primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro (PL). Por meio dela, o direito à saída temporária passou a ser proibido para os condenados que cumprem pena por crime hediondo que tenha resultado em morte.

Desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ivana David relembra que, na primeira versão do pacote anticrime, a ideia era proibir a saída temporária para quem tivesse cometido crimes hediondos, como homicídio qualificado e tortura. “O parlamento mudou o pacote anticrime nesse sentido e colocou que só não tem direito à saída temporária o crime hediondo com resultado morte”, disse.

“Essa remodelação foi um prejuízo à sociedade, porque era um projeto que, ao meu ver, seria o ideal, pelo menos nessa fase de crime que estamos vivendo”, acrescenta. Ela afirma que a quantidade e as datas das saídas temporárias permitidas varia conforme em cada Estado, mas reforça que os pré-requisitos podem ser alterados de forma ampla por meio da Lei de Execução Penal.

“O problema é menos o instituto em si (do benefício) e muito mais o desafio que representa a execução da medida”, disse o promotor de Justiça e professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie Fabio Ramazzini Bechara. Segundo ele, as discussões sobre mudanças devem ser baseadas em evidências que mostram ou não a necessidade de ajustes no modelo atual.

“Primeiro, seria importante revisitar os requisitos atuais, para avaliar o quanto eles se revelam adequados ou não para a atual realidade de 2024, considerando os episódios frequentemente reportados. Segundo, pensar de que maneira a tecnologia poderia permitir que todo aquele que saísse ou que estivesse em saída temporária sofresse algum tipo de vigilância”, acrescentou.

Na avaliação dele, esses dois fatores poderiam gerar efeitos imediatos mais efetivos. “O sistema prisional brasileiro se transformou em um ambiente de captura e de cooptação de criminosos. Esse é o outro grande desafio que a gente tem no que se refere ao gerenciamento da ameaça que o fenômeno do crime organizado representa para o País em termos de segurança nacional”, disse.

Para a diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Raquel Gallinati, a lei previu a medida como tentativa do sistema penal em ressocializar o preso. “No entanto, o sistema de execução penal apresenta distorções, já que muitos indivíduos não cumprem a pena no presídio adequado quando estão no regime semiaberto”, disse.

“A fase que deveria ser de ressocialização torna-se, na prática, uma espécie de pós-graduação no crime, pois os detentos continuam na penitenciária cumprindo pena junto com aqueles em regime fechado”, acrescenta. Segundo Raquel, o benefício foi desvirtuado, sendo utilizado frequentemente para evitar rebeliões e acalmar os presos, desviando-se do propósito original.

Pode ser benéfica: quais são os argumentos contra mudanças radicais na ‘saidinha’?

Para Claudio Langroiva, professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), a medida pode ser considerada benéfica para reinserção de presos na sociedade, “desde que aplicada com a seriedade, a responsabilidade e a tecnicidade que a lei exige e que se espera dos gestores do sistema penitenciário”.

“Quem define as datas de saída temporária é a direção do estabelecimento prisional, em geral respeitando um orientação da secretaria de assuntos penitenciários, em um cronograma que não atende apenas datas comemorativas, mas busca ser uniforme para os presos que têm este direito com objetivo de buscar melhores momentos onde o seu objetivo de ressocialização familiar possa ser atingido”, disse.

  • Assim, a saidinha existe com o objetivo de favorecer a ressocialização com a reintegração paulatina à sociedade.
  • O benefício é aplicado mediante revisão de um juiz de execuções penais, que observa as previsões legais para concessão das saídas temporárias, como o tempo de cumprimento da pena e o bom comportamento.
  • O que especialistas também destacam é que, ao contrário da percepção corrente, a taxa de evasão é relativamente baixa: menos de 5% não regressam ao sistema penitenciário.

“O Brasil adotou o sistema progressivo de cumprimento de penas, visando a ressocialização baseada no cumprimento da pena em etapas sucessivas para que o preso alcance a liberdade plena, vinculada, na maioria das vezes, ao requisito temporal e comportamental do executado, ambos previstos no art. 112 da Lei de Execução Penal”, explicam em artigo o professor Langroiva e Bruno Girade Parise, mestre e doutorando em Processo Penal.

