Saidinha de presos: 3 desafios que o Judiciário e o sistema prisional devem enfrentar


Congresso derrubou vetos de Lula e retomou restrições ao benefício da saída temporária a pessoas que cumprem pena no regime semiaberto. Especialistas preveem judicialização e aumento da pressão nas cadeias

Por Marcio Dolzan

A decisão do Congresso Nacional que derrubou os vetos do presidente Lula e praticamente acabou com as saídas temporárias de pessoas presas deverá ter um impacto considerável no sistema prisional. Especialistas ouvidos pelo Estadão apontam pelo menos três consequências decorrentes da mudança: alto grau de judicialização para entender se a medida já vale para a população carcerária atual ou não; maior dificuldade de ressocialização dos presos; e maior tempo de confinamento, com aumento da pressão sobre o sistema e consequente risco de rebeliões.

Além de praticamente extinguir as saídas temporárias - elas passam a valer apenas para a realização de cursos profissionalizantes, de ensino médio ou superior -, a lei também prevê a exigência de exames criminológicos para a progressão de regime penal e o monitoramento eletrônico obrigatório dos detentos que passam para os regimes semiaberto e aberto.

Imagem mostra parte do complexo penitenciário de Tremembé, no interior de São Paulo Foto: Governo de São Paulo
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Nesta terça-feira, por 314 votos pela queda dos vetos do presidente Lula, 126 pela manutenção e duas abstenções, deputados preferiram retomar o texto original aprovado na Casa, que era mais duro sobre as restrições para saidinha. No Senado, 51 acompanharam a posição da Câmara, 11 votaram a favor da “saidinha” e um senador se absteve. A lei havia passado no Congresso em abril, mas posteriormente foi objeto de vetos da Presidência, que acabaram agora derrubados.

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Judicialização: a mudança vale para a população carcerária atual?

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A questão deverá provocar uma série de questionamentos legais, a começar pelo alcance da lei. “O artigo 5 da Constituição Federal diz em seu inciso 40 que a lei não deve retroagir, a não ser em benefício da pessoa que está presa. A gente entende que os efeitos desta lei não devem ser aplicados às pessoas que já estão presas, mas apenas para condenações futuras”, avalia Sofia Fromer, coordenadora de comunicação do Justa, uma entidade que pesquisa questões relacionadas à justiça, política e economia no País.

Para Rafael Borges, que é presidente da Comissão de Segurança Pública e da Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ, a lei tem aplicação imediata para todos que já cumprem pena no País. “Temos essa regra de ouro, da irretroatividade da lei penal quando ela for maléfica ao réu. Só que o que foi decidido diz respeito à execução da pena, e não à lei penal em si. É como se você já estivesse respondendo a um processo e, no meio dele, houvesse alguma mudança nas regras de audiência. Tem incidência imediata”, pondera Borges.

O advogado, contudo, considera que o tema acabará sendo levado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque há o entendimento em alguns setores de que essa mudança é inconstitucional. A validade para a população carcerária atual também poderá ser debatida pela Corte.

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Sobre isso, Sofia Fromer cita outra questão: a obrigatoriedade do exame criminológico para progredir de regime. “Já temos decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não condicionando a realização do exame criminológico à progressão de regime por entender que é inconstitucional”, diz.

A ressocialização de presos será afetada?

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Rafael Borges, da OAB-RJ, aponta que a decisão do Congresso está na contramão de algo que sempre se mostrou efetivo. “O princípio de progressividade norteia a execução penal, é assim há mais de um século”, diz. “A ideia do legislador com a progressão de regime é que a pena tenha uma função ressocializadora. A reinserção do preso no convívio com a sociedade não deve acontecer de forma abrupta, ela deve ser paulatina, progressiva. O que chamam de saidinha é um instrumento de reinserção de preso na sociedade, e é o momento em que a cadeia faz um teste: ‘Olha, vamos deixar você sair, se você fizer tudo direitinho, vai ganhar pontos e ter mais chances de sair novamente’”, pondera ele.

Sofia Fromer concorda. “A progressão significa que a pessoa está aos poucos saindo do sistema, para aos poucos voltar ao convívio social. Na prática, isso não vai mais acontecer”, considera a pesquisadora.