“Os dados empíricos reforçam a ideia de ficção, constatada no discurso alarmista, destinado a sustentar um ‘estado de medo’, um ‘estado de alerta’ e, assim, em consonância com outro discurso, o político que sustenta algumas plataformas eleitorais, baseadas no modelo ‘lei e ordem’”, destacam na publicação.

Para Mauricio Dieter, professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), não há boas razões, do ponto de vista criminológico, para extinguir a saída temporária. “Pelo contrário: a melhor literatura (científica) e as melhores práticas sobre o tema sustentam que é desejável um aumento quantitativo e qualitativo na interação familiar e social do preso”, disse.

Ele reforça que os sistemas penitenciários que adotaram a ressocialização como objetivo oficial tem medidas que promovem a integração social ou diminuem o impacto do isolamento. “Isso é importante para manter a expectativa de vida em liberdade no futuro, preservando os laços, ainda que eventualmente muito frágeis, do condenado, algo essencial em um sistema brutal e superlotado, que tende a produzir subjetividades violentas e ressentidas”, disse.

Na avaliação dele, extinguir a saída temporária no Brasil produziria efeitos em um “sistema em estado crítico”. “No curto-médio prazo, a tendência seria um aumento nas resistências ativas e passivas dos presos e seus familiares, com provável episódios de violência intra e extracárcere. No médio-longo prazo medidas legislativas e judiciais precisariam tentar reequilibrar a situação por meio de mecanismos alternativos, como indulto, comutação etc”, afirmou Dieter.

“É compreensível a consternação em torno do homicídio praticado contra um policial por um condenado em saída temporária. Mas a indignação coletiva e toda a emoção que mobiliza atribuem causalidade ao que foi casuístico: a imensa maioria dos que estão em saída temporária não se envolvem em qualquer tipo de crime”, acrescentou o professor.

Diretora-executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Marina Dias cobra que, em vez de revisar o benefício, seria importante discutir questões estruturais do sistema prisional brasileiro. “O Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária, são mais de 832 mil pessoas cumprindo pena. O aumento da violência corre paralelo ao aumento da população prisional e o fortalecimento do crime organizado”, disse.

“Está mais do que na hora de o Brasil fortalecer a política de alternativas penais garantindo que a pessoa que cometeu um crime tenha capacidade de retomar a sua vida, reconstruir laços familiares e na comunidade a partir de uma política que articule a rede de garantias”, acrescentou a diretora-executiva do IDDD. /COLABOROU JOSÉ MARIA TOMAZELA

O benefício da saída temporária a presos, medida prevista em lei, tem motivado críticas recentes. A morte de um sargento da Polícia Militar de Minas por um suspeito que tinha sido beneficiado pela “saidinha” neste mês fez o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestar a favor de mudanças na legislação.

O projeto de lei que extingue a medida foi aprovada no ano passado na Câmara e avançou na Comissão de Segurança Pública do Senado, agora sob relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O plenário do Senado Federal prevê analisar nesta terça-feira, 20, o projeto.

Como o Estadão mostrou, uma ala de governadores está pressionando o Senado para aprovar o projeto de lei que acaba com a saída temporária de presos. A mudança divide especialistas.

  • A favor dessas alterações estão argumentos que citam os crimes cometidos por quem é beneficiado pela medida, como no caso do assassinato do PM. O secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, é uma das vozes mais incisivas pelo endurecimento da legislação, no sentido de extinguir completamente o benefício. A liberação temporária, destacam operadores e especialistas, aprofunda os problemas de violência do País.
  • contra a revisão total das saidinhas há argumentos que apontam que a medida, prevista desde 1984 pela Lei de Execuções Penais, é um mecanismo pensado para melhorar a ressocialização de egressos do sistema penitenciário e pode, em última instância, até mesmo reduzir a reincidência criminal. O endurecimento penal, acrescentam os especialistas, é uma saída já vista pelo Brasil nas últimas décadas e que não apresentou os resultados almejados.

Reportagem do Estadão mostrou que cerca de 4,5% dos detentos liberados pela Justiça de São Paulo para sair provisoriamente da prisão no fim do último ano não retornaram para o sistema penitenciário no período previsto, segundo balanço da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP).

No Rio, ao menos três criminosos líderes do tráfico não retornaram à penitenciária após serem beneficiados com os indultos do Dias das Crianças e do Natal Foto: Fábio Motta/Estadão

Na prática, agora estão nas ruas 1.566 dos 34.547 presos do Estado que tiveram a saída autorizada pelo Poder Judiciário. A taxa segue em patamar parecido ao que vem sendo observado nos últimos anos, quando oscilou entre 4,44% e 4,91%.

  • A saída temporária foi adotada efetivamente a partir da Lei de Execução Penal, de junho de 1984, que lista os principais requisitos para a autorização da liberação de detentos. O texto prevê que, para ser beneficiado, o preso precisa estar em regime semiaberto e ter cumprido ao menos um sexto da pena, se o condenado for primário, ou um quarto, se reincidente.

A liberação pode ser autorizada pelo Judiciário por até cinco vezes ao ano. Entre outras obrigações, o detento não pode consumir bebida alcoólica ou outras substâncias entorpecentes e não deve frequentar bares, casas noturnas ou casas de prostituição durante o período em que está nas ruas. Esses incrementos foram incluídos em 2010.

Entenda a seguir quais são os pontos favoráveis e contrários à revisão da “saidinha” de presos.

‘Chegamos ao limite’: quais são os argumentos a favor do endurecimento da ‘saidinha’?

A morte do sargento da PM Roger Dias da Cunha, baleado à queima-roupa na cabeça durante uma perseguição em Belo Horizonte, fez aumentar os questionamentos sobre a efetividade da saída temporária de presos no Brasil. O homem apontado como o autor dos disparos era um detento, que obteve o benefício e estava no regime semiaberto.

“Chegamos ao limite”, escreveu nas redes sociais o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite. Ex-deputado federal pelo PL, ele tem cobrado a aprovação de projeto de lei que tramita no Senado que prevê o fim das saídas temporárias de presos. A medida foi aprovada na Câmara em agosto de 2022, sob relatoria do próprio Derrite.

“A saída temporária já apresentou diversas provas de que é maléfica para a sociedade, mas dessa vez um policial militar morreu nas mãos de um criminoso que deveria estar atrás das grades, mas estava solto por conta desse benefício que alguns ainda defendem”, comentou Derrite após o assassinato do PM em Minas.

“Que ressocialização é essa que mata? Que ressocialização é essa que deixa o cidadão que não deve nada à Justiça com medo dentro de casa em períodos de festa? Isso é um absurdo”, acrescentou.

  • Evitar crimes cometidos por pessoas beneficiadas pela saidinha é o principal argumento pelo endurecimento da medida.
  • Os que recebem o benefício têm monitoramento precário, já que não há tornozeleiras eletrônicas para serem destinadas a todos. A evasão e a dificuldade de fiscalização são, portanto, riscos da saidinha destacados por críticos.
  • Outro ponto diz respeito a um suposto desvirtuamento da medida. Criada para favorecer a ressocialização, ela seria usada atualmente como meio de atenuar tensões nas cadeias e evitar rebeliões entre os presos, que não aceitariam a revisão do benefício.

Segundo especialistas, desde que a Lei de Execução Penal entrou em vigor, a principal alteração foi feita por meio da Lei 13.964, de 2019, conhecida como pacote anticrime, uma das bandeiras do primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro (PL). Por meio dela, o direito à saída temporária passou a ser proibido para os condenados que cumprem pena por crime hediondo que tenha resultado em morte.

Desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ivana David relembra que, na primeira versão do pacote anticrime, a ideia era proibir a saída temporária para quem tivesse cometido crimes hediondos, como homicídio qualificado e tortura. “O parlamento mudou o pacote anticrime nesse sentido e colocou que só não tem direito à saída temporária o crime hediondo com resultado morte”, disse.

“Essa remodelação foi um prejuízo à sociedade, porque era um projeto que, ao meu ver, seria o ideal, pelo menos nessa fase de crime que estamos vivendo”, acrescenta. Ela afirma que a quantidade e as datas das saídas temporárias permitidas varia conforme em cada Estado, mas reforça que os pré-requisitos podem ser alterados de forma ampla por meio da Lei de Execução Penal.

“O problema é menos o instituto em si (do benefício) e muito mais o desafio que representa a execução da medida”, disse o promotor de Justiça e professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie Fabio Ramazzini Bechara. Segundo ele, as discussões sobre mudanças devem ser baseadas em evidências que mostram ou não a necessidade de ajustes no modelo atual.