Ela acrescenta, no entanto, que a ressocialização não costuma ser o foco da segurança pública no Brasil. “Nós fizemos um estudo em 2022 que mostra que o Brasil faz um investimento muito alto para prender pessoas, mas não para quando elas estão presas e menos ainda para quando elas são soltas. Para cada R$ 4.389 gastos com polícia, se investe R$ 1.050 com o sistema penitenciário, e apenas R$ 1 em políticas para egressos.”

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Parlamentares que aprovaram a restrição da saidinha no Congresso acreditam que a medida serve para combater o que veem como impunidade. A possibilidade de cometimento de novos crimes durante o exercício do benefício e até mesmo de não retorno para o estabelecimento prisional foram citados pelos deputados e senadores na avaliação de mudança da legislação vigente no atual formato desde 1984.

Como ficam a pressão sobre o sistema carcerário e o risco de rebeliões?

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O Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) elaborou um parecer ainda no ano passado se posicionando contrário às mudanças aprovadas esta semana no Congresso. O documento afirma que estudos científicos e decisões de cortes superiores “têm chegado à mesma conclusão, no sentido de que qualquer tentativa de solução para os graves problemas prisionais diagnosticados passa necessariamente pela adoção emergencial de uma política de desencarceramento”.

O fim das saidinhas deve aumentar a pressão sobre o sistema. “Converse com qualquer diretor de presídio e ele dirá que o momento de se fazer pequenas reformas na unidade é quando acontecem as saídas temporárias. Você não vai colocar um pedreiro ou cortar a água da unidade quando ele está lotado”, lembra Rafael Borges. “Com o fim das saídas, você vai piorar ainda mais as condições carcerárias. E, quanto piores as condições, maior é a propensão de uma rebelião acontecer.”

Para Sofia Fromer, as dificuldades para progredir de regime deverão aumentar a tensão entre os presos. “Se a gente for pensar como são os espaços de aprisionamento das pessoas, dentro de uma penitenciária, são celas fechadas, com horários delimitados de banho de sol, celas que cabem 12 pessoas e que estão com 40. Quando ela vai para um CPP (Centro de Progressão Penitenciária), são espaços em que há alas para circulação, elas ficam mais tempo circulando na unidade prisional, mais tempo fora das celas. Isso dá um certo alívio, além de permitir ao preso trabalhar e estudar fora da unidade prisional. A mudança vai significar que eles vão cumprir pena agora num lugar pior”, avalia.

A decisão do Congresso Nacional que derrubou os vetos do presidente Lula e praticamente acabou com as saídas temporárias de pessoas presas deverá ter um impacto considerável no sistema prisional. Especialistas ouvidos pelo Estadão apontam pelo menos três consequências decorrentes da mudança: alto grau de judicialização para entender se a medida já vale para a população carcerária atual ou não; maior dificuldade de ressocialização dos presos; e maior tempo de confinamento, com aumento da pressão sobre o sistema e consequente risco de rebeliões.

Além de praticamente extinguir as saídas temporárias - elas passam a valer apenas para a realização de cursos profissionalizantes, de ensino médio ou superior -, a lei também prevê a exigência de exames criminológicos para a progressão de regime penal e o monitoramento eletrônico obrigatório dos detentos que passam para os regimes semiaberto e aberto.

Imagem mostra parte do complexo penitenciário de Tremembé, no interior de São Paulo Foto: Governo de São Paulo

Nesta terça-feira, por 314 votos pela queda dos vetos do presidente Lula, 126 pela manutenção e duas abstenções, deputados preferiram retomar o texto original aprovado na Casa, que era mais duro sobre as restrições para saidinha. No Senado, 51 acompanharam a posição da Câmara, 11 votaram a favor da “saidinha” e um senador se absteve. A lei havia passado no Congresso em abril, mas posteriormente foi objeto de vetos da Presidência, que acabaram agora derrubados.

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Judicialização: a mudança vale para a população carcerária atual?

A questão deverá provocar uma série de questionamentos legais, a começar pelo alcance da lei. “O artigo 5 da Constituição Federal diz em seu inciso 40 que a lei não deve retroagir, a não ser em benefício da pessoa que está presa. A gente entende que os efeitos desta lei não devem ser aplicados às pessoas que já estão presas, mas apenas para condenações futuras”, avalia Sofia Fromer, coordenadora de comunicação do Justa, uma entidade que pesquisa questões relacionadas à justiça, política e economia no País.

Para Rafael Borges, que é presidente da Comissão de Segurança Pública e da Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ, a lei tem aplicação imediata para todos que já cumprem pena no País. “Temos essa regra de ouro, da irretroatividade da lei penal quando ela for maléfica ao réu. Só que o que foi decidido diz respeito à execução da pena, e não à lei penal em si. É como se você já estivesse respondendo a um processo e, no meio dele, houvesse alguma mudança nas regras de audiência. Tem incidência imediata”, pondera Borges.

O advogado, contudo, considera que o tema acabará sendo levado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque há o entendimento em alguns setores de que essa mudança é inconstitucional. A validade para a população carcerária atual também poderá ser debatida pela Corte.

Sobre isso, Sofia Fromer cita outra questão: a obrigatoriedade do exame criminológico para progredir de regime. “Já temos decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não condicionando a realização do exame criminológico à progressão de regime por entender que é inconstitucional”, diz.

A ressocialização de presos será afetada?

Rafael Borges, da OAB-RJ, aponta que a decisão do Congresso está na contramão de algo que sempre se mostrou efetivo. “O princípio de progressividade norteia a execução penal, é assim há mais de um século”, diz. “A ideia do legislador com a progressão de regime é que a pena tenha uma função ressocializadora. A reinserção do preso no convívio com a sociedade não deve acontecer de forma abrupta, ela deve ser paulatina, progressiva. O que chamam de saidinha é um instrumento de reinserção de preso na sociedade, e é o momento em que a cadeia faz um teste: ‘Olha, vamos deixar você sair, se você fizer tudo direitinho, vai ganhar pontos e ter mais chances de sair novamente’”, pondera ele.

Sofia Fromer concorda. “A progressão significa que a pessoa está aos poucos saindo do sistema, para aos poucos voltar ao convívio social. Na prática, isso não vai mais acontecer”, considera a pesquisadora.

Ela acrescenta, no entanto, que a ressocialização não costuma ser o foco da segurança pública no Brasil. “Nós fizemos um estudo em 2022 que mostra que o Brasil faz um investimento muito alto para prender pessoas, mas não para quando elas estão presas e menos ainda para quando elas são soltas. Para cada R$ 4.389 gastos com polícia, se investe R$ 1.050 com o sistema penitenciário, e apenas R$ 1 em políticas para egressos.”

Parlamentares que aprovaram a restrição da saidinha no Congresso acreditam que a medida serve para combater o que veem como impunidade. A possibilidade de cometimento de novos crimes durante o exercício do benefício e até mesmo de não retorno para o estabelecimento prisional foram citados pelos deputados e senadores na avaliação de mudança da legislação vigente no atual formato desde 1984.

Como ficam a pressão sobre o sistema carcerário e o risco de rebeliões?

O Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) elaborou um parecer ainda no ano passado se posicionando contrário às mudanças aprovadas esta semana no Congresso. O documento afirma que estudos científicos e decisões de cortes superiores “têm chegado à mesma conclusão, no sentido de que qualquer tentativa de solução para os graves problemas prisionais diagnosticados passa necessariamente pela adoção emergencial de uma política de desencarceramento”.

O fim das saidinhas deve aumentar a pressão sobre o sistema. “Converse com qualquer diretor de presídio e ele dirá que o momento de se fazer pequenas reformas na unidade é quando acontecem as saídas temporárias. Você não vai colocar um pedreiro ou cortar a água da unidade quando ele está lotado”, lembra Rafael Borges. “Com o fim das saídas, você vai piorar ainda mais as condições carcerárias. E, quanto piores as condições, maior é a propensão de uma rebelião acontecer.”

Para Sofia Fromer, as dificuldades para progredir de regime deverão aumentar a tensão entre os presos. “Se a gente for pensar como são os espaços de aprisionamento das pessoas, dentro de uma penitenciária, são celas fechadas, com horários delimitados de banho de sol, celas que cabem 12 pessoas e que estão com 40. Quando ela vai para um CPP (Centro de Progressão Penitenciária), são espaços em que há alas para circulação, elas ficam mais tempo circulando na unidade prisional, mais tempo fora das celas. Isso dá um certo alívio, além de permitir ao preso trabalhar e estudar fora da unidade prisional. A mudança vai significar que eles vão cumprir pena agora num lugar pior”, avalia.