“Primeiro, seria importante revisitar os requisitos atuais, para avaliar o quanto eles se revelam adequados ou não para a atual realidade de 2024, considerando os episódios frequentemente reportados. Segundo, pensar de que maneira a tecnologia poderia permitir que todo aquele que saísse ou que estivesse em saída temporária sofresse algum tipo de vigilância”, acrescentou.

Na avaliação dele, esses dois fatores poderiam gerar efeitos imediatos mais efetivos. “O sistema prisional brasileiro se transformou em um ambiente de captura e de cooptação de criminosos. Esse é o outro grande desafio que a gente tem no que se refere ao gerenciamento da ameaça que o fenômeno do crime organizado representa para o País em termos de segurança nacional”, disse.

Para a diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Raquel Gallinati, a lei previu a medida como tentativa do sistema penal em ressocializar o preso. “No entanto, o sistema de execução penal apresenta distorções, já que muitos indivíduos não cumprem a pena no presídio adequado quando estão no regime semiaberto”, disse.

“A fase que deveria ser de ressocialização torna-se, na prática, uma espécie de pós-graduação no crime, pois os detentos continuam na penitenciária cumprindo pena junto com aqueles em regime fechado”, acrescenta. Segundo Raquel, o benefício foi desvirtuado, sendo utilizado frequentemente para evitar rebeliões e acalmar os presos, desviando-se do propósito original.

Pode ser benéfica: quais são os argumentos contra mudanças radicais na ‘saidinha’?

Para Claudio Langroiva, professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), a medida pode ser considerada benéfica para reinserção de presos na sociedade, “desde que aplicada com a seriedade, a responsabilidade e a tecnicidade que a lei exige e que se espera dos gestores do sistema penitenciário”.

“Quem define as datas de saída temporária é a direção do estabelecimento prisional, em geral respeitando um orientação da secretaria de assuntos penitenciários, em um cronograma que não atende apenas datas comemorativas, mas busca ser uniforme para os presos que têm este direito com objetivo de buscar melhores momentos onde o seu objetivo de ressocialização familiar possa ser atingido”, disse.

  • Assim, a saidinha existe com o objetivo de favorecer a ressocialização com a reintegração paulatina à sociedade.
  • O benefício é aplicado mediante revisão de um juiz de execuções penais, que observa as previsões legais para concessão das saídas temporárias, como o tempo de cumprimento da pena e o bom comportamento.
  • O que especialistas também destacam é que, ao contrário da percepção corrente, a taxa de evasão é relativamente baixa: menos de 5% não regressam ao sistema penitenciário.

“O Brasil adotou o sistema progressivo de cumprimento de penas, visando a ressocialização baseada no cumprimento da pena em etapas sucessivas para que o preso alcance a liberdade plena, vinculada, na maioria das vezes, ao requisito temporal e comportamental do executado, ambos previstos no art. 112 da Lei de Execução Penal”, explicam em artigo o professor Langroiva e Bruno Girade Parise, mestre e doutorando em Processo Penal.

“Os dados empíricos reforçam a ideia de ficção, constatada no discurso alarmista, destinado a sustentar um ‘estado de medo’, um ‘estado de alerta’ e, assim, em consonância com outro discurso, o político que sustenta algumas plataformas eleitorais, baseadas no modelo ‘lei e ordem’”, destacam na publicação.

Para Mauricio Dieter, professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), não há boas razões, do ponto de vista criminológico, para extinguir a saída temporária. “Pelo contrário: a melhor literatura (científica) e as melhores práticas sobre o tema sustentam que é desejável um aumento quantitativo e qualitativo na interação familiar e social do preso”, disse.

Ele reforça que os sistemas penitenciários que adotaram a ressocialização como objetivo oficial tem medidas que promovem a integração social ou diminuem o impacto do isolamento. “Isso é importante para manter a expectativa de vida em liberdade no futuro, preservando os laços, ainda que eventualmente muito frágeis, do condenado, algo essencial em um sistema brutal e superlotado, que tende a produzir subjetividades violentas e ressentidas”, disse.

Na avaliação dele, extinguir a saída temporária no Brasil produziria efeitos em um “sistema em estado crítico”. “No curto-médio prazo, a tendência seria um aumento nas resistências ativas e passivas dos presos e seus familiares, com provável episódios de violência intra e extracárcere. No médio-longo prazo medidas legislativas e judiciais precisariam tentar reequilibrar a situação por meio de mecanismos alternativos, como indulto, comutação etc”, afirmou Dieter.