A decisão do Congresso Nacional que derrubou os vetos do presidente Lula e praticamente acabou com as saídas temporárias de pessoas presas deverá ter um impacto considerável no sistema prisional. Especialistas ouvidos pelo Estadão apontam pelo menos três consequências decorrentes da mudança: alto grau de judicialização para entender se a medida já vale para a população carcerária atual ou não; maior dificuldade de ressocialização dos presos; e maior tempo de confinamento, com aumento da pressão sobre o sistema e consequente risco de rebeliões.

Além de praticamente extinguir as saídas temporárias - elas passam a valer apenas para a realização de cursos profissionalizantes, de ensino médio ou superior -, a lei também prevê a exigência de exames criminológicos para a progressão de regime penal e o monitoramento eletrônico obrigatório dos detentos que passam para os regimes semiaberto e aberto.

Imagem mostra parte do complexo penitenciário de Tremembé, no interior de São Paulo Foto: Governo de São Paulo

Nesta terça-feira, por 314 votos pela queda dos vetos do presidente Lula, 126 pela manutenção e duas abstenções, deputados preferiram retomar o texto original aprovado na Casa, que era mais duro sobre as restrições para saidinha. No Senado, 51 acompanharam a posição da Câmara, 11 votaram a favor da “saidinha” e um senador se absteve. A lei havia passado no Congresso em abril, mas posteriormente foi objeto de vetos da Presidência, que acabaram agora derrubados.

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Judicialização: a mudança vale para a população carcerária atual?

A questão deverá provocar uma série de questionamentos legais, a começar pelo alcance da lei. “O artigo 5 da Constituição Federal diz em seu inciso 40 que a lei não deve retroagir, a não ser em benefício da pessoa que está presa. A gente entende que os efeitos desta lei não devem ser aplicados às pessoas que já estão presas, mas apenas para condenações futuras”, avalia Sofia Fromer, coordenadora de comunicação do Justa, uma entidade que pesquisa questões relacionadas à justiça, política e economia no País.

Para Rafael Borges, que é presidente da Comissão de Segurança Pública e da Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ, a lei tem aplicação imediata para todos que já cumprem pena no País. “Temos essa regra de ouro, da irretroatividade da lei penal quando ela for maléfica ao réu. Só que o que foi decidido diz respeito à execução da pena, e não à lei penal em si. É como se você já estivesse respondendo a um processo e, no meio dele, houvesse alguma mudança nas regras de audiência. Tem incidência imediata”, pondera Borges.

O advogado, contudo, considera que o tema acabará sendo levado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque há o entendimento em alguns setores de que essa mudança é inconstitucional. A validade para a população carcerária atual também poderá ser debatida pela Corte.

Sobre isso, Sofia Fromer cita outra questão: a obrigatoriedade do exame criminológico para progredir de regime. “Já temos decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não condicionando a realização do exame criminológico à progressão de regime por entender que é inconstitucional”, diz.

A ressocialização de presos será afetada?

Rafael Borges, da OAB-RJ, aponta que a decisão do Congresso está na contramão de algo que sempre se mostrou efetivo. “O princípio de progressividade norteia a execução penal, é assim há mais de um século”, diz. “A ideia do legislador com a progressão de regime é que a pena tenha uma função ressocializadora. A reinserção do preso no convívio com a sociedade não deve acontecer de forma abrupta, ela deve ser paulatina, progressiva. O que chamam de saidinha é um instrumento de reinserção de preso na sociedade, e é o momento em que a cadeia faz um teste: ‘Olha, vamos deixar você sair, se você fizer tudo direitinho, vai ganhar pontos e ter mais chances de sair novamente’”, pondera ele.

Sofia Fromer concorda. “A progressão significa que a pessoa está aos poucos saindo do sistema, para aos poucos voltar ao convívio social. Na prática, isso não vai mais acontecer”, considera a pesquisadora.

Ela acrescenta, no entanto, que a ressocialização não costuma ser o foco da segurança pública no Brasil. “Nós fizemos um estudo em 2022 que mostra que o Brasil faz um investimento muito alto para prender pessoas, mas não para quando elas estão presas e menos ainda para quando elas são soltas. Para cada R$ 4.389 gastos com polícia, se investe R$ 1.050 com o sistema penitenciário, e apenas R$ 1 em políticas para egressos.”

Parlamentares que aprovaram a restrição da saidinha no Congresso acreditam que a medida serve para combater o que veem como impunidade. A possibilidade de cometimento de novos crimes durante o exercício do benefício e até mesmo de não retorno para o estabelecimento prisional foram citados pelos deputados e senadores na avaliação de mudança da legislação vigente no atual formato desde 1984.

Como ficam a pressão sobre o sistema carcerário e o risco de rebeliões?

O Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) elaborou um parecer ainda no ano passado se posicionando contrário às mudanças aprovadas esta semana no Congresso. O documento afirma que estudos científicos e decisões de cortes superiores “têm chegado à mesma conclusão, no sentido de que qualquer tentativa de solução para os graves problemas prisionais diagnosticados passa necessariamente pela adoção emergencial de uma política de desencarceramento”.

O fim das saidinhas deve aumentar a pressão sobre o sistema. “Converse com qualquer diretor de presídio e ele dirá que o momento de se fazer pequenas reformas na unidade é quando acontecem as saídas temporárias. Você não vai colocar um pedreiro ou cortar a água da unidade quando ele está lotado”, lembra Rafael Borges. “Com o fim das saídas, você vai piorar ainda mais as condições carcerárias. E, quanto piores as condições, maior é a propensão de uma rebelião acontecer.”

Para Sofia Fromer, as dificuldades para progredir de regime deverão aumentar a tensão entre os presos. “Se a gente for pensar como são os espaços de aprisionamento das pessoas, dentro de uma penitenciária, são celas fechadas, com horários delimitados de banho de sol, celas que cabem 12 pessoas e que estão com 40. Quando ela vai para um CPP (Centro de Progressão Penitenciária), são espaços em que há alas para circulação, elas ficam mais tempo circulando na unidade prisional, mais tempo fora das celas. Isso dá um certo alívio, além de permitir ao preso trabalhar e estudar fora da unidade prisional. A mudança vai significar que eles vão cumprir pena agora num lugar pior”, avalia.

A decisão do Congresso Nacional que derrubou os vetos do presidente Lula e praticamente acabou com as saídas temporárias de pessoas presas deverá ter um impacto considerável no sistema prisional. Especialistas ouvidos pelo Estadão apontam pelo menos três consequências decorrentes da mudança: alto grau de judicialização para entender se a medida já vale para a população carcerária atual ou não; maior dificuldade de ressocialização dos presos; e maior tempo de confinamento, com aumento da pressão sobre o sistema e consequente risco de rebeliões.

Além de praticamente extinguir as saídas temporárias - elas passam a valer apenas para a realização de cursos profissionalizantes, de ensino médio ou superior -, a lei também prevê a exigência de exames criminológicos para a progressão de regime penal e o monitoramento eletrônico obrigatório dos detentos que passam para os regimes semiaberto e aberto.

Imagem mostra parte do complexo penitenciário de Tremembé, no interior de São Paulo Foto: Governo de São Paulo

Nesta terça-feira, por 314 votos pela queda dos vetos do presidente Lula, 126 pela manutenção e duas abstenções, deputados preferiram retomar o texto original aprovado na Casa, que era mais duro sobre as restrições para saidinha. No Senado, 51 acompanharam a posição da Câmara, 11 votaram a favor da “saidinha” e um senador se absteve. A lei havia passado no Congresso em abril, mas posteriormente foi objeto de vetos da Presidência, que acabaram agora derrubados.

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Judicialização: a mudança vale para a população carcerária atual?

A questão deverá provocar uma série de questionamentos legais, a começar pelo alcance da lei. “O artigo 5 da Constituição Federal diz em seu inciso 40 que a lei não deve retroagir, a não ser em benefício da pessoa que está presa. A gente entende que os efeitos desta lei não devem ser aplicados às pessoas que já estão presas, mas apenas para condenações futuras”, avalia Sofia Fromer, coordenadora de comunicação do Justa, uma entidade que pesquisa questões relacionadas à justiça, política e economia no País.