“É compreensível a consternação em torno do homicídio praticado contra um policial por um condenado em saída temporária. Mas a indignação coletiva e toda a emoção que mobiliza atribuem causalidade ao que foi casuístico: a imensa maioria dos que estão em saída temporária não se envolvem em qualquer tipo de crime”, acrescentou o professor.

Diretora-executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Marina Dias cobra que, em vez de revisar o benefício, seria importante discutir questões estruturais do sistema prisional brasileiro. “O Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária, são mais de 832 mil pessoas cumprindo pena. O aumento da violência corre paralelo ao aumento da população prisional e o fortalecimento do crime organizado”, disse.

“Está mais do que na hora de o Brasil fortalecer a política de alternativas penais garantindo que a pessoa que cometeu um crime tenha capacidade de retomar a sua vida, reconstruir laços familiares e na comunidade a partir de uma política que articule a rede de garantias”, acrescentou a diretora-executiva do IDDD. /COLABOROU JOSÉ MARIA TOMAZELA

O benefício da saída temporária a presos, medida prevista em lei, tem motivado críticas recentes. A morte de um sargento da Polícia Militar de Minas por um suspeito que tinha sido beneficiado pela “saidinha” neste mês fez o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestar a favor de mudanças na legislação.

O projeto de lei que extingue a medida foi aprovada no ano passado na Câmara e avançou na Comissão de Segurança Pública do Senado, agora sob relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O plenário do Senado Federal prevê analisar nesta terça-feira, 20, o projeto.

Como o Estadão mostrou, uma ala de governadores está pressionando o Senado para aprovar o projeto de lei que acaba com a saída temporária de presos. A mudança divide especialistas.

  • A favor dessas alterações estão argumentos que citam os crimes cometidos por quem é beneficiado pela medida, como no caso do assassinato do PM. O secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, é uma das vozes mais incisivas pelo endurecimento da legislação, no sentido de extinguir completamente o benefício. A liberação temporária, destacam operadores e especialistas, aprofunda os problemas de violência do País.
  • contra a revisão total das saidinhas há argumentos que apontam que a medida, prevista desde 1984 pela Lei de Execuções Penais, é um mecanismo pensado para melhorar a ressocialização de egressos do sistema penitenciário e pode, em última instância, até mesmo reduzir a reincidência criminal. O endurecimento penal, acrescentam os especialistas, é uma saída já vista pelo Brasil nas últimas décadas e que não apresentou os resultados almejados.

Reportagem do Estadão mostrou que cerca de 4,5% dos detentos liberados pela Justiça de São Paulo para sair provisoriamente da prisão no fim do último ano não retornaram para o sistema penitenciário no período previsto, segundo balanço da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP).

No Rio, ao menos três criminosos líderes do tráfico não retornaram à penitenciária após serem beneficiados com os indultos do Dias das Crianças e do Natal Foto: Fábio Motta/Estadão

Na prática, agora estão nas ruas 1.566 dos 34.547 presos do Estado que tiveram a saída autorizada pelo Poder Judiciário. A taxa segue em patamar parecido ao que vem sendo observado nos últimos anos, quando oscilou entre 4,44% e 4,91%.

  • A saída temporária foi adotada efetivamente a partir da Lei de Execução Penal, de junho de 1984, que lista os principais requisitos para a autorização da liberação de detentos. O texto prevê que, para ser beneficiado, o preso precisa estar em regime semiaberto e ter cumprido ao menos um sexto da pena, se o condenado for primário, ou um quarto, se reincidente.

A liberação pode ser autorizada pelo Judiciário por até cinco vezes ao ano. Entre outras obrigações, o detento não pode consumir bebida alcoólica ou outras substâncias entorpecentes e não deve frequentar bares, casas noturnas ou casas de prostituição durante o período em que está nas ruas. Esses incrementos foram incluídos em 2010.

Entenda a seguir quais são os pontos favoráveis e contrários à revisão da “saidinha” de presos.

‘Chegamos ao limite’: quais são os argumentos a favor do endurecimento da ‘saidinha’?

A morte do sargento da PM Roger Dias da Cunha, baleado à queima-roupa na cabeça durante uma perseguição em Belo Horizonte, fez aumentar os questionamentos sobre a efetividade da saída temporária de presos no Brasil. O homem apontado como o autor dos disparos era um detento, que obteve o benefício e estava no regime semiaberto.

“Chegamos ao limite”, escreveu nas redes sociais o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite. Ex-deputado federal pelo PL, ele tem cobrado a aprovação de projeto de lei que tramita no Senado que prevê o fim das saídas temporárias de presos. A medida foi aprovada na Câmara em agosto de 2022, sob relatoria do próprio Derrite.

“A saída temporária já apresentou diversas provas de que é maléfica para a sociedade, mas dessa vez um policial militar morreu nas mãos de um criminoso que deveria estar atrás das grades, mas estava solto por conta desse benefício que alguns ainda defendem”, comentou Derrite após o assassinato do PM em Minas.

“Que ressocialização é essa que mata? Que ressocialização é essa que deixa o cidadão que não deve nada à Justiça com medo dentro de casa em períodos de festa? Isso é um absurdo”, acrescentou.

  • Evitar crimes cometidos por pessoas beneficiadas pela saidinha é o principal argumento pelo endurecimento da medida.
  • Os que recebem o benefício têm monitoramento precário, já que não há tornozeleiras eletrônicas para serem destinadas a todos. A evasão e a dificuldade de fiscalização são, portanto, riscos da saidinha destacados por críticos.
  • Outro ponto diz respeito a um suposto desvirtuamento da medida. Criada para favorecer a ressocialização, ela seria usada atualmente como meio de atenuar tensões nas cadeias e evitar rebeliões entre os presos, que não aceitariam a revisão do benefício.

Segundo especialistas, desde que a Lei de Execução Penal entrou em vigor, a principal alteração foi feita por meio da Lei 13.964, de 2019, conhecida como pacote anticrime, uma das bandeiras do primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro (PL). Por meio dela, o direito à saída temporária passou a ser proibido para os condenados que cumprem pena por crime hediondo que tenha resultado em morte.

Desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ivana David relembra que, na primeira versão do pacote anticrime, a ideia era proibir a saída temporária para quem tivesse cometido crimes hediondos, como homicídio qualificado e tortura. “O parlamento mudou o pacote anticrime nesse sentido e colocou que só não tem direito à saída temporária o crime hediondo com resultado morte”, disse.

“Essa remodelação foi um prejuízo à sociedade, porque era um projeto que, ao meu ver, seria o ideal, pelo menos nessa fase de crime que estamos vivendo”, acrescenta. Ela afirma que a quantidade e as datas das saídas temporárias permitidas varia conforme em cada Estado, mas reforça que os pré-requisitos podem ser alterados de forma ampla por meio da Lei de Execução Penal.

“O problema é menos o instituto em si (do benefício) e muito mais o desafio que representa a execução da medida”, disse o promotor de Justiça e professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie Fabio Ramazzini Bechara. Segundo ele, as discussões sobre mudanças devem ser baseadas em evidências que mostram ou não a necessidade de ajustes no modelo atual.

“Primeiro, seria importante revisitar os requisitos atuais, para avaliar o quanto eles se revelam adequados ou não para a atual realidade de 2024, considerando os episódios frequentemente reportados. Segundo, pensar de que maneira a tecnologia poderia permitir que todo aquele que saísse ou que estivesse em saída temporária sofresse algum tipo de vigilância”, acrescentou.

Na avaliação dele, esses dois fatores poderiam gerar efeitos imediatos mais efetivos. “O sistema prisional brasileiro se transformou em um ambiente de captura e de cooptação de criminosos. Esse é o outro grande desafio que a gente tem no que se refere ao gerenciamento da ameaça que o fenômeno do crime organizado representa para o País em termos de segurança nacional”, disse.

Para a diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Raquel Gallinati, a lei previu a medida como tentativa do sistema penal em ressocializar o preso. “No entanto, o sistema de execução penal apresenta distorções, já que muitos indivíduos não cumprem a pena no presídio adequado quando estão no regime semiaberto”, disse.

“A fase que deveria ser de ressocialização torna-se, na prática, uma espécie de pós-graduação no crime, pois os detentos continuam na penitenciária cumprindo pena junto com aqueles em regime fechado”, acrescenta. Segundo Raquel, o benefício foi desvirtuado, sendo utilizado frequentemente para evitar rebeliões e acalmar os presos, desviando-se do propósito original.