Para Rafael Borges, que é presidente da Comissão de Segurança Pública e da Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ, a lei tem aplicação imediata para todos que já cumprem pena no País. “Temos essa regra de ouro, da irretroatividade da lei penal quando ela for maléfica ao réu. Só que o que foi decidido diz respeito à execução da pena, e não à lei penal em si. É como se você já estivesse respondendo a um processo e, no meio dele, houvesse alguma mudança nas regras de audiência. Tem incidência imediata”, pondera Borges.

O advogado, contudo, considera que o tema acabará sendo levado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque há o entendimento em alguns setores de que essa mudança é inconstitucional. A validade para a população carcerária atual também poderá ser debatida pela Corte.

Sobre isso, Sofia Fromer cita outra questão: a obrigatoriedade do exame criminológico para progredir de regime. “Já temos decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não condicionando a realização do exame criminológico à progressão de regime por entender que é inconstitucional”, diz.

A ressocialização de presos será afetada?

Rafael Borges, da OAB-RJ, aponta que a decisão do Congresso está na contramão de algo que sempre se mostrou efetivo. “O princípio de progressividade norteia a execução penal, é assim há mais de um século”, diz. “A ideia do legislador com a progressão de regime é que a pena tenha uma função ressocializadora. A reinserção do preso no convívio com a sociedade não deve acontecer de forma abrupta, ela deve ser paulatina, progressiva. O que chamam de saidinha é um instrumento de reinserção de preso na sociedade, e é o momento em que a cadeia faz um teste: ‘Olha, vamos deixar você sair, se você fizer tudo direitinho, vai ganhar pontos e ter mais chances de sair novamente’”, pondera ele.

Sofia Fromer concorda. “A progressão significa que a pessoa está aos poucos saindo do sistema, para aos poucos voltar ao convívio social. Na prática, isso não vai mais acontecer”, considera a pesquisadora.

Ela acrescenta, no entanto, que a ressocialização não costuma ser o foco da segurança pública no Brasil. “Nós fizemos um estudo em 2022 que mostra que o Brasil faz um investimento muito alto para prender pessoas, mas não para quando elas estão presas e menos ainda para quando elas são soltas. Para cada R$ 4.389 gastos com polícia, se investe R$ 1.050 com o sistema penitenciário, e apenas R$ 1 em políticas para egressos.”

Parlamentares que aprovaram a restrição da saidinha no Congresso acreditam que a medida serve para combater o que veem como impunidade. A possibilidade de cometimento de novos crimes durante o exercício do benefício e até mesmo de não retorno para o estabelecimento prisional foram citados pelos deputados e senadores na avaliação de mudança da legislação vigente no atual formato desde 1984.

Como ficam a pressão sobre o sistema carcerário e o risco de rebeliões?

O Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) elaborou um parecer ainda no ano passado se posicionando contrário às mudanças aprovadas esta semana no Congresso. O documento afirma que estudos científicos e decisões de cortes superiores “têm chegado à mesma conclusão, no sentido de que qualquer tentativa de solução para os graves problemas prisionais diagnosticados passa necessariamente pela adoção emergencial de uma política de desencarceramento”.

O fim das saidinhas deve aumentar a pressão sobre o sistema. “Converse com qualquer diretor de presídio e ele dirá que o momento de se fazer pequenas reformas na unidade é quando acontecem as saídas temporárias. Você não vai colocar um pedreiro ou cortar a água da unidade quando ele está lotado”, lembra Rafael Borges. “Com o fim das saídas, você vai piorar ainda mais as condições carcerárias. E, quanto piores as condições, maior é a propensão de uma rebelião acontecer.”

Para Sofia Fromer, as dificuldades para progredir de regime deverão aumentar a tensão entre os presos. “Se a gente for pensar como são os espaços de aprisionamento das pessoas, dentro de uma penitenciária, são celas fechadas, com horários delimitados de banho de sol, celas que cabem 12 pessoas e que estão com 40. Quando ela vai para um CPP (Centro de Progressão Penitenciária), são espaços em que há alas para circulação, elas ficam mais tempo circulando na unidade prisional, mais tempo fora das celas. Isso dá um certo alívio, além de permitir ao preso trabalhar e estudar fora da unidade prisional. A mudança vai significar que eles vão cumprir pena agora num lugar pior”, avalia.

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