Pode ser benéfica: quais são os argumentos contra mudanças radicais na ‘saidinha’?

Para Claudio Langroiva, professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), a medida pode ser considerada benéfica para reinserção de presos na sociedade, “desde que aplicada com a seriedade, a responsabilidade e a tecnicidade que a lei exige e que se espera dos gestores do sistema penitenciário”.

“Quem define as datas de saída temporária é a direção do estabelecimento prisional, em geral respeitando um orientação da secretaria de assuntos penitenciários, em um cronograma que não atende apenas datas comemorativas, mas busca ser uniforme para os presos que têm este direito com objetivo de buscar melhores momentos onde o seu objetivo de ressocialização familiar possa ser atingido”, disse.

  • Assim, a saidinha existe com o objetivo de favorecer a ressocialização com a reintegração paulatina à sociedade.
  • O benefício é aplicado mediante revisão de um juiz de execuções penais, que observa as previsões legais para concessão das saídas temporárias, como o tempo de cumprimento da pena e o bom comportamento.
  • O que especialistas também destacam é que, ao contrário da percepção corrente, a taxa de evasão é relativamente baixa: menos de 5% não regressam ao sistema penitenciário.

“O Brasil adotou o sistema progressivo de cumprimento de penas, visando a ressocialização baseada no cumprimento da pena em etapas sucessivas para que o preso alcance a liberdade plena, vinculada, na maioria das vezes, ao requisito temporal e comportamental do executado, ambos previstos no art. 112 da Lei de Execução Penal”, explicam em artigo o professor Langroiva e Bruno Girade Parise, mestre e doutorando em Processo Penal.

“Os dados empíricos reforçam a ideia de ficção, constatada no discurso alarmista, destinado a sustentar um ‘estado de medo’, um ‘estado de alerta’ e, assim, em consonância com outro discurso, o político que sustenta algumas plataformas eleitorais, baseadas no modelo ‘lei e ordem’”, destacam na publicação.

Para Mauricio Dieter, professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), não há boas razões, do ponto de vista criminológico, para extinguir a saída temporária. “Pelo contrário: a melhor literatura (científica) e as melhores práticas sobre o tema sustentam que é desejável um aumento quantitativo e qualitativo na interação familiar e social do preso”, disse.

Ele reforça que os sistemas penitenciários que adotaram a ressocialização como objetivo oficial tem medidas que promovem a integração social ou diminuem o impacto do isolamento. “Isso é importante para manter a expectativa de vida em liberdade no futuro, preservando os laços, ainda que eventualmente muito frágeis, do condenado, algo essencial em um sistema brutal e superlotado, que tende a produzir subjetividades violentas e ressentidas”, disse.

Na avaliação dele, extinguir a saída temporária no Brasil produziria efeitos em um “sistema em estado crítico”. “No curto-médio prazo, a tendência seria um aumento nas resistências ativas e passivas dos presos e seus familiares, com provável episódios de violência intra e extracárcere. No médio-longo prazo medidas legislativas e judiciais precisariam tentar reequilibrar a situação por meio de mecanismos alternativos, como indulto, comutação etc”, afirmou Dieter.

“É compreensível a consternação em torno do homicídio praticado contra um policial por um condenado em saída temporária. Mas a indignação coletiva e toda a emoção que mobiliza atribuem causalidade ao que foi casuístico: a imensa maioria dos que estão em saída temporária não se envolvem em qualquer tipo de crime”, acrescentou o professor.

Diretora-executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Marina Dias cobra que, em vez de revisar o benefício, seria importante discutir questões estruturais do sistema prisional brasileiro. “O Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária, são mais de 832 mil pessoas cumprindo pena. O aumento da violência corre paralelo ao aumento da população prisional e o fortalecimento do crime organizado”, disse.

“Está mais do que na hora de o Brasil fortalecer a política de alternativas penais garantindo que a pessoa que cometeu um crime tenha capacidade de retomar a sua vida, reconstruir laços familiares e na comunidade a partir de uma política que articule a rede de garantias”, acrescentou a diretora-executiva do IDDD. /COLABOROU JOSÉ MARIA TOMAZELA

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